A revista 'Veja' e a crosta que orbita em torno dela decidiram que o Brasil é um parque de diversões do conservadorismo decadente.Um 'focinho de porco' onde se vende desde o elixir maravilha dos livres mercados ,os fabulosos tucanos e o túnel dos horrores da esquerda. Tudo meio gasto, decrépito, exalando picaretagem e golpe. Um dos caça-níqueis do negócio é a barraquinha do 'tiro ao Lula'. Pouca demanda. Pintura descascada e balcão sujo. Para animar a freguesia, Veja & a crosta volta e meia instalam Marcos Valério no meio a clientela; ele faz uns disparos com a espingardinha de rolha.Atrás da cortina colunistas isentos sacodem os bonequinhos de Lula, fingindo que a rolha desta vez acertou. Tudo um pouco capenga. Às vezes sacodem o bonequinho antes do tiro e continuam sacudindo depois, sem parar, mesmo sem nenhum disparo. Valério franze o cenho e olha em volta, como se perguntasse -'E agora, o que eu faço?' Os patrocinadores tentam compensar o descrédito com decibéis, alardeiam prêmios milionários ao misterioso 'atirador careca'. Os transeuntes olham aquilo com ar de enfado. Moscas zumbem. A mulher barbada tira os pelos postiços e se troca em público.Amanhã tem mais.
A pedagogia da devastação
Influenciados ou não pelo aquecimento do planeta, desastres naturais extremos tem funcionado como uma espécie de voto de Minerva devastador para as dúvidas da sociedade no século XXI. Com alguma precisão eles despencam em momentos-chave da vida política norte-americana, por exemplo.
Em 2005, o Katrina arruinou e submergiu 80% de New Orleans. Menos de um ano depois da reeleição de Bush, ventos de 175 quilômetros por hora, inundações e fogo, ao mesmo tempo e com igual intensidade, matariam cerca de duas mil pessoas. Em 24 horas instalou-se a barbárie. Saques, estupros e assassinatos mostraram do que é capaz a anomia em carne e osso: é capaz de ser tão destrutiva quanto a fúria da natureza anabolizada pelo calor irradiado do capitalismo.
Discípulo catatônico da não intervenção do Estado --exceto em países com reservas de petróleo-- Bush demorou dois dias para romper a letargia ideológica e chegar à região da tormenta.
Em se tratando de uma catástrofe isso é o suficiente para se produzir outra.
Nenhum poder humano evitaria o Katrina. Mas a lentidão e a incompetência do socorro adicionaram perdas e danos evitáveis se o ocupante da Casa Branca não tivesse banido a presença ativa do Estado da agenda e do imaginário norte-americano.
Na eleição de 2008, o passivo do Katrina, encorpado de um furacão financeiro ainda em curso, refrescou o discernimento dos eleitores.
O custo da omissão pública idealizada em promessas neoliberais de autorregulação da sociedade pelos mercados derrotaria os republicanos para um candidato negro e democrata.
Desta vez, o voto de Minerva chama-se Sandy. Ele acaba de irromper na disputa pela sucessão de Obama trazendo inundações e ventos de 140 kms/h na costa leste do país.
Sandy já fez cerca de 85 vítimas.
Porém, fez mais que isso: a ventania incontrolável trouxe do fundo a questão que distingue as duas candidaturas em confronto nas urnas dos EUA nesse momento: a do democrata e a do republicano Mitt Romney.
Bilionário egresso das finanças desreguladas, Romney é um ato falho do dinheiro personificado em político.
A transparência de suas gafes e falcatruas fiscais é o maior cabo eleitoral de um Obama empalidecido pelos recuos e refregas do mandato que expira.
Romney declarou logo no início da campanha que veria com bons olhos se a Federal Emergency Management Agency,a FEMA, agência estatal que coordena o socorro às emergências, fosse, como gostam de dizer os neoliberais aqui e alhures, "descentralizada".
"Sempre que sai da esfera federal para a estadual vai na direção certa e, se puder ir além, e passar para o setor privado, melhor ainda', declarou o republicano resumindo em uma frase seu propósito na Casa Branca.
