O presidente dos demos, Agripino Maia, resolveu distanciar-se do desmanche contagioso do seu ex-líder no Senado, Demóstenes Torres.Partiu para uma agenda positiva no exterior. Agripino escolheu a dedo: montou um périplo de encontros políticos em Portugal e na Espanha onde versões ibéricas dos demos chegaram onde Demóstenes queria chegar, no poder. Má hora. A direita amiga empurra a península ibérica ao suicídio ortodoxo. Nesta 3ª feira, por exemplo, as tesouradas fiscais do governo Rajoy (PP) fizeram estremecer as bolsas da Europa e do mundo: distintas latitudes financeiras temem o efeito dominó de uma quebra da Espanha sob a ação da ‘purga ortodoxa'. Até sindicato mundial dos bancos, o IFF, Instituto Internacional de Finanças, já põe em dúvida a eficácia do 'austericídio' em marcha na zona do euro. Que Agripino considere o incêndio europeu um refresco perto da fogueira que assa a direita nativa, eis algo verdadeiramente assustador. (LEIA MAIS AQUI)
Após o golpe e com a estabilização da Venezuela bolivariana, o fortalecimento das relações bilaterais atingiu outro patamar. Em 2005, firmou-se aliança estratégica entre Lula e Chávez. Desde essa data, ocorreram 28 encontros presidenciais. A corrente de comércio se multiplicou mais de 7 vezes. A presença brasileira se ampliou, assim como a cooperação técnica, com instalação de representações de agências públicas brasileiras na Venezuela.
Pedro Silva Barros e Luiz Fernando Sanná Pinto (*)
Há exatos dez anos, entre os dias 11 e 13 de abril de 2002, um substantivo próprio quase desconhecido começou a figurar de modo recorrente nos noticiários políticos do mundo todo: Venezuela. Até então, tal nome era sinônimo de petróleo e de beldades bem sucedidas em concursos internacionais. Entretanto, depois dessas históricas e tensas 72 horas, tudo mudou. O país sul-americano passou a concentrar o interesse de analistas e a despertar as mais diferentes paixões.
O que aconteceu? Por que a “mais madura” das democracias da região passava por tamanha instabilidade? Por que alguns militares apoiaram um golpe contra um ex-companheiro de armas? Por que “lideranças civis” apresentadas como responsáveis e bem intencionadas rompiam de forma tão violenta com a legalidade? E por que as grandes massas se mobilizaram a ponto de reconduzir o presidente da República deposto ao poder, garantindo a continuidade da democracia? Afinal, quem era Hugo Chávez?
As respostas do mainstream apelaram para o argumento mais convencional: “populismo”! Tal como “um raio que cai de um céu azul”, Chávez apareceu no cenário político venezuelano destruindo as “boas práticas de governo” com políticas supostamente demagógicas e irresponsáveis. Boa parte da esquerda, por sua vez, encontrava-se em dificuldade para se posicionar de maneira mais firme e apresentar respostas alternativas. Embora seja um país vizinho, a Venezuela tinha uma trajetória muito pouco conhecida pelos brasileiros. Talvez isso se deva à falta de acontecimentos espetaculares durante boa parte do regime puntofijista (1958-1989). Nada de rupturas institucionais, tampouco grandes projetos populares. Ambiente bem diferente do que se via no subcontinente: revoluções, contra-revoluções, governos populares, ditaduras militares ...
A sombra da Venezuela saudita
A Venezuela e os venezuelanos ficaram de fora dos principais círculos de lideranças latino-americanas que, ao amargarem o exílio, pensaram e sofreram juntas seus problemas. Vista de longe, parecia um país “excepcional”: democracia liberal e ausência de restrição econômica externa. Era a sombra da Venezuela Saudita: petróleo e dólares. Os que haviam visitado a exuberante Caracas da década de 1970 pareciam certos de que os venezuelanos estavam a um passo de romper a camisa de força do subdesenvolvimento. Mas poucos acompanharam o que aconteceu depois.
Baixa nos preços da energia, explosão da dívida externa. E a Venezuela mergulhou de cabeça no cenário latino-americano da década perdida. A mistura do empobrecimento com as políticas de ajuste do FMI levaram ao Caracazo de 1989, quando a população se rebelou contra o projeto neoliberal.
