Fanáticos pelo mercado ameaçam Europa
Pouco a pouco, começam a ficar claros os problemas reais e os problemas imaginários que empurram a Europa para perto do abismo e podem jogar a economia mundial num pesadelo medonho.
Há um problema institucional real. A crise européia é uma típica crise de demanda que, aprende-se nos manuais econômicos, deve ser enfrentada por medidas anti-cíclicas de crescimento. O problema: o Banco Central Europeu, que costuma desempenhar esse papel em qualquer parte do mundo, não tem a mesma liberdade para agir no Velho Mundo. O BCE não pode imprimir dinheiro comprando titulos diretamente do tesouro de cada país, medida que seria útil para manter uma oferta de crédito capaz de estimular a economia.
Mas há um problema político. Nada impede – teoricamente – o Banco Central europeu de comprar títulos nacionais nos mercados. O efeito traria benefícios semelhantes e poderia jogar a crise para longe. Mas o BCE resiste a tomar essas medidas. O BCE até tem feito compras, mas gasta pouco: algo como 187 bilhões de euros, ou apenas 10% de seus gastos, nos últimos doze meses, quando seu infeliz ex-presidente dizia que a prioridade da instituição era combater a inflação. Na semana passada, enquanto os juros italianos explodiam, o BCE fez compras ainda mais modestas, no valor de 4,5 bilhões de euros, ou a metade dos gastos de uma semana antes, quando a crise ainda não era tão grave. É claro que, se tivesse feito compras num volume maior, os juros italianos não teriam atingido um nível recorde.
E também é certo que, se o BCE deixasse claro que essa seria sua política até a crise sumir do horizonte, os juros começariam a baixar e os mercados iriam dirigir sua cobiça para outros lugares.
É certo que nem todos os problemas da Europa estariam resolvidos. Mas, pelo menos, estariam encaminhados sob outra perspectiva. Haveria tranquilidade política para se discutir o que fazer daqui para a frente.
Mas o BCE não faz isso e é duvidoso que comece a fazê-lo. A certeza de que há novas chances de ganhos para os mercados foi a alta nos juros que os
franceses tiveram de pagar nos últimos dias para rolar suas próprias dívidas. Não foi uma alta recorde mas foi uma alta suficiente para deixar Nicolas Sarkozy
falando sòzinho, sem direito à coreografia de vice-rei europeu ao lado da monarca absolutista Angela Merkel.
Há outra distorção, porém. Num artigo publicado na primeira página do Internacional Herald Tribune, em 15/11/2011, e que é fonte dos dados que usei acima, Jack Ewing observa:
“Desde o começo da crise financeira, o BCE tem emprestado aos bancos privados da zona do euro todo o dinheiro que eles desejam, tentando manter a liquidiz que é o sistema circulatorio do sistema financeiro global. Mas porque o BCE tem-se recusado a oferecer o mesmo serviço a países como Italia e Espanha, não está enfrentando o problema fundamental da área do euro. E assim os governo endividados têm de pagar altos juros para pegar dinheiro no mercado.”
Embora o desastre esteja cada vez mais visível, essa postura do BCE tem o respaldo de grandes instituições financeiras e mesmo do governo alemão e até agora dos franceses. Todos concordam com os empréstimos aos bancos privados, que cumprem a função – necessária – de impedir sua falência. Mas condenam toda medida capaz de salvar países que podem quebrar – o que é mais necessário ainda. Com variações de ênfase, todos insistem na mesma linha: tanto a Espanha, como a Italia, podem sair da crise financeira. O que lhes falta não é apoio financeiro, mas vontade política, dizem. Só não se esclarece o principal: vontade política para que? Simples: é vontade para enfrentar a população de seus países e obrigá-la a aceitar cortes nas aposentadorias, elevação do desemprego, redução no consumo das famílias. Por essa razão George Papandreou foi forçado a renunciar ao governo da Grécia e parar com aquela brincadeira de mau gosto chamada referendo e Silvio Berlusconi foi demitido sem bunga-bunga.
O risco de um futuro socialmente horroroso está claro.
Se o BCE mantiver seu comportamento atual, o avanço da crise irá quebrar os governos europeus e derrubar diversas economias, uma apos a outra. O estado do Bem-Estar social será inviabilizado por falta de receitas, que só podem ser obtidas com desemprego baixo, salários em dia e consumo em alta. A Europa entrará naquele processo clássico chamado de “destruição criadora.” Após as ruínas do modelo atual, pode surgir no fim do funel um novo desenho economico, baseado mão-de-obra barata, em serviços públicos desmoralizados, num salve-se quem puder autorizado pelos mercados.
Há muitos anos que os fanáticos pelo mercado sonham com essa oportunidade. Estão convencidos, sinceramente, de que o mundo ficará melhor desse jeito — ao menos para eles e os poucos que puderem participar de sua festa. Acham que as garantias sociais ameaçam a liberdade das pessoas e são um fardo para o crescimento. Não chegam ao extremo de identificar bem-estar social e comunismo, como a direita americana, mas se aproximam.
Dizem isso. Escrevem. Essa visão deixa sem ação boa parte dos governantes europeus, que não ousam ferir nenhum centavo destes interesses. Assistem ao desastre e, hipocritamente, dizem lamentar-se pelo sofrimento dos que não tem como se defender.
Este é o jogo na Europa, hoje.
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