do leitor Beto Vasques
O Cairo, agora, é aqui, em Madrid! Caetano, em seu momento, nos alertou que o Haiti é aqui. Estava evidenciado que nosso passivo e cordial convívio com injustiça social e a miséria nos fazia campeões da falta de vergonha na cara e de exploração do próprio povo. Não satisfeitos sujeitamo-nos, anos depois, a legitimar o golpe de estado impetrado contra o governo democrático de Bertrand Aristide, fazendo valer os mais sórdidos interesses geopolíticos e econômicos do império e disponibilizando nossas forças armadas para coordenar a intervenção (ou seria invasão?) em terras haitianas.
Talvez tenhamos sido movidos pela raiva de um Haiti que, mesmo castigado pela trágica trajetória colonial, pelo neocolonialismo ianqui (que faz da ilha uma colônia de férias caribeña para suas elites e, simultaneamente, enclave militar de seus mais nefastos interesses imperiais, pela inaceitável ocupação de seu território por forças da ONU) e pelos dramáticos impactos do terremoto, foi incapaz de nos superar tanto na má distribuição de renda, como no número de total de indivíduos miseráveis. Mas essa é outra história…
O fato é que, se Caetano estivesse agora por Madrid, possivelmente nos diria algo como: O Cairo é aqui! Madrid está tomada! Não pela ocupação de nenhuma “força de paz internacional”, mas por seu próprio povo, indignado. Curiosa a história que faz com que essa Espanha, outrora terra de sultões “expulsos” pela “reconquista”, uma vez mais se aproxime do oriente próximo.
Estariam os ventos soprados pelas revoltas populares por democracia no mundo árabe chegado à península ibérica? Estaria a Espanha “de los Borbones” mais próxima que nunca de seus irmãos mulçumanos, seja pela evidência de seus sistemas políticos falidos, ornados por reis e ditadores de toda sorte, seja pela indignação de seus povos às suas elites políticas?
O que está claro, no entanto, é o basta que vem das ruas. Milhares de madrileños, desde o “15-M” (em referência ao domingo 15 de março), resolveram que havia que se dar um “basta ya”!. Por certo que: “Yo no soy anti-sitema, el sistema es anti-yo”, “Esa crisis no la pagamos”, “Lo llaman democracia y no lo es”, “Sin casa, sin trabajo, sin miedo”, “El PSOE y el PP, la misma mierda es” (PSOE e PP, os dois principais partidos de um sistema desenhado a medida para que não haja espaço para outras expressões políticas) são algumas das consignas principais que se evocam desde a “Puerta del Sol”, marco zero da cidade.
Evidencia-se um claro rechaço da cidadania à forma como o governo (PSOE) e a oposição (PP) pactuaram para que ela pagasse a conta de uma crise financeira internacional. O grito entoado pelos acampados há 5 dias na Puerta del Sol de “esa crisis no la pagamos” traduz a revolta popular baseada na compreensão de que essa “dívida” não é sua e, portanto, não querem e não vão pagá-la.
Está claro para os cidadãos e cidadãs acampadas há dias no Sol que a crise é obra do pacto vil no qual a bancarrota de bancos e empresas desregulados é paga pelo resgate de um governo que, posteriormente, se permite ser acusado pelos próprios bancos, agora intitulados “mercado”, como o verdadeiro responsável pela crise. Assume assim, o governo, sua “gigantesca incapacidade de gerenciar o déficit fiscal gerado por sua irresponsável gastança” e, como cereja do bolo, se permite passar a conta ao povo.
Lembrando Garrincha, parece que dessa vez se esqueceram de combinar o jogo com os russos, ou melhor, até que tentaram tal artimanha através de seus sócios na velha mídia, mas dessa vez parece que a blogosfera e as redes sociais também funcionaram pra valer por aqui. Assim, o amargo cardápio que conta com a diminuição dos salários dos funcionários públicos, com a ampliação de prazos para obter a aposentadoria, flexibilização das leis trabalhistas ao gosto do empresariado, etc gerou uma indigestão social que parece, agora, regurgitar sobre o próprio sistema político.: “Lo llaman democracia y no lo es”, “Que no, que no…que no, nos representan” e “PSOE y PP, la misma mierda es” explicitam a pane de um sistema político decadente.
