8/6/2011, Joseph Massad, Al-Jazeera, Qatar
http://english.aljazeera.net/indepth/opinion/2011/06/2011689456174295.html
http://english.aljazeera.net/indepth/opinion/2011/06/2011689456174295.html
Joseph Massad é professor associado de História Intelectual e Política Árabe Moderna
na Columbia University em Nova York.
na Columbia University em Nova York.
Por décadas durante a Guerra Fria, a retórica do poder imperial dos EUA e Europa Ocidental insistia que promoveria a democracia pelo mundo. De fato, na medida em que o modelo soviético tornou-se atraente para muitos países na Ásia e África (para nem falar da América Latina) que precisavam livrar-se do jugo do colonialismo da Europa Ocidental, o sistema de apartheid dos EUA, conhecido como “Leis Jim Crow”, ou Leis de Segregação Racial, cada vez menos podia ser tomado como exemplo a seguir, por quem acabava de livrar-se do suprematismo racial europeu, especialista em justificar o colonialismo. Como se sabe bem, essa foi a causa que obrigou os EUA a começar a pôr fim ao seu sistema de apartheid, processo que começou no famoso processo “Brown vs o Comitê de Educação” em 1954, a partir do qual teve se iniciou a des-segregação nas escolas do sul dos EUA.
Aquela ação dos EUA pelo mundo visava a desqualificar o direito a autodeterminação recém conquistado pelos povos da Ásia e da África e apareceu mascarada sob o slogan de uma “democracia ocidental” que combateria o “comunismo totalitário”. Essa ação dos EUA deixou rastro de milhões de assassinados pelos EUA e aliados (começando na Coreia e chegando ao Congo, Indonésia, Vietnã, Cambodia e Laos, e que foi da Guatemala ao Brasil, Argentina, Uruguai, El Salvador e Chile, além de ter deixado mortos também na África do Sul e no Oriente Médio). Na última década, as invasões injustificáveis, pelos EUA, ao Iraque e Afeganistão pouco alteraram nessa recorrente tendência antidemocrática.
Apesar disso, os que apóiam a política exterior dos EUA no front ‘democrático’ sempre evocam duas importantes vitórias daquela política: o fim da União Soviética com a consequente ‘democratização’ da Europa Oriental; e o fim do apartheid na África do Sul. Em 2011, os EUA esperam que suas políticas, nesses dois locais, outra vez os guiem na direção de obter resultados semelhantes àqueles, nos levantes do mundo árabe que não consigam esmagar.
Lucros e empobrecimento
As populações do bloco oriental gostariam de manter os ganhos econômicos do período comunista, e acrescentar-lhes as vantagens da democratização. Mas os EUA imediatamente lhes venderam a ilusão da “democracia ocidental” como máscara para encobrir o empobrecimento massivo imposto pelos EUA e o desmonte de toda a estrutura de bem-estar social da qual aquelas populações se haviam beneficiado por décadas.
Assim, em apenas poucos anos, mediante o que Naomi Klein chamou de “A Doutrina do Choque”, a Rússia converteu-se, de país onde menos de 2 milhões de habitantes viviam abaixo da linha de pobreza, em país onde 74 milhões de seres humanos vivem na miséria. Depois da Rússia, Polônia e Bulgária foram empurradas pela mesma trilha. O número de bilionários aumentou, como aumentou a margem de lucro das corporações norte-americanas no ex-bloco oriental, com a ajuda de ativas organizações imperiais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. E os EUA, sob pressão internacional, fecharam um negócio que pôs fim ao apartheid político na África do Sul.
Aquela ação dos EUA pelo mundo visava a desqualificar o direito a autodeterminação recém conquistado pelos povos da Ásia e da África e apareceu mascarada sob o slogan de uma “democracia ocidental” que combateria o “comunismo totalitário”. Essa ação dos EUA deixou rastro de milhões de assassinados pelos EUA e aliados (começando na Coreia e chegando ao Congo, Indonésia, Vietnã, Cambodia e Laos, e que foi da Guatemala ao Brasil, Argentina, Uruguai, El Salvador e Chile, além de ter deixado mortos também na África do Sul e no Oriente Médio). Na última década, as invasões injustificáveis, pelos EUA, ao Iraque e Afeganistão pouco alteraram nessa recorrente tendência antidemocrática.
Apesar disso, os que apóiam a política exterior dos EUA no front ‘democrático’ sempre evocam duas importantes vitórias daquela política: o fim da União Soviética com a consequente ‘democratização’ da Europa Oriental; e o fim do apartheid na África do Sul. Em 2011, os EUA esperam que suas políticas, nesses dois locais, outra vez os guiem na direção de obter resultados semelhantes àqueles, nos levantes do mundo árabe que não consigam esmagar.
