Vila Euclides: uma revolução molecular
Em uma conjuntura de crise e de crescimento acelerado do desemprego nos EUA e na Zona do Euro, talvez o melhor exercício neste 1º de maio de 2012 seja revisitar as lutas travadas nas décadas de 1970 e 1980 para perceber o quanto ganhamos, em massa crítica acumulada, no mundo do trabalho.
Gilson Caroni Filho
Talvez o melhor exercício neste 1º de maio de 2012 seja revisitar as lutas travadas nas décadas de 1970 e 1980 para perceber o quanto ganhamos, em massa crítica acumulada, no mundo do trabalho. Deixando para trás, tendências que, no final da ditadura, desejavam, quando muito, uma readaptação do corporativismo aos novos tempos que chegavam, correntes que rejeitavam toda tutela e paternalismo governamental tiraram o sindicalismo do sono letárgico do "jogo de aparelhos", de estruturas sindicais azeitadas, para levá-lo ao eterno jogo da conciliação de classes.
Quando, no dia 12 de março de 1978, os trabalhadores da Saab-Scania, em São Bernardo, param as máquinas e cruzam os braços, eles iniciam um novo momento no movimento operário e na luta política no Brasil. A greve estendeu-se às fábricas vizinhas e, em menos de dez dias, mais de 30 mil trabalhadores ampliaram o movimento para as cidades do ABC paulista. Foram greves por fábrica, sem piquetes, e a elas se sucederam as greves por categorias que, uma após outra, cidade após cidade, em todos os estados, mudaram o quadro sindical, sacudiram o país de alto a baixo, num ascenso que se estenderia até 1979.
As marcas desse processo são a espontaneidade, a combatividade de suas direções, muitas surgidas por fora e atropelando os sindicatos e seu isolamento. As greves por categoria, mesmo não coincidindo no tempo e no espaço, não se articulavam em comandos unificados e ações conjuntas. Os patrões e os governos, pegos de surpresa, conhecem a mais dura derrota nos anos de chumbo. Nos dois anos seguintes, o ciclo das greves espontâneas e por categoria se encerra. As novas lideranças sabiam que, dali em diante, para conseguirem vitórias significativas, precisariam ultrapassar os limites da negociação patronal e enfrentar diretamente o regime militar e sua política econômica e social.
Os setores avançados do sindicalismo já tinham colocado essas questões na agenda do movimento: o Congresso dos metalúrgicos, no final de 1978, aprovara uma resolução para combater a CLT e a estrutura sindical corporativa -o AI-5 dos trabalhadores. Propunham o aprofundamento da organização nas bases, através das comissões de fábricas e a construção da Central Única dos Trabalhadores. A esquerda tradicional, que namorava os novos sindicalistas, vai afastando-se na medida em que estes vão definindo uma estratégia de combate calcada na independência política. O afastamento se aprofunda quando o setor mais avançado da classe trabalhadora propõe e articula a criação do Partido dos Trabalhadores. O embrião da mais original formação política de esquerda começa, como vemos na dinâmica própria do mundo do trabalho.
O período aberto pela greve de 21 de julho de 1983 já tem características fundamentalmente diferentes das lutas operárias anteriores. A iniciativa de Paulínia / São Bernardo conseguira fazer sair do papel proposta de greve geral e impulsionara uma unidade de ação que superava os marcos do apoliticismo e conservadorismo da estrutura sindical. A avaliação desse período não poderia ser feita sem levar em conta a adequação da burguesia e da ditadura às mudanças conjunturais. A estratégia não poderia ser mais equivocada: chamam os pelegos - Joaquinzão à frente - para um diálogo e tramam canalizar a greve para um acordo com a ditadura e a mobilização de massas para dentro do que havia de mais atrasado no mundo sindical. Erraram na dose, erraram de interlocução. A tentativa de isolar o sindicalismo autêntico dos setores de massa já não era mais possível, e por um motivo bem simples: na ação, a base dos movimentos já demonstrara sua independência da direção nas greves de 1979 e 1980.
