Tereza Cruvinel
A deposição de Dilma pelo impeachment retorcido em golpe é só uma
face do expurgo político que, já em 2005, foi sintetizado por Jorge
Bornhausen com aquela frase: “vamos ficar livres desta raça por uns 30
anos”. Com algum atraso aquele augúrio vem se realizando. Integram a
“raça” o PT, Lula, Dilma e as esquerdas aliadas ao projeto petista. As
últimas movimentações político-judiciais sugerem que Dilma, além da
cassação, pode enfrentar, como Lula, outras ações judiciais. Com a
autorização, pelo ministro do STF Teori Zavascki, a pedido do
procurador-geral Rodrigo Janot, de investigação contra ela, Lula e mais
cinco pessoas, por tentativa de obstrução da Justiça, Dilma também corre
o risco de ser julgada e até condenada por Sergio Moro.
Sim, pois se esta investigação evoluir para uma denúncia, Dilma
provavelmente já não será presidente da República e terá perdido o
direito ao foro especial do STF. Quando e se isso acontecer, a ação será
direcionada para a primeira instância, ainda que Teori prefira
encaminhar a ação para outra vara e não para a de Moro em Curitiba. Ele
fez isso com a outra ação contra Lula, também por obstrução da Justiça,
decorrente de outros elementos da delação de Delcídio Amaral, as
supostas articulações para evitar a delação de Nestor Cerveró. A ação
foi direcionada para a 10ª. Vara da Justiça Federal em Brasília e ali o
juiz Ricardo Leite denunciou Lula, tornando-o réu pela primeira vez.
O
novo pedido de Janot também se baseia na delação de Delcídio, mas em
outras duas partes: a nomeação de Lula como chefe do Gabinete Civil por
Dilma (que teria o objetivo de dar-lhe foro no STF, livrando-o de Moro)
e a nomeação, por ela, do ministro do STJ Marcelo Navarro, com a ajuda
do então ministro da Justiça Eduardo Cardoso e de Francisco Falcão,
supostamente para que o ministro atuasse na corte em favor de
empreiteiros presos.
Outros fatos dos últimos dias e horas convergem na mesma direção: a
mulher e o filho de Lula foram intimados e mais um ex-tesoureiro do PT
foi incriminado (até parece que os outros partidos que receberam doações
de empreiteiras não tinham tesoureiros). O TCU abriu sindicância para
investigar suposto sumiço de presentes presidenciais (embora a equipe de
Dilma diga que todos estão catalogados, inventariados e guardados) e a
Operação Acrônimo voltou a mirar o governador de Minas, Fernando
Pimentel.
Dilma segue em seu combate ao impeachment, agora com a decisão de
comparecer pessoalmente ao Senado para apresentar sua defesa. Uma
decisão ousada e arriscada: ela deve ouvir desaforos que as excelências,
tão obsequiosas com quem detém o poder, reservam para os que já o
perderam ou estão prestes a perde-lo. Mas o jogo de Dilma, nesta altura,
é para a História. Assim como sua carta divulgada ontem, os anais
guardarão o vídeo desta exposição no Senado, bem como as inquirições dos
senadores. Não faltarão cenas de exibicionismo explícito, excessos
verbais e até insultos. Consumado o golpe, ela poderá enfrentar um
calvário judicial como o de Lula e até ficar impedida de deixar o país.
Lula e seus advogados, com a petição de agora à tarde ao STF, seguem
no esforço para demonstrar que o juiz Sergio Moro perdeu as condições
para julgá-lo, seja pelas ilegalidades que cometeu ao vazar grampos
também ilegais, seja pelas reiteiradas manifestações de pre-julgamento.
Mas o Supremo já se acomodou na posição de Pilatos. Dificilmente
impedirá a marcha do expurgo “desta raça”.
A nota fora do tom é a delação da Odebrecht, sempre retardada, que
pode espalhar brasas sobre todo o sistema, inclusive sobre Temer. Mas
está visto e demonstrado que o sistema judicial trata de formas
distintas as denúncias. Se envolvem a “raça petista”, avançam. Se os
atingidos são outros, as denúncias são postas para dormir.
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