A morte da Falha de S. Paulo é um atentado à
liberdade de expressão
Nota do redator: este texto foi escrito pouco antes de, mais uma vez, a justiça se decidir, absurdamente, contra a Falha de S.Paulo, nesta manhã.
Torço pela ressurreição da Falha de S.
Paulo, morta pela Folha de S. Paulo. A paródia foi abatida a tiros na justiça
pelo ‘jornal a serviço do Brasil’.
Os responsáveis pela Falha não se
dobraram. Hoje, o caso será apreciado pela justiça na segunda instância. Na
primeira, a sentença de morte foi mantida.
Torço pela vitória da vida, e da
liberdade de expressão, hoje. O otimismo é moderado, dada a diferença do poder
econômico e de intimidação entre as duas partes.
Soube do caso ao escrever sobre a
participação de Diogo Mainardi no Roda Viva. Vi então que um jornalista fora desconvidado
pelo programa. Era ele, o editor da cassada e caçada Falha de S. Paulo.
É um caso que mereceria uma discussão
na imprensa brasileira, certamente. Mas, pelo que entendo, a mídia tradicional
ignorou e ignora o assunto.
O jornal conseguiu nos tribunais
tirá-la do ar com argumentos jurídicos de duvidosa qualidade — se pensarmos que
a Folha se autoproclama uma campeã da liberdade de expressão. A eles se juntou
uma pressão econômica ignominiosa: os irmãos responsáveis pela Falha, Lino e
Mário Bocchini, jovens da classe média paulistana, simplesmente quebrariam se
não tirassem rapidamente o site do ar.
Notemos que nos Estados Unidos o New
York Times nada fez contra a paródia Not New York Times, e como esta há
copiosas histórias no mundo da imprensa.
A mídia brasileira gritou, há algum
tempo, quando o jornalista equatoriano Emilio Palacio foi processado pelo
governo de Rafael Correa e condenado a pagar uma multa pesada – afinal
perdoada.
Palacio — arquiconservador, uma espécie
de Reinaldo Azevedo de poncho, apenas com mais poder, uma vez que tinha o cargo
de editor de opinião do principal jornal equatoriano — costuma chamar Correa de
Grande Ditador, com maiúsculas, num absoluto desprezo não apenas ao presidente
mas aos milhões de equatorianos que o elegeram não uma, mas duas vezes. A
administração de Correa é, nos artigos de Palacio, “a Ditadura”.
Sabemos o que é ditadura. Palacio seria
bem menos corajoso se estivesse sob uma de verdade. Sob Pinochet, por exemplo.
É, como seu duplo brasileiro, o falso herói, aquele que se voluntaria para
lutar quando não há guerra. Hoje, Palacio está nos Estados Unidos, de onde
continuará, bravamente, a combater a vontade de seu povo como se fosse um
mártir da liberdade.
A mídia brasileira se alvoroça também com
o esculacho dado à blogueira Yoani Sanchez, como se vaiá-la não pertencesse ao
terreno sagrado da liberdade de expressão.
Mas nenhuma voz se ergue em defesa da
Falha de S. Paulo. Vejo que o argumento para bani-la é que ela é uma ameaça à
marca Folha de S. Paulo. Hahaha. Falha de S. Paulo é um apelido carinhoso que
os paulistanos deram à Folha há muito tempo. Seus próprios jornalistas muitas
vezes se referem assim a ela nas conversas informais. A Falha é, ou era,
simplesmente uma paródia, uma brincadeira, uma comédia.
Teria feito sentido o Estado de S.
Paulo, em 1921, pedir que a recém-fundada Folha de S. Paulo fosse suprimida
pela semelhança do produto e pelo uso de S. Paulo no logotipo? E a AOL deveria
tentar liquidar o UOL?
Foi um ato de intolerância e
intimidação o que a Folha fez com a Falha, um mau momento que remete à empresa
que, na escuridão espessa, sob as ordens de seu dono — Octavio Frias, que
Clóvis Rossi adora dizer que era um grande jornalista –, emprestava carros
para a ditadura militar perseguir e matar opositores. Se é verdade que as
pessoas podem confundir as duas pela semelhança das marcas — uma enorme,
outra composta de dois irmãos — então a Folha tem um problema sério de
conteúdo e e identidade, e ele não vai ser resolvido com a extinção da Falha.
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