O sadomasoquismo nacional entra em nova fase. Os brasileiros da classe média são roubados de dia e insultados à noite nas tertúlias literárias do PT", diz o escritor e jornalista, que poderá ser também candidato à presidência em 2014 pelo PV
247 - O escritor e jornalista Fernando Gabeira, que poderá ser candidato à presidência da República em 2014, saiu em defesa da classe média e criticou a filósofa Marilena Chauí, que criticou o conservadorismo que predomina nesse estamento social. Leia abaixo seu artigo no Estadão:
Desembarco mareado nesta nova estação do progresso. Sou pela abertura dos portos e não vejo argumento mais forte do que centenas de caminhões engarrafados esperando o momento de exportar sua carga.
Chego mareado não pelo balanço das ondas, mas pelo espetáculo agitado em terra firme. Um longo psicodrama que não pude acompanhar em todos os detalhes por causa das tarefas cotidianas. Mas já o pressentia. Para articular seu governo na nave do Congresso, a senhora escolheu Ideli Salvatti. Com as características da nova ministra, a escolha a transformaria rapidamente de Salvatti em Afundatti: independentemente de suas qualidades, simplesmente não é a pessoa para o cargo. Pode ser amiga, fiel, apaixonada pela causa, mas, que diabo, isto é uma República! Em vez de elevar o nível da política, como se pede a uma presidenta, ela a joga no chão e a pisoteia com o salto alto.
O mais impressionante, à distância, é o reality show no Congresso. Conheço alguns personagens, da política fluminense, e não acreditava no que lia: Eduardo Cunha, guerrilheiro que obriga o governo a recuar. Como assim? Eduardo Cunha fazendo emboscadas, dispersando quando o inimigo se concentra, concentrando-se quando o inimigo se dispersa?
Eduardo Cunha, o líder do retrocesso, diziam algumas outras notas. Será? Cunha não se bate pelo progresso nem pelo retrocesso. Seus parâmetros são outros. Lembro-me de uma sessão que ele presidia. Discutimos e tive a sensação de que não estava me olhando. Disse: "Por favor, olhe para mim". E ele: "Estou olhando". Percebi, subitamente, que olhava sem olhar. Ele falava de dentro de uma caverna.
Garotinho, pensando em Cunha, chamou a emenda dos portos de emenda dos porcos. Foi sua contribuição. Saiu quase ileso no outro dia, quando Ronaldo Caiado afirmou que ele, Garotinho, tinha cheiro de porcos.
Nada como o tempo para serenar os ânimos. Cheirar não é ser. Abre espaço para um acidente, ter passado por um chiqueiro, posado para uma foto com porquinhos no colo.
Imaginem essa confusão numa atmosfera fechada, uma espécie de abrigo antiaéreo onde se entra e sai sem ver a passagem do dia para a noite, o próprio amanhecer. Pizzas, frangos, um batalhão de alimentos entra pelos corredores e deságua na cantina abarrotada. Cochilos, intervalos para o futebol, é verdade isso que a imprensa mostrou. E, naturalmente, os gases: 500 pessoas reais concentradas no mesmo espaço, disputando os mesmos sofás. O que importam esses detalhes para a história da modernização dos portos? Se o preço de distribuir renda é degradar a política, por que não usar o mesmo raciocínio para desatar o nó no comércio exterior?
Pelo rádio ouço uma comentarista lembrar que a emenda dos portos seria aprovada mais rapidamente no Senado, pois os senadores, mais velhos, não aguentariam a maratona. Como apenas seis horas bastaram para rever algo que os deputados levaram dias para concluir, supõe-se que têm uma invejável juventude intelectual. Falsa suposição. Os senadores fazem o que quer o governo. Garantidos suas verbas e seus cargos, nada têm a temer, exceto um colapso do serviço de chá.
O episódio da emenda dos portos mostrou mais uma vez o descompasso entre o crescimento econômico e a qualidade política. Acho esse caminho insustentável. Mas posso estar equivocado, aplicando uma visão dinâmica a algo que tende a sobreviver, se essa for mesmo a escolha nacional, por comodismo ou indiferença.
