Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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segunda-feira, 18 de março de 2013

A overdose papal nas mídias e o declínio das religiões no Brasil

Eduguim
Nas últimas semanas, os meios de comunicação do Brasil devem ter produzido um dos maiores volumes do mundo em termos de cobertura da renúncia do líder de uma religião – e é disso que se trata o catolicismo, apenas uma religião – e da escolha de seu sucessor.
No último domingo, vários dias após aquela escolha, o noticiário internacional do jornal Folha de São Paulo, de 17 matérias que publicou, 9 delas foram referentes ao novo líder da Igreja Católica, o Papa “Francisco”.
Claro que boa parte dessa cobertura se deveu a denúncias contra ele feitas na Argentina, no sentido de ter sido cúmplice da ditadura militar que se abateu sobre o país nos anos 1970, mas, ainda assim, o volume do noticiário soou desproporcional.
Além disso, após a eclosão de uma onda de denúncias contra o jesuíta Jorge Bergoglio que começou minutos após o anúncio de seu nome como novo Papa – e que se tem a impressão de que não pôde ser evitada –, sobreveio um noticiário talhado para desmentir as acusações.
Mesmo as denúncias não justificam a overdose midiática papal. Antes de surgirem, houve coberturas intermináveis de cada rito do Vaticano no processo sucessório, com riqueza quase obsessiva de detalhes e em um tom literalmente religioso onde só cabia o tom jornalístico.
A maior franquia da fé do Ocidente teve (na maior parte do tempo) a seu favor uma cobertura das mais generosas que já se viu nas mídias impressas ou eletrônicas. E, supostamente, “de graça”.
É coisa que não se vê em relação a nenhuma outra religião, ao menos no Brasil. Os evangélicos, a segunda religião no país, costumam receber uma cobertura equidistante da mídia, quando não são criminalizados.
Não que certos líderes evangélicos não deem motivos de sobra para, no mínimo, serem criminalizados pelo noticiário. O que não se entende é por que os motivos que os líderes católicos dão para serem igualmente criminalizados são tratados de forma tão diferente.
Ou melhor: entende-se, sim.
Para entender, basta ver o que vem acontecendo com todas as religiões no Brasil. E, para tanto, nada melhor do que os censos do IBGE. Abaixo, portanto, reproduzo gráfico gentilmente enviado pela leitora Marcia Moreira.
Como se vê, enquanto o catolicismo perdeu 27,42% de seus fieis em 30 anos (entre 1980 e 2010), as outras religiões cresceram 198,9%. Todavia, mesmo com o crescimento de outras religiões, isso não compensou o contingente de brasileiros com religião, pois o que cresceu acima de todo o resto foi o contingente de pessoas sem religião, que aumentou 321,05% no período, tendo passado de 1,8% da população para expressivos 8%.
Ao lado do crescimento dos evangélicos, muito provavelmente alavancado pela midiatização da fé, com a aquisição de horários imensos nas televisões e rádios por essas igrejas, é digno de nota o contingente de brasileiros que declaram não seguir nenhuma religião.
Mas antes que se pense em atribuir a queda da religiosidade do brasileiro ao avanço da educação, um dado curioso apurado no Censo 2010: os espíritas formam o grupo que tem maior proporção de pessoas com nível superior completo, chegando a 31,5%, e as menores porcentagens de indivíduos sem instrução – apenas 1,8%.
Os católicos, os sem religião e os evangélicos pentecostais são os grupos com as maiores proporções de pessoas de 15 anos ou mais de idade sem instrução. Ainda assim, o contingente espírita é diminuto. E foi o que menos cresceu em 30 anos – apenas 53,85%.
Quanto ao desastre do catolicismo no Brasil, talvez se possa estabelecer uma relação com a perda de espaço político da direita ao longo das últimas décadas.
E não só no Brasil. Apesar de membros da Igreja Católica terem resistido às ditaduras sul-americanas, como instituição ela foi sustentáculo dos regimes ditatoriais que se espalharam pela região.
Não é por outra razão que o catolicismo é a religião preferida das elites latino-americanas, por sua confiabilidade garantida pelo Vaticano. Os últimos dois Papas tiveram uma intensa atuação política contra a esquerda. João Paulo II foi considerado vital para a derrocada da União Soviética.
Já os líderes evangélicos, esses não servem a elites latino-americanas que tentam por todos os meios impedir o processo irrefreável de redistribuição de renda que vai se espalhando pela América latina. São muito independentes e, ao contrário da Igreja Católica, têm uma relação muito mais direta com os fiéis.
Sobre o expressivo afastamento dos brasileiros das religiões, isso não significa que tenham perdido a fé. Este blogueiro, particularmente, integra esse contingente que mantém a fé em Deus, porém sem querer intermediários.
A percepção de que as religiões todas servem muito mais a interesses políticos e econômicos do que ao propósito que anunciam vai se tornando clara para a sociedade de uma forma que ultrapassa as fronteiras regionais e sociais.
Esse processo de declínio da religiosidade provavelmente é o que mais deverá avançar nos próximos anos.
Com o acesso crescente a novas mídias e, assim, a opiniões outrora sufocadas, as pessoas talvez comecem a entender que Deus não está em templos e que não fala ou negocia por meio desses homens que se autoproclamam intermediários entre nós e Ele.