Lucros e empobrecimento
As populações do bloco oriental gostariam de manter os ganhos econômicos do período comunista, e acrescentar-lhes as vantagens da democratização. Mas os EUA imediatamente lhes venderam a ilusão da “democracia ocidental” como máscara para encobrir o empobrecimento massivo imposto pelos EUA e o desmonte de toda a estrutura de bem-estar social da qual aquelas populações se haviam beneficiado por décadas.
Assim, em apenas poucos anos, mediante o que Naomi Klein chamou de “A Doutrina do Choque”, a Rússia converteu-se, de país onde menos de 2 milhões de habitantes viviam abaixo da linha de pobreza, em país onde 74 milhões de seres humanos vivem na miséria. Depois da Rússia, Polônia e Bulgária foram empurradas pela mesma trilha. O número de bilionários aumentou, como aumentou a margem de lucro das corporações norte-americanas no ex-bloco oriental, com a ajuda de ativas organizações imperiais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. E os EUA, sob pressão internacional, fecharam um negócio que pôs fim ao apartheid político na África do Sul.
Se os povos do bloco oriental tiveram de sacrificar seus estados de bem-estar e a própria sobrevivência, em troca da arrasadora pilhagem de seus países por um capitalismo à moda da Máfia, os sul-africanos foram engambelados com uma ‘democracia’ política em troca de um apartheid econômico ainda mais intenso e a rendição total da soberania econômica do país. Enquanto a classe empresarial tornou-se muito pouco racialmente diversificada (como, desde os anos 1970s, os EUA), os grupos mais empobrecidos mantiveram-se racialmente uniformes. A África do Sul passou a carregar o peso de dívidas gigantescas e assinou tantos acordos e protocolos econômicos que, hoje, nem pode redistribuir a propriedade privada racializada do país (protegida pela Constituição), nem tem como aumentar salários, esmagada pelas regras do FMI, que insiste no arrocho salarial como ‘política’ econômica. A pobreza massivamente racializada no país só aumentou o apartheid econômico, sob a máscara do ‘fim’ do apartheid político.
No Oriente Médio, os acordos de Oslo, assinados mais ou menos no mesmo momento em que a ‘democracia’ à moda dos EUA estava sendo imposta na Europa Oriental e na África do Sul, foram ainda piores. A Autoridade Palestina tratou (seguindo instruções dos EUA e de Israel) de desmobilizar a sociedade civil palestina, muito fortalecida depois da Primeira Intifada. Organizações ocidentais não governamentais brotaram por todos os lados.
As ONGs cooptaram a intelligentsia, os tecnocratas e praticamente todos os ativistas, que foram postos a serviço de uma agenda ocidental que converteu essas ONGs estrangeiras em nova “sociedade civil” local, enquanto governos ocidentais financiavam a corrupta Autoridade Palestina que continuou a colaborar com a ocupação israelense. A miséria reina hoje absoluta em grande parte da Cisjordânia e em toda a Faixa de Gaza e continua a destruir a vida dos palestinos.
O Iraque, enquanto isso, depois de devolvido à Idade da Pedra pelas bombas dos EUA, estava sendo convertido em mais uma ‘democracia’ à moda da Máfia implantada pelos EUA; e todo o estado de bem-estar que existiu no Iraque de Saddam foi detonado. O petróleo iraquiano foi entregue a corporações norte-americanas, em mais um capítulo da pilhagem (que ainda prossegue) daquele país, pelos EUA.
As ONGs cooptaram a intelligentsia, os tecnocratas e praticamente todos os ativistas, que foram postos a serviço de uma agenda ocidental que converteu essas ONGs estrangeiras em nova “sociedade civil” local, enquanto governos ocidentais financiavam a corrupta Autoridade Palestina que continuou a colaborar com a ocupação israelense. A miséria reina hoje absoluta em grande parte da Cisjordânia e em toda a Faixa de Gaza e continua a destruir a vida dos palestinos.
O Iraque, enquanto isso, depois de devolvido à Idade da Pedra pelas bombas dos EUA, estava sendo convertido em mais uma ‘democracia’ à moda da Máfia implantada pelos EUA; e todo o estado de bem-estar que existiu no Iraque de Saddam foi detonado. O petróleo iraquiano foi entregue a corporações norte-americanas, em mais um capítulo da pilhagem (que ainda prossegue) daquele país, pelos EUA.
