A crise da eurozona aprofundou-se de tal maneira que poucos lembram que a Grécia parecia ser o ponto de inflexão do euro nas eleições de junho. Um “default” grego pode ser a gota d’água para fazer transbordar o copo da Espanha. Uma moratória da Espanha, por sua vez, teria um forte impacto sobre a Itália, mas se estenderia também para os bancos dos Estados Unidos, Alemanha e França que têm títulos espanhóis no valor de mais de 720 bilhões de euros. O efeito dominó pode ser fulminante. O artigo é de Marcelo Justo.
Marcelo Justo - Londres
Londres - A zona do euro enfrenta um verão de sobressaltos e ataques especulativos. A Espanha está com a corda no pescoço, a Itália vive a angústia de ser o próximo da lista e nem sequer países supostamente sólidos como Alemanha, Holanda ou Luxemburgo parecem seguros ao abrigo da tormenta. Na segunda-feira, a agência estadunidense Moody colocou em perspectiva negativa a nota máxima (AAA) que outorga às dívidas soberanas destes países, que, em tese, são a fortaleza do euro. Na quarta, a agência desferiu um segundo golpe à economia alemã, rebaixando a nota da dívida de 17 bancos alemães.
Segundo indicou à Carta Maior Philip Whyte, analista do Centre for European Reform (CER), a mensagem é muito clara: a crise do euro já não se limita à periferia. “Não resta dúvida sobre isso. A crise chegou ao coração da eurozona”, disse Whyte. Não foi a toa que o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, declarou nesta quinta, em Londres, que está disposto a fazer tudo o que for necessário para preservar o euro. “E, acreditem, isso será suficiente”, ufanou-se em um encontro de investidores.
A Espanha no caminho do cadafalso
O corte fiscal de 65 bilhões de euros anunciado pelo governo de Mariano Rajoy na semana passada e o resgate dos bancos espanhóis com 100 bilhões de euros acertado pelos ministros de finanças da eurozona no dia 20 de julho não foram suficientes para alterar o veredito dos mercados: o país é um investimento de alto risco.
A taxa de risco – diferencial em relação à taxa de juro dos títulos alemães de dez anos – saltou para 7,5% na segunda-feira, a mais alta desde 1996. As declarações de Mario Draghi em Londres deram um respiro a Espanha: a taxa caiu para 7%. Os economistas consideram que quando essa taxa supera a casa dos 7%, o peso da dívida se torna insustentável. Isso ocorreu com a Grécia, a Irlanda e Portugal: a Espanha não é uma exceção. O problema é que se trata da quarta economia da eurozona, com um tamanho duas vezes superior ao desses três países juntos.
A Espanha era o limite que a eurozona não ia cruzar.
O círculo vicioso
O governo do Partido Popular não cessa de dar sinais aos mercados. A dinâmica é tão similar à que precedeu os regates da Grécia, Irlanda e Portugal que poderia requerer os serviços de um linguista para comprovar que se trata do mesmo roteiro em distintos cenários. Alguém poderia imaginar esse quadro também como uma peça teatral de três atos e um desenlace:
• A especulação dos mercados financeiros encarece o custo da dívida (título catastrófico do primeiro ato).
• O governo anuncia cortes emergenciais para acalmar os mercados (segundo ato).
• O mercado suspira aliviado. Os sorrisos duram alguns dias ou, cada vez mais, apenas algumas horas (intervalo).
• A Alemanha ou o FMI ou o Banco Central Europeu elogiam as corajosas medidas adotadas, mas alertam que é necessário mais um esforço (terceiro ato).
• Renova-se a pressão dos mercados financeiros (desenlace).
Esta dinâmica está fazendo água. As regiões autonômicas estão mostrando os buracos de uma estrutura cada vez mais frágil. Na sexta-feira passada, Valencia solicitou um resgate ao governo central. Esta semana, Catalunha e Murcia fizeram o mesmo. Segundo a imprensa espanhola, a maioria das comunidades autônomas tem sérios problemas de financiamento. Segundo a BBC Espanha, são necessários uns 48 bilhões de dólares para suportar a tormenta.
