Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

quarta-feira, 7 de novembro de 2012
A birra de O Globo com os pobres
sábado, 11 de setembro de 2010
Setembro se chama Allende
O Chile vive nestes dias três datas especiais e dois dramas profundamente entrelaçados. Este mês comemora-se o 40° aniversário da histórica vitória de Salvador Allende e da Unidade Popular nas eleições presidenciais. Naquele 4 de setembro de 1970, o povo chileno abriu as portas da história e empreendeu um profundo processo de transformações econômicas, sociais, culturais e políticas. A “via chilena para o socialismo” só foi derrotada pelo golpe de Estado de 11 de setembro de 1973 - que este ano completa 37 anos – protagonizado pelas Forças Armadas, mas estimulado pela direita, pela Democracia Cristã, pela burguesia e por Washington. O artigo é de Mario Amorós.
Essas datas são provavelmente as jornadas mais relevantes dos dois séculos de história republicana, junto com o 18 de setembro de 1810, quando se estabeleceu a primeira Junta Nacional de Governo, que abriu o caminho para o processo de independência finalizado em 1818 e que, depois de uma década convulsionada, culminou entre 1829 e 1833 com a imposição de um férreo estado oligárquico que se manteve até a vitória da Frente Popular, em 1938, da qual Salvador Allende foi um destacado dirigente.
A uma semana da comemoração do bicentenário da independência, 33 trabalhadores permanecem sepultados desde o dia 5 de agosto a 700 metros de profundidade na mina San José, devido às condições de exploração em que executavam sua tarefa, reconhecidas – a posteriori – pelos proprietários da mina e pelo próprio governo de Sebastián Piñera. Além disso, 34 presos políticos mapuches estão em greve de fome desde o dia 12 de julho. Se, contra o movimento operário, o governo aplica o restritivo Código do Trabalho, imposto pela ditadura em 1980, as mobilizações dos mapuches em defesa de seus territórios e de sua demanda de autonomia são brutalmente reprimidas e sancionadas penalmente com o recurso à Lei Antiterrorista que Pinochet aprovou em 1984.
Os estudos mais recentes confirmam que o Chile é um dos países onde a brecha entre ricos e pobres é mais acentuada, aproximando-se aos níveis encontrados, por exemplo, no Haiti, produto de políticas neoliberais cujas diretrizes a Concertação manteve inalteradas durante 20 anos e que, desde 11 de março, são impulsionadas por seu verdadeiro motor, uma direita de novo tipo, filha da contrarrevolução pinochetista e solidamente implantada no mundo popular.
Piñera prepara-se para viver seu primeiro 11 de setembro no Palácio la Moneda e para presidir os múltiplos atos do bicentenário com um insistente e retórico chamado à “unidade nacional”. Enquanto isso, os quatro partidos que integram a Concertação acabam de renovar suas direções para enfrentar o novo ciclo eleitoral que já aparece no horizonte, as eleições municipais de 2012 e as eleições parlamentares e presidenciais de 2013. O Partido Comunista está mergulhado nos debates de seu XXIV Congresso.
Para além da incógnita sobre o próximo candidato presidencial da Concertação (o que dependerá essencialmente da vontade de Michelle Bachelet, que conserva uma enorme aprovação popular), a encruzilhada que esta coalizão e as forças de esquerda deverão enfrentar no médio prazo reside na possibilidade de construir mais do que uma aliança pontual, como a que permitiu eleger em dezembro três deputados comunistas pela primeira vez desde 1973, costurando um acordo político e programático que permita abrir um novo período.
Às vezes são os pequenos gestos ou resultados os que mudam a história. No dia 15 de março de 1964 a inesperada vitória da esquerda em uma votação parcial para eleger um deputado em Curicó levou a direita a não apresentar um candidato próprio e a apoiar o social cristão Eduardo Frei Montalva, que derrotou Allende em setembro daquele ano. Há apenas um mês, na cidade de Penco, na região do Biobío, os dirigentes locais da Concertação e o Partido Comunista assinaram um acordo para unir-se desde o início nas eleições de 2012 com o objetivo de derrotar a direita, que atualmente governa a prefeitura.
