São Paulo elegeu neste domingo 1.125 representantes para governar a cidade com Haddad, o maior conselho popular da história brasileira.
A cidade de São Paulo elegeu neste domingo o maior conselho popular da história brasileira. Com pouco espaço na imprensa e uma divulgação despolitizada de parte da própria prefeitura, ele representa, paradoxalmente, talvez a resposta mais arrojada ao anseio de participação ecoado nas ruas de junho.
São Paulo reúne 32 sub-prefeituras.
A partir de 25 de janeiro - quando os conselheiros eleitos tomam posse - elas terão um organismo local de fiscalização, consulta e proposição reclamado há décadas como antídoto ao caos logístico e social na maior metrópole brasileira e uma das maiores do mudo.
Com um representante para cada 10 mil habitantes, a cidade disporá então de 1.125 vozes a falar por ela com conhecimento de causa e legitimidade.
É a aposta na democracia contra o caos. Se vingar, fará história e não apenas em São Paulo.
Embora a área de ação de cada conselheiro esteja circunscrita ao perímetro do bairro, nada impede que a Prefeitura institua fóruns regionais ou mesmo municipais, compostos por representações proporcionais destes conselhos, para debater e planejar grandes ações de interesse de toda a cidadania.
Na verdade, dada a natureza sistêmica dos grandes problemas urbanos de uma metrópole como São Paulo, essa progressão democrática é quase inevitável.
O recente reajuste do IPTU, que inflamou o espírito separatista de uma parcela da cidade cujo horizonte comunitário começa e termina na garagem do prédio, por certo teria outro respaldo político fosse ele previamente discutido e sancionado por um fórum de representações proporcionais ao mosaico paulistano.
O debate sobre o novo Plano Diretor de São Paulo, fomentado pela gestão Haddad, certamente teria uma densidade e um discernimento diferenciados, se estruturado a partir dos conselhos municipais.
O grande risco é subestimar essa oportunidade democrática abastardando-a como um simulacro do que deveria ser.
O que deveria ser passa pelas grandes questões que desafiam a democracia e o planejamento da sociedade em nosso tempo.
Marx disse que o ‘o capital nasce escorrendo sangue e lama por todos os poros da cabeça aos pés’.
A imagem se aplica literalmente à descrição do processo contínuo de valorização e exclusão em uma cidade com o tamanho e o calibre dos interesses entranhados nos 1.500 km2 de São Paulo.
A ideia de que esse açougue possa ser administrado pelo livre curso dos interesses graúdos que o dominam é o que de mais próximo se pode conceber em termos de barbárie urbana.
É disso, do direito ao livre curso dos mercados sobre a cidade, que falam as entrelinhas das críticas despejada contra a gestão Haddad por parte da emissão conservadora.
Critica-se o prefeito pelos seus acertos.
A intrínseca barbárie apregoada na fuzilaria contra o IPTU progressivo, e contra o Plano Diretor que coíbe o vale-tudo imobiliário, deriva da mesma cepa que na esfera nacional ecoa o bombardeio contra o ‘intervencionismo da Dilma’.
Os elevados custos humanos e materiais da internalização da crise mundial no sistema econômica brasileiro nunca são projetados quando se trata de fuzilar ‘a gastança’ das medidas federais tomadas para evitá-los.
Providências equivalentes, em termos de vida urbana, deveriam ter sido adotadas em metrópoles fortemente conectadas aos humores globais, como é o caso de São Paulo.
O Minha Casa, Minha Vida, no entanto, lançado como medida contracíclica no plano federal, teve na São Paulo dirigida pelo comodato Kassab/serrista, um dos seus piores desempenhos. O mesmo se pode dizer no que diz respeito à adesão ao Brasil Sem Miséria.
É forçoso arguir se até mesmo prefeitos progressistas iriam além do fatalismo ortodoxo, desprovidos de um contrapeso democrático que os conectasse diretamente ao metabolismo nervoso da cidade.
São Paulo não precisa de uma crise mundial para revelar as camadas majoritárias de sua gente expostas a um cotidiano de abandono e privação.
Num espaço por excelência de exercício da cidadania, a igualdade perante a lei aqui significa muito pouco à imensa maioria dos paulistanos desprovidos do poder econômico que lhes dê acesso aos gabinetes onde a cidade é decidida.
A cidadania que se exerce assim, esporadicamente, no comparecimento às urnas descarnado de outras instâncias de participação, revela-se um poder meramente formal diante do bloco granítico no qual se fundem a política e o dinheiro.
O gradiente dos direitos civis na metrópole é diretamente proporcional à quilometragem que separa bairros elegantes dos arruamentos suburbanos.
Ninguém escapa do inferno pelas mãos do diabo.
O que se disputa no Brasil hoje – enevoado pela vaporosa endogamia de togas e mídia-- é se o passo seguinte da história aqui será determinado pelos impulsos cegos dos mercados ou pelo planejamento democrático dos cidadãos.
A importância do conselho eleito neste domingo em São Paulo deve ser avaliada dentro dessa disjuntiva
Com algum otimismo, até mais além dela.
A história ensina que a passagem de uma época para outra requer não apenas condições objetivas, mas rupturas de engajamento social que reúnam a energia da força e do consentimento para desbravar novos caminhos.
O novo caminho no caso de São Paulo significa tornar a democracia na gestão da cidade indissociável dos que dela sempre foram excluídos.
A gestão Haddad tem um pedaço disso nas mãos a partir de agora. Cabe não desperdiçar a colheita embutida na semente.
A ver.
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