*'Não há como apoiar Dilma sem se opor à trama embutida na AP 470; e vice-versa' (ex-ministro José Dirceu, em debate em Brasília, nesta 3ª feira)**Corrida contra o tempo: governo amplia atrativos para viabilizar investimento em grandes projetos de infra-estrutura.
Quando foi eleito presidente do Chile, em janeiro de 2010, o direitista Sebástian Piñera reacendeu a esperança conservadora na América Latina.Sua vitória reluzia como a revanche diante de um colar de governos progressistas que asfixiavam o horizonte da direita regional. Enfim, um presidente para chamar de seu.Transcorridos três anos, Piñera rasteja a caminho de uma derrota sucessória antevista como inevitável nas eleições de novembro próximo.Dilma, 'o poste', como queria Serra, ostenta mais de 70% de aprovação.O jornalismo que apostou na ressurgência neoliberal mostra-se estupefato. O Chile fez tudo como deve ser. É a economia mais aberta da América Latina. O Estado é mínimo: a dívida do setor público é de apenas 11,5% do PIB (36% no Brasil). A previdência foi privatizada. A proteção trabalhista é pífia. O raciocínio conservador desdenha de uma lacuna-chave:o 'mandatário moderno' esqueceu de transformar a maçaroca econômica em uma Nação.Um 'país-mercadoria' não precisa de projeto nacional. A qualidade distinta do desenvolvimento perseguido pelo Brasil não representa uma certeza. É um projeto em disputa. A crise mundial estreitou a margem de manobra. Reclama definições mais duras. E linhas de passagem mais curtas e ousadas. A cada dia as opções reforçam a excludência entre a lógica que modelou o Chile, de Pinochet a Piñera, e a que tateia o Brasil, de Lula a Dilma. Projeto de Nação ou 'país -mercadoria'?.(LEIA MAIS AQUI)
Madame Christine e a presidente Cristina
A inflação argentina é, efetivamente, muito mais elevada do que o governo diz. E, a partir disso, pode-se até mesmo duvidar também do crescimento do PIB. O que não dá para entender – e aceitar – é o tom da declaração que, na verdade, foi uma ‘moção de censura’ de Christine Lagarde e do FMI. Boas razões tem Cristina Kirchner, presidente da Argentina, para bater duro. A análise é de Eric Nepomuceno
Eric Nepomuceno
Foi a mais dura crítica do Fundo Monetário Internacional, o FMI, contra um de seus integrantes, a Argentina. Em 69 anos de história, jamais o FMI havia ameaçado um de seus sócios de expulsão sumária, além de advertir do alto risco de, mesmo permanecendo na instituição, o país não poder ter direito a receber empréstimos.
A razão da barafunda toda: os índices oficiais argentinos de inflação. De acordo com esses números, em 2012 a inflação foi de pouco mais de 10% na Argentina. Ninguém, inclusive gente muito próxima ao governo, engole esse número. A cifra é de mais de o dobro. O país vive uma inflação oficial e outra, a dos supermercados, ou seja, a real, calculada em uns 25% no ano passado. De roldão, o FMI deu um prazo de oito meses para que o país reveja não apenas esse índice, mas também o da evolução do PIB em 2012. Ou seja, o FMI disse que é tudo duvidoso. Pelo menos duvidoso.
Até aí, tudo bem. A inflação argentina é, efetivamente, muito mais elevada do que o governo diz. E, a partir disso, pode-se até mesmo duvidar também do crescimento do PIB. Portanto, daria para entender a chamada de atenção do FMI presidido por madame Christine Lagarde, uma advogada de 57 anos com certa trajetória progressista e que substituiu Dominique Strauss-Kahn no cargo de diretor-geral, o mais alto da organização.
O que não dá para entender – e aceitar – é o tom da declaração que, na verdade, foi mais do que isso: foi uma clara ‘moção de censura’, com todas as letras. Afinal, se de errar feio se trata, difícil será achar alguém capaz de competir com o FMI.
