Os golpistas de sempre estão animados. Eles – e até alguns dos que se opõem ao golpe que partidos e setores da mídia acham que conseguirão dar sem reação, e sem custo – já veem a derrubada de Dilma Rousseff como favas contadas.
Esses grupos político-midiáticos deveriam ir mais devagar com o andor porque o santo é de barro e pode cair bem antes da presidente. E se esborrachar no chão.
Antes de prosseguir, estabeleçamos um fato: qualquer tentativa de afastar a presidente da República do cargo contra sua vontade, será golpe. Ao menos neste momento, não existe absolutamente nada que justifique tal pretensão.
Derrubar Dilma seria uma ruptura institucional clara, idêntica à de 1964. O fato de o instrumento do golpe, desta vez, ser o quadrinômio Justiça, Ministério Público, Polícia Federal e Congresso, em vez das Forças Armadas, não faz a menor diferença.
O que caracteriza um golpe não é o instrumento usado para concretizá-lo, mas a razão usada para justificá-lo – e justificar seria preciso não só para o Brasil, mas para o mundo.
A entrevista que a presidente deu à Folha de São Paulo no primeiro dia útil desta semana pode ter parecido um blefe, mas não é. Está longe de ser. Dilma sabe muito bem que a forma como estão tentando derrubá-la é inepta, escandalosamente golpista e não ficaria impune, caso vingasse.
Não que os golpistas seriam presos – como deveriam, pois forjar “razões” para atentar contra as instituições democrática é crime. Quem não ficaria impune seria o Brasil. Arcaria com um custo insuportavelmente alto e que deixaria marcas por muitos anos. Marcas na carne de cada brasileiro.
Quando dizem que Dilma não é Fernando Collor e que o PT não é o PRN, muitos entendem que essa é uma ameaça vã, pois os movimentos sociais – hoje, inclusive, um tanto quanto apáticos diante dos arreganhos golpistas – não iriam pegar em armas e instalar uma guerrilha como a que enfrentou a ditadura. Porém, não é disso que se fala.
Collor foi derrubado facilmente, via Congresso, com caras-pintadas na rua e ninguém ousou contestar. Não se viu uma única manifestação a seu favor além de um pequeno grupo de deputados, a dita tropa-de-choque colorida, encabeçada por ninguém mais, ninguém menos do que Roberto Jefferson, o algoz do PT no escândalo do mensalão.
No caso de Dilma, é mais embaixo. Em primeiro lugar, o Brasil e o mundo está assistindo, desde o fim do ano passado, a essa busca frenética por uma razão para o golpe – seja via contas de campanha, seja via “pedaladas” fiscais.
O mais bizarro nesse processo que está sendo conduzido com uma cara-de-pau quase sobrenatural, de tão escancarada, é que todos estão vendo que a oposição e a mídia estão, há meses, buscando um motivo para atender à “pressão das ruas”, ou seja, de grupos ruidosos de extrema-direita que, aliás, pregam a volta dos militares ao poder sem nem mesmo passar por novas eleições.
Um eventual processo de cassação do mandato de Dilma, à diferença do que ocorreu com Collor, seria contestado nas ruas por dezenas e dezenas de milhares de pessoas. Instalar-se-ia um clima de guerra no país.
Muitos movimentos sociais e sindicais que inclusive ajudaram a derrubar a popularidade de Dilma acusando-a, tacitamente, de estelionato eleitoral sabem que o pós-Dilma, pós-PT, seria sua sentença de morte.
As perseguições políticas se dariam exatamente como em 1964. CUT, MST e outros seriam criminalizados. Lideranças seriam presas a la Sergio Moro – que prende antes e investiga depois.
Então, podem contar que os movimentos sociais e sindicais iriam às ruas.
Ah, mas os golpistas são maioria nas ruas. Mais ou menos. O que se viu em 15 de março e 12 de abril foram manifestações familiares. Os fascistas de classe média e média alta levaram até as vovós e suas crianças à rua. Em um clima como o que irá se instalar, famílias ficarão em casa.
Para impedir o confronto, a direita terá que colocar a PM ou até o exército para reprimir os inconformados com a ruptura democrática. Aí seria uma beleza de cenário para mostrar ao mundo sobre o nosso país: militares espancando e prendendo civis por protestarem contra a derrubada mal explicada e mal justificada de um governo.
