Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O mito do mensalão.Gilson Caroni Filho: Outra novela do mensalão vem aí


É irreal a propagada urgência para evitar a prescrição do mensalão; rotular os ministros do STF como partidários da acusação ou da defesa é ofensivo.
Platão, no seu mito da caverna, descreve uma situação muito próxima ao modo que uma parcela da nossa sociedade enxerga a ação penal número 470 do Supremo Tribunal Federal, conhecida como processo do mensalão.

Na alegoria criada pelo filósofo, um grupo de indivíduos, dentro de uma caverna, olhava exclusivamente as imagens das sombras que, trazidas pela luz do mundo exterior, eram refletidas, trêmulas, nas paredes de pedra. Todos pressupunham que aqueles espectros traduziam a realidade e ninguém olhava para fora da caverna, onde a vida se desenvolvia de fato.

Com a proximidade do julgamento, as sombras do mensalão estão assumindo ares de realidade, enquanto o processo, as provas, as nossas leis e os princípios constitucionais desaparecem de vista.

De início, nada mais irreal do que a tão propagada urgência na decisão para se evitar a prescrição. A pressa é tanta que até mesmo a manifestação de um ministro no sentido de que pretende ler o caso é vista como algo capaz de caducar toda a acusação.

Isso não faz sentido algum, já que basta abrir o Código Penal para ver que a próxima data de prescrição ocorrerá somente no ano de 2015.

Os ministros do STF também são alvos de visões distorcidas. Desde o início do caso, antes da produção das provas, foram levianamente rotulados como partidários da acusação ou da defesa.


Após essa absurda classificação, campanhas foram iniciadas com o fim de se evitar a aposentadoria dos julgadores tachados como pró-condenação. Nada pode ser mais ofensivo e desrespeitoso com a trajetória dos atuais ministros, que, sem exceção, não cometem pré-julgamentos. Ao contrário: eles decidem com base nas provas, sempre respeitando a presunção de inocência e a ampla defesa.

Para quem quiser comprovar essa grata realidade, basta ligar a TV ou acessar a internet. Os julgamentos são transmitidos ao vivo e as decisões são disponibilizadas na íntegra no site do tribunal.

Mas o status máximo de mito do processo do mensalão veio com as recentes declarações de alguns destacados magistrados de segunda instância, especulando que a ampla divulgação pela mídia das investigações do Conselho Nacional de Justiça têm como causa a iminência do julgamento.

Sem um único indício ou argumento lógico, especulou-se publicamente que as divergências internas do Poder Judiciário poderiam ser geradas por interessados em pressionar o STF na decisão de sua ação penal mais famosa. Parece que tudo pode ser livremente atribuído ao processo do mensalão, com a mesma tranquilidade com que se dizia, diante de um nó em crina de cavalo, que "foi obra do Saci".

Um mito é sempre superdimensionado. Valendo a regra, dizem que a ação do mensalão irá nos brindar com o julgamento da "era Lula". Isso pode soar grandioso, mas não é verdade, pois o ex-presidente já foi julgado politicamente nas eleições de 2006 e 2010. E, principalmente, porque o objeto do processo são os fatos narrados na denúncia e as provas produzidas com as garantias próprias de um Estado democrático de Direito.

Enquanto o mito do mensalão é interpretado em sombras cada vez mais desencontradas, o processo judicial que representa a realidade dos fatos é ignorado.

Aqueles que bradam pela condenação querem distância das provas estampadas na ação penal, que sempre foi pública e está digitalizada. Sem deturpações, é fundamental para a democracia brasileira que o debate sobre o julgamento da ação penal número 470 seja feito com responsabilidade, para que a nossa sociedade se torne cada dia mais preparada para enxergar a justiça.

JOSÉ LUIS OLIVEIRA LIMA, 45, e RODRIGO DALL'ACQUA, 35, são advogados criminalistas e defensores do ex-ministro José Dirceu na ação penal nº 470 do STF
 
Mensalão: o anúncio do grotesco midiático
por Gilson Caroni Filho
A manchete do jornal O Globo, em sua edição de 15 de fevereiro de 2012 ( ” Marcos Valério é o primeiro condenado do Mensalão”), não deixa dúvidas quanto ao espetáculo que dominará páginas e telas depois do carnaval: à medida em que se aproxima o julgamento do processo que a imprensa chama de “escândalo da mensalão”,  velhos expedientes são reeditados sem qualquer cerimônia que busque manter a aparência de jornalismo sério. A condenação do publicitário por crimes de sonegação fiscal e falsificação de documentos públicos seria, mesmo que não surjam provas de conduta delituosa por parte dos réus, a senha para o STF homologar a narrativa midiática e não ficar maculado pela imagem de “pizza” que uma absolvição inevitavelmente traria à mais alta corte do país.
Como destaca Pedro Estevam Serrano, em sua coluna para a revista CartaCapital,”o que verificamos é a ocorrência constante de matérias jornalísticas em alguns veículos que procuram nitidamente criar um ambiente de opinião pública contrária aos réus, apelando a matérias mais dotadas da verossimilhança dos romances que à verdade que deveria ser o mote dos relatos jornalísticos”. Os riscos aos pilares básicos do Estado Democrático de Direito são nítidos na empreitada. Serrano alerta para o objetivo último das corporações:
“E tal comportamento tem intenção política evidente, qual seja procurar criminalizar o PT e o governo Lula, pois ao distanciar o julgamento de sua concretude por relatos abstratos e simbólicos o que se procura pôr no banco dos réus não são apenas as condutas pessoais em pauta mas sim todo um segmento político e ideológico.”

