Sem anestesia, FHC tirou dinheiro da área social e aumentou o desemprego com o pacote fiscal de 1998. E ainda assim quer falar de 'estelionato eleitoral'?
Maria Inês Nassif
Por razões que qualquer pedaço amarelado de jornal da época indicam, é difícil entender a lógica do PSDB e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, segundo a qual o pesadíssimo ajuste fiscal feito nos primeiros dias após as eleições de outubro de 1998 foi um ato louvável, e as medidas anunciadas pela presidenta Dilma Rousseff no ano passado, nas mesmas condições, são estelionato eleitoral.
Em 1998, o mundo tinha acabado de enfrentar a crise russa, com grande repercussão sobre o Brasil, que empurrou seus sérios problemas cambiais com a barriga até que FHC vencesse a disputa pela reeleição, apesar das fragilidades externas do país, e jogou o país na recessão.
No ano passado, Dilma, logo após o pleito que a reconduziu ao cargo, anunciou um corte drástico de despesas e investimentos do governo e reduziu gastos com alguns programas sociais – e, ao que tudo indica, paralisou também o país – sob o argumento de que a crise internacional, que o Brasil dribla desde 2008, havia, enfim, atingido a economia brasileira com intensidade.
A semelhança entre ambos é que os dois ajustes foram feitos seguindo o be-a-bá da ortodoxia e jogaram ainda mais para baixo uma atividade econômica já deprimida.
A diferença entre ambos é que o Brasil de FHC não tinha gordura, estava à beira da bancarrota e sequer teve escolha: seguiu à risca o receituário do FMI porque precisava desesperadamente da ajuda de U$ 41 bilhões que o FMI, outros organismos internacionais e países desenvolvidos condicionavam à aplicação dos famosos remédios amargos que, segundo o receituário neoliberal tão caro ao então presidente e sua equipe econômica, eram necessários, um preço a ser pago para entrar no clube do mundo globalizado.
Em 1998, sequer houve escolha: ou era isso, ou o Brasil quebrava. O clima beirava ao pânico. Tanto que, em 29 de janeiro de 1999, uma sexta-feira negra, boatos sobre a situação econômica do país provocaram uma corrida aos bancos. O governo teve que decretar feriado bancário na segunda-feira para evitar o pior. (“Agora, sob nova direção: FMI assume política econômica e impõe pesada recessão para conter a inflação e a queda do Real”, Isto É, 10/2/1999).
No caso de Dilma, embora haja uma justa discussão se o pacote fiscal foi amargo demais para o tamanho da doença, existe o fato inegável de que o Brasil não vai quebrar – e vai precisar de muito ataque especulativo ao país, como os que já ocorreram, para tornar o Brasil próximo ao que era na crise de 1998. Naquele ano, as reservas internacionais brasileiras eram de US$ 34 bilhões e cairiam para US$ 23,9 bilhões no ano seguinte. O Brasil fechou o ano passado com US$ 374,1 bilhões de reservas.
O que não é crível, no caso atual, é que o ex-presidente FHC, que considerou como remédio necessário o arrocho fiscal de 1998, venha dizer do pacote de Dilma que “estão operando sem anestesia” para uma plateia de empresários, em 29 de maio passado. Provavelmente, o mesmo público que, 17 anos atrás, pagava pelos danos do pacote de FHC. No final de agosto de 1998, um grupo de empresários e o então sindicalista Paulinho da Força foram ao vice-presidente Marco Maciel para alertá-lo dos efeitos colaterais do pacote (“Principal temor é o desemprego”, O Estado de S. Paulo, 8/10/1998). Não haviam conseguido chegar em FHC ou no seu ministro da Economia para apresentarem as queixas.
Naquele ano, o IEDI (Instituto de Estudos do Desenvolvimento Industrial), em documento, diagnosticava que “as políticas de juros, cambial e tributária condenam as empresas ao desaparecimento”.
O governo FHC chegou a anunciar um “mutirão anticrise”, a disponibilização de linhas de crédito para empresas em dificuldade, segundo a Folha de S. Paulo para “compensar os efeitos das altas taxas de juros na economia e atenuar a recessão”. Mas, segundo o jornal, sem grandes chances de concretização, pois “falta dinheiro nas principais instituições oficiais de crédito”. “O BNDES deverá reduzir em 1999 seu orçamento de investimentos”, informa o jornal. (“Falta dinheiro para o mutirão anticrise”, Folha de S. Paulo, 27/01/1999).
Da parte de FHC, não teve anestesia nem remédio para dor. Depois dos cortes de outubro de 1998, em fevereiro seguinte o governo anunciou um corte adicional (“Governo decide cortar mais R$ 1 bilhão só no 1o. bimestre”, FSP, 20/2/1999). Sem Novalgina, FHC resolve reduzir “Outras despesas de custeio, que incluem os gastos em projetos sociais do governo federal”. O anúncio foi feito no mesmo dia em que era divulgado o resultado do PIB de 1998 pelo IBGE, de 0,15%, perdendo apenas para o posterior ao Plano Collor, em 1992, que provocou um crescimento negativo do PIB de 0,54% (“PIB tem o pior resultado em seis anos”, FSP, 20/2/1999).