Confrontado com as expectativas da redemocratização, o processo político brasileiro degradou-se. Se as previsões falharam no passado, de que adianta renová-las? Pensar o futuro, só recorrendo à ficção científica. Que bichos ocuparão as denúncias na tribuna? Antes havia o dinossauro, que se tornou simpático, o veado, que perdeu sua conotação negativa. O porco é o bicho do momento, mas o próximo pode ser a iguana, a barata ou o dromedário? Tudo é possível na enorme fazenda petista, onde os bichos se acalmam só quando sentem o cheiro do dinheiro no ar.
O drama dos portos ocorre num momento de comemoração do partido dominante, que se orgulha publicamente de elevar milhões de pessoas à classe média. Na festa, a filósofa Marilena Chaui disse que odeia a classe média por suas posições fascistas e conservadoras. Então, elevam a vida das pessoas para melhor conseguirem odiá-las?
Se a classe média é reacionária e fascista, resta procurar uma classe social democrata e progressista, salvadora. Seriam os operários os portadores da nova moral? Lula, por exemplo, beijando a mão de Jader Barbalho e dizendo que Newton Cardoso é o Pelé da política?
Com seu talento filosófico, Chaui poderia até nos convencer da tese de Lula de que não existiria poluição se a Terra não fosse redonda. Como a Terra gira e a Lusitana roda, slogan que sempre marcou o negócio das mudanças no Rio, o poluído planeta, pelo menos, está em movimento. Cedo ou tarde essa mistificação que vê o fascismo só nos outros e veste de pureza um partido corrompido até a medula pode ser desmascarada.
O discurso de Chaui, no entanto, é sintomático. Depois de impor a ideia de que a degradação política é essencial para mover o País, está tudo pronto para tratar as pessoas como se tratam os deputados no plenário. O sadomasoquismo nacional entra em nova fase. Os brasileiros da classe média são roubados de dia e insultados à noite nas tertúlias literárias do PT. Se gostam ou não, é problema deles.
Desde o início da democratização me bati pela liberdade de escolha em questões delicadas, incluída essa de gostar de apanhar. Se os eleitores preferem um Parlamento cheio de Cunhas e os empresários adoram tratar suas questões com eles, temos somente de nos resignar e esperar que combatam entre si e sejam devorados pela própria cobiça.
Aos poucos, vamos compondo um novo e inquietante dístico para a Bandeira Nacional: "Barbárie e Progresso". Salve, salve.
Com seu talento filosófico, Chaui poderia até nos convencer da tese de Lula de que não existiria poluição se a Terra não fosse redonda. Como a Terra gira e a Lusitana roda, slogan que sempre marcou o negócio das mudanças no Rio, o poluído planeta, pelo menos, está em movimento. Cedo ou tarde essa mistificação que vê o fascismo só nos outros e veste de pureza um partido corrompido até a medula pode ser desmascarada.
O discurso de Chaui, no entanto, é sintomático. Depois de impor a ideia de que a degradação política é essencial para mover o País, está tudo pronto para tratar as pessoas como se tratam os deputados no plenário. O sadomasoquismo nacional entra em nova fase. Os brasileiros da classe média são roubados de dia e insultados à noite nas tertúlias literárias do PT. Se gostam ou não, é problema deles.
Desde o início da democratização me bati pela liberdade de escolha em questões delicadas, incluída essa de gostar de apanhar. Se os eleitores preferem um Parlamento cheio de Cunhas e os empresários adoram tratar suas questões com eles, temos somente de nos resignar e esperar que combatam entre si e sejam devorados pela própria cobiça.
Aos poucos, vamos compondo um novo e inquietante dístico para a Bandeira Nacional: "Barbárie e Progresso". Salve, salve.
