Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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quarta-feira, 9 de maio de 2012

O Esperado Não de Hollande a Berlim - Juros encabrestados

 
 
 
 
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O Esperado Não de Hollande a Berlim
 
Mauro Santayana
 
A senhora Ângela Merkel, tenha disso consciência ou não, age de acordo com a velha arrogância prussiana, ao convidar François Hollande a visitar Berlim, no próximo dia 16 – logo depois de empossado. Foi quase uma convocação. Ela deixou claro, ao cumprimentar o novo presidente, que podem falar de tudo, menos do essencial: da “austeridade” orçamentária. Austeridade, na visão germânica da política européia, significa seguir o caminho percorrido até agora, com os bancos recebendo bilhões e bilhões de euros, emitidos sem lastro, e os usando para as especulações de seu interesse e para encalacrar ainda mais os países meridionais. Os bancos receberam o dinheiro do Banco Central Europeu a 1% ao ano e os repassam, ao estados em crise a juros de 6 a 9% ao ano. Um “spread” escorchante.
Se François Hollande, fatigado pela campanha e pelos festejos da vitória, não estivesse desatento, poderia ter sugerido que o encontro se fizesse em Bruxelas, sede da União Européia, e não em Berlim. Se ela pretende discutir o desenvolvimento econômico continental, o lugar do encontro não poderia ser outro que não Bruxelas, a menos que ela, em gesto de boa diplomacia, houvesse proposto visitar Paris.
A senhora Merkel faz lembrar um de seus antecessores na Chancelaria do Reich, que convocou a Munique os primeiros ministros da França (Daladier), da Itália (Mussolini) e da Inglaterra (Chamberlain) a fim de lhes impor sua vontade, a de apoderar-se de grande parte do território tchecoslovaco. O fantasma de Hitler está sob o portal de Brandenburgo.
Hollande só conseguirá reaver-se do descuidado “oui”, que deve ter soado aos ouvidos de Ângela Merkel como um obediente “jawohl!”, se – diante da imposição alemã – se mantiver firme, em seu propósito de aliviar os sacrifícios impostos aos trabalhadores europeus, com a chamada “austeridade”. A Europa será devolvida aos seus cidadãos, ou continuará dirigida e saqueada pelos banqueiros do Goldman Sachs e associados menores, que hoje exercem o poder de fato no continente, e disso retiram seu proveito.
Para os observadores desinformados e irônicos, o encontro – antes mesmo que Hollande se sinta em seu gabinete presidencial – poderá ser entendido como uma audiência para o recebimento de normas e instruções.
Atenas pode não ter a importância – e não tem – de Paris, mas é um símbolo do poder e da razão política bem mais antigo.
A derrota da coligação que se encontrava no governo (só se obtiveram as cadeiras no parlamento, pela legislação que lhe assegurou 50 vagas a mais do que os escrutínios), e a vitória da esquerda, eram esperadas. Não se contava com a atrevida emersão do partido neonazista, sob o nome inocente de “Aurora Dourada” e a suástica, redesenhada, como seu símbolo. Começou bem, já com tropa de assalto formada, exigindo dos jornalistas que se levantassem para receber o líder, e expulsando da sala os que se recusaram ao “gesto de respeito” para com o novo palhaço, louco e racista. Seu primeiro projeto é o de minar as fronteiras gregas, a fim de impedir a entrada de estrangeiros.
Uma vez que a coligação que se encontrava no poder não conseguiu formar o novo governo, caberá à esquerda faze-lo, e nas próximas 48 horas. Espera-se que as lições européias dos anos 30 inspirem os democratas gregos, e que eles estabeleçam uma aliança de centro, capaz de vencer as pressões externas com habilidade, e reendereçar a economia do país mediante o fortalecimento do Estado e uma política de desenvolvimento social em busca do pleno emprego.
Hollande lembrou o new deal de Roosevelt em sua campanha. Foi bom que o fizesse. Há oito décadas, em 1932, diante de uma recessão que alguns consideram menor do que a de hoje, o Estado foi compelido, à esquerda e à direita, a intervir diretamente na economia. Na Alemanha, a resposta foi a do nazismo, com a eleição de Hitler; na Itália, a do Instituto de Reconstrução Industrial – criado por Alberto Beneduce – que interveio fortemente nas atividades produtivas, política mantida depois da vitória aliada, até o neoliberalismo dos anos 80 e 90, que jogou a Europa na crise atual.
Roosevelt conseguiu impor o seu programa de recuperação industrial, ao encoleirar os banqueiros e intervir, sem vacilação, em todos os aspectos da economia e da cultura de seu país, levando-o à vitória na Segunda Guerra Mundial, que se celebra exatamente hoje. Hollande tem razão: projeto semelhante ao de Roosevelt pode salvar a Europa.
É preciso impedir que o atrevimento do novo nazismo atinja, de igual forma, a Itália, a Espanha e a Alemanha – como o de Hitler nos anos 30. A França de Hollande deve resistir ao Diktat alemão, o que a França de Pétain não foi capaz de fazer diante de Hitler.
 