Boas razões tem Cristina Fernández de Kirchner, presidente da Argentina, ao bater duro. É bem verdade que ela não esclarece a questão da distância olímpica entre preços nas ruas e índice oficial de inflação. Preferiu bater em vez de rebater. E acertou em cheio. Primeira pergunta da presidente eleita pelos argentinos: onde estava o FMI, que foi incapaz de detectar com um mínimo de antecipação uma só das crises que sacodem países europeus? Onde estava quando um dos bancos espanhóis, o Bankia, foi para o brejo, presidido por um de seus antigos diretores, Rodrigo Ratto, obrigando o Estado a se endividar para salvar a ganância dos abutres da banca?
Onde está o FMI neste exato instante, quando países endividados se afundam levando sua população ao desespero, como acontece na Grécia, em Portugal, na Irlanda, na Espanha?
Cristina Kirchner lembrou, com amarga memória, que seu país, a Argentina, foi dileta seguidora das receitas do FMI nos anos 90. O resultado é pago até hoje. Em 2001 a Argentina quebrou, foi para o brejo, e só foi resgatada a partir da chegada de Nestor Kirchner ao poder, em 2003.
Aliás, em 2005 Kirchner liquidou o que a Argentina devia ao Fundo Monetário Internacional e prometeu que seu país nunca mais cairia na esparrela de tomar dinheiro se obrigando a cumprir receitas nefastas e perversas.
São muitas as sequelas padecidas pela Argentina desde a quebra de 2001. Uma delas é a dificuldade de obter financiamento em organismos internacionais e na banca global. Outra é desconfiar de números e dados oficiais.
Acontece que isso pode ser corrigido, de uma forma ou de outra. Retomando fórmulas de cálculo abandonadas, por exemplo. Encarando o problema de frente, por exemplo.
Muito, muito mais difícil, porém, é, foi e tem sido reparar os danos profundos causados pelas regras absurdas e as receitas malvadas do FMI que o país adotou no período bizarro de Carlos Menem.
Ao longo dos últimos anos, vários países emergentes, com destaque para o Brasil de Lula e de Dilma, vêm pressionando para que ocorra uma profunda mudança no diálogo entre os organismos financeiros internacionais, a começar pelo FMI, e seus sócios.
Criticar as estatísticas oficiais da Argentina até que seria cabível. Mas partir para moções de censura e ameaças de expulsão é inadmissível.
Aliás, está mais do que na hora de examinar a atuação do FMI e sua influência na crise econômica e financeira que sacode a Europa. Onde estava todo esse rigor prepotente na hora de examinar os números falsos de países como a Grécia, a Itália, a Irlanda e um longo rosário de nações?
Nós, latino-americanos, conhecemos bem os efeitos colaterais das receitas do FMI. Cada um de nossos países padeceu esse mal, essa perversão. Muitos de nossos países encontraram seu caminho para evitar essa cura que mais mata que salva.
A Argentina tem equívocos, e deve corrigi-los. Cabe aos argentinos pressionarem para evitar números duvidosos, que contrastam com a realidade vivida no seu dia a dia.
Cabe, ou deveria caber, a madame Christine Lagarde e seus cúmplices do FMI saber a hora certa de se pronunciar. E entender que, a esta altura do campeonato, prepotência e impertinência são atitudes que não têm o menor cabimento.
A razão da barafunda toda: os índices oficiais argentinos de inflação. De acordo com esses números, em 2012 a inflação foi de pouco mais de 10% na Argentina. Ninguém, inclusive gente muito próxima ao governo, engole esse número. A cifra é de mais de o dobro. O país vive uma inflação oficial e outra, a dos supermercados, ou seja, a real, calculada em uns 25% no ano passado. De roldão, o FMI deu um prazo de oito meses para que o país reveja não apenas esse índice, mas também o da evolução do PIB em 2012. Ou seja, o FMI disse que é tudo duvidoso. Pelo menos duvidoso.