sexta-feira, 15 de março de 2013

MÁSCARAS DE CARNE E OSSO


*'Chiaroscuro': um enigma chamado Francisco I ** Leia a cobertura especial sobre o sucessor de Ratzinger, nas análises de Eduardo Febbro (direto do Vaticano)** Dermi Azevedo ** Martin Granovsky **Leonardo Boff ** China: a quarta geração de dirigentes depois de Mao chega ao poder; promete tirar 80 milhões da pobreza, meio Brasil (leia a análise de Marcelo Justo, de Londres)


O país vive dias buliçosos. Como se não houvesse amanhã, nem ontem, Aécio cogita a  necessidade de reestatizar a Petrobrás. Vai além: promete fazê-lo.  Serra ressurge das cinzas. E reacende seu fogo 'desenvolvimentista'  --‘de boca', entrecortou um dia Maria da Conceição Tavares, em aparte rápido, definitivo. Aguarda-se a chegada de Alckmin. Especula-se um figurino chão de fábrica, na defesa carbonara do salário mínimo do Dieese. Ou isso, ou greve geral. O que mais nos falta? A mídia. Conhecida pela isenção com que aborda as causas da miséria brasileira, mostra-se indignada. O país 'estacionou' na 85ª posição do IDH mundial, denunciam manchetes sulforosas. Na verdade, o ciclo Lula/Dilma promoveu o mercado de massa à condição de ator principal do enredo brasileiro. Está implícito no IDH; e muda tudo. A organização política do novo ator persiste aquém do seu peso econômico. Mas ultrapassou o ponto em que 
poderia ser facilmente descartada. Máscaras novas, para receitas velhas --algumas de carne e osso--   é o truque que resta ao conservadorismo para transitar nesse ambiente mutante e adverso. O governo, ao contrário, tem no problema a solução para injetar a coerência requerida à continuidade do desenvolvimento. A visita espera na sala. Em pé. (LEIA MAIS AQUI)


ONU aponta ‘ascensão do Sul’ em desenvolvimento humano e destaca o Brasil

Relatório ressalta crescimento econômico acompanhado de desenvolvimento social nos países do Sul e cobra mudanças nas instituições de governança global. O Brasil, ocupando o 85º lugar no ranking, é tido como referência, mas governo contesta e exige a utilização de dados atualizados. “O Brasil subiria 20 posições no IDH,” diz o ministro Mercadante.


Brasília – O Relatório de Desenvolvimento Humano 2013, lançado nesta quinta-feira (14) pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD-ONU), dá ênfase à “notável transformação de um elevado número de países em desenvolvimento em grandes economias” e ao “impacto significativo no progresso do desenvolvimento humano” produzido nestes países. 

O documento afirma que “a ascensão do Sul tem decorrido a uma velocidade e escala sem precedentes” e que “nunca, na história, as condições de vida e as perspectivas de futuro de tantos indivíduos mudaram de forma tão considerável e tão rapidamente”. Segundo o relatório, o mundo já atingiu a principal meta de erradicação da pobreza dos Objetivos do Milênio, que previa reduzir pela metade, entre 1990 e 2015, o número de pessoas vivendo com menos de US$ 1,25 por dia. O resultado é atribuído, sobretudo, a países populosos como Brasil, China e Índia que reduziram a percentagem de sua população em situação de pobreza. O Brasil passou de 17,2% em 1990 para 6,1% em 2009; a China, de 60,2% em 1990 para 13,1% em 2008; e a Índia, de 49,4% em 1983 para 32,7% em 2010.

O representando do PNUD no Brasil, Jorge Chediek, ressaltou que as projeções do estudo indicam que, até 2020, o Produto Interno Bruto (PIB) combinado destes três países superará o PIB agregado das antigas potências industriais Canadá, França, Alemanha, Itália, Reino Unido e Estados Unidos. 

O relatório também afirma que os países que apresentam maior progressão no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) tem em comum a presença do Estado pró-ativo no domínio do desenvolvimento; a expansão das relações comerciais, especialmente no eixo Sul-Sul – e políticas sociais inovadoras. 