Juros encabrestados

Mauro Santayana

A presidente teve a coragem de enfrentar a bancada da Febraban e os famosos analistas econômicos dos grandes jornais, tão interessados em defender as corporações financeiras, e tão pouco empenhados em defender o desenvolvimento econômico do país.

Não há melhor definição da importância e da perversão dos bancos do que a de um comitê de intelectuais – entre eles editores de jornais – que se reuniu em março de 1829, na cidade de Filadélfia. Depois de uma semana de discussão, o comitê redigiu sua conclusão sobre o sistema financeiro, por unanimidade. O sumo do documento foi publicado por The Free Advocate em sua edição semanal de 9 a 16 de maio do mesmo ano:

“Que os bancos sejam úteis como instituições de depósito e transferências, nós podemos admitir prontamente, mas não podemos concordar que esses benefícios sejam tão grandes como para compensar os males que produzem, ao criar artificial desigualdade de riquezas e, dessa forma, artificial desigualdade de poder. Se o atual sistema bancário e de papel moeda ampliar-se e perpetuar-se, os trabalhadores devem abandonar todas as esperanças de adquirir qualquer propriedade”.

Do Comitê participavam dois economistas destacados e editores de jornais, William Gouge, da Philadelphia Gazette, e Condy Raguet, do Free Trade Advocate; William Dune, velho jornalista jefersoniano; o filantropo Robert Vaux, Ruben Whitney, ex-diretor do Banco e os líderes sindicais William English e James Ronaldson. O encontro foi registrado por Arthur M. Schlesinger, Jr. em seu estudo clássico sobre o período, “The Age of Jackson”, publicado em 1945.

O formato atual do sistema se iniciou durante o mercantilismo europeu, com o surgimento de agentes financeiros, que emitiam notas de câmbio descontadas por seus correspondentes nas principais praças comerciais do continente, e se desenvolveu a partir do Renascimento, com as casas bancárias de Veneza e Florença, no Sul, e de Hamburgo e Amsterdã, no Norte.

O acúmulo de recursos lhes permitiu envolver-se com a política, no financiamento dos estados nacionais, como ocorreu na Guerra dos Cem Anos, quando banqueiros florentinos, os Bardi e os Peruzzi, emprestaram um milhão e duzentos mil florins de ouro a Eduardo III, a fim de custear o início da Guerra dos Cem Anos, no século 14.

Os Fugger da Alemanha, os maiores capitalistas do século seguinte, foram banqueiros dos papas, encarregando-se de recolher e administrar o dinheiro das indulgências vendidas pelo Vaticano e dos impostos cobrados pelos estados pontifícios.

O libelo dos cidadãos de Filadélfia continua atual. Os bancos não só patrocinam a desigualdade social, ao destinar os recursos dos estados e do povo aos próprios negócios, e no financiamento aos milionários, mas também os utilizam para eleger seus delegados aos parlamentos e, assim, frequentemente corromper e controlar o poder político. Assim, os governantes atuam em sua defesa, como ocorreu em nosso país com o Proer e a entrega de bancos nacionais aos estrangeiros por preços simbólicos, como ocorreu na “venda” do Bamerindus, do Banespa e de outras instituições. O Santander é um exemplo: seu último balanço exibe resultados superiores a duas vezes os seus ativos no país.

Na Europa, como sabemos, os governos emitiram um trilhão de euros e os entregaram ao BCE, para recuperar a economia continental. Em lugar de fazê-lo, a instituição os repassa aos bancos privados a juros de 1% ao ano, a fim de que estes emprestem aos estados em dificuldades - mas a taxas de 6 a 8,5% ao ano. Para honrar esses juros, os governos cortam na saúde, na educação, nos investimentos produtivos, levando o desemprego ao paroxismo, e multiplicando a miséria, como está ocorrendo na Espanha, na Grécia e em Portugal.

No Brasil, a audácia dos banqueiros privados vai além de toda a cautela. Os juros cobrados dos mais pobres – os que são compelidos a valer-se dos empréstimos de curto prazo, mediante o cheque especial, e do refinanciamento das faturas dos cartões de crédito – são infernais: 238% ao ano, no caso dos cartões, e de 185% nos cheques especiais.

Para que tenhamos uma idéia do assalto: na Grã Bretanha, com as dificuldades conhecidas, os juros sobre as faturas não saldadas dos cartões de crédito não ultrapassam 30% ao ano, ou seja, são de cerca de 1/8 das taxas cobradas em nosso país.

A presidente teve a coragem de enfrentar a bancada da Febraban e os famosos analistas econômicos dos grandes jornais, tão interessados em defender as corporações financeiras, e tão pouco empenhados em defender o desenvolvimento econômico do país. Suas providências técnicas, como a da redução dos juros pagos às cadernetas de poupança – em proporção insignificante, mas suficiente para empurrar as taxas de remuneração das aplicações financeiras para baixo, não prejudicam os clientes dos bancos, mas impõem uma sensível redução do spread. Enfim, encabresta os agiotas do sistema bancário, tão danosos ao país quanto a organização de Carlos Cachoeira.

Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.

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