Outros países árabes, especialmente o Egito, foram inundados por ONGs financiadas por países e empresas ocidentais, enquanto o FMI e o Banco Mundial cuidavam para que a saúde local fosse entregue a transnacionais e a empresários locais subservientes, que apóiam ditaduras locais. Grande número de homens e mulheres, sindicalistas, ativistas de direitos humanos, defensores de direitos dos camponeses esqueceram que lhes cabia defender os pobres e oprimidos entre os quais viviam, e passaram a frequentar regularmente as folhas de pagamento das ONGs financiadas pelo ocidente, fantasiadas como se fossem alguma ‘sociedade civil’.
No momento em que essa desmobilização da sociedade árabe não consegue impedir que as multidões eclodam em fúria no Egito e na Tunísia, contra dois dos mais corruptos regimes pós-independência na Ásia e na África (e, provavelmente, também na América Latina), os EUA e seus aliados Arábia Saudita e Qatar dedicam-se a construir mais um “pacote econômico” para “apoiar” os levantes, sobretudo no Egito, que é economia maior e muito mais importante.Fortalecer os mais ricos Imediatamente se viram os ventos da magnanimidade dos EUA. De fato, no primeiro dia de Mubarak deposto, Mubarak que o governo Obama apoiou até o último segundo no poder (e depois de deposto), o New York Times noticiou que “a Casa Branca e o Departamento de Estado já discutem a criação de novos fundos para estimular o surgimento de partidos políticos seculares”.
Poucos dias depois, dia 17/2/2011, a secretária de Estado Hillary Clinton disse em conferência de imprensa: “É com muita satisfação que anuncio que já reprogramamos 150 milhões de dólares para o Egito, para apoiar nossa transição naquele país e ajudar a recuperação da economia. Esses fundos nos darão a necessária flexibilidade para responder às necessidades do Egito para prosseguir.”
Um mês mais tarde, dia 16/3, Clinton declarou, em nome dos EUA, que “também nos parece que há reformas econômicas a fazer, necessárias para que o povo egípcio tenha bons empregos, para realizar seus sonhos. E é assim, nessas duas trilhas – com reforma política e reforma econômica – que queremos ser úteis.”
De fato, os preparativos para “ser úteis” já estavam pensados pelo governo Obama e seus aliados europeus e sauditas e qataris dia 19/5, quando Obama falou. Em seu discurso, declarou:
“Já pedimos que o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional apresentem plano na reunião da próxima semana do G-8, de tudo que precisa ser feito para estabilizar e modernizar as economias da Tunísia e do Egito. Juntos, vamos ajudá-los a recuperar-se das dificuldades dos levantes democráticos, e apoiar os governos a serem eleitos no final do corrente ano. E estamos conclamando outros países a ajudar Egito e Tunísia a superar suas dificuldades financeiras de curto prazo.”
Como se não bastasse, Obama apareceu com uma artimanha risível para ‘perdoar’ 35 bilhões de dólares que Mubarak deve ao povo egípcio: “liberar para o Egito pós-Mubarak 1 bilhão de dólares e conseguir que nossos parceiros egípcios invistam esses recursos para estimular o crescimento e o empreendedorismo”. Esse bilhão implica endividar ainda mais o Egito. E Obama, sem pausa e sem ironia, declarou que “ajudaremos o Egito a reconquistar acesso aos mercados, garantindo-lhe empréstimo de 1 bilhão necessário para financiar a infraestrutura e a geração de empregos (...) Estamos trabalhando com o Congresso para criar Fundos Empresariais a serem investidos na Tunísia e no Egito.”
Quando o empobrecimento da Europa Oriental cria riqueza gigantesca para novas elites locais e seus patrões corporativos nos EUA e na Europa Ocidental, Obama garante que a assistência financeira que os EUA oferecem “será modelada pelos padrões dos fundos que apoiaram as transições na Europa Oriental depois da queda do Muro de Berlim. A OPIC (ing. Overseas Private Investment Corporation, Corporação de Investimentos Privados no Além-mar), instituição financeira do governo dos EUA logo lançará dois bilhões de dólares de créditos para investimentos privados em toda a região. E trabalharemos com aliados para refocar o Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento de modo a oferecer o mesmo apoio às transições democráticas e à modernização econômica no Oriente Médio e Norte da África, como foi feito na Europa”.
E não é tudo! Os EUA também “lançarão uma ampla Iniciativa de Parcerias para Comércio e Investimento [orig. Trade and Investment Partnership Initiative] no Oriente Médio e Norte da África.”
