Uma matéria em O Globo, hoje, revela a opinião de alguns cientistas sociais – claro que com o ascetismo que é peculiar em certos círculos acadêmicos – sobre o surgimento de uma “onda de direita” no Brasil na esteira das manifestações de junho.
Na reportagem – certamente não nos estudos sociológicos dos entrevistados – faltou apontar que ela se dá nos mares da classe média, numa situação de afluxo econômico destas pessoas (é só olhar os dados de ontem sobre os gastos de brasileiros no exterior) e numa camada geracional que não tem as referências mentais no período pré-Lula e, portanto, menos capaz de comparações.
Claro que o texto também não registra que o “mote” da jeunesse droit - o moralismo golpista velho como a UDN – é dado todos os dias por uma mídia superficial, monoliticamente conservadora e sem espaço para qualquer pensamento dissidente de seu comando.
De qualquer forma, é boa leitura e melhor ainda, um alerta para a preocupação necessária, sobretudo quando boa parte das forças progressistas se acomode e se confunde, seja porque deixa de mobilizar e pressionar o seu governo – e deixa o campo livre para que só o conservadorismo e a fisiologia política o façam – seja porque se confunde num idealismo pueril, que desconsidera os desafios reais de administrar o tamanho, as carências e as complexidades de um gigante como o Brasil.
E aí, claro, deixa de fazer um contraponto eficiente contra a “coxice”, porque fica prostrada na vala comum do “politicamente correto”, do “republicano”, do “gestor”.
Os pés são meios de caminhar. Olhar apenas para eles, porém, é a melhor maneira de perder o rumo.
Manifestações reforçaram discurso da
direita no Brasil, dizem cientistas políticos
Tatiana Farah (O Globo)
Com o discurso dos “contra tudo isso que está aí” e uma característica antipartidos e anticorrupção, as manifestações que tomaram as ruas em junho abriram a porta do armário da direita no Brasil. A opinião foi compartilhada pela mesa redonda “Direita, Volver”, durante o 37º encontro anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), nesta segunda-feira em Águas de Lindoia, no interior de São Paulo. Para os especialistas, a direita sempre se sentiu inibida por ter sua imagem associada ao militarismo e aos golpes de estado, mas agora mostra sua face.
— Hoje ela perdeu a vergonha social de se assumir como direita. Porque a direita no Brasil era em geral militar, do nazismo da segunda guerra mundial, fascismo, integralismo e autoritarismo. Agora a direita no Brasil é uma reação ética “contra tudo isso que está aí”, para utilizar a expressão — avaliou o cientista político Adriano Codato (UFPR).
Os especialistas levantaram os temas mais usados nos discursos de direita no Brasil, como combate à corrupção, a crítica à política de cotas e às políticas sociais, e a reclamação de que os eleitores pobres não saberiam votar. Segundo o cientista político Fernando Filgueira, da UFMG, a direita se apropriou do tema da corrupção. A esquerda, que tem o PT no governo, fica na defensiva e dificilmente tomará o assunto como pauta principal. Para Filgueira, a crítica à corrupção passa da esfera do agente público para a instituição:
— O discurso sai da corrupção “no” Estado para a corrupção “do” Estado — aponta Filgueira.
O cientista político Cláudio Couto (FGV) lembrou que o conservadorismo tem crescido em manifestações como a tentativa de se recriar a Arena e a criação do partido militar. Ele também apontou que o PSDB, partido que já esteve na Presidência da República, tem se aproximado de temas e figuras de direita, deixando a origem de centro-esquerda. Já Codato apontou que tem crescido o discurso antipartidos e a ideia, considerada por ele equivocada, de que o Brasil vive uma crise representativa:
— Há um ódio à política competitiva, de partidos, mas essa é uma reação não só de extrema direita como de extrema esquerda.
Para entender o desempenho da direita parlamentar no Brasil, o pesquisador Adriano Codato (UFPR) apresentou um estudo inédito sobre os sete mil parlamentares que passaram pela Câmara dos Deputados entre 1945 e 2010. Segundo a pesquisa, a direita se tornou mais urbana e os ruralistas perderam espaço para o empresariado. Por outro lado, a direita ganhou integrantes mais barulhentos, que fazem eco na sociedade, como pastores evangélicos e comunicadores.
— Você sai daquele perfil do coronel do Nordeste e do bacharel do Sudeste, de gravata-borboleta. Houve uma inversão na direita tipicamente ruralista. No passado, proprietário rural era o tipo dominante e empresário urbano era residual na direita. Agora, o empresariado é superior aos ruralistas.
Para Codato, a industrialização do Brasil ajuda a explicar a mudança de perfil durante as décadas, mas um fato recente também influencia na perda de poder dos “coronéis”: o Bolsa Família.
— O efeito do Bolsa Família, principalmente, está desordenando os currais eleitorais. À medida que se dá dinheiro para as pessoas, que estão sacando dinheiro no cartão, elas não dependem tanto do coronel — disse Codato, para quem o Bolsa Família não constrói um novo curral eleitoral em torno do PT, partido do governo: – Essas pessoas (eleitores pobres) são governistas, não são petistas. Elas votam de forma pragmática e racional. Se há alguém que sabe votar neste país é o pobre.
João Feres Júnior, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ, concordou com os colegas e deu ênfase ao papel das manifestações de rua:
— Podemos dizer com tranquilidade que a direita saiu do armário. Se podemos dizer que as manifestações de junho fizeram alguma coisa, foi isso.
Depois da mesa redonda, os especialistas falaram com a imprensa e avaliaram o cenário eleitoral de 2014. Para Claudio Couto, a nota divulgada pelo PT anteontem, falando que a eleição será a defesa de dois modelos, um conservador e outro progressista, faz uma polarização que interessa aos petistas. Os especialistas falaram da saída do PSB do governo e de uma possível aliança entre socialistas e tucanos.
— Talvez a estratégia seja pulverizar os votos no primeiro turno para, em um eventual segundo turno, fazer um blocão — disse Codato.
Por: Fernando Brito
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