Duras críticas à política econômica europeia, aliadas à defesa do modelo brasileiro de desenvolvimento com inclusão social, marcaram a entrevista da presidenta Dilma Rousseff em destaque no El País, neste domingo (18). “Distribuir renda é uma exigência moral, mas também uma premissa para o crescimento”, defendeu. Ela também falou sobre à oposição da mídia brasileira ao seu governo: “O povo não se deixa manipular em absoluto”. E, pela primeira vez, sobre o julgamento do “mensalão”. “Como presidente da República, não posso me manifestar sobre as decisões do STF. Acato suas sentenças, não as discuto. Mas isso não significa que nada neste mundo de Deus está acima dos erros e das paixões humanas”
Najla Passos
Brasília - Em visita oficial à Espanha, a presidenta Dilma Rousseff foi destaque, neste domingo (18), no maior jornal espanhol, o El País. Na terra do euro, ela criticou duramente a política econômica adotada pelos países da União Europeia, que apontou como a responsável por provocar recessão em todo o mundo. “Eu não creio que o problema da Europa seja seu modelo de bem-estar social. O problema é que se tem aplicado soluções inadequadas para a crise e o resultado é um empobrecimento das classes médias. A este passo, se produzirá uma recessão generalizada”, destaca a reportagem do jornalista Juan Luis Cebrián.
A presidenta brasileira ressaltou que a má condução do enfrentamento à crise na Europa ameaça, inclusive, o desenvolvimento dos países emergentes. E sustentou que o modelo de austeridade adotado está fadado ao fracasso, com base na própria experiência latinoamericana dos anos 1980. “A Europa passa por algo que já conhecemos na América Latina. Há uma crise fiscal, uma crise de competitividade e uma crise bancária. E as receitas que se estão aplicando levarão a uma recessão brutal. Sem investimentos será impossível sair da crise”, disparou.
Para ela, é necessário pagar as dívidas, fazer o ajuste fiscal, mas é preciso tempo para que os países o façam em condições sociais menos graves. “Não somente por uma questão ética, mas também por exigências propriamente econômicas”. De acordo com a presidenta, o euro é um projeto inacabado e, se a Europa quer resolver seus problemas, tem que concluí-lo, através de supervisão e união bancária. “Na realidade, o euro não é uma moeda única hoje. O mercado distingue entre o euro espanhol, o euro italiano, o francês, o grego e o alemão”, justificou.
Modelo brasileiro
A entrevista também abordou as mudanças efetivadas no Brasil, desde a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, segundo o entrevistador, por ser o primeiro trabalhador a chegar à presidência da República, propiciou que “as classes baixas experimentassem um sentimento de autoestima como nunca haviam tido”. Para Cebrián, a eleição de Lula foi o anúncio de um novo projeto de inclusão social que, agora, Dilma aprimora: fazer do Brasil um país de classe média, não só no que diz respeito à renda, mas também em relação ao nível educacional da população.
O jornalista também apontou os gargalos do desenvolvimento brasileiro, os quais a presidenta foi apontando um a um como pretende resolver. Minimizou os atrasos nas obras de infraestrutura para a Copa do Mundo que, de acordo com o jornalista, tanto preocupam os turistas que se espantam com a precariedade dos aeroportes e rodovias. Dilma rebateu que não há com o que se preocupar: novos estádios serão inaugurados a tempo e alguns aeroportos, privatizados. A presidenta assegurou que também haverá os investimentos necessários em portos, ferrovias e rodovias.
Questionada sobre como superar o desafio da educação, em um país com 10% de analfabetos funcionais entre a população com mais de 15 anos, Dilma falou sobre os investimentos em creches, educação infantil, sistema integral, ensino profissionalizante e universitário. E destacou a aprovação da lei que reserva 50% das vagas das universidades para estudantes de baixa renda, escolas públicas e negros. A presidente falou também sobre a necessidade de industrializar o país e os esforços nesse sentido.