Tendo reconhecido que a ganância dos EUA e dos sauditas é tal que todos os ganhos do petróleo alimentam as economias dos EUA e da Europa desde os anos 1970s em detrimento da Região que morre sob o peso das políticas de ajustes estruturais do FMI (cortes de subsídios e arrocho nos salários dos pobres; aumento nos subsídios para os ricos, restrição de direitos da classe trabalhadora, fim do protecionismo e venda do próprio país ao capital internacional, aumento dos preços internos), o que causou os levantes populares, Obama agora quer que uma parte dos lucros do petróleo passe a ser reinvestido no mundo árabe. Explicou que:
“Trabalharemos com a União Europeia para facilitar maior comércio interno na Região, a partir dos acordos existentes para promover a integração com mercados dos EUA e da Europa e abrir a porta para que esses países que adotem altos padrões de reforma e de livre comércio para construir um acordo de comércio regional. E como ser membro da União Europeia ajudou, como incentivo às reformas na Europa, assim também a visão de uma economia moderna e próspera cria poderosa força a favor das reformas no Oriente Médio e Norte da África.”
Obama, com França e Grã-Bretanha não perderam tempo. No final de maio, líderes do G-8, as oito nações industrializadas mais ricas, prometeram mandar bilhões de dólares de ajuda ao Egito e Tunísia. Sarkozy da França declarou que “espero que o pacote total de ajuda alcance eventualmente $40 bilhões, incluindo $10 bilhões da Arábia Saudita, Qatar e Kuwait".
Simultaneamente, o Qatar andou falando com parceiros do Golfo, ricos em petróleo, sobre novo plano para criar um Banco de Desenvolvimento do Oriente Médio para apoiar estados árabes em transição para a democracia. Seus planos inspiraram-se, segundo os jornais, no Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento “que ajudou a reconstruir as economias e as sociedades dos países do bloco oriental ao final da Guerra Fria.” Esse banco de desenvolvimento do Oriente Médio prevê empréstimos anuais de dezenas de bilhões de dólares anuais, para transições políticas. O Qatar busca o apoio da Arábia Saudita, Kuwait e Emirados Árabes Unidos para a iniciativa. Os sauditas já emprestaram $4 bilhões aos egípcios, e o Fundo Monetário Internacional anunciou empréstimo de $3 bilhões ao país.
Problema é que Youssef Boutros-Ghali, ministro das Finanças de Mubarak, elogiado por ninguém menos que o FMI como o mais eficiente ministro das Finanças, e indicado pelo próprio FMI em 2008 à presidência da Comissão Monetária e Financeira Internacional da instituição, fugiu do país e acaba de ser condenado a 30 anos de prisão por tribunal egípcio, por crimes de corrupção. Uma semana antes da queda de Mubarak em fevereiro passado, e antes de fugir do país, Boutros-Ghali renunciou ao cargo no FMI. Mas nada detém o FMI. Sua ‘ajuda” ao Egito continuará sem interrupção, e nenhum desses pequenos problemas a deterá.
Como parte do esforço para esmagar as manifestações populares e os clamores por democracia na Jordânia, a Arábia Saudita já ofereceu $400 milhões “para apoiar a economia jordaniana e aliviar o déficit no orçamento”. A Arábia Saudita e o Conselho de Cooperação do Golfo (apresentado recentemente como “O Clube Contrarrevolucionário”, Pepe Escobar, 27/5/2011, Blog Castorphoto[1]) também estenderam recentemente o convite para que se reúnam ao “Clube” as duas únicas monarquias sobreviventes fora do Golfo: Jordânia e Marrocos.
Neutralizar os pobres
Mas – se o negócio dos EUA na Europa Oriental foi empobrecer a maioria da população sob o disfarce de alguma ‘democracia’, de modo que empresas norte-americanas pudessem pilhar suas economias; e se o negócio dos EUA na África do Sul visou exclusivamente a salvaguardar e manter o mesmo padrão de pilhagem racializada, pelos brancos e contra os negros, e também com empresários parceiros dos EUA protegidos sob um disfarce chamado ‘democracia’, qual a modalidade de negócio político-econômico que está sendo urdido para o mundo árabe?
No momento em que essa desmobilização da sociedade árabe não consegue impedir que as multidões eclodam em fúria no Egito e na Tunísia, contra dois dos mais corruptos regimes pós-independência na Ásia e na África (e, provavelmente, também na América Latina), os EUA e seus aliados Arábia Saudita e Qatar dedicam-se a construir mais um “pacote econômico” para “apoiar” os levantes, sobretudo no Egito, que é economia maior e muito mais importante.Fortalecer os mais ricos Imediatamente se viram os ventos da magnanimidade dos EUA. De fato, no primeiro dia de Mubarak deposto, Mubarak que o governo Obama apoiou até o último segundo no poder (e depois de deposto), o New York Times noticiou que “a Casa Branca e o Departamento de Estado já discutem a criação de novos fundos para estimular o surgimento de partidos políticos seculares”.