Nesta 5ª feira a prefeitura de Nova Iorque ignorou os augúrios privatistas de Romney e ordenou às empresas de ônibus que colocassem toda a sua frota na rua. Decidiu que os coletivos circulassem gratuitamente para atenuar o colapso do metrô. Determinou que todos os carros que atravessarem as pontes e túneis de Manhathan transportem pelo menos 3 pessoas, forçando a prática da carona.
No mesmo dia, Obama desembarcou em New Jersey, governado por um estridente republicano,um dos críticos mais agressivos ao 'intervencionismo' de sua administração. Foi levar solidariedade, recursos estatais e logística da FEMA para acudir a população que esteve sob o epicentro da tormenta.
Sendo a experiência alheia uma das melhores salvaguardas do futuro, caberia arguir: o que seria de uma cidade como São Paulo, por exemplo, se diante de uma tragédia superlativa, a prefeitura não dispusesse, digamos, de efetivo controle gerencial e logístico sobre o sistema de saúde pública?
Hoje é isso que acontece com 37 hospitais e 44 unidades de atendimento integralmente terceirizados pelo tucanato a OSs, de eficácia e lisura contestadas pelo próprio Tribunal de Contas do Estado.
Essa é uma hipótese que ajuda a dimensionar as implicações de um tema que coagulou divergências de fundo entre as candidaturas Serra e Haddad nas eleições municipais do último domingo em SP.
Felizmente, neste caso, não foi preciso um furacão para testar o acerto de cada lado.
As urnas tomaram as devidas precauções.
É necessário agora que as retificações de rumo sejam pedagogicamente explicadas e discutidas com a cidade que teve a coragem de dar o primeiro passo.
Não por uma revanche tola em torno de miudeza: é urgente consolidar novas referências entre o poder público e o interesse coletivo, seja na saúde, no transporte, na habitação, na cultura ou na segurança.
São Paulo --o Brasil, de um modo geral-- tem furacões sociais apavorantes embutidos em cada uma dessas esferas.
No filme "Ensaio sobre a Cegueira", baseado no romance de José Saramago, o personagem em fuga pela cidade pergunta à esposa, cuja visão subsiste solitária num mundo que perdeu a capacidade de se enxergar: "Há sinais de governo?".
A resposta é dada pelo passeio da câmera nas ruas de uma metrópole onde bandos esfarrapados e famintos vagam sem destino, num hiato em que o Estado desmoronou e a auto-regulação dos mercados não compareceu. É a barbárie.
O noticiário conservador no Brasil inocula na sociedade uma cegueira branca equivalente à fé mercadista de Romney.
A jaula ideológica adensada há décadas precisa ser rompida pelo pluralismo de uma nova regulação da mídia.
De novo, não por qualquer revanchismo tolo. Mas para que o país possa, mais rapidamente, equacionar seus 'furacões' históricos.
Em 2005, o Katrina arruinou e submergiu 80% de New Orleans. Menos de um ano depois da reeleição de Bush, ventos de 175 quilômetros por hora, inundações e fogo, ao mesmo tempo e com igual intensidade, matariam cerca de duas mil pessoas. Em 24 horas instalou-se a barbárie. Saques, estupros e assassinatos mostraram do que é capaz a anomia em carne e osso: é capaz de ser tão destrutiva quanto a fúria da natureza anabolizada pelo calor irradiado do capitalismo.
Discípulo catatônico da não intervenção do Estado --exceto em países com reservas de petróleo-- Bush demorou dois dias para romper a letargia ideológica e chegar à região da tormenta.
Em se tratando de uma catástrofe isso é o suficiente para se produzir outra.
Nenhum poder humano evitaria o Katrina. Mas a lentidão e a incompetência do socorro adicionaram perdas e danos evitáveis se o ocupante da Casa Branca não tivesse banido a presença ativa do Estado da agenda e do imaginário norte-americano.
Na eleição de 2008, o passivo do Katrina, encorpado de um furacão financeiro ainda em curso, refrescou o discernimento dos eleitores.
O custo da omissão pública idealizada em promessas neoliberais de autorregulação da sociedade pelos mercados derrotaria os republicanos para um candidato negro e democrata.