A hora do resgate estatal parece aproximar-se de forma inexorável com uma grave complicação: um dos cálculos estimados é que a Espanha pode precisar de quase 500 bilhões de euros, quer dizer, praticamente o montante total do Mecanismo de Estabilidade Europeia, fundo utilizado para os resgates.
Itália: “a spending review” e o “spread”
A crise espanhola repercute diretamente na Itália que anunciou em meados de julho a formação de uma equipe de vigilância por temor de um ataque especulativo em agosto. O primeiro ministro Mario Monti ordenou ao governo em seu conjunto que aproveitem o verão no país com o celular preso ao ouvido para reintegrar-se de imediato a seus postos em caso de emergência.
O vocabulário financeiro em inglês está penetrando a linguagem da imprensa italiana e até as conversas de café que falam com naturalidade do “default”, da “spending review” (revisão dos gastos fiscais ministério por ministério) e do “spread” (diferencial da taxa de juro em relação a Alemanha). Segundo a página do Tesouro italiano na internet, as necessidades de financiamento da Itália até o fim do ano chegam a 170 bilhões de euros. Em agosto, os vencimentos da dívida superam a casa dos 30 bilhões.
O problema da Itália é diferente do da Espanha. A Itália tem um alto endividamento (quase 120% do PIB, só superado pelo da Grécia no continente), mas virtualmente um superávit fiscal primário (antes de pagar os serviços da dívida). Um aumento deste juro adicional, o “spread”, para refinanciar sua dívida tem um impacto demolidor sobre a economia.
Este ano as estimativas são de que a economia italiana cairá entre 1,2% (previsão do governo) e 2,4% (estimativa da Confederação Industrial Italiana) e que só voltará a crescer e 2014 desde que o “spread” não dispare. Se disparar, a Itália não vai sair do atual circulo vicioso: uma dívida em contínuo aumento sob o peso das taxas de juro que devoram qualquer possibilidade de crescimento econômico.
O tema é de tal gravidade que, em uma recente análise, o jornal La Reppublica contemplava uma solução drástica: obrigar os próprios italianos, que tenham uma alta taxa de poupança individual, a comprar a dívida. Como um espelho do que está ocorrendo com as autonomias espanholas, a nave italiana começa a fazer água em nível regional: a Sicília se declarou em virtual moratória na semana passada.
A Grécia e o efeito tsunami
A crise da eurozona aprofundou-se de tal maneira que poucos lembram que a Grécia parecia ser o ponto de inflexão do euro nas eleições de junho. Os inspetores da troika (Fundo Monetário Internacional, União Europeia e Banco Central Europeu) encontram-se na Grécia para revisar a marcha do segundo resgate acordado este ano em meio a versões que indicam que a Grécia precisaria entre 20 e 50 bilhões de euros a mais.
A coalizão conservadora encabeçada pelo primeiro ministro Antonis Samaras acordou um plano para um corte adicional de 12 bilhões de euros nos próximos dois anos. Este plano deverá ser aprovado pela troika. A Alemanha já deixou claro que não haveria mais dinheiro se a Grécia não avançasse de maneira “crível” em seus objetivos de redução do déficit. Os alemães se queixam de que a Grécia nunca cumpre com suas promessas de cortes, mas o impacto de abandonar o governo grego é tão previsível quanto um tiro no escuro.
O problema não é tanto a possibilidade de uma moratória grega, mas sim o efeito que pode ter sobre a Espanha, a Itália e o resto da zona do euro. Nenhum país é uma ilha. O efeito dominó pode ser fulminante. No início de 1989, ninguém imaginava que a União Soviética e o mundo comunista estavam a ponto de desaparecer. Em questão de meses, a revolução se estendeu da Polônia a Romênia.