O jornal Folha de S. Paulo, em 21 de fevereiro de 1999, deu na manchete que “País tem 5% do desemprego mundial”. Na página de dentro (a 7 do Caderno Dinheiro) informava que não apenas o ajuste fiscal do governo, mas o próprio modelo econômico do modelo FHC, havia levado o Brasil a um quarto lugar mundial em número de desempregados. “O crescimento recente da participação brasileira no desemprego mundial começou quatro anos atrás, em 1995. Não por acaso, o desemprego acompanha o aumento da abertura do país aos produtos importados”. Era a âncora cambial do governo FHC produzindo os seus efeitos. Sem anestesia.
Também sem nenhum conforto para a dor, os preços dos produtos básicos chegaram à estratosfera. “Cesta básica sobe e bate recorde no real”, anunciou a Folha de S. Paulo, em sua edição de 23/02/1999. Onze dias depois, era a vez de mais más notícias: “Desemprego bate recorde em SP” (FSP, 3/3/1999). Segundo o IBGE, a Região Metropolitana de São Paulo atingia a maior taxa de desemprego desde 1983, de 9,18% da população economicamente ativa.
Dois dias depois, os jornais anunciavam que o novo presidente do Banco Central, Armínio Fraga, no dia de sua posse, promoveu um aumento de juros para 45% ao ano, a unificação das taxas em uma única, a Selic, e o início do regime de metas de inflação – herança imposta aos sucessores de FHC. No mesmo dia, sem anestesia, o governo aumentou os derivados de petróleo em 11,5%. Esperou a campanha eleitoral passar. (“Juros sobem para conter a inflação; combustível terá aumento de 11,5%”, FSP, 05/03/1999).
Ainda no mês de março, e já como resultado das medidas fiscais restritivas, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) anunciou a redução de 0,71% no nível de emprego industrial do Estado (“Indústrias fecham 11,6 mil vagas em fevereiro em SP”, FSP, 11/03/1999). Na edição do dia 14, a FSP informa que “o PIB vai cair de 3,5% a 4% em 1999” segundo o FMI, previsão que “embute o recuo de 8% na produção industrial” (“Indústria tem pior queda com o FMI”, FSP, 14/3/1999).
Esses são apenas exemplos da autoridade moral de FHC para se tornar o porta-voz das críticas a Dilma. Quem quiser mais, basta ler jornais velhos.
Em 1998, o mundo tinha acabado de enfrentar a crise russa, com grande repercussão sobre o Brasil, que empurrou seus sérios problemas cambiais com a barriga até que FHC vencesse a disputa pela reeleição, apesar das fragilidades externas do país, e jogou o país na recessão.
No ano passado, Dilma, logo após o pleito que a reconduziu ao cargo, anunciou um corte drástico de despesas e investimentos do governo e reduziu gastos com alguns programas sociais – e, ao que tudo indica, paralisou também o país – sob o argumento de que a crise internacional, que o Brasil dribla desde 2008, havia, enfim, atingido a economia brasileira com intensidade.
A semelhança entre ambos é que os dois ajustes foram feitos seguindo o be-a-bá da ortodoxia e jogaram ainda mais para baixo uma atividade econômica já deprimida.
A diferença entre ambos é que o Brasil de FHC não tinha gordura, estava à beira da bancarrota e sequer teve escolha: seguiu à risca o receituário do FMI porque precisava desesperadamente da ajuda de U$ 41 bilhões que o FMI, outros organismos internacionais e países desenvolvidos condicionavam à aplicação dos famosos remédios amargos que, segundo o receituário neoliberal tão caro ao então presidente e sua equipe econômica, eram necessários, um preço a ser pago para entrar no clube do mundo globalizado.
Em 1998, sequer houve escolha: ou era isso, ou o Brasil quebrava. O clima beirava ao pânico. Tanto que, em 29 de janeiro de 1999, uma sexta-feira negra, boatos sobre a situação econômica do país provocaram uma corrida aos bancos. O governo teve que decretar feriado bancário na segunda-feira para evitar o pior. (“Agora, sob nova direção: FMI assume política econômica e impõe pesada recessão para conter a inflação e a queda do Real”, Isto É, 10/2/1999).
No caso de Dilma, embora haja uma justa discussão se o pacote fiscal foi amargo demais para o tamanho da doença, existe o fato inegável de que o Brasil não vai quebrar – e vai precisar de muito ataque especulativo ao país, como os que já ocorreram, para tornar o Brasil próximo ao que era na crise de 1998. Naquele ano, as reservas internacionais brasileiras eram de US$ 34 bilhões e cairiam para US$ 23,9 bilhões no ano seguinte. O Brasil fechou o ano passado com US$ 374,1 bilhões de reservas.
