CONCORDA FHC?
DO BLOG ESQUERDOPATA
Hoje o panorama da América Latina apresenta uma polarização tanto política como econômica. Enquanto Brasil, Bolívia, Venezuela, Argentina, Equador, Paraguai e Uruguai protagonizam nova gestão independentista que busca recuperar a autodeterminação nacional, México, junto a Colômbia e alguns países da América Central seguem na subordinação econômica, política e até militar em relação aos EUA. O México é hoje muito menos livre que o Brasil.
Por Julio Boltvinik Kalinka, em La Jornada
Escrevo em Brasília, capital do Brasil, onde não festejo os 200 anos do início da guerra de independência do México e de muitos outros países da América Latian (AL), a maioria dos quais iniciou processos de independência por uma circunstância externa: a imposição de José Bonaparte (Pepe Botella) como monarca na Espanha (1808).
A mãe-pátria perdia sua independência e seus súditos nos vice-reinados entravam em crise que, depois de longas e cruentas guerras desembocariam na independência política. Nossos territórios coloniais se tornaram estados formalmente soberanos que, de fato, estavam muito longe de sê-lo.
Nossas histórias dos séculos XIX e XX mostram as vicissitudes trágicas dessa paródia. As histórias da AL tiveram fortes parapelismos políticos a partir de então, que se repetiram no Século XX, nos aspectos econômico, com a industrialização substitutiva de importações e, até o final do século XX, de novo com o giro ao neoliberalismo, que significou uma rendição de fato das soberanias nacionais.
Hoje o panorama da América Latina apresenta uma polarização tanto no âmbito político como no econômico. Enquanto Brasil, Bolívia, Venezuela, Argentina, Equador, Paraguai e Uruguai, com matizes e graus muito diversos, protagonizam uma nova gestão independentista que busca recuperar a autodeterminação nacional, México, junto com Colômbia e alguns países da América Central seguem na subordinação econômica, política e até militar.
Enquanto o primeiro grupo de países disse não (a desobediência sagrada de que tantas vezes Erich Fromm falou) a uma parte do Consenso de Washington, reivindicando o papel do Estado na economia e defendendo a soberania sobre os recursos naturais, o México segue sendo obediente e, portanto, não livre. Imitando os EUA da era Bush, Calderón declarou guerra ao narcotráfico, como Bush havia declarado ao terrorismo. Quis sentir-se grande fazendo o mesmo que Bush. Essas guerras, já sabemos, são uma maneira de restringir liberdades cívicas mais elementares.
Calderón carece da autoridade moral mínima para encabeçar os festejos do bicentenário da Independência por sua semelhança com Pepe Botella (governante imposto) e porque não promoveu a independência do país; pelo contrário, sua crescente subordinação aos EUA.
Em agudo contraste, Lula converteu o Brasil numa economia pujante e numa nova nação líder no contexto mundial. Na carta de convite para o Seminário Internacional sobre Governança Global (razão pela qual me encontro em Brasília), isso se assinala numa frase, carregada de significados:
“Os tempos atuais começam a delinear a formação de uma nova correlação de forças internacionais, com uma profunda mudança em torno das relações norte-sul. Analistas sugerem que, dentro de alguns anos, as economias emergentes podem representar a maioria absoluta da população e da atividade econômica mundial, impondo um novo mundo multipolar”.
A mudança de tom nas relações norte-sul (presente de maneira notável no grupo de países sul-americanos antes mencionado) não disse respeito ao México. Pelo contrário, observou-se mais o tom tradicional da relação.
O Brasil forma parte do grupo de economias emergentes chamado BRIC (Brasil, Rússia, Índia, China). O nome BRIC foi cunhado pelo negativamente célebre grupo de investimentos Goldman Sachs, que previu que a participação do crescimento das economias desses 4 países no crescimento mundial poderia passar de 20% em 2003 para 45% em 2025, e sua participação no PIB, de 10% para 30%.
Em 2025 o Brasil seria a quarta economia do planeta, contra o oitavo lugar que ocupa em 2010. O México conservaria seu 13° lugar mundial. Mais impressionante ainda: enquanto em 2006 o PIB per capita do México era de 1,4 vezes o do Brasil, em 2010 já são iguais, segundo essa mesma fonte.
No gráfico acima se avalia que se há 20 anos (1989 no México e 1990 no Brasil) o nível de pobreza que a CEPAL mede era quase igual em ambos os países (48% no Brasil e 47,7% no México), em 2008 a pobreza era substancialmente mais baixa no Brasil (25,8%) do que no México (34,8%).
Particularmente interessante é comparar o México com o Brasil durante o período de Lula, que começou em janeiro de 2003 e terminará no fim deste ano. Em 2003 os níveis de pobreza de ambos os países eram quase iguais (veja-se o gráfico), mas enquanto Lula conseguiu diminuir a probreza em 13 pontos percentuais em cinco anos (de 2003 a 2008), no México só houve uma redução de 4, 6 pontos.
É necessário advertir que, depois de 2008, com a explosão da crise mundial em que o México mais sofreu as consequências na AL (graças à ausência de uma política econômica anticíclica e a sua quase total dependência do mercado dos EUA) e o Brasil seguiu crescendo (graças à sua vigorosa política anticíclica de estímulo ao mercado interno) e à diversificação de seus mercados), mesmo que em ritmo mais lento, a pobreza seguiu crescendo no México e seguramente seguiu diminuindo no Brasil, ampliando-se assim a distância entre os dois países. Não é exagerado supor que a proporção da população vivendo na pobreza, assim como a CEPAL mede, seja quase o dobro no México, em relação ao Brasil.
A liberdade não consiste só em não ser escravo, nem tampouco em não ver-se sujeito à coerção direta para fazer o que se faz. O capitalismo inventou um chicote mais sutil: o chicote da fome, despossuindo a população de todos os meios de produção que lhe permitia obter seu sustento, obrigando-os a vender sua capacidade de trabalho por um salário, para sobreviver.
Nesses casos, o que tira a liberdade do ser humano é a necessidade. O verdadeiro oposto da liberdade é a necessidade. A independência política formal de um país não se converte em liberdade individual nem em autêntica soberania nacional quando se depende economicamente do exterior. Assim como para quase todos nós vender nossa força de trabalho não é uma escolha livre mas uma opção forçada, a seguir o que se impõe de fora para dentro. O México é hoje muito menos livre do que o Brasil.
Postado por René Amaral às 9/22/2010 08:00:00 AM
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