Um “default” grego pode ser a gota d’água para fazer transbordar o copo da Espanha. Uma moratória da Espanha, por sua vez, teria um forte impacto sobre a Itália, mas se estenderia também para os bancos dos Estados Unidos, Alemanha e França que têm títulos espanhóis no valor de mais de 720 bilhões de euros.
O edifício aparentemente sólido do euro, está revelando cimentos tão frágeis que muitos preveem um estouro que pode se converter em uma tsunami da economia mundial. Uma coisa parece clara. Neste verão, a eurozona não terá férias.
Tradução: Katarina Peixoto
Segundo indicou à Carta Maior Philip Whyte, analista do Centre for European Reform (CER), a mensagem é muito clara: a crise do euro já não se limita à periferia. “Não resta dúvida sobre isso. A crise chegou ao coração da eurozona”, disse Whyte. Não foi a toa que o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, declarou nesta quinta, em Londres, que está disposto a fazer tudo o que for necessário para preservar o euro. “E, acreditem, isso será suficiente”, ufanou-se em um encontro de investidores.
A Espanha no caminho do cadafalso
O corte fiscal de 65 bilhões de euros anunciado pelo governo de Mariano Rajoy na semana passada e o resgate dos bancos espanhóis com 100 bilhões de euros acertado pelos ministros de finanças da eurozona no dia 20 de julho não foram suficientes para alterar o veredito dos mercados: o país é um investimento de alto risco.
A taxa de risco – diferencial em relação à taxa de juro dos títulos alemães de dez anos – saltou para 7,5% na segunda-feira, a mais alta desde 1996. As declarações de Mario Draghi em Londres deram um respiro a Espanha: a taxa caiu para 7%. Os economistas consideram que quando essa taxa supera a casa dos 7%, o peso da dívida se torna insustentável. Isso ocorreu com a Grécia, a Irlanda e Portugal: a Espanha não é uma exceção. O problema é que se trata da quarta economia da eurozona, com um tamanho duas vezes superior ao desses três países juntos.
A Espanha era o limite que a eurozona não ia cruzar.
O círculo vicioso
O governo do Partido Popular não cessa de dar sinais aos mercados. A dinâmica é tão similar à que precedeu os regates da Grécia, Irlanda e Portugal que poderia requerer os serviços de um linguista para comprovar que se trata do mesmo roteiro em distintos cenários. Alguém poderia imaginar esse quadro também como uma peça teatral de três atos e um desenlace:
• A especulação dos mercados financeiros encarece o custo da dívida (título catastrófico do primeiro ato).
• O governo anuncia cortes emergenciais para acalmar os mercados (segundo ato).
• O mercado suspira aliviado. Os sorrisos duram alguns dias ou, cada vez mais, apenas algumas horas (intervalo).
• A Alemanha ou o FMI ou o Banco Central Europeu elogiam as corajosas medidas adotadas, mas alertam que é necessário mais um esforço (terceiro ato).
• Renova-se a pressão dos mercados financeiros (desenlace).
Esta dinâmica está fazendo água. As regiões autonômicas estão mostrando os buracos de uma estrutura cada vez mais frágil. Na sexta-feira passada, Valencia solicitou um resgate ao governo central. Esta semana, Catalunha e Murcia fizeram o mesmo. Segundo a imprensa espanhola, a maioria das comunidades autônomas tem sérios problemas de financiamento. Segundo a BBC Espanha, são necessários uns 48 bilhões de dólares para suportar a tormenta.
A hora do resgate estatal parece aproximar-se de forma inexorável com uma grave complicação: um dos cálculos estimados é que a Espanha pode precisar de quase 500 bilhões de euros, quer dizer, praticamente o montante total do Mecanismo de Estabilidade Europeia, fundo utilizado para os resgates.
