O Conversa Afiada tem o prazer de republicar do MudaMais esse inspirado artigo da repórter (ainda existem, em São Paulo !) Laura Capriglione:
Laura Capriglione: Marina decretou sua morte política ao apoiar Aécio Neves
Laura Capriglione é uma jornalista com muita bagagem e competência. Escrevendo agora no Yahoo, a jornalista analisa hoje a decisão de Marina em apoiar Aécio no segundo turno da eleição presidencial. Em seu blog Laura ressalta: “Mas Marina Silva acabou no domingo 12 de outubro, quando virou as costas para sua própria trajetória ao declarar voto no candidato Aécio Neves, o representante de uma política econômica ostensivamente contrária à valorização do salário mínimo e à ampliação das políticas sociais e de inclusão”. Um duro golpe em quem acreditava na postura progressista de Marina.
Leia a íntegra:
Marina Silva, descansa em paz!
Acabou Marina Silva (1958-2014). Fundadora da Central Única dos Trabalhadores e organizadora do PT, além de amiga e fraternal companheira do líder seringueiro Chico Mendes, Marina Silva foi durante anos, dentro do campo da esquerda brasileira, a representante de uma utopia que tentou conciliar três vetores quase sempre desalinhados: o desenvolvimento econômico, a inclusão social e o respeito ao meio ambiente e às populações tradicionais.
Sua saída do PT, em 2009,
empobreceu o partido e o debate interno sobre qual caminho seguir na
busca por um mundo mais justo e solidário.
A figura frágil – sobrevivente da
miséria dos migrantes recrutados para trabalhar na extração da borracha;
nascida em uma família de onze irmãos (da qual oito se criaram); órfã
aos 15 anos; sonhática (conforme a auto-definição); vítima da malária,
da intoxicação pelo mercúrio dos garimpos e da leishmaniose (doenças da
extrema pobreza) – pereceu no domingo, 12 de outubro, depois de lenta
agonia.
Foi nesse dia que ela formalizou
seu apoio ao tucano Aécio Neves no segundo turno das eleições
presidenciais, contra a candidatura da petista Dilma Rousseff.
Como membro do Partido dos
Trabalhadores, onde militou durante 23 anos, Marina ajudou a eleger e a
implantar o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, em que exerceu o cargo
de ministra do Meio Ambiente durante cinco anos e quatro meses. Foi um
período importante, que consolidou as condições para o Ceará, terra dos
pais de Marina, crescer mais velozmente do que a média nacional –3,4% ao
ano, contra 2,3% da média nacional.
Anos também importantes para o
Nordeste como um todo, que deixou de ser exportador maciço de
mão-de-obra, já que criou oportunidade de emprego e renda “como nunca
antes”. Só para efeito de comparação, ainda hoje a atividade econômica
nordestina cresce acima de 4% (nos cinco primeiros meses de 2014),
resultado superior à média nacional (0,6%), segundo o Banco Central.
Exemplo de superação das
dificuldades, Marina Silva conta em sua biografia com uma passagem como
empregada doméstica. Dureza. Mas a contribuição de Marina no
fortalecimento do governo do primeiro operário na Presidência ajudou a
mudar a situação das empregadas domésticas.
Primeiro com a valorização do
salário mínimo, que passou de R$ 200, no último ano do governo do tucano
Fernando Henrique Cardoso, para os R$ 724 atuais.
Depois, com a aprovação da Proposta
de Emenda à Constituição das Empregadas Domésticas, de 2013, que ela,
com seu exemplo e luta a favor dos oprimidos, ajudou (ainda que
indiretamente) a garantir.
Mais de um século depois da
Abolição da Escravatura, 7,2 milhões de empregados domésticos
brasileiros foram incluídos na categoria de cidadãos dotados de mínimos
direitos trabalhistas, entre os quais o controle da jornada de trabalho,
definida em oito horas diárias.
Além disso, a categoria começou a receber horas extras, remuneradas com valor pelo menos 50% superior ao normal.
Marina estudou muito, de modo a
formar-se como historiadora, professora e psicopedagoga, em uma época em
que o país só oferecia aos membros da elite branca a possibilidade de
conquistar um diploma de nível superior.
Como membro do Partido dos
Trabalhadores e afrodescendente, Marina ajudou a fazer a revolução
educacional que aumentou o acesso dos mais pobres e morenos aos bancos
universitários. Pela via da ampliação no número de vagas nas
universidades federais, do ProUni e do Fies, o número de vagas no ensino
superior mais do que duplicou de 3,5 milhões (em 2002) para 7,1 milhões
(em 2013).
Uma vida de vitórias, exemplos e superações.
Mas Marina Silva acabou no domingo
12 de outubro, quando virou as costas para sua própria trajetória ao
declarar voto no candidato Aécio Neves, o representante de uma política
econômica ostensivamente contrária à valorização do salário mínimo e à
ampliação das políticas sociais e de inclusão.
Com o capital eleitoral que
conseguiu reunir no primeiro turno (21,32 % do total de votos, ou
22.176.619 eleitores), Marina poderia ajudar sua Rede Sustentabilidade a
se consolidar como a tal terceira via de que tanto falou antes.
Ela preferiu juntar-se a forças bem
conhecidas dos brasileiros: Que criminalizam os movimentos sociais; que
atentam contra a liberdade de imprensa; que são apoiadas pela chamada
“Bancada da Bala”, por Silas Malafaia e por Marcos Feliciano.
Sem contar que os votos de Levi
Fidelix (PRTB, o idiota que fez do aparelho excretor um programa de
governo) devem ir para Aécio também.
Marília de Camargo César, autora da
biografia “Marina: a vida por uma causa” (editora Mundo Cristão, 2010),
conta que, diante de um problema de difícil resolução, a ex-ministra
costuma praticar a “roleta bíblica”, que consiste em abrir a Bíblia
aleatoriamente, para saber o que Deus recomendaria na situação.
Não é difícil imaginá-la nesse
mister quando ela se saiu com a idéia de pedir que o PSDB reconsiderasse
a campanha pela redução da maioridade penal, como condição sine qua non
a seu apoio. Aécio respondeu sem pestanejar: não! E assim acabou-se
mais uma convicção “firmíssima” de Marina.
Descansa em paz, Marina!
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