A unificação editorial em favor da manutenção dos direitos do CNJ em votação de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) não revela apenas preocupação com o indispensável controle externo do poder judiciário, mas o constrangimento necessário de juízes às vésperas de um julgamento que envolve, a construção política mais cara à mídia corporativa. No lugar do contraditório, a  imposição de uma agenda. Ocupando o espaço da correta publicidade dos fatos, a recorrente tentativa de manipulação da opinião pública. A trama, no entanto, deve ser olhada pelo que traz de pedagógico,  explicitando papéis e funções no campo jornalístico.
O pensamento único, para o ser, não basta ser hegemônico; tem que ser excludente. Não apenas de outros pensamentos, mas do próprio pensar. Parafraseando Aldous Huxley, “se o indivíduo pensa, a estrutura de poder fica tensa”. Na verdade, na sociedade administrada não pode haver indivíduo. Apenas a massa disforme, cujo universo cognitivo e intelectivo é, de alto a baixo, subministrado pelos detentores do poder social. É nessa crença que se movem articulistas, editores e seus patrões.
Em um sistema de dominação é essa, e nenhuma outra, a função da “mídia”: induzir o espírito de manada, o não-pensar, o abrir mão da razão e aderir entusiasticamente à insensatez programada pelos que puxam os cordões. Os fracassos recentes não nos permitem desdenhar do capital simbólico que as corporações ainda detêm para defender os seus interesses e o das frações de classe a ela associadas.
Nesse processo, o principal indutor é o “Sistema Globo”, que o falecido Paulo Francis, antes de capitular, apropriadamente crismou como “Metástase”, pois de fato suas toxinas se espalham por todo o tecido social. Seus carros-chefe, que frequentemente se realimentam reciprocamente, são o jornal da classe média conservadora  e, principalmente, o Jornal Nacional, meticulosamente pautado “de [William] Bonner para Homer [Simpson]“  que, de segunda a sábado, despeja ideologia mal travestida de notícia sobre dezenas de milhões de incautos
E o que “deu” no Jornal Nacional “pauta” desde as editorias dos jornais impresso –  O Globo por cima e o Extra por baixo — e das revistas, “da casa” ou de uma “concorrência” cujo único objetivo é ser ainda mais sensacionalista e leviana. Algumas vezes, o movimento segue o sentido inverso: uma publicação semanal produz a ficção que só repercute graças à reprodução da corporação.
Os outros instrumentos de espetaculosidade complementam o processo, impondo suas versões de pseudo-realidade: o Fantástico, ersatz dominical do JN; as novelas “campeãs de audiência”, com seus “conflitos” descarnados e suas “causas sociais” oportunisticamente selecionadas como desconversa; e, culminando, o Big Brother Brasil, a celebração máxima da total vacuidade.
Processo análogo vem sendo usado, há mais de duas décadas, para esvaziar e despolitizar a política, reduzindo-a às futricas de bastidores, ao “em off” e aos “papos de cafezinho”; e, em época eleitoral, à corrida de cavalões das pesquisas de intenção de voto que ocupam as manchetes, o noticiário, as colunas – ah, as colunas! – e até mesmo a discussão supostamente acadêmica. A não menos velha desconversa nacional: olha todo mundo pra cá, e pela minha lente, para que ninguém olhe pra lá.
Falar-se em “opinião pública”, nesse cenário, é um escárnio. “Opinião” pressupõe um espaço interno, em cada indivíduo, para reflexão, ponderação, crítica e elaboração, não controlado pelo poder social. “Pública” requer que exista uma esfera pública, de discurso racional entre iguais, aberto ao contraditório e não subordinado aos ditames do “mercado” ou subministrado de fio a pavio pelo braço “midiático” do mesmo poder. Nem uma nem outra condição pode existir em ambiente que tenta subjugar “corações e mentes”, induzindo-o sistemática e deliberadamente à loucura social.
Avançamos bastante, mas não nos iludamos: o que vem por aí é uma luta renhida. De um lado, o espetáculo autoritário. E, de outro, a cidadania e o Estado de Direito como permanente construção.
PS do Viomundo: Vimos de dentro o processo de dar pernas às capas da Veja. Elas pulavam direto para o Jornal Nacional de sábado e ganhavam a imprensa escrita na semana seguinte. A primeira novela do mensalão ocupou toda a campanha de reeleição de Lula, em 2006. Em nome da equidade, a Globo dava 50 segundos para cada candidato. Tinha dia em que três candidatos atacavam o governo (150 segundos), contra 50 segundos de Lula.
Foi nesse período que o então editor de economia do Jornal Nacional em São Paulo, Marco Aurélio Mello, recebeu a ordem para “tirar o pé” da cobertura econômica (o crescimento da venda de cimento, no cálculo da Globo, era notícia positiva para Lula). Além disso, poderia atrapalhar a paginação do JN, que vinha carregada de matérias investigativas contra o governo.
Quando a pressão interna conseguiu emplacar uma única pauta sobre o escândalo das ambulâncias, que poderia atingir indiretamente o candidato do PSDB ao governo paulista, José Serra, ela foi feita, editada, mas nunca entrou no ar! O problema é que o escândalo das ambulâncias superfaturadas estava na conta do PT, apesar de Lula ter “herdado” o esquema do “governo anterior” (eufemismo da Globo quando era inconveniente falar em governo FHC ou governo do PSDB). A matéria arquivada tinha um único dado comprometedor: 70% das ambulâncias superfaturadas tinham sido entregues na gestão de José Serra como ministro da Saúde — e do sucessor que ele deixou na vaga quando concorreu ao Planalto, em 2002. Isso, sim, era de estragar a paginação do JN.
Descrevi isso melhor no post O que eu pretendia dizer na TV sobre as ambulâncias de Serra.
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