Questionada sobre o futuro da democracia brasileira, ela exaltou a capacidade de diálogo. “Em alguns países pode causar estranheza que a presidenta da República converse com as centrais sindicais. Para nós, é o normal. Algumas vezes estamos de acordo e outras vezes, não”, provocou Dilma. “Por que não ensina aos espanhois?”, sugeriu o jornalista. “Cada um tem seu sistema, não? Mas países complexos como os nossos exigem diálogo e participação. A experiência diz que é bom para enfrentar os conflitos”, acrescenta a presidenta.
Mídia e “mensalão”
O repórter também questionou a presidenta sobre as dificuldades que a mídia tradicional e o que ele chamou de “os novos sistemas de opinião pública”, as redes sociais, impõem a quem ocupa o poder. Dilma reiterou seu conceito de “liberdade de imprensa”, mas assegurou que nem governo e nem sociedade se deixam mais influenciar pela imprensa como ocorria antes. “Sempre digo que a imprensa brasiliera comete excessos, mas os prefiro ao silêncio da ditadura. De qualquer maneira, no país já não existe algo que era tradicional entre nós: o formador de opinião. Há 10 anos tomamos as decisões políticas em função do que beneficia aos brasileiros, e não por preocupações ideológicas de qualquer tipo. O povo não se deixa manipular em absoluto”, avaliou.
Dilma lembrou ao repórter que não contou com o apoio da imprensa durante a campanha presidencial, mas ainda sim conquistou 56% dos votos. Em um momento anterior da entrevista, o próprio repórter observou que seu governo conta com mais de 70% da aprovação dos brasileiros, índice maior do que contava seu antecessor e mentor político, o ex-presidente Lula. Ele citou também que a imprensa internacional considera Dilma uma das três mulheres mais poderosas do mundo, ao lado da chanceler alemã Angela Merkel e da secretária de Estado norteamericana, Hillary Clinton.
Embora publicada no domingo, a entrevista “Dilma, a forte” foi feita no último dia 12, quando o STF definiu às duras penas impostas às lideranças petistas acusadas de envolvimento no “mensalão”. O repórter a questionou sobre a condenção do ex-ministro José Dirceu, seu antecessor no comando da Casa Civil do governo Lula e um dos fundadores do seu partido. E, na entrevista, teve o cuidado de lembrar seus leitores de que Dirceu assegura ter sido condenado sem provas, em um julgamento eivado de interesses políticos e sob uma forte campanha midiática contra os acusados, cujo objetivo seria desgastar a figura do ex-presidente Lula.
Dilma, primeiro, destacou o esforço feito pelo governo Lula para combater a corrupção. “Poucos governos fiszeram tanto pelo controle do gasto público como o do presidente Lula. Abrimos o Portal da Transparência com todas as contas públicas ao alcance de quem quiser consultá-las. Também fizemos uma Lei de Acesso à Informação que obriga a divulgar os salários dos dirigentes”, afirmou. A presidenta mostrou seu empenho em combater a corrupção, não só na esfera pública como também na privada. “Sou radicalmente a favor de combater a corrupção, não só por uma questão ética, mas também por um critério político. (…) Um governo é dez mil vezes mais eficiente quanto mais controla, mais fiscaliza e mais impede [a corrupção]”, acrescentou.
A presidenta disse também que, como tal, não pode questionar as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). Entretanto, não avalizou as condenações feitas pela mais alta corte brasileira. “Como presidente da República, não posso me manifestar sobre as decisões do STF. Acato suas sentenças, não as discuto. Mas isso não significa que nada neste mundo de Deus está acima dos erros e das paixões humanas”, ressaltou dilma. “As paixões humanas e as políticas”, apontou o jornalista. “Talvez, estas [políticas] sejam as maiores”, acrescentou ela.
Fotos: Roberto Stuckert Filho
A guerra da troika e da Alemanha contra o modelo social da França
O ataque feroz da revista "The Economist" ao sistema francês é a última escala de uma ofensiva nascida em Berlim e em Bruxelas. Segundo o semanário, a França é "uma bomba relógio no coração da Europa". A Alemanha, o FMI e as instâncias políticas e financeiras do Velho Continente pressionam Paris para que acelere as reformas. A papisa dessa ofensiva é a chanceler alemã Angela Merkel. Merkel parece determinar a afundar François Hollande, se ele não aceitar o receituário reformista ditado por Berlim. O artigo é de Eduardo Febbro, direto de Paris.
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