Os militares tiveram de sair às ruas para reprimir a população. A brutalidade, a corrupção e o sentimento de decadência criaram constrangimento no próprio seio da Força Armada: vários grupos de oficiais se articulam em movimentos clandestinos. Um deles era liderado pelo tenente-coronel Hugo Chávez, que deflagrou sublevação militar contra o governo em 1992: com forte discurso moralista e de tom claramente anti-neoliberal, defendia uma constituinte para a “re-fundação” do país. Ao mesmo tempo em que foi militarmente derrotado, o movimento de Chávez conquistou importante vitória política. Garantiu a criação de uma liderança anti-establishment, que se contrapunha a todo o modelo que se encontrava em colapso.
Remando contra a maré
Depois de liberado da prisão, o ex-militar se convenceu que a melhor maneira de implantar o seu projeto seria pela via institucional. Em 1998, venceu eleições para a presidência da República com 56% dos votos. É importante destacar o simbolismo dessa vitória: num momento em que FHC começava seu segundo mandato, que a Argentina de Menem era apresentada pelo FMI como um modelo a ser seguido e que Fujimori governava absoluto no Peru, Chávez assumia o poder com um discurso muito crítico em relação ao Consenso de Washington. Estava sozinho, remando contra a maré.
A ausência de um partido ou de uma sólida base social organizada fez que o novo governo estimulasse a participação direta para promover reformas estruturais. A começar pela mais importante: a constitucional. Por plebiscito, foi aprovada a convocação de uma Assembléia Constituinte. A nova Carta foi apresentada e referendada por voto direto. Depois disso, Chávez decidiu levar a cabo mudanças mais profundas: publicou, no final de 2001, 49 decretos-lei, que deveriam regulamentar várias matérias previstas na nova Constituição, e que incluíam temas relevantes como petróleo e gás, terras, bancos, entre outros. O controle efetivo sobre a estatal de petróleo PDVSA aparecia como um objetivo fundamental.
Foi a partir desse momento que a direita começou a articular uma série de iniciativas para derrubar o presidente. Muitos dos principais executivos da PDVSA se recusaram a aceitar as mudanças. Diante de sua demissão, a oposição convocou a segunda greve geral em menos de seis meses, promovendo, também, manifestação pedindo pela renúncia de Chávez. Em meio à manifestação, no dia 11 de abril de 2002, levaram a termo, junto com alguns militares e espetacular sustentação midiática, um golpe de Estado. Uma suposta renúncia do presidente foi anunciada, enquanto Pedro Carmona Estanca, presidente da principal federação patronal do país, foi empossado em governo dito “provisório”.
Carmona recebeu apoio imediato do FMI e dos governos dos Estados Unidos e da Espanha: no dia 12 de abril, o Fundo anunciou a disponibilidade de recursos financeiros para a Venezuela. Algumas horas depois, a visita do embaixador norte-americano ao ex-líder empresarial representou o reconhecimento implícito de seu país ao governo golpista.
Um governo de apenas dois dias
O “governo” Carmona, que durou menos de dois dias, adotou medidas duras: derrogou a Constituição aprovada em referendo popular, dissolveu a Assembléia Nacional e reservou-se o direito de destituir governadores e prefeitos eleitos. Tratava-se, portanto, de uma grave violação da legalidade e de uma forte orientação autoritária, que ameaçava, ademais, repercutir regionalmente. A conjuntura sul-americana de 2002 já não era a mesma de 1999: o colapso da economia argentina colocava em xeque os ensinamentos do neoliberalismo, ao mesmo tempo em que Fujimori havia caído no Peru e que Lula despontava como o favorito nas eleições presidenciais do Brasil. A vitória da violência política da direita na Venezuela contra um projeto de esquerda em ascensão poderia servir de paradigma para as forças conservadoras dos demais países, fortalecendo práticas políticas que ameaçavam diretamente a democracia.
A mobilização dos setores populares e a organização de amplo movimento cívico-militar, entretanto, garantiram a recondução de Hugo Chávez à presidência da República em 13 de abril de 2002. Nesse sentido, mais do que qualquer coisa, as 72 horas que transcorreram nesses dias de abril de 2002 significaram a afirmação de uma tendência, uma reversão da corrente: a esquerda poderia ser forte o suficiente para se apresentar como alternativa política nos países em crise e para evitar possíveis investidas extra-legais das elites tradicionais.
Após a reversão do golpe, forças políticas progressistas alcançaram o poder por meio de eleições democráticas em vários países da região – Brasil (2002), Argentina (2003), Uruguai (2004), Bolívia (2005), Equador (2006), Nicarágua (2006), Paraguai (2008), El Salvador (2009) e Peru (2011). E onde quer que na América do Sul a direita tenha tentado reproduzir a lógica da desestabilização, foi derrotada antes mesmo de chegar ao golpe – mais uma vez na própria Venezuela (2002-2003), desta vez pela via econômica de um prolongado locaute, no Brasil (2005), na Bolívia (2008), na Argentina (2009-2010), no Paraguai (2010) e no Equador (2010). Não se pode esquecer, porém, do exitoso golpe conservador em Honduras (2009).