O debate sobre suas projeções nacionais já está instalado na agenda política. A direita não tardou em exibir seu anticomunismo mais rude e na Democracia Cristã seguramente persistirão as dúvidas até o último momento. Enquanto isso, o Partido Socialista mostra-se favorável a explorar um pacto, assim como o Partido Comunista, na direção de uma ampla convergência de forças políticas e sociais para conquistar um governo “de novo tipo” que deixe para trás os dogmas neoliberais e possibilite o pleno desenvolvimento democrático do país.
A 37 anos do bombardeio do palácio de La Moneda e do início de uma cruel ditadura, a memória de Salvador Allende e da Unidade Popular iluminam esse caminho. Precisamente, aquela noite inesquecível de 4 de setembro de 1970, quando deixou de ser o “companheiro Allende” para converter-se no “companheiro presidente”, e acabou seu discurso na Alameda de Santiago, diante de milhares de pessoas que festejavam a vitória da UP, com palavras plenas do afeto sincero com o qual sempre se dirigiu aos trabalhadores e que mantém absoluta atualidade: “Esta noite, quando acariciarem seus filhos, quando buscarem o descanso, pensem na manhã dura que teremos pela frente, quando precisaremos colocar mais paixão, mais carinho, para fazer o Chile cada vez maior e tornar cada vez mais justa a vida em nossa pátria”.
(*) Doutor em História e Jornalista. Autor de “Companheiro Presidente. Salvador Allende, uma vida pela democracia e pelo socialismo”. Artigo publicado no jornal “Público”, de Madri.
Tradução: Katarina Peixoto
quarta-feira, 25 de agosto de 2010
Americanos cogitaram ‘tomar a Amazônia’ no século XIX, revela livro

23/08/2010konner7Deixar um comentárioIr para os comentários
Chefe do Observatório Naval queria expandir ‘plantations’ em área brasileira.
Revelação está em livro de Gerald Horne, que falou ao G1 sobre o caso.
Daniel Buarque
Pesquisadores norte-americanos costumam chamar de paranoia a preocupação que os brasileiros têm com a ideia de intervenção dos Estados Unidos na Amazônia. Por mais que atualmente não haja nenhum indício real deste tipo de interesse na região da floresta tropical no Brasil, a história revela pelo menos um momento, no século XIX, em que políticos dos EUA discutiram a ideia de ocupar o território no norte do Brasil.
Foi em 1850, quando o chefe do Observatório Naval dos Estados Unidos, Matthew Fontaine Maury, sugeriu que seu país evitasse a Guerra Civil e continuasse expandindo sua produção de algodão com mão de obra escrava levando toda a estrutura, incluindo os escravos africanos, para a região da Amazônia brasileira. A revelação é parte do livro “O sul mais distante” (Cia. Das Letras), escrito pelo pesquisador de escravidão nas Américas Gerald Horne, professor da Universidade de Houston, no Texas. Segundo ele, Maury era interessado em deportar escravos norte-americanos para desenvolver a região com um plano de “tomar a Amazônia do Brasil”.
Em entrevista ao G1, Horne explicou que este plano de “invadir a Amazônia” surgiu no contexto da consolidação dos Estados Unidos como uma potência violenta, que fazia da conquista territorial seu destino manifesto, então “não é uma surpresa” que cobiçassem também a Amazônia. O projeto de incorporar a floresta, disse, ganhou força especialmente no Estado da Virgínia, que era o centro do poder político dos Estados Unidos na época e onde Maury continua a ser visto como um herói até hoje.
Ele comentou que, por mais que o país continue se envolvendo em guerras pelo mundo, a situação mudou e nenhuma ação do tipo é sequer cogitada pelos americanos. “Hoje, não é necessário nem dizer, não há possibilidade desse tipo de intervenção. Especialmente por conta da ascensão do Brasil, que está desafiando a liderança americana na América Latina. O Brasil é mais forte, o mundo mudou”, disse Horne ao G1.
Separação e anexação
Maury costuma ser citado como tendo sugerido que os políticos americanos deveriam forçar o Brasil a permitir a livre navegação de barcos americanos na Amazônia porque o Rio Amazonas era “uma extensão” do rio Mississippi.