Até aí, tudo bem. A inflação argentina é, efetivamente, muito mais elevada do que o governo diz. E, a partir disso, pode-se até mesmo duvidar também do crescimento do PIB. Portanto, daria para entender a chamada de atenção do FMI presidido por madame Christine Lagarde, uma advogada de 57 anos com certa trajetória progressista e que substituiu Dominique Strauss-Kahn no cargo de diretor-geral, o mais alto da organização.
O que não dá para entender – e aceitar – é o tom da declaração que, na verdade, foi mais do que isso: foi uma clara ‘moção de censura’, com todas as letras. Afinal, se de errar feio se trata, difícil será achar alguém capaz de competir com o FMI.
Boas razões tem Cristina Fernández de Kirchner, presidente da Argentina, ao bater duro. É bem verdade que ela não esclarece a questão da distância olímpica entre preços nas ruas e índice oficial de inflação. Preferiu bater em vez de rebater. E acertou em cheio. Primeira pergunta da presidente eleita pelos argentinos: onde estava o FMI, que foi incapaz de detectar com um mínimo de antecipação uma só das crises que sacodem países europeus? Onde estava quando um dos bancos espanhóis, o Bankia, foi para o brejo, presidido por um de seus antigos diretores, Rodrigo Ratto, obrigando o Estado a se endividar para salvar a ganância dos abutres da banca?
Onde está o FMI neste exato instante, quando países endividados se afundam levando sua população ao desespero, como acontece na Grécia, em Portugal, na Irlanda, na Espanha?
Cristina Kirchner lembrou, com amarga memória, que seu país, a Argentina, foi dileta seguidora das receitas do FMI nos anos 90. O resultado é pago até hoje. Em 2001 a Argentina quebrou, foi para o brejo, e só foi resgatada a partir da chegada de Nestor Kirchner ao poder, em 2003.
Aliás, em 2005 Kirchner liquidou o que a Argentina devia ao Fundo Monetário Internacional e prometeu que seu país nunca mais cairia na esparrela de tomar dinheiro se obrigando a cumprir receitas nefastas e perversas.
São muitas as sequelas padecidas pela Argentina desde a quebra de 2001. Uma delas é a dificuldade de obter financiamento em organismos internacionais e na banca global. Outra é desconfiar de números e dados oficiais.
Acontece que isso pode ser corrigido, de uma forma ou de outra. Retomando fórmulas de cálculo abandonadas, por exemplo. Encarando o problema de frente, por exemplo.
Muito, muito mais difícil, porém, é, foi e tem sido reparar os danos profundos causados pelas regras absurdas e as receitas malvadas do FMI que o país adotou no período bizarro de Carlos Menem.
Ao longo dos últimos anos, vários países emergentes, com destaque para o Brasil de Lula e de Dilma, vêm pressionando para que ocorra uma profunda mudança no diálogo entre os organismos financeiros internacionais, a começar pelo FMI, e seus sócios.
Criticar as estatísticas oficiais da Argentina até que seria cabível. Mas partir para moções de censura e ameaças de expulsão é inadmissível.
Aliás, está mais do que na hora de examinar a atuação do FMI e sua influência na crise econômica e financeira que sacode a Europa. Onde estava todo esse rigor prepotente na hora de examinar os números falsos de países como a Grécia, a Itália, a Irlanda e um longo rosário de nações?
Nós, latino-americanos, conhecemos bem os efeitos colaterais das receitas do FMI. Cada um de nossos países padeceu esse mal, essa perversão. Muitos de nossos países encontraram seu caminho para evitar essa cura que mais mata que salva.
A Argentina tem equívocos, e deve corrigi-los. Cabe aos argentinos pressionarem para evitar números duvidosos, que contrastam com a realidade vivida no seu dia a dia.
Cabe, ou deveria caber, a madame Christine Lagarde e seus cúmplices do FMI saber a hora certa de se pronunciar. E entender que, a esta altura do campeonato, prepotência e impertinência são atitudes que não têm o menor cabimento.
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