“Estão tentando aplicar o neoliberalismo de forma profunda no país sem qualquer negociação. A raiz do golpe não é só para estancar a Lava Jato, mas está ligada à crise econômica. Houve uma articulação iniciada após minha reeleição em 2014 capitaneada por aqueles que perderam a eleição”, disse a presidente afastada Dilma Rousseff, ao participar de um debate em Porto Alegre; segundo ela, trata-de se um processo de radicalização do neoliberalismo, com ataques aos pilares da Constituição-cidadã de 1988; “O objetivo do golpe é completar o que não foi completado no governo FHC”, resumiu
Por Marco Weissheimer, no Sul 21
O golpe parlamentar que conduziu o vice-presidente Michel Temer (PMDB) à presidência da República tem como principal objetivo estratégico radicalizar a implementação do neoliberalismo no país, terminando aquilo que não foi completado no governo de Fernando Henrique Cardoso. Essa agenda de radicalização do neoliberalismo no Brasil tem três pilares centrais: a PEC 241 (agora PEC 55, no Senado), a Reforma da Previdência e a Reforma Trabalhista. A avaliação é da presidenta deposta Dilma Rousseff que participou, nesta quinta-feira (17), em Porto Alegre, do painel “O avanço neoliberal no mundo globalizado”, no 40º Encontro Nacional de Sindicatos de Arquitetos e Urbanistas, promovido pela Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas e pelo Sindicato dos Arquitetos no Estado do Rio Grande do Sul.
A abertura do encontro, no auditório da Federação Gaúcha de Futebol (FGF), foi marcada por uma manifestação de apoio das entidades organizadoras aos estudantes da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul que estão participando do movimento de ocupações na UFRGS contra a PEC 241/55. No início do debate, Dilma Rousseff fez uma homenagem ao seu parceiro de debate, o ex-governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra, com quem trabalhou como secretária estadual de Minas e Energia. Dilma disse que aceitou o convite para o debate por acreditar que o tema do painel está ligada à grande reflexão que precisa ser feita na atual conjuntura no Brasil e no mundo.
A ex-presidenta destacou três fatos recentes neste contexto: a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, a saída da Inglaterra da União Europeia e o golpe ocorrido no Brasil. “Todos esses fatos fazem parte de um processo comum que expõe as contradições do neoliberalismo e da globalização no momento atual”, defendeu. Uma das características do último período, assinalou Dilma, é a intensificação das relações financeiras que se tornaram predominantes sobre as demais relações produtivas. “Neste processo, ocorreram o aumento da concentração da riqueza e o crescimento da desigualdade social. Esse fenômeno provoca profundas contradições no interior da democracia. Nos Estados Unidos, por exempla, menos de 1% da população detém mais de 75% da renda. Como um sistema político pode resistir a esse fato?”, questionou.
Para Dilma Rousseff, a reação a esse processo de aumento da concentração de renda e de crescimento da desigualdade está “eivada de preconceitos e indica como inimigo quem não é o verdadeiro inimigo dessas populações”. O que é mais preocupante, acrescentou, é que nas grandes democracias do mundo começam a aparecer medidas de exceção que convivem com o sistema democrático. “Essa suspensão de normas democráticas está sendo feito de forma segmentada, atingindo apenas alguns setores da sociedade. É preciso criar um inimigo e é em cima dele que se suspende a democracia”, afirmou Dilma que classificou como preocupantes declarações de desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que justificaram a suspensão de determinadas normas legais na Operação Lava Jato pelo fato desta, supostamente, estar lidando com uma situação excepcional.
Exceção e neoliberalismo
Essa expansão da lógica da exceção no sistema democrático tem como contrapartida, no plano econômico, uma ofensiva do neoliberalismo mundial para aprofundar medidas que começaram a ser implementadas no final dos anos 70, início dos anos 80, tendo o Chile de Pinochet como laboratório. As principais características desse modelo, apontou Dilma, são a redução de impostos para os ricos, a desregulamentação do setor financeiro, a desregulamentação dos serviços públicos e a privatização de empresas públicas. “Vários países emergentes seguiram esse processo. No Brasil, ele foi aplicado de forma incompleta no governo FHC e conseguimos manter as nossas principais empresas públicas. No Brasil e em outros países da América Latina conseguimos resistir a esse processo e implementar uma política de distribuição de renda, mas não havia a correlação de força necessária para promover também a desconcentração de renda”.