Em “O sul mais distante”, livro de 2007 que acaba de ser publicado no Brasil, Horne explica que as relações entre Brasil e Estados Unidos americana foram muito intensas por conta da escravidão nos dois países. A proximidade diminuiu com a Guerra Civil, iniciada uma década depois do plano de Maury de transferir as plantações para a Amazônia.
Segundo Horne, os escravistas mais radicais do sul norte-americano defendiam fortemente a separação do país e “colocavam o Brasil próximo ao centro do seu sonho de um império transcontinental de escravidão, particularmente nos anos 1850, quando parecia que a escravidão encontrava um bloqueio em sua expansão para o Oeste”. Para eles, o futuro estava em um império “unido com o Brasil”.
Maury via a Amazônia como “válvula de segurança da União” e planejava deportar os escravos africanos dos Estados Unidos junto com seus proprietários para a região ainda não desenvolvida. “É mais fácil e mais rápido’, argumentou Maury, ‘para navios da Amazônia fazerem a viagem a Nova York de que ao Rio’”.
Segundo Horne, a proposta de Maury foi vista como provocativa e discutida no Brasil, o que fez com que o então secretário de Estado dos Estados Unidos, William Marcy, respondesse de forma superficial garantindo ao Brasil que não precisava levar a sério os argumentos de Maury. O pesquisador da Universidade de Houston, entretanto, diz que Maury gerou um forte interesse norte-americano em dominar a região amazônica, fazendo com que milhares de norte-americanos viajassem o Brasil investigando o país e analisando a possibilidade de se apropriar do território da floresta.
Em outras ocasiões no final dos anos 1850 e mesmo durante a Guerra Civil, em 1862, um comitê da Câmara de Deputados dos Estados Unidos chegou a considerar a possibilidade de deportar os negros para a Amazônia, o que foi ponderado pelo governo brasileiro e negado por a lei brasileira “não admitir negros livres em seu território”. O Brasil, diz Horne, teve um papel importante na mente de líderes do sul escravista dos Estados Unidos, que foi apoiado pelo governo brasileiro, servindo até mesmo como refúgio quando a Guerra Civil terminou com vitória do Norte do país.
terça-feira, 20 de julho de 2010
Guerra anunciada na ABL: João Ubaldo x FHC
João Ubaldo sobre FHC: "sociólogo medíocre"
Guardei, por 12 anos, em meio à minha papelada imunda de recortes de jornais e revistas velhas, numa caixa de papelão em frangalhos, um artigo de João Ubaldo Ribeiro datado de 25 de outubro de 1998, porque esperava justamente esse momento: a hora em que Fernando Henrique Cardoso, alijado da política e na iminência de cair no esquecimento público, se candidatasse a uma vaga na Academia Brasileira de Letras. O artigo, intitulado “Senhor Presidente”, foi escrito logo depois da vitória de FHC, no primeiro turno das eleições de 1998, graças ao Plano Real e à aprovação, no Congresso Nacional, da Emenda Constitucional da reeleição, conseguida à custa de um escandaloso esquema de compra de votos. O texto é pau puro e, surpreendentemente, foi escrito numa época em que a mídia nacional era, praticamente, uma assessoria de imprensa do consórcio PSDB/PFL. Não por outra razão, foi inicialmente censurado em “O Estado de S.Paulo”, para onde o cronista escrevia, embora o jornal tenha sido obrigado a publicá-lo, uma semana depois, para evitar se envolver em um escândalo de censura justo com um dos mais respeitados escritores do país. Num tempo de internet incipiente, a repercussão do artigo foi mínima, ficando restrita às redações e ao meio intelectual, de resto, também acovardado pela força do pensamento único imposto à sociedade pela imprensa e pelo governo de então.