O aprofundamento das relações com o Brasil
O impacto dessa tentativa de golpe na política exterior da Venezuela também foi grande. A rede de relacionamentos internacionais da oposição incluía alguns dos parceiros mais tradicionais do país, como os Estados Unidos e a Espanha, enquanto os países do Sul, incluindo o Brasil, apoiaram o governo eleito. No locaute contra o governo Chávez, em dezembro de 2002, o Brasil enviou navio petroleiro para garantir o fornecimento de gasolina para a Venezuela.
A partir do período de maior estabilidade da Venezuela bolivariana, o fortalecimento das relações bilaterais atingiu outro patamar. Em 2005, firmou-se Aliança Estratégica entre Lula e Chávez. Acordou-se, inclusive, a realização de encontros presidenciais periódicos. Foram 28 desde então. A corrente de comércio se multiplicou mais de 7 vezes. A presença brasileira se ampliou, assim como a cooperação técnica, com instalação de representações de agências públicas brasileiras na Venezuela.
A Embrapa coopera para o desenvolvimento agrícola de um país com enormes potencialidades, mas que importa 70% dos alimentos que consome. A Caixa Econômica Federal coopera para a sustentabilidade urbanística, social e econômica do país vizinho, apoiando o programa Grande Missão Vivenda (construção de 3 milhões de moradias até 2019) e a instalação de terminais do Banco da Venezuela em áreas periféricas. A Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) apoiou a construção de fábricas de refrigeradores e máquinas de processamento de alimentos. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) assessora o planejamento territorial e industrial de fronteira de produção de hidrocarbonetos, o estado de Sucre e a Faixa Petrolífera do Orinoco, além de realizar estudos conjuntos sobre a integração produtiva e de infra-estrutura entre o Norte do Brasil e o Sul da Venezuela.
O grande desafio é transformar o crescimento conjuntural do comércio em integração produtiva. Os presidentes Chávez e Rousseff deram um grande passo ao determinar a elaboração de estudos para subsidiar um Plano de Desenvolvimento Integrado entre o Norte do Brasil e o Sul da Venezuela.
O voto democrático nas eleições presidenciais venezuelanas de 7 de outubro deste ano será determinante para o aprofundamento do processo de integração regional. Novamente, na Venezuela, poder-se-á definir a tendência de mais um ciclo político regional: consolidação dos avanços de governos progressistas e fortalecimento da integração sul-americana ou reversão de conquistas com a volta da direita ao poder e realinhamento aos Estados Unidos.
(*) Fazem parte da Missão do IPEA na Venezuela. pedro.barros@ipea.gov.br e luizpinto8@gmail.com
O que aconteceu? Por que a “mais madura” das democracias da região passava por tamanha instabilidade? Por que alguns militares apoiaram um golpe contra um ex-companheiro de armas? Por que “lideranças civis” apresentadas como responsáveis e bem intencionadas rompiam de forma tão violenta com a legalidade? E por que as grandes massas se mobilizaram a ponto de reconduzir o presidente da República deposto ao poder, garantindo a continuidade da democracia? Afinal, quem era Hugo Chávez?
As respostas do mainstream apelaram para o argumento mais convencional: “populismo”! Tal como “um raio que cai de um céu azul”, Chávez apareceu no cenário político venezuelano destruindo as “boas práticas de governo” com políticas supostamente demagógicas e irresponsáveis. Boa parte da esquerda, por sua vez, encontrava-se em dificuldade para se posicionar de maneira mais firme e apresentar respostas alternativas. Embora seja um país vizinho, a Venezuela tinha uma trajetória muito pouco conhecida pelos brasileiros. Talvez isso se deva à falta de acontecimentos espetaculares durante boa parte do regime puntofijista (1958-1989). Nada de rupturas institucionais, tampouco grandes projetos populares. Ambiente bem diferente do que se via no subcontinente: revoluções, contra-revoluções, governos populares, ditaduras militares ...
A sombra da Venezuela saudita
A Venezuela e os venezuelanos ficaram de fora dos principais círculos de lideranças latino-americanas que, ao amargarem o exílio, pensaram e sofreram juntas seus problemas. Vista de longe, parecia um país “excepcional”: democracia liberal e ausência de restrição econômica externa. Era a sombra da Venezuela Saudita: petróleo e dólares. Os que haviam visitado a exuberante Caracas da década de 1970 pareciam certos de que os venezuelanos estavam a um passo de romper a camisa de força do subdesenvolvimento. Mas poucos acompanharam o que aconteceu depois.