Poucos dias depois, dia 17/2/2011, a secretária de Estado Hillary Clinton disse em conferência de imprensa: “É com muita satisfação que anuncio que já reprogramamos 150 milhões de dólares para o Egito, para apoiar nossa transição naquele país e ajudar a recuperação da economia. Esses fundos nos darão a necessária flexibilidade para responder às necessidades do Egito para prosseguir.”
Um mês mais tarde, dia 16/3, Clinton declarou, em nome dos EUA, que “também nos parece que há reformas econômicas a fazer, necessárias para que o povo egípcio tenha bons empregos, para realizar seus sonhos. E é assim, nessas duas trilhas – com reforma política e reforma econômica – que queremos ser úteis.”
De fato, os preparativos para “ser úteis” já estavam pensados pelo governo Obama e seus aliados europeus e sauditas e qataris dia 19/5, quando Obama falou. Em seu discurso, declarou:
“Já pedimos que o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional apresentem plano na reunião da próxima semana do G-8, de tudo que precisa ser feito para estabilizar e modernizar as economias da Tunísia e do Egito. Juntos, vamos ajudá-los a recuperar-se das dificuldades dos levantes democráticos, e apoiar os governos a serem eleitos no final do corrente ano. E estamos conclamando outros países a ajudar Egito e Tunísia a superar suas dificuldades financeiras de curto prazo.”
Como se não bastasse, Obama apareceu com uma artimanha risível para ‘perdoar’ 35 bilhões de dólares que Mubarak deve ao povo egípcio: “liberar para o Egito pós-Mubarak 1 bilhão de dólares e conseguir que nossos parceiros egípcios invistam esses recursos para estimular o crescimento e o empreendedorismo”. Esse bilhão implica endividar ainda mais o Egito. E Obama, sem pausa e sem ironia, declarou que “ajudaremos o Egito a reconquistar acesso aos mercados, garantindo-lhe empréstimo de 1 bilhão necessário para financiar a infraestrutura e a geração de empregos (...) Estamos trabalhando com o Congresso para criar Fundos Empresariais a serem investidos na Tunísia e no Egito.”
Quando o empobrecimento da Europa Oriental cria riqueza gigantesca para novas elites locais e seus patrões corporativos nos EUA e na Europa Ocidental, Obama garante que a assistência financeira que os EUA oferecem “será modelada pelos padrões dos fundos que apoiaram as transições na Europa Oriental depois da queda do Muro de Berlim. A OPIC (ing. Overseas Private Investment Corporation, Corporação de Investimentos Privados no Além-mar), instituição financeira do governo dos EUA logo lançará dois bilhões de dólares de créditos para investimentos privados em toda a região. E trabalharemos com aliados para refocar o Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento de modo a oferecer o mesmo apoio às transições democráticas e à modernização econômica no Oriente Médio e Norte da África, como foi feito na Europa”.
E não é tudo! Os EUA também “lançarão uma ampla Iniciativa de Parcerias para Comércio e Investimento [orig. Trade and Investment Partnership Initiative] no Oriente Médio e Norte da África.”
Tendo reconhecido que a ganância dos EUA e dos sauditas é tal que todos os ganhos do petróleo alimentam as economias dos EUA e da Europa desde os anos 1970s em detrimento da Região que morre sob o peso das políticas de ajustes estruturais do FMI (cortes de subsídios e arrocho nos salários dos pobres; aumento nos subsídios para os ricos, restrição de direitos da classe trabalhadora, fim do protecionismo e venda do próprio país ao capital internacional, aumento dos preços internos), o que causou os levantes populares, Obama agora quer que uma parte dos lucros do petróleo passe a ser reinvestido no mundo árabe. Explicou que:
“Trabalharemos com a União Europeia para facilitar maior comércio interno na Região, a partir dos acordos existentes para promover a integração com mercados dos EUA e da Europa e abrir a porta para que esses países que adotem altos padrões de reforma e de livre comércio para construir um acordo de comércio regional. E como ser membro da União Europeia ajudou, como incentivo às reformas na Europa, assim também a visão de uma economia moderna e próspera cria poderosa força a favor das reformas no Oriente Médio e Norte da África.”
Obama, com França e Grã-Bretanha não perderam tempo. No final de maio, líderes do G-8, as oito nações industrializadas mais ricas, prometeram mandar bilhões de dólares de ajuda ao Egito e Tunísia. Sarkozy da França declarou que “espero que o pacote total de ajuda alcance eventualmente $40 bilhões, incluindo $10 bilhões da Arábia Saudita, Qatar e Kuwait".
