Foto: Edição/247
Nomeação da parente do contraventor nega um dos discursos do senador mineiro e do PSDB: o do choque de gestão, com contratações baseadas exclusivamente no mérito. Ou, como diz blogueiro e especialista em pesquisas de opinião José Roberto de Toledo: “Basta uma sequência de telefonemas entre poderosos e o emprego se materializa”
Mas o estrago já está feito e pode trazer problemas para o candidato a candidato presidencial pelos tucanos. É mais do que exagerado, é incorreto atribuir ligações de Aécio com Cachoeira apenas por esse fato. Em si, ele não indica a criação do canal Aécio/bicheiro que algumas pessoas da oposição ao PSDB, principalmente em Minas Gerais, querem atribuir.
Mas o fato não se esgota aí. Com as pretensões que o ex-governador mineiro tem, não pegou bem. Nos últimos anos, Aécio e as outras lideranças tucanas buscam um discurso para o partido. Na ausência até agora, apegam-se a fatos já velhos para o eleitor (o Plano Real), muito vagos (responsabilidade fiscal, por exemplo) ou a temas ligados à ética e moral. Aécio, por exemplo, ficou oito anos no governo mineiro propagandeando seu choque de gestão e a meritocracia como critério para nomeações no serviço público. Era um ataque ao que ele e colegas de PSDB chamam de “aparelhamento da máquina pública pelo PT”.
O blogueiro José Roberto de Toledo, do Estadão, bom especialista em pesquisas de opinião, foi categórico na crítica ao episódio Aécio/prima de Cachoeira: “Para ser nomeado para um cargo público de chefia no governo de Minas Gerais não é preciso nem currículo. Basta uma sequência de telefonemas entre poderosos e seus cupinxas e o emprego se materializa com rapidez de corar burocrata.” E completa, demolidor: “Se todo brasileiro desfrutasse de tanta presteza e gentileza do poder público o Brasil não seria o Brasil.”
O episódio pode trazer problemas para o senador mineiro em proporção parecida à recusa em fazer o teste do bafômetro, há um ano, no Rio. O jornalista Paulo Henrique Amorim, fiel a seu estilo gozador, chegou a cunhar o termo “bafômetrogate”. Agora, o estrago também não é pequeno, já que contradiz o discurso da meritocracia tão defendido por Aécio e o PSDB.
Leia abaixo o texto de Toledo em seu blog no Estadão:
Quatro “grampos” de separação
A cada novo “grampo” vazado da Operação Monte Carlo se aprende um pouco mais sobre o funcionamento da República. Sabe-se, por exemplo, que o senador Demóstenes Torres (ex-DEM) era um ágil despachante dos interesses do empresário preso Carlinhos Cachoeira: pedia favores, cobrava contrapartidas, intercedia junto a agentes públicos. Tudo em nome do amigo com quem manteve mais de 300 conversas telefônicas em curto período de tempo.
Aprende-se também que para ser nomeado para um cargo público de chefia no governo de Minas Gerais (e em Goiás, em Brasília etc) não é preciso nem currículo. Basta uma sequência de telefonemas entre poderosos e seus cupinxas e o emprego se materializa com rapidez de corar burocrata.
Mônica Vieira liga para o primo Carlinhos Cachoeira, que liga para o amigo Demóstenes Torres, que liga para o colega de Senado Aécio Neves, que obtém o aval do governador Antonio Anastasia para o secretário de Governo de Minas Gerais ligar para Mônica comunicando sua nomeação. O ciclo se fecha com 4 graus de separação, ou melhor, de conhecimento. Na contabilidade do repórter Fausto Macedo, bastaram 12 dias e 7 telefonemas.
Se todo brasileiro desfrutasse de tanta presteza e gentileza do poder público o Brasil não seria o Brasil.
Mônica disse à reportagem do Estado que foi nomeada para ser chefe regional da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas por sua “competência”, por seus 25 anos de carreira. Pode ser, mas quem apadrinhou sua nomeação não sabia disso.
Aécio perdera o currículo de Mônica. Foi o que Demóstenes relatou a Cachoeira, em telefonema na noite de 20 de maio do ano passado. Aos repórteres, o senador tucano disse desconhecer a origem do pedido de nomeação. Mesmo sabendo muito pouco ou quase nada, passou-o à frente. Talvez retribuísse algo, ou quisesse ficar com crédito junto a Demóstenes, contra quem até então “não recaía questionamento”, nas escolhidas palavras de Aécio.
Patrocinador da nomeação de Mônica, Cachoeira não enfatiza as qualidades profissionais da prima ao despachar com o amigo Demóstenes. O apelo é pessoal: “É importantíssimo pra mim. Você consegue por ela lá com o Aécio (…). Pô, a mãe dela morreu. É irmã da minha mãe”. Só se preocupam com o salário, que não pode ser menos do que R$ 10 mil -“se não estou perdida”, na expressão de Mônica. E quem não estaria? Uns 190 milhões de brasileiros.
Em outro “grampo”, descobre-se que Demóstenes -mais uma vez no papel de despachante de Cachoeira- deixou “intranquilo” Maguito Vilela (PMDB), um ex-governador de Goiás que agora é prefeito de Aparecida de Goiânia. A intranquilidade seria fruto de conversa do senador com o político goiano. Demóstenes relata ter dito que Cachoeira estava “uma onça” com Maguito, por causa da falta de celeridade no cumprimento de um acordo entre ambos.
Não fica claro o porquê de Demóstenes ser o intermediário da cobrança, de ser ele a dizer que seu representado estava uma fera, em lugar de o próprio Cachoeira arreganhar os dentes para Maguito. Pelo jeito, cada um com seu papel.
Entre um despacho e outro com Cachoeira, Demóstenes encontrava tempo para cobrar honestidade de seus pares, em entrevistas a meios de comunicação e em discursos na tribuna do Senado. Antes dos “grampos”, só essa parte de sua vida pública era de conhecimento público.
Com a CPI que se instala nesta quarta-feira, mais “grampos” devem ser desengavetados. Mais lições sobre o funcionamento da República serão oferecidas aos interessados. Mais bastidores da vida pública aparecerão.
O maior bem que a CPI pode fazer à sociedade é liberar todos os “grampos”. Os vazamentos pontuais implicam uns mas podem omitir outros. O controle do fluxo de informações em escândalo dessa magnitude é o que todos os partidos buscam, para defenderem-se e atingirem os adversários. Só a liberação geral e irrestrita das gravações minimiza o uso político e eleitoral da CPI. A alternativa deixa o público a quatro ou mais “grampos” de separação
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