Apesar do destaque dado a países do Sul, o documento também ressalta que nenhum país apresentou em 2012 um IDH menor do que o apresentado em 2000, ao contrário da década precedente, na qual 18 países registraram um valor de IDH mais baixo em 2000 do que em 1990. “À medida que se acelerava o ritmo de progresso nos países com IDH mais baixo, verificava-se uma convergência notável nos valores de IDH a nível mundial, ainda que esse progresso tenha sido desigual dentro e entre as várias regiões”, diz o texto. 

O número de países com IDH inferior a 0,25 (o índice varia entre 0 e 1) diminui de 33, em 1990, para 15 em 2012. No extremo oposto, o número de países com IDH acima de 0,75 aumentou de 33 para 59 no mesmo período.

A Noruega lidera o ranking, seguida de Austrália e Estados Unidos. Na outra ponta estão Mali, Burquina Faso e Chade. 

O IDH da América Latina cresceu em média 0.67% por ano entre 2000 y 2012, sendo a região que apresentou o maior incremento. “Mas segue tendo a distribuição de riqueza mais desigual de todas as regiões do mundo”, alerta o relatório. Chile, Argentina e Uruguai são os países da região com os mais altos índices. Com o pior desempenho estão Haiti, Nicarágua e Honduras.

Brasil
Com um IDH de 0,73, o Brasil é considerado um país com “desenvolvimento humano elevado” pela ONU, ocupando a 85º colocação no ranking dos 187 países avaliados. Apesar dos enormes desafios que o Brasil ainda tem pela frente, Chediek destacou que o IDH do país cresceu 24% desde 1990, colocando-o entre os 15 países que mais reduziram seu déficit no índice. 

O resultado brasileiro foi alcançado porque o país obteve melhoras nas 3 dimensões avaliadas pela ONU: saúde, educação e renda. Segundo a organização, a expectativa de vida no Brasil é de 73,8 anos; a média de anos estudados é de 7,2; a projeção de escolaridade atual é de 14,2 anos; e a renda per capita é de 10,185 dólares. “O Brasil tem virado um super exemplo e nós temos uma demanda altíssima de todo o mundo para conhecer a experiência do Brasil”, disse Chediek.

O governo brasileiro, entretanto, ficou insatisfeito com o que viu. Poucas horas depois do lançamento do relatório da ONU, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, e a ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, realizaram uma coletiva de imprensa e disseram que o relatório utiliza dados defasados do Brasil. Segundo Mercadante, o relatório diminui em 2,5 a quantidade de anos de escolaridade esperada no país e desconsidera 4,6 milhões de crianças matriculadas. “Com isso, o Brasil subiria 20 posições no IDH”, disse.

Mudanças na governança global
Diante dos avanços de países do Sul, o relatório insta a que sejam criadas novas instituições de governança global, uma vez que as atuais “foram concebidos com vista a uma ordem mundial muito diferente da atual, o que dá origem a uma sub-representação do Sul. As instituições internacionais, se quiserem sobreviver, precisam de ser mais representativas, transparentes e passíveis de responsabilização”, recomenda. 

Além destas mudanças, o documento também alerta para que os progressos no IDH não sejam acompanhados pelo aumento das desigualdades de rendimento, padrões insustentáveis de consumo, despesas militares elevadas e uma fraca coesão social. Para superar os desafios a ONu propõe “melhorar a equidade - incluindo a dimensão do gênero; proporcionar uma maior representação e participação dos cidadãos - incluindo a dos jovens; enfrentar as pressões ambientais; e gerir as alterações demográficas”.

Confira aqui o relatório completo.