Baixa nos preços da energia, explosão da dívida externa. E a Venezuela mergulhou de cabeça no cenário latino-americano da década perdida. A mistura do empobrecimento com as políticas de ajuste do FMI levaram ao Caracazo de 1989, quando a população se rebelou contra o projeto neoliberal.
Os militares tiveram de sair às ruas para reprimir a população. A brutalidade, a corrupção e o sentimento de decadência criaram constrangimento no próprio seio da Força Armada: vários grupos de oficiais se articulam em movimentos clandestinos. Um deles era liderado pelo tenente-coronel Hugo Chávez, que deflagrou sublevação militar contra o governo em 1992: com forte discurso moralista e de tom claramente anti-neoliberal, defendia uma constituinte para a “re-fundação” do país. Ao mesmo tempo em que foi militarmente derrotado, o movimento de Chávez conquistou importante vitória política. Garantiu a criação de uma liderança anti-establishment, que se contrapunha a todo o modelo que se encontrava em colapso.
Remando contra a maré
Depois de liberado da prisão, o ex-militar se convenceu que a melhor maneira de implantar o seu projeto seria pela via institucional. Em 1998, venceu eleições para a presidência da República com 56% dos votos. É importante destacar o simbolismo dessa vitória: num momento em que FHC começava seu segundo mandato, que a Argentina de Menem era apresentada pelo FMI como um modelo a ser seguido e que Fujimori governava absoluto no Peru, Chávez assumia o poder com um discurso muito crítico em relação ao Consenso de Washington. Estava sozinho, remando contra a maré.
A ausência de um partido ou de uma sólida base social organizada fez que o novo governo estimulasse a participação direta para promover reformas estruturais. A começar pela mais importante: a constitucional. Por plebiscito, foi aprovada a convocação de uma Assembléia Constituinte. A nova Carta foi apresentada e referendada por voto direto. Depois disso, Chávez decidiu levar a cabo mudanças mais profundas: publicou, no final de 2001, 49 decretos-lei, que deveriam regulamentar várias matérias previstas na nova Constituição, e que incluíam temas relevantes como petróleo e gás, terras, bancos, entre outros. O controle efetivo sobre a estatal de petróleo PDVSA aparecia como um objetivo fundamental.
Foi a partir desse momento que a direita começou a articular uma série de iniciativas para derrubar o presidente. Muitos dos principais executivos da PDVSA se recusaram a aceitar as mudanças. Diante de sua demissão, a oposição convocou a segunda greve geral em menos de seis meses, promovendo, também, manifestação pedindo pela renúncia de Chávez. Em meio à manifestação, no dia 11 de abril de 2002, levaram a termo, junto com alguns militares e espetacular sustentação midiática, um golpe de Estado. Uma suposta renúncia do presidente foi anunciada, enquanto Pedro Carmona Estanca, presidente da principal federação patronal do país, foi empossado em governo dito “provisório”.
Carmona recebeu apoio imediato do FMI e dos governos dos Estados Unidos e da Espanha: no dia 12 de abril, o Fundo anunciou a disponibilidade de recursos financeiros para a Venezuela. Algumas horas depois, a visita do embaixador norte-americano ao ex-líder empresarial representou o reconhecimento implícito de seu país ao governo golpista.
Um governo de apenas dois dias
O “governo” Carmona, que durou menos de dois dias, adotou medidas duras: derrogou a Constituição aprovada em referendo popular, dissolveu a Assembléia Nacional e reservou-se o direito de destituir governadores e prefeitos eleitos. Tratava-se, portanto, de uma grave violação da legalidade e de uma forte orientação autoritária, que ameaçava, ademais, repercutir regionalmente. A conjuntura sul-americana de 2002 já não era a mesma de 1999: o colapso da economia argentina colocava em xeque os ensinamentos do neoliberalismo, ao mesmo tempo em que Fujimori havia caído no Peru e que Lula despontava como o favorito nas eleições presidenciais do Brasil. A vitória da violência política da direita na Venezuela contra um projeto de esquerda em ascensão poderia servir de paradigma para as forças conservadoras dos demais países, fortalecendo práticas políticas que ameaçavam diretamente a democracia.
A mobilização dos setores populares e a organização de amplo movimento cívico-militar, entretanto, garantiram a recondução de Hugo Chávez à presidência da República em 13 de abril de 2002. Nesse sentido, mais do que qualquer coisa, as 72 horas que transcorreram nesses dias de abril de 2002 significaram a afirmação de uma tendência, uma reversão da corrente: a esquerda poderia ser forte o suficiente para se apresentar como alternativa política nos países em crise e para evitar possíveis investidas extra-legais das elites tradicionais.