O que não é crível, no caso atual, é que o ex-presidente FHC, que considerou como remédio necessário o arrocho fiscal de 1998, venha dizer do pacote de Dilma que “estão operando sem anestesia” para uma plateia de empresários, em 29 de maio passado. Provavelmente, o mesmo público que, 17 anos atrás, pagava pelos danos do pacote de FHC. No final de agosto de 1998, um grupo de empresários e o então sindicalista Paulinho da Força foram ao vice-presidente Marco Maciel para alertá-lo dos efeitos colaterais do pacote (“Principal temor é o desemprego”, O Estado de S. Paulo, 8/10/1998). Não haviam conseguido chegar em FHC ou no seu ministro da Economia para apresentarem as queixas.
Naquele ano, o IEDI (Instituto de Estudos do Desenvolvimento Industrial), em documento, diagnosticava que “as políticas de juros, cambial e tributária condenam as empresas ao desaparecimento”.
O governo FHC chegou a anunciar um “mutirão anticrise”, a disponibilização de linhas de crédito para empresas em dificuldade, segundo a Folha de S. Paulo para “compensar os efeitos das altas taxas de juros na economia e atenuar a recessão”. Mas, segundo o jornal, sem grandes chances de concretização, pois “falta dinheiro nas principais instituições oficiais de crédito”. “O BNDES deverá reduzir em 1999 seu orçamento de investimentos”, informa o jornal. (“Falta dinheiro para o mutirão anticrise”, Folha de S. Paulo, 27/01/1999).
Da parte de FHC, não teve anestesia nem remédio para dor. Depois dos cortes de outubro de 1998, em fevereiro seguinte o governo anunciou um corte adicional (“Governo decide cortar mais R$ 1 bilhão só no 1o. bimestre”, FSP, 20/2/1999). Sem Novalgina, FHC resolve reduzir “Outras despesas de custeio, que incluem os gastos em projetos sociais do governo federal”. O anúncio foi feito no mesmo dia em que era divulgado o resultado do PIB de 1998 pelo IBGE, de 0,15%, perdendo apenas para o posterior ao Plano Collor, em 1992, que provocou um crescimento negativo do PIB de 0,54% (“PIB tem o pior resultado em seis anos”, FSP, 20/2/1999).
O jornal Folha de S. Paulo, em 21 de fevereiro de 1999, deu na manchete que “País tem 5% do desemprego mundial”. Na página de dentro (a 7 do Caderno Dinheiro) informava que não apenas o ajuste fiscal do governo, mas o próprio modelo econômico do modelo FHC, havia levado o Brasil a um quarto lugar mundial em número de desempregados. “O crescimento recente da participação brasileira no desemprego mundial começou quatro anos atrás, em 1995. Não por acaso, o desemprego acompanha o aumento da abertura do país aos produtos importados”. Era a âncora cambial do governo FHC produzindo os seus efeitos. Sem anestesia.
Também sem nenhum conforto para a dor, os preços dos produtos básicos chegaram à estratosfera. “Cesta básica sobe e bate recorde no real”, anunciou a Folha de S. Paulo, em sua edição de 23/02/1999. Onze dias depois, era a vez de mais más notícias: “Desemprego bate recorde em SP” (FSP, 3/3/1999). Segundo o IBGE, a Região Metropolitana de São Paulo atingia a maior taxa de desemprego desde 1983, de 9,18% da população economicamente ativa.
Dois dias depois, os jornais anunciavam que o novo presidente do Banco Central, Armínio Fraga, no dia de sua posse, promoveu um aumento de juros para 45% ao ano, a unificação das taxas em uma única, a Selic, e o início do regime de metas de inflação – herança imposta aos sucessores de FHC. No mesmo dia, sem anestesia, o governo aumentou os derivados de petróleo em 11,5%. Esperou a campanha eleitoral passar. (“Juros sobem para conter a inflação; combustível terá aumento de 11,5%”, FSP, 05/03/1999).
Ainda no mês de março, e já como resultado das medidas fiscais restritivas, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) anunciou a redução de 0,71% no nível de emprego industrial do Estado (“Indústrias fecham 11,6 mil vagas em fevereiro em SP”, FSP, 11/03/1999). Na edição do dia 14, a FSP informa que “o PIB vai cair de 3,5% a 4% em 1999” segundo o FMI, previsão que “embute o recuo de 8% na produção industrial” (“Indústria tem pior queda com o FMI”, FSP, 14/3/1999).
Esses são apenas exemplos da autoridade moral de FHC para se tornar o porta-voz das críticas a Dilma. Quem quiser mais, basta ler jornais velhos.
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