quinta-feira, 14 de março de 2013

A FUMAÇA BRANCA E A FUMAÇA SOMBRIA



 A escolha do nome 'Francisco' pelo novo Papa, resgatou a esperança de setores cristãos progressistas  numa reconciliação da Igreja com a opção pelos pobres, simbolizada na ordem dos franciscanos, e consagrada nos valores do Vaticano II. A longa noite de repressão doutrinária imposta pelos papados de João Paulo II e Bento XVI, com o aggiornamento dos tribunais da inquisição, teria, desse ponto de vista, atingido um limite de exaustão conservadora na cúpula romana. Crises, escândalos e disputas autofágicas pelo poder entre falanges extremadas desencadearam assim dois movimentos de autopreservação na burocracia de Roma: a renúncia 'sanitária' de Bento XVI e a escolha de um tertius, um papa sulamericano, externo ao embate que corrói o Vaticano. O duplo  sinal inauguraria  uma espécie de 'abertura lenta, segura e gradual' no interior da igreja. A escolha do nome 'Francisco' pelo novo Papa foi entendida desse modo pela esperança progressista, como um aceno de moderação e retorno a um diálogo reprimido nas últimas décadas. Leonardo Boff, um dos expurgados pelo ciclo Ratzinger, assegura, por exemplo, que o nome escolhido por um Papa não é apenas um ornamento, mas encerra um projeto de Igreja. Isso é o que teria dito a fumaça branca emitida na quarta-feira, em Roma. Pode ser. Mas a ela seguiu-se uma fumaça sombria, densa, carregada de fumos de horror e dúvida. Uma delas condensa todas as demais: onde estava, e o que  fez  Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco I, entre 1976 e 1983, quando uma ditadura militar aterrorizante matou e desapareceu com 30 mil pessoas  em seu país? (leia nesta pag. as análises e reportagens de Eduardo Febbro, Dermi Azevedo e Martin Granovsky. Leia também o especial sobre a crise que resultou na renúncia de Bento XVI)

Marqueteiro do Vaticano deve ser o mesmo que o dos tucanos



Após o anúncio da escolha do cardeal Jorge Mario Bergoglio pelo Conclave do Vaticano para suceder Joseph Ratzinger – o agora “Papa Emérito” Bento XVI – sob o nome “Francisco”, formou-se, quase que imediatamente, um consenso até meio óbvio de que tal escolha busca combater o avanço dos evangélicos e da esquerda na América Latina, a região do mundo que – ainda – é a mais católica.
A tese que o Vaticano obviamente abraçou é a de que ter um líder da Igreja Católica oriundo desta parte do mundo poderá recuperar para si o imenso rebanho que veio perdendo através das últimas décadas para as igrejas evangélicas, como se essa desidratação do catolicismo tivesse ocorrido pela nacionalidade dos Papas João Paulo II ou Bento XVI e não por essa Igreja se manter presa a dogmas cada vez mais incompatíveis com a evolução política e ideológica dos povos latino-americanos.
Antes de analisar a estratégia católica, porém, alguns dados importantes.
O novo Papa é um descendente de italianos que foi escolhido no país mais italiano da América Latina, pois a Argentina foi o país da região que mais recebeu imigrantes italianos – estima-se que entre 1870 e 1970 entraram no país 2,9 milhões de italianos por lá, enquanto que o Brasil recebeu 1,5 milhão.
Só para se ter uma ideia de quão italiana é a Argentina, apesar de hoje o Brasil, com seus quase 200 milhões de habitantes, ter cerca de 25 milhões de descendentes de imigrantes italianos, a Argentina, com quase 40 milhões de habitantes, tem um contingente de descendentes de italianos bem menos miscigenado e que é mais ou menos o mesmo ou até um pouco superior.
E quanto ao perfil do novo Papa, é mais parecido com o de seu antecessor do que parece. Muitos apontaram a coincidência entre Bergoglio e Joseph Ratzinger por ambos supostamente terem tido vínculos com regimes ditatoriais e desumanos, respectivamente a ditadura argentina e o nazismo.
Ratzinger foi chamado de “nazista” por ter integrado a juventude hitlerista e Bergoglio é acusado de ter delatado esquerdistas ao regime militar argentino e até de ter se envolvido em “sequestro de bebês”.
Ambos se defendem da mesma forma. Enquanto Ratzinger e seus biógrafos alegam que ele integrava a juventude hitlerista porque na Alemanha, à época, era obrigatório, mas que nunca se filiou ao partido nazista, Bergoglio e os biógrafos dele alegam que após a prisão dos dois sacerdotes os quais é acusado de ter delatado, trabalhou nos bastidores para libertá-los intercedendo junto ao ditador Jorge Rafael Videla.
Quanto às ideias do atual Papa e de seu antecessor, o Vaticano trocou seis por meia dúzia. Ambos conservadores, ambos intransigentemente contrários aos direitos dos homossexuais, ao aborto etc., etc., etc.
O que resta de novidade no novo Papa, portanto, é a sua origem latina – apesar de ser mais italiano do que o antecessor, ainda que menos europeu –, um suposto ativismo social cujos resultados concretos ninguém sabe quais foram e uns tais “hábitos simples” como o de ter usado transporte público um dia, o que, convenhamos, parece muito pouco para ele se comparar – ou, vá lá, ser comparado – a São Francisco de Assis.
É nesse ponto que a escolha do novo Papa, assim como a do anterior, assume contornos bem parecidos com a estratégia que o PSDB vem adotando há muito, mas que se acentuou a partir da eleição presidencial de 2010: ir buscar apoio entre a parcela mais reacionária da sociedade, fenômeno que fez o partido apelar para os mesmos “valores” ultraconservadores como “família” e “direito à vida”.
O Vaticano com Bergoglio, portanto, parece estar inovando muito pouco em termos de estratégia política, e errando a mão em sua escolha.
Não só o PSDB, mas todos os grandes partidos que se desviaram para a direita – ou que sempre a integraram – na América Latina vêm tomando verdadeiras sovas eleitorais com o recurso a esse setor decadente e minguante das sociedades da região, o qual, com a crescente escolarização e ascensão social em curso por aqui, deve diminuir muito nos próximos anos.
O fato de o novo Papa ser latino, portanto, muito dificilmente fará os convertidos à fé evangélica retornarem ao seio da Santa Madre Igreja, pois não a deixaram devido ao Papa anterior ser europeu e sim porque sentem-se mais acolhidos pela nova fé que abraçaram, que, ao menos, não lhes parece tão distante de si quanto o catolicismo, mesmo que isso possa não ser verdade, ou que seja apenas parte dela.
E, politicamente, a latinidade de Bergoglio não fará a América Latina trocar o bem-estar e a ascensão social da maioria pobre da região proporcionados por governos progressistas para cair de cabeça na retórica sobre “corrupção” ou “valores familiares” que políticos conservadores como os do PSDB, do DEM etc. encamparam, pois tais “valores”, como bem sabem todos, não enchem barriga.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Bento XVI: já vai tarde