Após a reversão do golpe, forças políticas progressistas alcançaram o poder por meio de eleições democráticas em vários países da região – Brasil (2002), Argentina (2003), Uruguai (2004), Bolívia (2005), Equador (2006), Nicarágua (2006), Paraguai (2008), El Salvador (2009) e Peru (2011). E onde quer que na América do Sul a direita tenha tentado reproduzir a lógica da desestabilização, foi derrotada antes mesmo de chegar ao golpe – mais uma vez na própria Venezuela (2002-2003), desta vez pela via econômica de um prolongado locaute, no Brasil (2005), na Bolívia (2008), na Argentina (2009-2010), no Paraguai (2010) e no Equador (2010). Não se pode esquecer, porém, do exitoso golpe conservador em Honduras (2009).
O aprofundamento das relações com o Brasil
O impacto dessa tentativa de golpe na política exterior da Venezuela também foi grande. A rede de relacionamentos internacionais da oposição incluía alguns dos parceiros mais tradicionais do país, como os Estados Unidos e a Espanha, enquanto os países do Sul, incluindo o Brasil, apoiaram o governo eleito. No locaute contra o governo Chávez, em dezembro de 2002, o Brasil enviou navio petroleiro para garantir o fornecimento de gasolina para a Venezuela.
A partir do período de maior estabilidade da Venezuela bolivariana, o fortalecimento das relações bilaterais atingiu outro patamar. Em 2005, firmou-se Aliança Estratégica entre Lula e Chávez. Acordou-se, inclusive, a realização de encontros presidenciais periódicos. Foram 28 desde então. A corrente de comércio se multiplicou mais de 7 vezes. A presença brasileira se ampliou, assim como a cooperação técnica, com instalação de representações de agências públicas brasileiras na Venezuela.
A Embrapa coopera para o desenvolvimento agrícola de um país com enormes potencialidades, mas que importa 70% dos alimentos que consome. A Caixa Econômica Federal coopera para a sustentabilidade urbanística, social e econômica do país vizinho, apoiando o programa Grande Missão Vivenda (construção de 3 milhões de moradias até 2019) e a instalação de terminais do Banco da Venezuela em áreas periféricas. A Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) apoiou a construção de fábricas de refrigeradores e máquinas de processamento de alimentos. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) assessora o planejamento territorial e industrial de fronteira de produção de hidrocarbonetos, o estado de Sucre e a Faixa Petrolífera do Orinoco, além de realizar estudos conjuntos sobre a integração produtiva e de infra-estrutura entre o Norte do Brasil e o Sul da Venezuela.
O grande desafio é transformar o crescimento conjuntural do comércio em integração produtiva. Os presidentes Chávez e Rousseff deram um grande passo ao determinar a elaboração de estudos para subsidiar um Plano de Desenvolvimento Integrado entre o Norte do Brasil e o Sul da Venezuela.
O voto democrático nas eleições presidenciais venezuelanas de 7 de outubro deste ano será determinante para o aprofundamento do processo de integração regional. Novamente, na Venezuela, poder-se-á definir a tendência de mais um ciclo político regional: consolidação dos avanços de governos progressistas e fortalecimento da integração sul-americana ou reversão de conquistas com a volta da direita ao poder e realinhamento aos Estados Unidos.
(*) Fazem parte da Missão do IPEA na Venezuela. pedro.barros@ipea.gov.br e luizpinto8@gmail.com
Venezuela, dez anos depois do golpe. O que vem pela frente?
Malogro do 11 de abril de 2002 marca uma novidade na América Latina. Nunca uma articulação envolvendo classes dominantes, Igreja Católica, mídia e Estados Unidos fracassara por aqui. Hoje, com a popularidede acima de 60%, Chávez é o favorito na disputa presidencial. Mas um drama pessoal ameaça se transformar em fator político determinante: a gravidade de seu quadro de saúde. Se a situação se agravar, não há substituto à altura. Não há uma Dilma do Chávez. O artigo é de Gilberto Maringoni.
Gilberto Maringoni
Estive pela primeira vez na Venezuela três semanas após o fracassado golpe de 11 de abril de 2002. O motivo foi um convite do jornalista Raimundo Pereira, um dos pais do jornalismo político moderno no país e editor da revista Reportagem. “Você não quer passar uns dias em Caracas, saber como foi essa volta do Chávez ao poder e fazer uma matéria extensa?”, perguntou ele em uma curta e objetiva reunião que tivemos dois dias após o fim da aventura de Pedro Carmona e seus aliados.