Hoje, passados mais de 30 anos dos fatos relembrados, o relatório sobre o emprego no mundo, da Organização Internacional do Trabalho, confere ao país um notável destaque no cenário mundial.
Segundo o diretor-geral da OIT, Juan Somavia, os países que não sacrificaram o setor trabalhista estão superando a crise mais facilmente. O Brasil, que teve aumento de emprego, é citado no relatório como exemplo de país que adotou "políticas sociais e laborais adequadas.”
Em uma conjuntura de crise e de crescimento acelerado do desemprego nos Estados Unidos e na Zona do Euro, a situação privilegiada do país deve-se, sem dúvida, à correção da política macroeconômica dos governos de Lula e da presidente Dilma, mas se formos sondar sua essência ouviremos as palavras de ordem das grandes assembléias no então Estádio da Vila Euclides. É contra essas silenciosas e moleculares revoluções que as classes dominantes e seu braço corporativo se voltam desde 1978. Até aqui, 1º de maio de 2012, não obtiveram sucesso.
Quando, no dia 12 de março de 1978, os trabalhadores da Saab-Scania, em São Bernardo, param as máquinas e cruzam os braços, eles iniciam um novo momento no movimento operário e na luta política no Brasil. A greve estendeu-se às fábricas vizinhas e, em menos de dez dias, mais de 30 mil trabalhadores ampliaram o movimento para as cidades do ABC paulista. Foram greves por fábrica, sem piquetes, e a elas se sucederam as greves por categorias que, uma após outra, cidade após cidade, em todos os estados, mudaram o quadro sindical, sacudiram o país de alto a baixo, num ascenso que se estenderia até 1979.
As marcas desse processo são a espontaneidade, a combatividade de suas direções, muitas surgidas por fora e atropelando os sindicatos e seu isolamento. As greves por categoria, mesmo não coincidindo no tempo e no espaço, não se articulavam em comandos unificados e ações conjuntas. Os patrões e os governos, pegos de surpresa, conhecem a mais dura derrota nos anos de chumbo. Nos dois anos seguintes, o ciclo das greves espontâneas e por categoria se encerra. As novas lideranças sabiam que, dali em diante, para conseguirem vitórias significativas, precisariam ultrapassar os limites da negociação patronal e enfrentar diretamente o regime militar e sua política econômica e social.
Os setores avançados do sindicalismo já tinham colocado essas questões na agenda do movimento: o Congresso dos metalúrgicos, no final de 1978, aprovara uma resolução para combater a CLT e a estrutura sindical corporativa -o AI-5 dos trabalhadores. Propunham o aprofundamento da organização nas bases, através das comissões de fábricas e a construção da Central Única dos Trabalhadores. A esquerda tradicional, que namorava os novos sindicalistas, vai afastando-se na medida em que estes vão definindo uma estratégia de combate calcada na independência política. O afastamento se aprofunda quando o setor mais avançado da classe trabalhadora propõe e articula a criação do Partido dos Trabalhadores. O embrião da mais original formação política de esquerda começa, como vemos na dinâmica própria do mundo do trabalho.
O período aberto pela greve de 21 de julho de 1983 já tem características fundamentalmente diferentes das lutas operárias anteriores. A iniciativa de Paulínia / São Bernardo conseguira fazer sair do papel proposta de greve geral e impulsionara uma unidade de ação que superava os marcos do apoliticismo e conservadorismo da estrutura sindical. A avaliação desse período não poderia ser feita sem levar em conta a adequação da burguesia e da ditadura às mudanças conjunturais. A estratégia não poderia ser mais equivocada: chamam os pelegos - Joaquinzão à frente - para um diálogo e tramam canalizar a greve para um acordo com a ditadura e a mobilização de massas para dentro do que havia de mais atrasado no mundo sindical. Erraram na dose, erraram de interlocução. A tentativa de isolar o sindicalismo autêntico dos setores de massa já não era mais possível, e por um motivo bem simples: na ação, a base dos movimentos já demonstrara sua independência da direção nas greves de 1979 e 1980.
Hoje, passados mais de 30 anos dos fatos relembrados, o relatório sobre o emprego no mundo, da Organização Internacional do Trabalho, confere ao país um notável destaque no cenário mundial.