A renúncia do papa evidencia a exaustão histórica de uma burocracia planetária, incapaz de administrar democraticamente suas divergências, cada vez mais afunilada pela disputa de poder entre as várias facções direitistas.

por Márcia Denser


Inspirada em várias fontes, eis algumas reflexões (e revelações para quem não sabe) sobre a renúncia de Beto XVI: um mix de dinheiro, poder e sabotagens, corrupção, espionagem, escândalos sexuais – a presença ostensiva desses ingredientes de filme de terror no noticiário constituía o dia-a-dia do Vaticano.

Tal frequência e a intensidade anunciavam algo nem sempre inteligível ao mundo exterior: o acirramento da disputa sucessória de Bento XVI nos bastidores da Santa Sé. Desta vez, mais do que nunca, a fumaça que anunciará o “habemus papam” refletirá o desfecho de uma fritura política de vida ou morte entre grupos radicais de direita na alta burocracia católica.

Mais que de saúde, razões de Estado teriam levado Bento XVI a anunciar a renúncia de seu papado.

A verdade é que a direita formada pelos grupos da Opus Dei foi o muro de arrimo deste Bento – no Brasil, sobretudo gente do PSDB como o jurista Ives Gandra, o jornalista Carlos Alberto di Franco, este, aliás, mentor do governador Geraldo Alckmin na organização. O falecido bispo de Guarulhos, D. Luiz Bergonzini, que serviu como cabeça-de-turco de Serra na campanha de 2010, acusando Dilma de “aborteira” em panfletos com assinatura falsa da CNBB, era igualmente vinculado à extrema direita católica. O ex-chefe da Casa Civil do governo de São Paulo Sidney Beraldo, agora no TCE, apontado então como um tucano com fortes vínculos junto a D. Bergonzini; ambos conterrâneos de São João da Boa Vista, onde Beraldo foi prefeito e Bergonzini nasceu e atuou.

A revista Época, pertencente às Organizações Globo, documentou na reportagem “O governador e a Obra” a iniciação do tucano Geraldo Alckmin na Opus Dei. Aliás, a revista IstoÉ também fez um ilustrativo mapeamento dos vínculos entre tucanos e os responsáveis pelo panfleto anti-aborto da extrema direita religiosa, em 2010.

Na União Européia, os “Legionários” e a “Comunhão e Libertação” (este último ligado ao berlusconismo) já haviam precipitado o fim do seu papado nos bastidores do Vaticano. Sua desistência oficializa a entrega de um comando de que já não dispunha. Devorado pelos grupos dos quais inicialmente tentou ser o porta-voz e controlar, Bento XVI jogou a toalha.

O gesto evidencia a exaustão histórica de uma burocracia planetária, incapaz de administrar democraticamente suas divergências, cada vez mais afunilada pela disputa de poder entre as várias facções direitistas, cuja real distinção resume-se ao calibre e volume das armas disponíveis na guerra de posições: ironicamente, Ratzinger foi a expressão brilhante e implacável dessa engrenagem comprometida.

Quadro ecumênico da teologia, inicialmente um simpatizante das elaborações reformistas de pensadores como Hans Küng (vide seu perfil feito por José Luís Fiori na Carta Maior), Joseph Ratzinger escolheu o apoio da direita para galgar os degraus do poder interno no Vaticano.