Fica evidente a crise de representação que pode, inclusive, possibilitar a impugnação democrática das elites políticas que só se preocupam em prestar contas aos poderes econômicos privados e não aos cidadãos e cidadãs. Os partidos deslegitimados, os sindicatos em descrédito (cabe destacar posição a pelega e submissa que Comisiones Obreras e UGT , as duas maiores centrais sindicais espanholas, tiveram nesse processo, pactuando com os “ajustes” no marco laboral), e a monarquia patética e perigosa, herdada do franquismo, são vistos como fiadores dessa bazofia. O basta está dado: “Que se vayan todos!”, resume a voz popular, nos remetendo aos aprendizados do panelaço argentino…
O Cairo, agora, é aqui, em Madrid! Dessa vez não há partidos nem sindicatos organizando e instrumentalizando a manifestação. Não são bem-vindos. Dessa vez, a convocatória é do povo saturado de tamanha canalhice de suas elites. As redes sociais são seus megafones. Um esforço parcial para entender a mobilização leva alguns analistas a apontar a existência de três principais coletivos espontâneos por de trás da indignação geral: i) os desempregados (aqui chamados “parados”, que já se aproximam dos 5 milhões de trabalhadores, algo como 22% da PEA); ii) a juventude precária, que assim que se da conta que a precariedade não é condição momentânea vinculada a sua condição de jovem, mas sim de uma questão estrutural que lhes acompanhará por toda vida (entre os jovens o desemprego ultrapassa ao assombroso índice de 40%.); iii) e as famílias despejadas de seus imóveis, arrastadas a pelo tsunami imobiliário e pela sanha da banca.
Sua articulação se dá a partir da plataforma Democracia Real Ya (http://www.democraciarealya.es/) e, na agenda, a reforma eleitoral como principal reivindicação. Trata-se de uma estratégia pela qual a reforma não seria mais que a ponta de lança dos desejos de câmbios mais profundos no sistema político, uma porta de entrada a um processo que se imagina que possa ir ganhando musculatura “sobre la marcha”. “Sabemos por onde queremos começar (pela reforma eleitoral), não até onde podemos ir” comentam os mais otimistas.
Os acampados pretendem permanecer ocupando a Puerta del Sol até domingo, 22 de maio, quando se celebram as eleições estaduais e municipais. Os poderes instituídos aturdidos fazem de sua torpes o combustível dos indignados. Assim foi com o violento despejo dos acampados na madrugada de segunda para terça-feira, no qual não contavam com os celulares 3G que em real time expunham na rede a violência policial contra os cidadãos. Na quarta foi a vez da Junta Eleitoral atear mais fogo, proibindo que as pessoas se manifestassem. Era o fermento que faltava para que a cada noite mais e mais gente acuda à Praça do Sol.
Nesta quinta-feira à tarde a incansável Junta Eleitoral em decisão renhida decidida por apenas 1 voto, resolveu ilegalizar novamente aos indignados. Diz que a partir de sábado, véspera das eleições, não poderá haver manifestações que inibam o direito a terceiros de votar. O governo diz que terá que utilizar a inteligência (o seria violência?) para fazer cumprir a ordem legal. A oposição de direita (PP – Partido Popular) em claro gesto de medo e desespero manifesta seu apoio à decisão ressaltando que “há de se preservar o direito dos cidadãos”. A eles a pergunta: e os que estão na Praça do Sol, não são cidadãos?
No momento, outras cidades espanholas já começam a realizar convocatórias semelhantes. Os possíveis desdobramentos ainda são imprevisíveis. O exemplo dos indignados vizinhos Islândia e Grécia também inspira os madrileños. À semelhança do mundo árabe, as elites apostam que o cansaço leve a desmobilização popular e que os indignados voltem a suas casas. O povo, por sua vez, se rebela e espera fazer com que o rei e os governantes que sejam “os que se vão”. A diferença fica por conta dos bairros, que não ardem em chamas enquanto a multidão toma a praça. É a velha Europa do respeito à integridade física se acercando às revoltas do século XXI. Mas a sensação permanece: o Cairo, agora, é aqui, em Madrid!