Aceitei e fiz as malas sem saber muito do país, além da generalidade superficial de quem lê o noticiário da mídia brasileira.
Dias antes, Arnaldo Jabor havia saudado o golpe. Aparecera com aquele ar de amigo esperto nas telas da Globo, segurando uma taça de vinho numa mão e uma banana na outra. “Vamos brindar o fim de mais uma república bananeira”, ironizou, antes de fazer biquinho para saborear a bebida.
O Estado de S. Paulo foi mais direto. No editorial de sábado, 13 de abril tascou o seguinte: “O que ocorreu na Venezuela não foi um simples golpe de Estado que tirou do poder o coronel Hugo Chávez. Foi - assim como ocorreu no Brasil em 1964 - uma reação cívica a um governo que, eleito em pleito livre, em consequência do cansaço popular com partidos que já não tinham representação e se excediam na corrupção, se esmerou, uma vez no poder, em eliminar progressivamente todo e qualquer vestígio daquilo que se poderia chamar de institucionalidade democrática”.
Clima pesado
Em Caracas, o clima era mais pesado. Os jornais e os noticiários de TV praticamente diziam que Chávez era o responsável pelo golpe. Havia denúncias e mais denúncias, anúncios catastróficos sobre a reforma agrária e um rosário de torpedos verbais contra o presidente em todos os horários e canais.
Mas os atendentes, camareiras, garçons, camelôs, balconistas, mendigos, cobradores de ônibus e lideranças de bairros estavam exultantes. “Intentaran sacar el presidente porque él és nuestro”, me falou baixinho a copeira do hotel onde fiquei.
A sensação nas ruas era semelhante. As marchas da oposição exibiam loiras oxigenadas, com blusas de oncinha, calça de couro e salto alto. Também se viam rapazes, marombados por intermináveis horas nas academias, descendo de Pajeros e Cherokees. A ala dos governistas era composta por mulatos, mestiços, desdentados e malvestidos. Visualmente, o panorama era de ricos contra pobres, quase uma imagem de manual de luta de classes.
O malogro
O malogro da ação se deu por três fatores: 1. Os golpistas não conseguiram maioria nas forças armadas. A cúpula queria a saída de Chávez, mas a média oficialidade e os cabos e soldados não embarcaram na intentona. Na própria madrugada do dia 12, enquanto o presidente era detido, várias guarnições importantes começaram a se rebelar; 2. A formidável reação popular evidenciou a rarefeita legitimidade da nova situação e 3. O novo governo conheceu um acachapante isolamento internacional.
O fim da trapalhada ficará marcado como uma das mais belas e emocionantes páginas das lutas sociais de todo o mundo. O figurino continental desandou. Puxadas de tapetes com sólidos apoios entre o empresariado, a Igreja Católica, os militares e a embaixada dos Estados Unidos nunca foram revertidos de forma tão espetacular
A volta de Hugo Chávez ao palácio de Miraflores, rodeado por centenas de milhares de apoiadores, tornou-se também objeto de disputa entre a direita e a esquerda. Qual o real significado das movimentações daqueles dias? A oposição valia-se de um argumento semelhante ao do jornal O Estado de S. Paulo: não houve golpe, mas um levante cívico militar contra a baderna. Golpista seria Chávez, que liderou um fracassado levante militar em 1992. O presidente, de seu lado, não economizou palavras para demonstrar a aliança de Pedro Carmona com a Casa Branca, num quadro de radicalização internacional promovida pelo governo de George W. Bush, poucos meses após os atentados de 11 de setembro de 2001.
Produto de uma crise
O mandato de Chávez, desde sua posse, em janeiro de 1999, foi pontuado por tensões e enfrentamentos. Mas, ao contrário do que a mídia internacional martelava incessantemente, o presidente não provocara crise alguma em seu país. Ele sim, como personagem político, é fruto de uma avassaladora crise econômica, social e política que castigava a Venezuela desde a segunda metade dos anos 1980. Iniciada com uma queda vertiginosa dos preços internacionais do petróleo, principal produto de exportação, o desarranjo mostrou-se estrutural, corroendo serviços e instituições públicas, partidos e lideranças políticas, num quadro de descrédito coletivo.
Um olhar superficial poderia classificar o surgimento de Chávez na cena política como a chegada de um salvador da Pátria. Ao longo dos anos, ele mostrou ser não apenas um dirigente capaz de recompor as bases institucionais da Venezuela, mas de tornar-se um fator de estabilidade política.