Em meados dos anos 70/80, ele consolidaria essa comunhão emprestando seu vigor intelectual para se transformar em uma espécie de Joseph McCarthy do fundamentalismo católico. Foi assim que exerceu o comando da temível Congregação para a Doutrina da Fé. À frente desse arremedo da Santa Inquisição, Ratzinger foi diretamente responsável pelo desmonte da Teologia da Libertação.

O teólogo brasileiro Leonardo Boff, um dos intelectuais mais prestigiados desse grupo, dentro e fora da igreja, foi um dos seus alvos: advertido, punido e desautorizado, seus textos foram interditados e proscritos. Por ordem direta do futuro papa. Antes de assumir o cargo supremo da hierarquia, Ratzinger “entregou o serviço” cobrado pelo conservadorismo.

Tornou-se mais uma peça da alavanca movida por gigantescas massas de forças que decretariam a supremacia dos livres mercados nos anos 80; a derrota do Estado do Bem Estar Social; o fim do comunismo e a ascensão dos governos neoliberais em todo o planeta. Não bastava conquistar Estados, capturar bancos centrais, agências reguladoras e mercados financeiros, era necessário colonizar corações e mentes para a nova era.

E dá-lhe pedofilia por debaixo dos paramentos sacrossantos!

Sob a inspiração de Ratzinger, seu antecessor, João Paulo II, liquidou a rede de dioceses progressistas no Brasil, por exemplo. As pastorais católicas de forte presença no movimento de massas foram emasculadas em sua agenda “profana”. A capilaridade das comunidades eclesiais de base da igreja ficou restrita ao catecismo convencional e, naturalmente, à Nova Carismática e o nunca por demais esquecido Padre Marcelo Rossi (cruzes!).

Ratzinger recebeu o Anel do Pescador em 2005, no apogeu do ciclo histórico que ajudou a implantar. Durou pouco. Três anos depois, em setembro de 2008, as finanças do conservadorismo sofreriam um abalo do qual não mais se recuperaram.

Resta desde então a imensa máquina de desumanidade que o Vaticano ajudou a lubrificar neste ciclo – como já havia feito em outros, é só invocar a História, a começar do que resta na memória popular de Papas como Rodrigo Borgia, ou Alexandre VI, com reputação de cruel e devasso, que nomeou o próprio filho Cesare Borgia, além de muitos outros parentes, como cardeais; de Júlio III, a nomeação como cardeal-sobrinho do amante de 17 anos, Innocenzo, sem esquecer Pio XII, contemporâneo do nazismo e aliado de Hitler, graças a quem subiu ao poder, ficando indelevelmente marcado por essa aliança e total “cegueira” e silêncio ultrajantes quanto ao Holocausto.

Fome, exclusão social, desolação juvenil não são mais ecos de um mundo distante. Formam a realidade cotidiana no quintal do Vaticano, em uma UE destroçada para a qual a Igreja Católica não tem mais nada a dizer há séculos. Sua tentativa de dar uma dimensão terrena ao credo conservador perdeu qualquer sentido perante a crise social devastadora.

Será lembrado (ou esquecido) como o Papa dos ricos e pedófilos.

Vade retro, Satanás!

Ou melhor: já vai tarde.



 
 
 

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Nicolelis é alvo de sites da extrema-direita americana: contas não ajustadas da eleição


Na seqüência, vieram, entre outros, o Inquision News, o Angelqueen.org, ora copiando LifeSite News.Com, ora o Rorate Caeli.

O estopim dessas manifestações foi este artigo do professor Miguel Nicolelis, especial para o Viomundo: Uma coisa estranha aconteceu em Natal , publicado em 26 de outubro de 2010, a seis dias do 2º turno da eleição presidencial brasileira. O Rorate Caeli salienta o “apoio incondicional” de Nicolelis à então candidata Dilma Rousseff (PT) e reproduz estes dois trechos do texto de Nicolelis, publicados no Viomundo:

Voltando à estratégia americana de ganhar eleições, numa segunda fase, caso o oponente sobreviva ao primeiro assalto, apela-se para outra arma infalível: a evidente falta de valores cristãos do oponente, manifestada pela sua explícita aquiescência para com o aborto; sua libertinagem sexual e falta de valores morais, invariavelmente associada à defesa do fantasma que assombra a tradição, família e propriedade da direita histérica, representado pela tão difamada quanto legítima aprovação da união civil de casais homossexuais. Nesse rolo compressor implacável, pois o que vale é a vitória, custe o que custar, pouco importa ao George Bush tupiniquim que milhares de mulheres humildes e abandonadas morram todos os anos, pelos hospitais e prontos-socorros desse Brasil afora, vítimas de infecções horrendas, causadas por abortos clandestinos.