Simultaneamente, o Qatar andou falando com parceiros do Golfo, ricos em petróleo, sobre novo plano para criar um Banco de Desenvolvimento do Oriente Médio para apoiar estados árabes em transição para a democracia. Seus planos inspiraram-se, segundo os jornais, no Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento “que ajudou a reconstruir as economias e as sociedades dos países do bloco oriental ao final da Guerra Fria.” Esse banco de desenvolvimento do Oriente Médio prevê empréstimos anuais de dezenas de bilhões de dólares anuais, para transições políticas. O Qatar busca o apoio da Arábia Saudita, Kuwait e Emirados Árabes Unidos para a iniciativa. Os sauditas já emprestaram $4 bilhões aos egípcios, e o Fundo Monetário Internacional anunciou empréstimo de $3 bilhões ao país.
Problema é que Youssef Boutros-Ghali, ministro das Finanças de Mubarak, elogiado por ninguém menos que o FMI como o mais eficiente ministro das Finanças, e indicado pelo próprio FMI em 2008 à presidência da Comissão Monetária e Financeira Internacional da instituição, fugiu do país e acaba de ser condenado a 30 anos de prisão por tribunal egípcio, por crimes de corrupção. Uma semana antes da queda de Mubarak em fevereiro passado, e antes de fugir do país, Boutros-Ghali renunciou ao cargo no FMI. Mas nada detém o FMI. Sua ‘ajuda” ao Egito continuará sem interrupção, e nenhum desses pequenos problemas a deterá.
Como parte do esforço para esmagar as manifestações populares e os clamores por democracia na Jordânia, a Arábia Saudita já ofereceu $400 milhões “para apoiar a economia jordaniana e aliviar o déficit no orçamento”. A Arábia Saudita e o Conselho de Cooperação do Golfo (apresentado recentemente como “O Clube Contrarrevolucionário”, Pepe Escobar, 27/5/2011, Blog Castorphoto[1]) também estenderam recentemente o convite para que se reúnam ao “Clube” as duas únicas monarquias sobreviventes fora do Golfo: Jordânia e Marrocos.
Neutralizar os pobres
Mas – se o negócio dos EUA na Europa Oriental foi empobrecer a maioria da população sob o disfarce de alguma ‘democracia’, de modo que empresas norte-americanas pudessem pilhar suas economias; e se o negócio dos EUA na África do Sul visou exclusivamente a salvaguardar e manter o mesmo padrão de pilhagem racializada, pelos brancos e contra os negros, e também com empresários parceiros dos EUA protegidos sob um disfarce chamado ‘democracia’, qual a modalidade de negócio político-econômico que está sendo urdido para o mundo árabe?
Muito visivelmente, nos países nos quais as contrarrevoluções comandadas por EUA-Arábia Saudita triunfaram, o objetivo é manter o mesmo padrão de pilhagem imperial liderada pelos EUA, ao mesmo tempo em que se contêm os movimentos populares e fortalecem-se as elites locais (Bahrain, Omã e Jordânia são exemplos claros), ou resgatar as ditaduras, do colapso total (sejam ditaduras aliadas dos EUA ou não) para que comandem a transição de regime e reativem as parcerias políticas e econômicas com os EUA (casos da Líbia, do Iêmen e até da Síria).
Mas o que fazer no Egito e na Tunísia, onde não só o ditador, mas grande número de membros dos regimes já derrubados também são corruptos notórios e cúmplices dos crimes e negociatas do eixo EUA-Sauditas e na violência brutal dos antigos regimes? Exatamente nesses casos, o eixo EUA-Saudita focou seus principais esforços.
Mas o que fazer no Egito e na Tunísia, onde não só o ditador, mas grande número de membros dos regimes já derrubados também são corruptos notórios e cúmplices dos crimes e negociatas do eixo EUA-Sauditas e na violência brutal dos antigos regimes? Exatamente nesses casos, o eixo EUA-Saudita focou seus principais esforços.
Elites comerciais e empresariais que miraculosamente se safaram de acusações formais no Egito – e são legiões! – mostraram-se gravemente preocupadas com tumultos de rua e greves, que desorganizam a economia (e o fluxo de lucros em direção a elas mesmas). O bilionário Naguib Sawiris, que se apresenta como apoiador, se não líder, dos levantes populares, e cujos pai e irmãos também se tornaram bilionários em apenas poucos anos, depois que se associaram à USAID durante a política de “infitah” (“porta aberta”) de Sadat e sobretudo depois de os EUA invadirem a região em 1990-91, além de muitos outros empresários “honestos”, estão, todos, entusiasmadíssimos ante a possibilidade de se tornarem paladinos da causa dos EUA num Egito “democrático”, exatamente como sempre fizeram no governo de Mubarak. Sawiris fundou um partido político e agora se recusa a participar das manifestações das 6as-feiras, que, como diz hoje, estariam enfraquecendo a economia. Sawairis declarou recentemente que “foi erro acusar todos os empresários egípcios como se todos fossem criminosos”; e tem insistido que “muitos são cidadãos honrados, que sempre ajudaram a gerar empregos para os egípcios”.