Desta vez, o voto de Minerva chama-se Sandy. Ele acaba de irromper na disputa pela sucessão de Obama trazendo inundações e ventos de 140 kms/h na costa leste do país.
Sandy já fez cerca de 85 vítimas.
Porém, fez mais que isso: a ventania incontrolável trouxe do fundo a questão que distingue as duas candidaturas em confronto nas urnas dos EUA nesse momento: a do democrata e a do republicano Mitt Romney.
Bilionário egresso das finanças desreguladas, Romney é um ato falho do dinheiro personificado em político.
A transparência de suas gafes e falcatruas fiscais é o maior cabo eleitoral de um Obama empalidecido pelos recuos e refregas do mandato que expira.
Romney declarou logo no início da campanha que veria com bons olhos se a Federal Emergency Management Agency,a FEMA, agência estatal que coordena o socorro às emergências, fosse, como gostam de dizer os neoliberais aqui e alhures, "descentralizada".
"Sempre que sai da esfera federal para a estadual vai na direção certa e, se puder ir além, e passar para o setor privado, melhor ainda', declarou o republicano resumindo em uma frase seu propósito na Casa Branca.
Nesta 5ª feira a prefeitura de Nova Iorque ignorou os augúrios privatistas de Romney e ordenou às empresas de ônibus que colocassem toda a sua frota na rua. Decidiu que os coletivos circulassem gratuitamente para atenuar o colapso do metrô. Determinou que todos os carros que atravessarem as pontes e túneis de Manhathan transportem pelo menos 3 pessoas, forçando a prática da carona.
No mesmo dia, Obama desembarcou em New Jersey, governado por um estridente republicano,um dos críticos mais agressivos ao 'intervencionismo' de sua administração. Foi levar solidariedade, recursos estatais e logística da FEMA para acudir a população que esteve sob o epicentro da tormenta.
Sendo a experiência alheia uma das melhores salvaguardas do futuro, caberia arguir: o que seria de uma cidade como São Paulo, por exemplo, se diante de uma tragédia superlativa, a prefeitura não dispusesse, digamos, de efetivo controle gerencial e logístico sobre o sistema de saúde pública?
Hoje é isso que acontece com 37 hospitais e 44 unidades de atendimento integralmente terceirizados pelo tucanato a OSs, de eficácia e lisura contestadas pelo próprio Tribunal de Contas do Estado.
Essa é uma hipótese que ajuda a dimensionar as implicações de um tema que coagulou divergências de fundo entre as candidaturas Serra e Haddad nas eleições municipais do último domingo em SP.
Felizmente, neste caso, não foi preciso um furacão para testar o acerto de cada lado.
As urnas tomaram as devidas precauções.
É necessário agora que as retificações de rumo sejam pedagogicamente explicadas e discutidas com a cidade que teve a coragem de dar o primeiro passo.
Não por uma revanche tola em torno de miudeza: é urgente consolidar novas referências entre o poder público e o interesse coletivo, seja na saúde, no transporte, na habitação, na cultura ou na segurança.
São Paulo --o Brasil, de um modo geral-- tem furacões sociais apavorantes embutidos em cada uma dessas esferas.
No filme "Ensaio sobre a Cegueira", baseado no romance de José Saramago, o personagem em fuga pela cidade pergunta à esposa, cuja visão subsiste solitária num mundo que perdeu a capacidade de se enxergar: "Há sinais de governo?".
A resposta é dada pelo passeio da câmera nas ruas de uma metrópole onde bandos esfarrapados e famintos vagam sem destino, num hiato em que o Estado desmoronou e a auto-regulação dos mercados não compareceu. É a barbárie.
O noticiário conservador no Brasil inocula na sociedade uma cegueira branca equivalente à fé mercadista de Romney.
A jaula ideológica adensada há décadas precisa ser rompida pelo pluralismo de uma nova regulação da mídia.
De novo, não por qualquer revanchismo tolo. Mas para que o país possa, mais rapidamente, equacionar seus 'furacões' históricos.
Postado por Saul Leblon
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