As classes dominantes locais e seus aliados internacionais somente muito mais tarde perceberiam não estar diante de mais um governante que poderia ser apeado da cadeira presidencial a qualquer momento. O ex-militar tornou-se caudatário de algo mais profundo. Sua legitimidade expressa uma mudança na estrutura de classes do país, com a entrada em cena de multidões empobrecidas e desiludidas, com difusos anseios de mudança.
Seria muito difícil, nessas condições, o governo golpista se estabilizar. Se derrotasse a investida popular, Carmona teria de seguir lançando medidas draconianas para se manter.
Força e fraqueza
A força do governo é, contraditoriamente, a razão de sua fraqueza. O presidente é não só um líder, mas o principal e praticamente único garantidor da estabilidade política e social. É o porta-voz central de seu governo, assim como é o grande intelectual, formulador e estrategista das ações de Estado.
O câncer que acomete atualmente o presidente Hugo Chávez tem, assim, duas dimensões principais. É um drama pessoal. Não se conhece claramente sua extensão ou gravidade. E pode se tornar uma tragédia política. Se a situação se agravar, não há substituto à altura. Nenhum membro do governo ou das forças aliadas poderia conduzir o processo político local sem enfrentar sérias turbulências iniciais. Não há uma Dilma do Chávez.
Dez anos depois do golpe, o presidente continua a manter índices de aprovação acima de 60%. Há fatores objetivos para alavancar tais indicadores: a vida melhorou na Venezuela. Os pobres comem mais, têm mais acesso à saúde, educação e serviços sociais essenciais. A sociedade segue violenta, mas a desigualdade se reduziu. Se tentarmos sintetizar esse período, podemos dizer que a grande diretriz oficial tem sido a de fortalecer o Estado e investir prioritariamente nas áreas sociais.
Os mandatos de Chávez têm sido marcados por enfrentamentos de variados tipos. Eles vão de tentativas de tirá-lo do poder a turbulências econômicas agravadas pela crise de 2008. A isso se somam dificuldades enfrentadas por um país quase sem indústrias, cuja economia baseia-se em grande parte na exportação de petróleo.
Chávez é o grande favorito para vencer as eleições presidenciais de outubro. Mas a vitória não representará o fim dos problemas.
O presidente agora luta pela vida. Nas condições atuais da Venezuela, isso tem um significado político vasto, profundo e decisivo para o país.
Aceitei e fiz as malas sem saber muito do país, além da generalidade superficial de quem lê o noticiário da mídia brasileira.
Dias antes, Arnaldo Jabor havia saudado o golpe. Aparecera com aquele ar de amigo esperto nas telas da Globo, segurando uma taça de vinho numa mão e uma banana na outra. “Vamos brindar o fim de mais uma república bananeira”, ironizou, antes de fazer biquinho para saborear a bebida.
O Estado de S. Paulo foi mais direto. No editorial de sábado, 13 de abril tascou o seguinte: “O que ocorreu na Venezuela não foi um simples golpe de Estado que tirou do poder o coronel Hugo Chávez. Foi - assim como ocorreu no Brasil em 1964 - uma reação cívica a um governo que, eleito em pleito livre, em consequência do cansaço popular com partidos que já não tinham representação e se excediam na corrupção, se esmerou, uma vez no poder, em eliminar progressivamente todo e qualquer vestígio daquilo que se poderia chamar de institucionalidade democrática”.
Clima pesado
Em Caracas, o clima era mais pesado. Os jornais e os noticiários de TV praticamente diziam que Chávez era o responsável pelo golpe. Havia denúncias e mais denúncias, anúncios catastróficos sobre a reforma agrária e um rosário de torpedos verbais contra o presidente em todos os horários e canais.
Mas os atendentes, camareiras, garçons, camelôs, balconistas, mendigos, cobradores de ônibus e lideranças de bairros estavam exultantes. “Intentaran sacar el presidente porque él és nuestro”, me falou baixinho a copeira do hotel onde fiquei.
A sensação nas ruas era semelhante. As marchas da oposição exibiam loiras oxigenadas, com blusas de oncinha, calça de couro e salto alto. Também se viam rapazes, marombados por intermináveis horas nas academias, descendo de Pajeros e Cherokees. A ala dos governistas era composta por mulatos, mestiços, desdentados e malvestidos. Visualmente, o panorama era de ricos contra pobres, quase uma imagem de manual de luta de classes.