Os EUA e Obama também têm celebrado jovens executivos e empresários, como o ingênuo Wael Ghonim, que deu sinais de ter sido afetado pela “Síndrome de Estocolmo”. Só um surto da Síndrome explica que Ghonim tenha explodido em lágrimas em sua famosa entrevista pela televisão, quando defendeu, em vez de denunciar, a polícia secreta que o interrogara). Ghonim andou viajando pelos EUA, dando palestras para banqueiros internacionais e economistas do Banco Mundial, apresentado como “líder” dos levantes egípcios, com despesas pagas pela própria Google Corporation.
Mas a maioria dos egípcios e tunisianos – diferente do que acontecia nos países do Leste Europeu governados pelos Comunistas – já foram reduzidos à miséria. E a principal modalidade de apartheid vigente no Egito e na Tunísia – diferente do apartheid político que se conheceu na África do Sul – é apartheid econômico, de classe. Assim sendo, o que os povos árabes teriam ainda de ceder, em troca da democracia à moda dos EUA que lhes tentam impor?
A resposta é simples. Há crescente consenso entre os políticos norte-americanos que os EUA devem surfar a onda democrática nos países da região cujos levantes populares os EUA não consigam esmagar, e que, para conseguir isso, é preciso construir condições políticas que mantenham intactas as políticas de pilhagem imperial das economias locais e que não lhes criem obstáculo. Depois do dinheiro saudita vieram o dinheiro dos EUA e os planos do FMI e do Banco Mundial, e todos os fundos são administrados de modo a apoiar elites empresariais e as ONGs financiadas por dinheiro externo para ‘conter’ a sociedade civil que outra vez se mobilizou – usando-se para esse objetivo o mesmo velho jargão neoliberal do ajuste estrutural que o FMI impõe onde chega, desde o final dos anos 1970s.
De fato, o que Obama e seus sócios nos negócios estão dizendo é que os revolucionários no Egito e na Tunísia – se não em todo o mundo árabe – estariam demandando sobretudo, e coincidentemente, políticas econômicas ainda mais neoliberais, que o Ocidente terá muito gosto em oferecer-lhes.
Mas são as mesmas políticas imperiais que o FMI impôs à Polônia (e geraram o movimento “Solidarnosc em 1980) e que levaram ao colapso da União Soviética, num mesmo processo para empobrecer o planeta, com especial atenção ao empobrecimento da África, do mundo árabe e da América Latina. Nesse sentido, os EUA providenciarão para que as mesmas políticas econômicas imperiais impostas pelo capital internacional e adotadas sempre por Mubarak e Ben Ali sejam não apenas mantidas, mas aprofundadas, sob a fantasia de ‘reformas democráticas’ e de ‘governos democráticos’.
Estão em andamento no Egito e na Tunísia movimentos que visam a limitar os protestos e as greves de trabalhadores. Depois de realizadas as eleições que porão no governo um novo grupo de políticos da velha ordem, com certeza começaremos a ouvir que todas as reivindicações de caráter econômico devem ser consideradas “contrarrevolucionárias” e devem ser reprimidas como atentados à “democracia”, para enfraquecê-la, quando não para destruí-la. E se, como já começa a acontecer, os EUA firmarem alianças com partidos islâmicos locais, com certeza ouviremos também que qualquer manifestação popular com reivindicações econômicas ou trabalhistas e que se oponha às políticas econômicas neoliberais e imperiais seria “contra o Islã”.
A ‘democracia’ imposta pelos EUA e que está sendo construída, e dando por consumado que alguma coisa semelhante a democracia será imposta ao Egito e Tunísia (para começar), está sendo construída para manter oprimidos e pobres os pobres e oprimidos e para deslegitimar todas as suas demandas que tenham a ver com a ordem econômica imperial. A troca que os EUA esperam obter, impondo ao Egito e à Tunísia alguma modalidade da ordem política liberal implica mais, não menos, pilhagem das economias e das próprias condições de sobrevivência dos mais pobres – que são larga maioria na população desses países.
O objetivo final dos EUA é, de fato, capturar-confiscar os levantes bem-sucedidos contra os regimes existentes, chamando essa captura-confisco de ‘democracia’, mas captura-confisco que só beneficiará as mesmas elites da finança internacional que já estavam no poder sob Mubarak e Ben Ali. Se os EUA e seus aliados locais conseguirão sucesso nesse golpe de captura-confisco depende, hoje, exclusivamente, da luta de egípcios e tunisianos.