Segundo o diretor-geral da OIT, Juan Somavia, os países que não sacrificaram o setor trabalhista estão superando a crise mais facilmente. O Brasil, que teve aumento de emprego, é citado no relatório como exemplo de país que adotou "políticas sociais e laborais adequadas.”
Em uma conjuntura de crise e de crescimento acelerado do desemprego nos Estados Unidos e na Zona do Euro, a situação privilegiada do país deve-se, sem dúvida, à correção da política macroeconômica dos governos de Lula e da presidente Dilma, mas se formos sondar sua essência ouviremos as palavras de ordem das grandes assembléias no então Estádio da Vila Euclides. É contra essas silenciosas e moleculares revoluções que as classes dominantes e seu braço corporativo se voltam desde 1978. Até aqui, 1º de maio de 2012, não obtiveram sucesso.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5577&fb_source=message
Não foi erguida nenhuma estátua em memória dos mártires de Chicago nem na cidade de Chicago. Nem estátua, nem monolito, nem placa de bronze, nem nada.
Galeano e o 1º de Maio nos EUA
Por Eduardo Galeano, em "O livro dos abraços":
Chicago está cheia de fábricas. Existem fábricas até no centro da cidade, ao redor de um dos edifícios mais altos do mundo. Chicago está cheia de fábricas, Chicago está cheia de operários.
Ao chegar ao bairro de Heymarket, peço aos meus amigos que me mostrem o lugar onde foram enforcados, em 1886, aqueles operários que o mundo inteiro saúda a cada primeiro de maio. – Deve ser por aqui – me dizem. Mas ninguém sabe. Não foi erguida nenhuma estátua em memória dos mártires de Chicago nem na cidade de Chicago. Nem estátua, nem monolito, nem placa de bronze, nem nada.
O primeiro de maio é o único dia verdadeiramente universal da humanidade inteira, o único dia no qual coincidem todas as histórias e todas as geografias, todas as línguas e as religiões e as culturas do mundo; mas nos Estados Unidos o primeiro de maio é um dia como qualquer outro. Nesse dia, as pessoas trabalham normalmente, e ninguém, ou quase ninguém, recorda que os direitos da classe operária não brotaram do vento, ou da mão de Deus ou do amo.
Após a inútil exploração de Heymarket, meus amigos me levam para conhecer a melhor livraria da cidade. E lá, por pura curiosidade, por pura casualidade, descubro um velho cartaz que está como que esperando por mim, metido entre muitos outros cartazes de música, rock e cinema.
O cartaz reproduz um provérbio da África: Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caçadas continuarão glorificando o caçador
Chicago está cheia de fábricas. Existem fábricas até no centro da cidade, ao redor de um dos edifícios mais altos do mundo. Chicago está cheia de fábricas, Chicago está cheia de operários.
Ao chegar ao bairro de Heymarket, peço aos meus amigos que me mostrem o lugar onde foram enforcados, em 1886, aqueles operários que o mundo inteiro saúda a cada primeiro de maio. – Deve ser por aqui – me dizem. Mas ninguém sabe. Não foi erguida nenhuma estátua em memória dos mártires de Chicago nem na cidade de Chicago. Nem estátua, nem monolito, nem placa de bronze, nem nada.
O primeiro de maio é o único dia verdadeiramente universal da humanidade inteira, o único dia no qual coincidem todas as histórias e todas as geografias, todas as línguas e as religiões e as culturas do mundo; mas nos Estados Unidos o primeiro de maio é um dia como qualquer outro. Nesse dia, as pessoas trabalham normalmente, e ninguém, ou quase ninguém, recorda que os direitos da classe operária não brotaram do vento, ou da mão de Deus ou do amo.
Após a inútil exploração de Heymarket, meus amigos me levam para conhecer a melhor livraria da cidade. E lá, por pura curiosidade, por pura casualidade, descubro um velho cartaz que está como que esperando por mim, metido entre muitos outros cartazes de música, rock e cinema.
O cartaz reproduz um provérbio da África: Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caçadas continuarão glorificando o caçador
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