A imagem de democracia frágil colaria no Brasil rapidamente. Muitos acham que o mundo inteiro é bobo e não iria perceber que encontraram uma desculpa para atender ao “clamor público”.
Ora, as “pedaladas fiscais” são prática antiga de todos os governos que antecederam Dilma, as doações às campanhas de Dilma foram feitas, também, para José Serra e para Aécio Neves. As mesmas empreiteiras que doaram a Dilma estão envolvidas no escândalo do metrô de São Paulo e ninguém diz que o cartel paulista rendeu doações à campanha de Geraldo Alckmin, por exemplo.
É óbvio que estão querendo aplicar a lei para o PT diferentemente do que fazem para o PSDB, por exemplo.
Mesmo que derrubassem Dilma e Michel Temer, impugnando a chapa em que foram eleitos, e fizessem nova eleição, a ruptura institucional continuaria clara. Não é a nova eleição que justificaria que a anterior fosse jogada no lixo porque a popularidade de Dilma está baixa.
Para derrubar Collor usaram um carro comprado com dinheiro de origem incerta e reformas na residência oficial do ex-presidente (a “Casa da Dinda”). Não há possibilidade de fazerem o mesmo contra Dilma.
Mesmo que arrumassem alguma coisa, o que desmoraliza todo esse processo são dezenas e dezenas de declarações que mostram que estão buscando um pretexto para derrubar Dilma.
Agora com a pecha de país de democracia frágil que acaba de romper a institucionalidade, os prejuízos para o Brasil seriam grandes. Mesmo sob o mais do que provável apoio dos Estados Unidos, o mundo todo passaria a enxergar uma potência como este país com a mesma lente que usa para olhar o Paraguai ou Honduras.
Reduzir o Brasil ao Paraguai, do ponto de vista de sua imagem internacional, não é pouco.
Sobre a economia, nem se fala. O PSDB e o PMDB estão votando todo tipo de loucura para a economia, no Congresso, para impedir que ela se recupere, pois sabem que se o país sair da crise a popularidade de Dilma irá se recuperar.
Porém, os malefícios que já foram causados vão deixar marcas. O partido que herdar o Brasil pós Dilma pegará um abacaxi de três metros de altura para descascar, pois quanto mais prolongam a crise política mais a economia se fragiliza.
O fato é que a parcela da população que até aceita o impeachment – que as pesquisas dizem ser em torno de 60% – acredita que, se Dilma for substituída, evitarão a crise, como se a mera substituição do governo resolvesse, como por mágica, todos os problemas do país.
Não vai rolar. Tudo que a oposição – aliada ao PMDB – está plantando deixará marcas. Além da falta de credibilidade internacional, teremos uma economia que irá demorar para se recuperar.
O provável discurso da “herança maldita do PT” terá prazo de duração. A grande ironia é que as pessoas esperam recuperar rapidamente os expressivos benefícios que auferiram ao longo dos governos petistas. E, como todos sabemos, com um PSDB ou outro partido de direita no poder, isso não irá rolar nunca, nem que a economia volte a crescer com força.
O caminho do impeachment é tortuoso e cheio de armadilhas. Será que os pesos pesados da economia estão dispostos a pagar esse preço só para atender a ganância política do PSDB e para que o novo governo salve os pré-falimentares grupos de mídia?
Aliás, nem o PSDB todo quer o impeachment. Está dividido. Por exemplo: Aécio quer o impeachment já para se beneficiar do “recall” (memória) da última eleição. Já Alckmin, prefere ser o candidato tucano em 2018, porque se Dilma cai e é convocada nova eleição ele não terá chance.
Dilma sabe que grandes empresários, bancos e parte da oposição esperam que ela fique sangrando até 2018 e deixe a economia arrumada para o sucessor – que, aí sim, todos (mídia, capital e oposição) tentarão fazer com que seja tucano ou similar.
Creia-me, povo: Dilma não blefou. Sabe que tem hoje o pior emprego do mundo e que quem tomasse o seu lugar iria se dar muito mal. Oposição e capital, aliás, devem torcer para que a presidente não se encha e mande tudo para o inferno.
Além disso tudo, ninguém ficará sentado olhando instalarem outra ditadura no Brasil.
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