George Bush, tanto o original quanto o genérico dos trópicos, provavelmente conhece muitas mulheres do seu meio que, por contingências e vicissitudes da vida, foram forçadas a abortos em clínicas bem equipadas, conduzidas por profissionais altamente especializados, regiamente pagos para tal prática. Nenhum dos dois George Bushes, porém, jamais deu um plantão no pronto-socorro do Hospital das Clínicas de São Paulo e testemunhou, com os próprios olhos e lágrimas, a morte de uma adolescente, vítima de septicemia generalizada, causada por um aborto ilegal, cometido por algum carniceiro que se passou por médico e salvador.

LifeSiteNews.Com diz:


Papa Bento XVI é um firme defensor do direito à vida e dos valores da família, é improvável que estivesse ciente de artigo de Nicolelis, quando fez a nomeação.

Um dos entrevistados afirma:

Esperamos que a Santa Sé investigue o passado do professor Nicolelis. Não podemos permitir que a Pontifícia Academia seja corrompida por “católicos” que afirmam ser pessoalmente contra o aborto, mas que se opõem à Igreja publicamente sobre essa e outras questões cruciais. Essa falsidade da fé não tem lugar tão perto do coração da Igreja.

Os comentaristas desses sites vão além.

O Santo Padre não teve acesso ao seu CV [curriculum vitae] completo, mas parcial. Esse professor deve, respeitosamente, ser convidado a se demitir. Ele não representa os valores da vida católica.


Eu não tenho nenhuma dúvida de que existe um esforço organizado para destruir a Igreja por dentro com a ajuda de fora e que o Papa Bento pode estar em perigo.


Homem [Nicolelis] com moral anticristo.

Que pena que não existem mais fogueiras para queimar os hereges.

Nossa Senhora da Aparecida nos livre dos comunistas!

A Pontifícia Academia de Ciências tem as suas raízes na de Lincei, fundada em Roma, em 1603, a primeira exclusivamente científica no mundo. O físico, matemático, astrônomo e filósofo italiano Galileu Galilei (1564-1642) integrou-a. O astrofísico inglês Stephen Hawking, responsável por contribuições fundamentais ao estudo dos buracos negros, faz parte atualmente. Nicolelis será seu colega. Conversamos com ele sobre a eleição, a condenação por sites da extrema-direita e a patrulha por algumas pessoas de esquerda no Brasil.

Viomundo – Vou começar pelos sites da extrema-direita católica dos EUA, Europa, México e Brasil, que claramente condenam a sua nomeação. Dizem que o Vaticano nomeou um ateu, defensor da descriminalização do aborto, da união civil entre homossexuais e que apoiou a marxista Dilma Rousseff para a presidência do Brasil. O senhor teve de assinar qualquer documento se comprometendo a não se manifestar sobre esses temas considerados tabu pela Igreja Católica?

Miguel Nicolelis – Evidentemente que não. E se tivesse de fazê-lo, eu nunca aceitaria. Os estatutos da Academia são claros. A Academia é laica e não é formada exclusivamente de católicos. As pessoas são indicadas pelo mérito científico e não por afiliação ou crença religiosa. A carta que recebi após a escolha deixou isso muito claro

Viomundo – Como foi indicado para a Academia?

Miguel Nicolelis – Não tenho a menor ideia. Só soube que havia sido eleito, pois me pediram depois algumas informações. Eu não sabia que iria ser anunciado pelo Papa nem que iria ser o único nome da lista.

Viomundo – Como esses sites radicais americanos souberam das suas posições político-religiosas?

Miguel Nicolelis – Pasme! Imediatamente após a minha nomeação, um brasileiro, que não se identificou, deu dica a um site americano da extrema-direita religiosa. Ele pegou um texto meu sobre a eleição presidencial, publicado pelo Viomundo, traduziu para o inglês – muito mal, por sinal –, e enviou para os Estados Unidos. No mesmo dia, saiu uma nota contra a minha eleição. A partir daí se proliferou, batendo na mesma tecla: o Papa indicou para a Academia uma pessoa que defendia a descriminalização do aborto e a união civil entre pessoas do mesmo sexo. O que é pura verdade. Eu não fui abduzido por nenhum Alien nem introduziram um microchip na minha cabeça para falar o que eu falei (risos).

Viomundo – Eles dizem que houve “engano do Papa”, que “o Papa desconhecia o seu currículo completo”… O senhor seria um cientista “infiltrado”, como disseram também?