Esse retalho jornalístico ficou comigo tanto tempo porque, no fundo, eu tinha certeza que a vaidade intelectual de FHC iria levá-lo, em algum momento, a pleitear uma vaga na ABL, como agora se noticia em notas discretas de colunas de jornal, certo de que se trata de uma confraria historicamente vulnerável a influências políticas, quando não à bajulação pura e simples, como qualquer um pode constatar, embora abrigue grandes escritores, como o próprio João Ubaldo Ribeiro. Contudo, lá também estão escribas do calibre de José Sarney e do cirurgião plástico Ivo Pitanguy. No passado, também circulavam entre os imortais o general Aurélio de Lira Tavares (codinome “Adelita), eleito em 1970, com o apoio do ditador Emílio Médici, e Roberto Marinho, das Organizações Globo. A presença de FHC, que pelo menos escreveu uns livros de sociologia não seria, portanto, um escândalo em si. O problema é o artigo de João Ubaldo.
No texto, o escritor baiano, entre outras considerações, refere-se assim a Fernando Henrique Cardoso: “(…) o senhor é um sociólogo medíocre, cujo livro O Modelo Político Brasileiro me pareceu um amontoado de obviedades que não fizeram, nem fazem, falta ao nosso pensamento sociológico”. Mais adiante, relembra um dos piores momentos da vida de FHC: “(…) o senhor, que já passou pelo ridículo de sentar-se na cadeira do prefeito de São Paulo, na convicção de que já estava eleito, hoje pensa que é um político competente e, possivelmente, tem Maquiavel na cabeceira da cama. O senhor não é uma coisa nem outra, o buraco é bem mais embaixo”.
E por aí vai, até se lembrar, a certa altura do texto, que FHC, em algum momento da vida, poderia se interessar pela vida imortal da ABL. João Ubaldo, então, cospe uma fogueira de brasas para cima de Fernando Henrique: “(…) E, falando na Academia, me ocorre agora que o senhor venha a querer coroar sua carreira de glórias entrando para ela. Sou um pouco mais mocinho do que o senhor e não tenho nenhum poder, a não ser afetivo, sobre meus queridos confrades. Mas, se na ocasião eu tiver algum outro poder, o senhor só entra lá na minha vaga, com direito a meu lugar no mausoléu dos imortais”.
Eu posso estar errado, já se passou mais de uma década, a ira de João Ubaldo pode ter se perdido na poeira do tempo, mas a julgar pelo teor do imortal artigo do escritor e jornalista baiano, FHC vai ter que pensar duas vezes antes de se candidatar a uma vaga na ABL. Ou considerar o fato de que só vai entrar lá por cima do cadáver de João Ubaldo Ribeiro. A conferir.
Abaixo (e aqui, retirado do ótimo site Alma Carioca), o artigo completo, para quem quiser se deleitar:
Senhor Presidente – João Ubaldo Ribeiro
25 de outubro de 1998
Senhor Presidente,
Antes de mais nada, quero tornar a parabenizá-lo pela sua vitória estrondosa nas urnas. Eu não gostei do resultado, como, aliás, não gosto do senhor, embora afirme isto com respeito. Explicito este meu respeito em dois motivos, por ordem de importância. O primeiro deles é que, como qualquer semelhante nosso, inclusive os milhões de miseráveis que o senhor volta a presidir, o senhor merece intrinsecamente o meu respeito. O segundo motivo é que o senhor incorpora uma instituição basilar de nosso sistema político, que é a Presidência da República, e eu devo respeito a essa instituição e jamais a insultaria, fosse o senhor ou qualquer outro seu ocupante legítimo. Talvez o senhor nem leia o que agora escrevo e, certamente, estará se lixando para um besta de um assim chamado intelectual, mero autor de uns pares de livros e de uns milhares de crônicas que jamais lhe causarão mossa. Mas eu quero dar meu recadinho.
Respeito também o senhor porque sei que meu respeito, ainda que talvez seja relutante privadamente, me é retribuído e não o faria abdicar de alguns compromissos com que, justiça seja feita, o senhor há mantido em sua vida pública – o mais importante dos quais é com a liberdade de expressão e opinião. O senhor, contudo, em quem antes votei, me traiu, assim como traiu muitos outros como eu. Ainda que obscuramente, sou do mesmo ramo profissional que o senhor, pois ensinei ciência política em universidades da Bahia e sei que o senhor é um sociólogo medíocre, cujo livro O Modelo Político Brasileiro me pareceu um amontoado de obviedades que não fizeram, nem fazem, falta ao nosso pensamento sociológico. Mas, como dizia antigo personagem de Jô Soares, eu acreditei.