A classe média suicida
Em 1942, jovem filósofo francês Valentin Feldman, integrante da Resistência Francesa, diante de um pelotão de fuzilamento formado por soldados do Governo de Vichy, aliado dos nazistas, gritou para seus algozes, segundos antes de eles dispararem:
- Imbecis, é por vocês que vou morrer!
O comportamento da elite brasileira, por vezes, lembra o daqueles franceses, que, por covardia e interesses pessoais, tornaram-se agentes da dominação hitleriana sobre o país.
O Brasil jamais, em sua história, foi mais um país de classe média como é hoje – não obstante ainda termos uma legião imensa de excluídos. Parece mesmo irônico que o governo petista viesse a repetir aquela frase com que procurava desqualificar, nos tempos de imaturidade, Getúlio Vargas, apontado como “o pai dos pobres e a mãe dos ricos”.
Ontem, o BC divulgou o salto dos gastos de brasileiros no exterior: US$ 2,1 bilhões em abril de 2013, 17% acima do registrado em abril do ano passado. Nos quatro primeiros meses do ano, passaram de US$ 8 bilhões.
É obvio que tamanha gastança não é feita pelas elites tradicionais, apenas. Grande parte dela provém da classe média que, deslumbrada com seu poder de compra crescente, viaja à Turquia por causa da novela da Globo ou compra enxovais de bebês em Nova York.
Não se está condenando estas pessoas – embora haja coisas bem melhores para motivar viagens – mas apontando a contradição entre o que podem hoje e o que se deixam levar a pensar sobre o governo que sustenta um crescimento econômico que lhes permite o que, antes, não podia fazer.
Mas é impressionante como ela se deixa levar pelo catastrofismo econômico que, há anos e sob as mais variadas formas, os porta-vozes da dominação financeira que subjugou este país impõem através da mídia e daqueles que ela seleciona como “analistas de economia”.
Porque é ele, o mundo das finanças e dos ganhos astronômicos que não perdoa que, em parte, tenha tido de moderar seus apetites sobre a carne suculenta deste país que, antes, devoravam sem qualquer moderação.
Ontem, o Brasil 247 pôs o dedo na ferida: embora a inflação inicie uma trajetória de queda, a economia aumente sua atividade e o IBGE acabe de registrar o menor índice de desemprego para o mês de abril em 11 anos, a pressão do catastrofismo não dá tréguas.
O 247 vai ao ponto: eles querem é mais juros.
Os juros que, aliás, a classe média paga em seu consumo.
Como os soldados de Vichy, eles seguem o que os colaboracionistas da dominação lhes ordenam. E nem percebem que são ordens, acham que é mesmo aquilo o que pensam.
Felizmente, também como na França ocupada, eles são minoria, como provam as pesquisas de opinião sobre a popularidade do Governo Dilma.
Mas são os que têm voz, pelos meios de comunicação.
Porque nós, os que defendemos uma trajetória de libertação e avanço deste país, não falamos. E, quando falamos, nos fixamos muito mais na crítica às concessões que a política obriga um governo progressista a fazer.
E, sob este clima, toda sorte de oportunismos se espalha: os marinismos, as chantagens parlamentares do PMDB, a dança com que Eduardo Campos se oferece como alternativa à direita, desfalcada de um José Serra que afunda – atirando, aliás – e um Aécio Neves que não decola.
E, tal como naquela França do pré-guerra, não vão faltar figuras como a de Pierre Laval, que passou de socialista a expoente da direita e um dos maiores colaboradores dos alemães.
Se não entendermos que teremos, nas eleições do ano que vem, de enfrentar corações e mentes desta classe média ascendente com o máximo de solidez possível na base de apoio ao Governo progressista, estaremos correndo sérios riscos.
Isso, de maneira alguma, significa deixarmos de pensar o que pensamos e combater desvios – políticos e pessoais – do poder.
Mas, também, e jamais, esquecermos que a luta que se trava é maior e mais, muito mais, importante e vital.
É pelos direitos do povo brasileiro – mesmo os de sua classe média – de viver melhor, num país livre, que não mais será escravo de ninguém.
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