O Cairo, agora, é aqui, em Madrid! Caetano, em seu momento, nos alertou que o Haiti é aqui. Estava evidenciado que nosso passivo e cordial convívio com injustiça social e a miséria nos fazia campeões da falta de vergonha na cara e de exploração do próprio povo. Não satisfeitos sujeitamo-nos, anos depois, a legitimar o golpe de estado impetrado contra o governo democrático de Bertrand Aristide, fazendo valer os mais sórdidos interesses geopolíticos e econômicos do império e disponibilizando nossas forças armadas para coordenar a intervenção (ou seria invasão?) em terras haitianas.
Talvez tenhamos sido movidos pela raiva de um Haiti que, mesmo castigado pela trágica trajetória colonial, pelo neocolonialismo ianqui (que faz da ilha uma colônia de férias caribeña para suas elites e, simultaneamente, enclave militar de seus mais nefastos interesses imperiais, pela inaceitável ocupação de seu território por forças da ONU) e pelos dramáticos impactos do terremoto, foi incapaz de nos superar tanto na má distribuição de renda, como no número de total de indivíduos miseráveis. Mas essa é outra história…
O fato é que, se Caetano estivesse agora por Madrid, possivelmente nos diria algo como: O Cairo é aqui! Madrid está tomada! Não pela ocupação de nenhuma “força de paz internacional”, mas por seu próprio povo, indignado. Curiosa a história que faz com que essa Espanha, outrora terra de sultões “expulsos” pela “reconquista”, uma vez mais se aproxime do oriente próximo.
Estariam os ventos soprados pelas revoltas populares por democracia no mundo árabe chegado à península ibérica? Estaria a Espanha “de los Borbones” mais próxima que nunca de seus irmãos mulçumanos, seja pela evidência de seus sistemas políticos falidos, ornados por reis e ditadores de toda sorte, seja pela indignação de seus povos às suas elites políticas?
O que está claro, no entanto, é o basta que vem das ruas. Milhares de madrileños, desde o “15-M” (em referência ao domingo 15 de março), resolveram que havia que se dar um “basta ya”!. Por certo que: “Yo no soy anti-sitema, el sistema es anti-yo”, “Esa crisis no la pagamos”, “Lo llaman democracia y no lo es”, “Sin casa, sin trabajo, sin miedo”, “El PSOE y el PP, la misma mierda es” (PSOE e PP, os dois principais partidos de um sistema desenhado a medida para que não haja espaço para outras expressões políticas) são algumas das consignas principais que se evocam desde a “Puerta del Sol”, marco zero da cidade.
Evidencia-se um claro rechaço da cidadania à forma como o governo (PSOE) e a oposição (PP) pactuaram para que ela pagasse a conta de uma crise financeira internacional. O grito entoado pelos acampados há 5 dias na Puerta del Sol de “esa crisis no la pagamos” traduz a revolta popular baseada na compreensão de que essa “dívida” não é sua e, portanto, não querem e não vão pagá-la.
Está claro para os cidadãos e cidadãs acampadas há dias no Sol que a crise é obra do pacto vil no qual a bancarrota de bancos e empresas desregulados é paga pelo resgate de um governo que, posteriormente, se permite ser acusado pelos próprios bancos, agora intitulados “mercado”, como o verdadeiro responsável pela crise. Assume assim, o governo, sua “gigantesca incapacidade de gerenciar o déficit fiscal gerado por sua irresponsável gastança” e, como cereja do bolo, se permite passar a conta ao povo.
Lembrando Garrincha, parece que dessa vez se esqueceram de combinar o jogo com os russos, ou melhor, até que tentaram tal artimanha através de seus sócios na velha mídia, mas dessa vez parece que a blogosfera e as redes sociais também funcionaram pra valer por aqui. Assim, o amargo cardápio que conta com a diminuição dos salários dos funcionários públicos, com a ampliação de prazos para obter a aposentadoria, flexibilização das leis trabalhistas ao gosto do empresariado, etc gerou uma indigestão social que parece, agora, regurgitar sobre o próprio sistema político.: “Lo llaman democracia y no lo es”, “Que no, que no…que no, nos representan” e “PSOE y PP, la misma mierda es” explicitam a pane de um sistema político decadente.