Os EUA e Obama também têm celebrado jovens executivos e empresários, como o ingênuo Wael Ghonim, que deu sinais de ter sido afetado pela “Síndrome de Estocolmo”. Só um surto da Síndrome explica que Ghonim tenha explodido em lágrimas em sua famosa entrevista pela televisão, quando defendeu, em vez de denunciar, a polícia secreta que o interrogara). Ghonim andou viajando pelos EUA, dando palestras para banqueiros internacionais e economistas do Banco Mundial, apresentado como “líder” dos levantes egípcios, com despesas pagas pela própria Google Corporation.
Mas a maioria dos egípcios e tunisianos – diferente do que acontecia nos países do Leste Europeu governados pelos Comunistas – já foram reduzidos à miséria. E a principal modalidade de apartheid vigente no Egito e na Tunísia – diferente do apartheid político que se conheceu na África do Sul – é apartheid econômico, de classe. Assim sendo, o que os povos árabes teriam ainda de ceder, em troca da democracia à moda dos EUA que lhes tentam impor?
A resposta é simples. Há crescente consenso entre os políticos norte-americanos que os EUA devem surfar a onda democrática nos países da região cujos levantes populares os EUA não consigam esmagar, e que, para conseguir isso, é preciso construir condições políticas que mantenham intactas as políticas de pilhagem imperial das economias locais e que não lhes criem obstáculo. Depois do dinheiro saudita vieram o dinheiro dos EUA e os planos do FMI e do Banco Mundial, e todos os fundos são administrados de modo a apoiar elites empresariais e as ONGs financiadas por dinheiro externo para ‘conter’ a sociedade civil que outra vez se mobilizou – usando-se para esse objetivo o mesmo velho jargão neoliberal do ajuste estrutural que o FMI impõe onde chega, desde o final dos anos 1970s.
De fato, o que Obama e seus sócios nos negócios estão dizendo é que os revolucionários no Egito e na Tunísia – se não em todo o mundo árabe – estariam demandando sobretudo, e coincidentemente, políticas econômicas ainda mais neoliberais, que o Ocidente terá muito gosto em oferecer-lhes.
Mas são as mesmas políticas imperiais que o FMI impôs à Polônia (e geraram o movimento “Solidarnosc em 1980) e que levaram ao colapso da União Soviética, num mesmo processo para empobrecer o planeta, com especial atenção ao empobrecimento da África, do mundo árabe e da América Latina. Nesse sentido, os EUA providenciarão para que as mesmas políticas econômicas imperiais impostas pelo capital internacional e adotadas sempre por Mubarak e Ben Ali sejam não apenas mantidas, mas aprofundadas, sob a fantasia de ‘reformas democráticas’ e de ‘governos democráticos’.
Estão em andamento no Egito e na Tunísia movimentos que visam a limitar os protestos e as greves de trabalhadores. Depois de realizadas as eleições que porão no governo um novo grupo de políticos da velha ordem, com certeza começaremos a ouvir que todas as reivindicações de caráter econômico devem ser consideradas “contrarrevolucionárias” e devem ser reprimidas como atentados à “democracia”, para enfraquecê-la, quando não para destruí-la. E se, como já começa a acontecer, os EUA firmarem alianças com partidos islâmicos locais, com certeza ouviremos também que qualquer manifestação popular com reivindicações econômicas ou trabalhistas e que se oponha às políticas econômicas neoliberais e imperiais seria “contra o Islã”.
A ‘democracia’ imposta pelos EUA e que está sendo construída, e dando por consumado que alguma coisa semelhante a democracia será imposta ao Egito e Tunísia (para começar), está sendo construída para manter oprimidos e pobres os pobres e oprimidos e para deslegitimar todas as suas demandas que tenham a ver com a ordem econômica imperial. A troca que os EUA esperam obter, impondo ao Egito e à Tunísia alguma modalidade da ordem política liberal implica mais, não menos, pilhagem das economias e das próprias condições de sobrevivência dos mais pobres – que são larga maioria na população desses países.
O objetivo final dos EUA é, de fato, capturar-confiscar os levantes bem-sucedidos contra os regimes existentes, chamando essa captura-confisco de ‘democracia’, mas captura-confisco que só beneficiará as mesmas elites da finança internacional que já estavam no poder sob Mubarak e Ben Ali. Se os EUA e seus aliados locais conseguirão sucesso nesse golpe de captura-confisco depende, hoje, exclusivamente, da luta de egípcios e tunisianos.
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