Wálter Maierovitch: A juíza e o último escárnio no Pinheirinho
Nos EUA, cerca de 40 estados-federados escolhem, pelo voto, os seus magistrados e os seus promotores de justiça.
Os juízes federais e os procuradores federais norte-americanos são escolhidos pelo presidente da República e entram em função depois de aprovação pelo Senado. Idem com relação aos procuradores.
O sistema tem a lógica democrática, pois o juiz é órgão do poder, cujo detentor é o povo. O sistema Europeu, que me parece melhor, mistura magistrados concursados publicamente e jurados leigos.
No Brasil, os juízes são concursados, exceção aos que ingressam pelo chamado quinto-constitucional (advogados de notório saber e reputação ilibada e membros do Ministério Público), os escolhidos para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e os participantes do Tribunal do Júri, que julgam apenas os crimes dolosos contra a vida.
Mas, uma coisa é certa e incontestável. Qualquer que seja o sistema — americano, europeu ou brasileiro –, um juiz, ao julgar ou dar liminares, atua como representante do povo.
Ontem, um espetáculo grotesco e inusitado foi protagonizado pelo Judiciário no chamado bairro do Pinheirinho. A juíza que concedeu reintegração – com precipitação pois não exauriu a via conciliatória e nem exigiu dos poderes públicos uma responsável solução para alojar os despojados das suas residências –, recebeu, no local e solenemente, o mandado cumprido pela tropa de choque da Polícia Militar.
Essa sua conduta é inusitada, no Judiciário. Como regra, os mandados judiciais cumpridos são comunicados, por ofício protocolado no Fórum. E os juízes os recebem pela mão do escrivão ou já juntados em autos processuais.
Faltou, lógico, um fundo musical. Com a banda Legião Urbana a perguntar: Que país é esse ?
Sim, que país e esse que a Justiça, que decide em nome do cidadão, joga o povo ao léu.
Com efeito. Ontem foi concluída a reintegração na posse, determinada por ordem judicial da 6ª.Vara da comarca de São José dos Campos, no chamado bairro Pinheirinho, com 1,3 milhão de m2 de área e que foi ocupado por cerca 6 mil moradores a partir de 2004.
A reintegração deu-se em favor da massa falida da Selecta Comércio e Indústria S/A, uma holding administrada, até a quebra em 2004, pelo mega-especulador Naji Nahas.
Naji Nahas jamais foi condenado pela Justiça brasileira. A propósito de alguns escândalos noticiados pela imprensa, Nahas não foi responsabilizado criminalmente quando acusado de quase quebrar a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Preso preventivamente, beneficiou-se da liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes em favor do banqueiro Daniel Dantas. Também, beneficiou-se da decisão, ainda não definitiva, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que anulou a Operação Satiagraha: a anulação foi fundada na canhestra conclusão da participação, ainda que burocrática, de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Contra essa decisão anulatória votaram os ministros Gilson Dipp e Laurita Vaz.
Com a reintegração de posse concluída, restará prejudicado, pela perda de objetivo, o pedido feito ao Supremo Tribunal Federal (STF) de suspensão da operação militar conduzida pela tropa de choque da Polícia Militar de São Paulo e com cerca de 1.500 famílias sem ter onde ir.
Como se nota, não houve tempo oportuno para ser apreciado, em sede liminar e pelo STF, o pedido de suspensão da reintegração. Em São Paulo, a decisão foi mantida e o ministro presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), já acusado de assédio moral a estagiário e de fazer lobby para garantir uma cadeira no STJ para a sua cunhada, entendeu não ter da Justiça federal a competência para suspender a reintegração. Essa decisão de Ari Pargendler foi dada liminarmente, quando a Polícia Militar desalojava, com bombas, balas de borracha e cães, os moradores do Pinheirinho.
Junto com a ação da Polícia Militar, máquinas cuidaram da derrubada de casas de alvenaria e de madeira que abrigaram os antigos moradores e residentes há mais de 8 anos na área.
Num grotesco espetáculo mostrado pelas televisões, a juíza responsável pela decisão de reintegração compareceu ao Pinheirinho para receber, solenemente, a notícia do cumprimento do mandado judicial.
Agora, a área estará pronta para ser vendida e a sobra irá para o bolso dos sócios da Selecta, ou seja, de Naji Nahas. Os créditos trabalhistas, que podem já ter sido negociados por valor irrisódio, serão quitados. Idem os especiais, que irão para os cofres da Prefeitura de São José dos Campos.
O prefeito de São José dos Campos, cuja insensibilidade chegou ao ponto de não se preocupar em alojar as famílias tiradas violentamentemente do Pinheirinho, vai ter um bom caixa para promover o populismo.
Enquanto isso, com o ritmo de “lesma reumática”, o governador Geraldo Alckmin afirma que cuidará de verbas para a locação de casas aos expulsos do Pinheirinho, pois não tem casas populares disponíveis.
Os radicais do PSTU, que apostavam numa tragédia maior, devem estar a contabilizar futuros ganhos eleitorais.
Pano rápido. “QUE PAÍS É ESSE ?”
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