Miguel Nicolelis – “Infiltrado” (risos), não sou. Todo o meu histórico é público, conhecido. Eu nunca escondi que não participo da igreja católica nem tenho crença religiosa. O que o pessoal desses sites não se dá conta é que se o Vaticano visse as minhões concepções ideológica, política e religiosa como obstáculo não teria me nomeado. A questão científica é o parâmetro decisório. Tanto que ninguém pediu para eu tomar qualquer posição contrária às minhas crenças pessoais.

Viomundo – O senhor mora nos Estados Unidos há 20 anos. Viveu alguma experiência semelhante lá?

Miguel Nicolelis — É a primeira vez. E olha que já escrevi muito lá. As minhas posições, insisto, são bem conhecidas.

Viomundo – O que mais o espantou nesse episódio?

Miguel Nicolelis — O fato de que existe alguém no Brasil que se preocupa em pegar um texto como o meu, traduzir e remeter para sites da extrema direita americana. Talvez esse indivíduo não saiba, mas nos Estados Unidos, ele coloca a pessoa em risco. Ele está transformando essa pessoa que quer apenas debater politicamente, ideologicamente, religiosamente em eventual de algum fanático.

Esse episódio mostra como a globalização dos movimentos radicais é competente e que o Brasil não está fora desse circuito, não. Tem gente aqui conectada aos radicais de de direita dos EUA. Gente que não se furta em destruir instaneamente o caráter e a reputação de uma pessoa a partir de uma coisa minúscula. É assustadora também a violência verbal de alguns leitores/comentaristas. É um lingujar que foge a qualquer padrão de civilidade. Parece que vivem em outra galáxia. Vêem conexões que só existem na cabeça deles. Tem gente que diz que eu vim do Brasil comunista, da marxista Dilma Rousseff.

Viomundo – Seria uma tentativa de intimidá-lo?

Miguel Nicolelis – Com certeza. Entre os comentaristas desses sites, tem gente do meu estado, a Carolina do Norte. Até o endereço do meu laboratório lá, colocaram. Podem até querer me intimidar, mas não vão conseguir.

Viomundo — Mas houve alguma ameaça explícita, aqui ou lá?

Miguel Nicolelis – Por enquanto, não. Aqui, se houver, comunicarei imediatamente à Polícia Federal. Nos Estados Unidos, a coisa é bem diferente. Ninguém pode chegar ao meu laboratório sem passar pela segurança. Além disso, nessas situações, há um protocolo-padrão que é automaticamente acionado.

Neste momento, estou em Natal. O pessoal do meu laboratório contatou então a Duke, alertou sobre esses sites e a polícia da universidadade já começou a monitorar o caso. A segurança do meu laboratório foi reforçada. Lá existem precedentes. Daí a a cautela maior.

Viomundo – Em blogs progressistas apareceram comentaristas criticando também a sua eleição para a Pontifícia Academia de Ciências, dizendo até que “teria se vendido ao Papa”. O que achou?

Miguel Nicolelis – Um absurdo. Primeiro, ela é laica. Segundo, fui convidado a me tornar membro da mesma academia a que Galileu Galilei pertenceu. Aceitei com a garantia de que ela está interessada na minha ciência e não na minha opção (ou falta de opção) religiosa. Espanta-me verificar que mesmo em sites progressistas ocorra tamanho grau de patrulha ideológica (ou religiosa).

Meu outro colega de Academia é o fisico Stephen Hawking, que professa as mesmas opiniões que eu. Agora eu me pergunto: a troco de quê de que eu iria recusar a oportunidade de bater bons papos com um dos maiores físicos da história?

Viomundo – Voltando aos blogs da extrema-direita católica. Essa retaliação à sua eleição seria uma continuação do que aconteceu na eleição presidencial brasileira, quando o candidato tucano instigou o conservadorismo, trazendo para a campanha o discurso moralista da extrema-direita?

Miguel Nicolelis — Eu acho que tem uma relação muito próxima. Aparentemente a eleição acabou, mas as contas ainda não foram todas ajustadas. Mesmo uma pessoa como eu, com uma vida política restrita ao indivíduo permanece na lista do ajuste de contas.

Essa radicalização do discurso político que é muito forte nos EUA e começa a ocorrer aqui, como aconteceu na campanha, é assustadora. O seu adversário político, ideológico, passa a ser o seu inimigo. E esse inimigo é passível de qualquer tipo de punição, até mesmo a morte. Eu não consigo imaginar que essas pessoas que propagam mensagens de ódio, vingança, violência, podem ao mesmo tempo se dizer cristã

* Meu twitter: @conceicao_lemes, siga à vontade.