O malogro
O malogro da ação se deu por três fatores: 1. Os golpistas não conseguiram maioria nas forças armadas. A cúpula queria a saída de Chávez, mas a média oficialidade e os cabos e soldados não embarcaram na intentona. Na própria madrugada do dia 12, enquanto o presidente era detido, várias guarnições importantes começaram a se rebelar; 2. A formidável reação popular evidenciou a rarefeita legitimidade da nova situação e 3. O novo governo conheceu um acachapante isolamento internacional.
O fim da trapalhada ficará marcado como uma das mais belas e emocionantes páginas das lutas sociais de todo o mundo. O figurino continental desandou. Puxadas de tapetes com sólidos apoios entre o empresariado, a Igreja Católica, os militares e a embaixada dos Estados Unidos nunca foram revertidos de forma tão espetacular
A volta de Hugo Chávez ao palácio de Miraflores, rodeado por centenas de milhares de apoiadores, tornou-se também objeto de disputa entre a direita e a esquerda. Qual o real significado das movimentações daqueles dias? A oposição valia-se de um argumento semelhante ao do jornal O Estado de S. Paulo: não houve golpe, mas um levante cívico militar contra a baderna. Golpista seria Chávez, que liderou um fracassado levante militar em 1992. O presidente, de seu lado, não economizou palavras para demonstrar a aliança de Pedro Carmona com a Casa Branca, num quadro de radicalização internacional promovida pelo governo de George W. Bush, poucos meses após os atentados de 11 de setembro de 2001.
Produto de uma crise
O mandato de Chávez, desde sua posse, em janeiro de 1999, foi pontuado por tensões e enfrentamentos. Mas, ao contrário do que a mídia internacional martelava incessantemente, o presidente não provocara crise alguma em seu país. Ele sim, como personagem político, é fruto de uma avassaladora crise econômica, social e política que castigava a Venezuela desde a segunda metade dos anos 1980. Iniciada com uma queda vertiginosa dos preços internacionais do petróleo, principal produto de exportação, o desarranjo mostrou-se estrutural, corroendo serviços e instituições públicas, partidos e lideranças políticas, num quadro de descrédito coletivo.
Um olhar superficial poderia classificar o surgimento de Chávez na cena política como a chegada de um salvador da Pátria. Ao longo dos anos, ele mostrou ser não apenas um dirigente capaz de recompor as bases institucionais da Venezuela, mas de tornar-se um fator de estabilidade política.
As classes dominantes locais e seus aliados internacionais somente muito mais tarde perceberiam não estar diante de mais um governante que poderia ser apeado da cadeira presidencial a qualquer momento. O ex-militar tornou-se caudatário de algo mais profundo. Sua legitimidade expressa uma mudança na estrutura de classes do país, com a entrada em cena de multidões empobrecidas e desiludidas, com difusos anseios de mudança.
Seria muito difícil, nessas condições, o governo golpista se estabilizar. Se derrotasse a investida popular, Carmona teria de seguir lançando medidas draconianas para se manter.
Força e fraqueza
A força do governo é, contraditoriamente, a razão de sua fraqueza. O presidente é não só um líder, mas o principal e praticamente único garantidor da estabilidade política e social. É o porta-voz central de seu governo, assim como é o grande intelectual, formulador e estrategista das ações de Estado.
O câncer que acomete atualmente o presidente Hugo Chávez tem, assim, duas dimensões principais. É um drama pessoal. Não se conhece claramente sua extensão ou gravidade. E pode se tornar uma tragédia política. Se a situação se agravar, não há substituto à altura. Nenhum membro do governo ou das forças aliadas poderia conduzir o processo político local sem enfrentar sérias turbulências iniciais. Não há uma Dilma do Chávez.
Dez anos depois do golpe, o presidente continua a manter índices de aprovação acima de 60%. Há fatores objetivos para alavancar tais indicadores: a vida melhorou na Venezuela. Os pobres comem mais, têm mais acesso à saúde, educação e serviços sociais essenciais. A sociedade segue violenta, mas a desigualdade se reduziu. Se tentarmos sintetizar esse período, podemos dizer que a grande diretriz oficial tem sido a de fortalecer o Estado e investir prioritariamente nas áreas sociais.
Os mandatos de Chávez têm sido marcados por enfrentamentos de variados tipos. Eles vão de tentativas de tirá-lo do poder a turbulências econômicas agravadas pela crise de 2008. A isso se somam dificuldades enfrentadas por um país quase sem indústrias, cuja economia baseia-se em grande parte na exportação de petróleo.
Chávez é o grande favorito para vencer as eleições presidenciais de outubro. Mas a vitória não representará o fim dos problemas.
O presidente agora luta pela vida. Nas condições atuais da Venezuela, isso tem um significado político vasto, profundo e decisivo para o país.
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