“Estamos vivendo um momento bastante difícil na vida do país”, avaliou ainda Dilma. “Estão tentando aplicar o neoliberalismo de forma profunda no país sem qualquer negociação. A raiz do golpe não é só para estancar a Lava Jato, mas está ligada à crise econômica. Houve uma articulação iniciada após minha reeleição em 2014 capitaneada por aqueles que perderam a eleição”. No plano político, observou, essa articulação foi favorecida e alimentada pela transformação que ocorreu no centro democrático que emergiu da Constituição de 1988 e que era liderado por políticos como Ulysses Guimarães. Ao longo dos anos, esse centro foi sendo progressivamente hegemonizado pela direita, culminando no seu controle pelos setores políticos mais conservadores do país, processo este que foi construindo as condições políticas para o golpe. “O objetivo do golpe é completar o que não foi completado no governo FHC”, resumiu.
Os efeitos da PEC 241/55
Dilma Rousseff defendeu ainda que a melhor maneira de conversar com a população sobre os efeitos da PEC 241/55 é pensar qual seria a realidade hoje caso ela estivesse em vigor há dez anos. “Se essa PEC estivesse em vigor há dez anos, o orçamento da educação, que hoje está em torno de R$ 102 bilhões, seria 70% menor (cerca de R$ 35 bilhões). O orçamento da saúde, que também é de aproximadamente R$ 102 bilhões, seria 45% menor. E o salário mínimo, que hoje é de R$ 880,00 seria de R$ 400,00. Em um país que deu apenas o primeiro passo para a redução da desigualdade, essa PEC trará efeitos muito dolorosos. Ela só não impõe um limite ao pagamento de juros ao sistema financeiro”.
Além da PEC 241/55, as outras pernas do ajuste neoliberal, segundo Dilma, são a Reforma da Previdência e a Reforma Trabalhista. “O Brasil vai precisar fazer uma Reforma da Previdência, pois a sua população está envelhecendo, mas não do jeito que está sendo proposto. Querer desvincular o reajuste da aposentadoria de 70% da população, que ganha um salário mínimo, do reajuste do salário mínimo é criminoso do ponto de vista social. No plano da Reforma Trabalhista, ainda não temos uma noção exata do que virá, mas sabemos que seguirá a lógica do primado do negociado sobre o legislado”.
Ainda segundo a avaliação da ex-presidenta, a PEC 241/55 fere cláusulas pétreas da Constituição ao retirar dos próximos cinco presidentes o direito de exercer a presidência e ferir o pacto federativo, retirando recursos dos estados e autonomia de gestão dos governadores. “Vamos ter que disputar à unha esses temas. Esse tripé – PEC 241/55, Reforma da Previdência e Reforma Trabalhista – é decisivo para o futuro do Brasil”, defendeu Dilma.
“Retomar a luta de baixo para cima”
Na mesma direção, o ex-governador Olívio Dutra disse que essa PEC “está destroçando o pacto federativo, centralizando tudo na União”. Olívio defendeu que o momento exige a retomada da “luta de baixo para cima”, deixada de lado nos últimos anos, do trabalho de formação e de fortalecimento dos movimentos sociais. “Nossos governos conquistaram muitos avanços como a inclusão social de 40 milhões de brasileiros e brasileiras e a retirada do país do mapa da pobreza, o que não é pouca coisa. Mas não mexemos em coisas estruturais e estruturantes, o que mostra agora suas consequências pois essa luta é mais embaixo, mais profunda”.
O ex-governador gaúcho lembrou que, em abril de 2003, o governo Lula encaminhou uma proposta de Reforma Tributária ao Congresso Nacional que previa, entre outras coisas, o fim da renúncia fiscal e a adoção de uma taxação progressiva, inclusive sobre grandes fortunas. “Tínhamos maioria, mas não para aprovar isso ou temas relacionados à Reforma Agrária ou à Reforma Urbana. Precisamos retomar essas lutas em todos os planos. Nós nunca discutimos Reforma Tributária no Orçamento Participativo. Só discutimos despesa, nunca a receita. Nem nos tempos mais firmes do OP nós discutimos com a população a questão da renda da cidade. Não tivemos força social, nem instigamos a população do modo necessário para avançar nestes temas. O resultado é que hoje a especulação imobiliária dita as regras das nossas cidades”.
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