Fica evidente a crise de representação que pode, inclusive, possibilitar a impugnação democrática das elites políticas que só se preocupam em prestar contas aos poderes econômicos privados e não aos cidadãos e cidadãs. Os partidos deslegitimados, os sindicatos em descrédito (cabe destacar posição a pelega e submissa que Comisiones Obreras e UGT , as duas maiores centrais sindicais espanholas, tiveram nesse processo, pactuando com os “ajustes” no marco laboral), e a monarquia patética e perigosa, herdada do franquismo, são vistos como fiadores dessa bazofia. O basta está dado: “Que se vayan todos!”, resume a voz popular, nos remetendo aos aprendizados do panelaço argentino…
O Cairo, agora, é aqui, em Madrid! Dessa vez não há partidos nem sindicatos organizando e instrumentalizando a manifestação. Não são bem-vindos. Dessa vez, a convocatória é do povo saturado de tamanha canalhice de suas elites. As redes sociais são seus megafones. Um esforço parcial para entender a mobilização leva alguns analistas a apontar a existência de três principais coletivos espontâneos por de trás da indignação geral: i) os desempregados (aqui chamados “parados”, que já se aproximam dos 5 milhões de trabalhadores, algo como 22% da PEA); ii) a juventude precária, que assim que se da conta que a precariedade não é condição momentânea vinculada a sua condição de jovem, mas sim de uma questão estrutural que lhes acompanhará por toda vida (entre os jovens o desemprego ultrapassa ao assombroso índice de 40%.); iii) e as famílias despejadas de seus imóveis, arrastadas a pelo tsunami imobiliário e pela sanha da banca.
Sua articulação se dá a partir da plataforma Democracia Real Ya (http://www.democraciarealya.es/) e, na agenda, a reforma eleitoral como principal reivindicação. Trata-se de uma estratégia pela qual a reforma não seria mais que a ponta de lança dos desejos de câmbios mais profundos no sistema político, uma porta de entrada a um processo que se imagina que possa ir ganhando musculatura “sobre la marcha”. “Sabemos por onde queremos começar (pela reforma eleitoral), não até onde podemos ir” comentam os mais otimistas.
Os acampados pretendem permanecer ocupando a Puerta del Sol até domingo, 22 de maio, quando se celebram as eleições estaduais e municipais. Os poderes instituídos aturdidos fazem de sua torpes o combustível dos indignados. Assim foi com o violento despejo dos acampados na madrugada de segunda para terça-feira, no qual não contavam com os celulares 3G que em real time expunham na rede a violência policial contra os cidadãos. Na quarta foi a vez da Junta Eleitoral atear mais fogo, proibindo que as pessoas se manifestassem. Era o fermento que faltava para que a cada noite mais e mais gente acuda à Praça do Sol.
Nesta quinta-feira à tarde a incansável Junta Eleitoral em decisão renhida decidida por apenas 1 voto, resolveu ilegalizar novamente aos indignados. Diz que a partir de sábado, véspera das eleições, não poderá haver manifestações que inibam o direito a terceiros de votar. O governo diz que terá que utilizar a inteligência (o seria violência?) para fazer cumprir a ordem legal. A oposição de direita (PP – Partido Popular) em claro gesto de medo e desespero manifesta seu apoio à decisão ressaltando que “há de se preservar o direito dos cidadãos”. A eles a pergunta: e os que estão na Praça do Sol, não são cidadãos?
No momento, outras cidades espanholas já começam a realizar convocatórias semelhantes. Os possíveis desdobramentos ainda são imprevisíveis. O exemplo dos indignados vizinhos Islândia e Grécia também inspira os madrileños. À semelhança do mundo árabe, as elites apostam que o cansaço leve a desmobilização popular e que os indignados voltem a suas casas. O povo, por sua vez, se rebela e espera fazer com que o rei e os governantes que sejam “os que se vão”. A diferença fica por conta dos bairros, que não ardem em chamas enquanto a multidão toma a praça. É a velha Europa do respeito à integridade física se acercando às revoltas do século XXI. Mas a sensação permanece: o Cairo, agora, é aqui, em Madrid!
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