O senhor entrou para a História não só como nosso presidente, como o primeiro a ser reeleito. Parabéns, outra vez, mas o senhor nos traiu. O senhor era admirado por gente como eu, em função de uma postura ética e política que o levou ao exílio e ao sofrimento em nome de causas em que acreditávamos, ou pelo menos nós pensávamos que o senhor acreditava, da mesma forma que hoje acha mais conveniente professar crença em Deus do que negá-la, como antes. Em determinados momentos de seu governo, o senhor chegou a fazer críticas, às vezes acirradas, a seu próprio governo, como se não fosse o senhor seu mandatário principal. O senhor, que já passou pelo ridículo de sentar-se na cadeira do prefeito de São Paulo, na convicção de que já estava eleito, hoje pensa que é um político competente e, possivelmente, tem Maquiavel na cabeceira da cama. O senhor não é uma coisa nem outra, o buraco é bem mais embaixo. Político competente é Antônio Carlos Magalhães, que manda no Brasil e, como já disse aqui, se ele fosse candidato, votaria nele e lhe continuaria a fazer oposição, mas pelo menos ele seria um presidente bem mais macho que o senhor.
Não gosto do senhor, mas não tenho ódio, é apenas uma divergência histórico-glandular. O senhor assumiu o governo em cima de um plano financeiro que o senhor sabe que não é seu, até porque lhe falta competência até para entendê-lo em sua inteireza e hoje, levado em grande parte por esse plano, nos governa novamente. Como já disse na semana passada, não lhe quero mal, desejo até grande sucesso para o senhor em sua próxima gestão, não, claro, por sua causa, mas por causa do povo brasileiro, pelo qual tenho tanto amor que agora mesmo, enquanto escrevo, estou chorando.
Eu ouso lembrar ao senhor, que tanto brilha, ao falar francês ou espanhol (inglês eu falo melhor, pode crer) em suas idas e vindas pelo mundo, à nossa custa, que o senhor é o presidente de um povo miserável, com umas das mais iníquas distribuições de renda do planeta. Ouso lembrar que um dos feitos mais memoráveis de seu governo, que ora se passa para que outro se inicie, foi o socorro, igualmente a nossa custa, a bancos ladrões, cujos responsáveis permanecem e permanecerão impunes. Ouso dizer que o senhor não fez nada que o engrandeça junto aos corações de muitos compatriotas, como eu. Ouso recordar que o senhor, numa demonstração inacreditável de insensibilidade, aconselhou a todos os brasileiros que fizessem check-ups médicos regulares. Ouso rememorar o senhor chamando os aposentados brasileiros de vagabundos. Claro, o senhor foi consagrado nas urnas pelo povo e não serei eu que terei a arrogância de dizer que estou certo e o povo está errado. Como já pedi na semana passada, Deus o assista, presidente. Paradoxal como pareça, eu torço pelo senhor, porque torço pelo povo de famintos, esfarrapados, humilhados, injustiçados e desgraçados, com o qual o senhor, em seu palácio, não convive, mas eu, que inclusive sou nordestino, conheço muito bem. E ouso recear que, depois de novamente empossado, o senhor minta outra vez e traga tantas ou mais desditas à classe média do que seu antecessor que hoje vive em Miami.
Já trocamos duas ou três palavras, quando nos vimos em solenidades da Academia Brasileira de Letras. Se o senhor, ao por acaso estar lá outra vez, dignar-se a me estender a mão, eu a apertarei deferentemente, pois não desacato o presidente de meu país. Mas não é necessário que o senhor passe por esse constrangimento, pois, do mesmo jeito que o senhor pode fingir que não me vê, a mesma coisa posso eu fazer. E, falando na Academia, me ocorre agora que o senhor venha a querer coroar sua carreira de glórias entrando para ela. Sou um pouco mais mocinho do que o senhor e não tenho nenhum poder, a não ser afetivo, sobre meus queridos confrades. Mas, se na ocasião eu tiver algum outro poder, o senhor só entra lá na minha vaga, com direito a meu lugar no mausoléu dos imortais.