Itália: “a spending review” e o “spread”
A crise espanhola repercute diretamente na Itália que anunciou em meados de julho a formação de uma equipe de vigilância por temor de um ataque especulativo em agosto. O primeiro ministro Mario Monti ordenou ao governo em seu conjunto que aproveitem o verão no país com o celular preso ao ouvido para reintegrar-se de imediato a seus postos em caso de emergência.
O vocabulário financeiro em inglês está penetrando a linguagem da imprensa italiana e até as conversas de café que falam com naturalidade do “default”, da “spending review” (revisão dos gastos fiscais ministério por ministério) e do “spread” (diferencial da taxa de juro em relação a Alemanha). Segundo a página do Tesouro italiano na internet, as necessidades de financiamento da Itália até o fim do ano chegam a 170 bilhões de euros. Em agosto, os vencimentos da dívida superam a casa dos 30 bilhões.
O problema da Itália é diferente do da Espanha. A Itália tem um alto endividamento (quase 120% do PIB, só superado pelo da Grécia no continente), mas virtualmente um superávit fiscal primário (antes de pagar os serviços da dívida). Um aumento deste juro adicional, o “spread”, para refinanciar sua dívida tem um impacto demolidor sobre a economia.
Este ano as estimativas são de que a economia italiana cairá entre 1,2% (previsão do governo) e 2,4% (estimativa da Confederação Industrial Italiana) e que só voltará a crescer e 2014 desde que o “spread” não dispare. Se disparar, a Itália não vai sair do atual circulo vicioso: uma dívida em contínuo aumento sob o peso das taxas de juro que devoram qualquer possibilidade de crescimento econômico.
O tema é de tal gravidade que, em uma recente análise, o jornal La Reppublica contemplava uma solução drástica: obrigar os próprios italianos, que tenham uma alta taxa de poupança individual, a comprar a dívida. Como um espelho do que está ocorrendo com as autonomias espanholas, a nave italiana começa a fazer água em nível regional: a Sicília se declarou em virtual moratória na semana passada.
A Grécia e o efeito tsunami
A crise da eurozona aprofundou-se de tal maneira que poucos lembram que a Grécia parecia ser o ponto de inflexão do euro nas eleições de junho. Os inspetores da troika (Fundo Monetário Internacional, União Europeia e Banco Central Europeu) encontram-se na Grécia para revisar a marcha do segundo resgate acordado este ano em meio a versões que indicam que a Grécia precisaria entre 20 e 50 bilhões de euros a mais.
A coalizão conservadora encabeçada pelo primeiro ministro Antonis Samaras acordou um plano para um corte adicional de 12 bilhões de euros nos próximos dois anos. Este plano deverá ser aprovado pela troika. A Alemanha já deixou claro que não haveria mais dinheiro se a Grécia não avançasse de maneira “crível” em seus objetivos de redução do déficit. Os alemães se queixam de que a Grécia nunca cumpre com suas promessas de cortes, mas o impacto de abandonar o governo grego é tão previsível quanto um tiro no escuro.
O problema não é tanto a possibilidade de uma moratória grega, mas sim o efeito que pode ter sobre a Espanha, a Itália e o resto da zona do euro. Nenhum país é uma ilha. O efeito dominó pode ser fulminante. No início de 1989, ninguém imaginava que a União Soviética e o mundo comunista estavam a ponto de desaparecer. Em questão de meses, a revolução se estendeu da Polônia a Romênia.
Um “default” grego pode ser a gota d’água para fazer transbordar o copo da Espanha. Uma moratória da Espanha, por sua vez, teria um forte impacto sobre a Itália, mas se estenderia também para os bancos dos Estados Unidos, Alemanha e França que têm títulos espanhóis no valor de mais de 720 bilhões de euros.
O edifício aparentemente sólido do euro, está revelando cimentos tão frágeis que muitos preveem um estouro que pode se converter em uma tsunami da economia mundial. Uma coisa parece clara. Neste verão, a eurozona não terá férias.
Tradução: Katarina Peixoto
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