Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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quinta-feira, 18 de agosto de 2011

O Pentágono quer enlouquecer... os “jihadistas”! Acredite quem quiser

Copio aqui, então, o tal parágrafo, enterrado no meio da matéria, e que, se tivesse sido lido, faria os leitores saltarem, em pânico, das poltronas do domingo:
“Consideremos o que os especialistas norte-americanos em computadores estão fazendo pela internet, talvez o mais amplo paraíso seguro de terroristas, pela qual recrutam, levantam dinheiro e planejam ataques futuros em escala global.
Especialistas norte-americanos tornaram-se super eficientes no trabalho de forjar as assinaturas eletrônicas que a Al Qaeda usa para autenticar suas declarações e manifestos distribuídos pela rede, e postam ordens e instruções dirigidas aos militantes, algumas delas tão horrendas que, como o Pentágono espera, farão vacilar a convicção de jovens jihadistas, que ainda não se tenham decidido a abraçar definitivamente a causa; o plano do Pentágono prevê que, ante ordens para que executem ações tão terríveis, muitos jovens recuarão e se afastarão do movimento Jihad.”
Os itálicos são meus. Como os autores sugerem que façamos, espiemos por um momento por essa inacreditável, bizarra, pequena janela que se abre para o modo como o Pentágono pensa. Para começar, não se sabe onde trabalham esses “especialistas norte-americanos em computadores”. Talvez trabalhem no Pentágono, talvez em alguma sala do National Counterterrorism Center, mas, sejam quem forem e trabalhem onde trabalharem, a pergunta da semana, do mês, do ano é a seguinte: “Que diabo serão as tais “ordens e instruções” que distribuem, e que, de “tão horrendas”, “farão vacilar a convicção de jovens jihadistas, que ainda não se tenham decidido a abraçar definitivamente a causa”?
Mesmo que nossos especialistas em computadores fossem, de fato, capazes de convencer jovens muçulmanos ainda vacilantes a desertar de suas crenças jihadista – e eu não apostaria um vintém nas competências do Pentágono nesse campo –, o que estará acontecendo com jovens muçulmanos (e também velhos, por que não?), que absolutamente não sejam vacilantes e já se decidiram a abraçar definitivamente a causa... E que tomem como autênticas as ordens “horrendas” que recebam (do Pentágono), para praticar ações “tão terríveis”?!
É situação potencialmente Frankenstein – e só nos restam perguntas e mais perguntas. Que tipo de monstros os especialistas militares do Pentágono (especialistas em computadores) estão fabricando?
Outra pergunta: quem, exatamente, supervisiona o trabalho desses “especialistas” e as mensagens “horrendas” que saem da cabeça deles? (Deve-se supor que não escrevam em inglês; e todos sabemos que agentes realmente competentes nas línguas árabe, pashtum, dari e farsi – escritas! – são poucos no Pentágono, não estão todos no mesmo local e, assim sendo... Quem confere o que seja lá quem for realmente escreve?!)
Não podemos esquecer que já tivemos exemplo de programa semelhantemente alucinado, sem supervisão possível, que acabou sendo descoberto, chegou aos jornais revelado como escândalo e resultou na morte – real, não cenográfica – de pelo menos dois agentes da Polícia de Fronteira dos EUA, além, é claro, de muitos mexicanos.
No final de 2009, a Agência Federal do Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos lançou um hoje infame programa de rastreamento de armas no Arizona, chamado “Operação Rápidos e Furiosos” (referência a uma série de filmes sobre carros e disputas de ‘rachas’ urbanos). O objetivo era rastrear as armas que os cartéis de drogas vendiam através da fronteira; para tanto, o programa fez circular pela fronteira armas reais; como depois se soube, mais de 2.000. Segundo o Washington Post, os agentes da polícia de fronteira “receberam instruções para não agir nem questionar [os contrabandistas de armas], e deixar as armas serem levadas, com o objetivo de descobrir para onde iam”. Foi exatamente o que os agentes fizeram durante mais de um ano, até que se descobriu – e não se sabe quem ainda não sabia disso – que as armas “chegaram às ruas” e às piores mãos imagináveis.
Jon Stewart, no programa Daily Show, levantou problema interessante: “Se o Plano que a Agência Federal de Armas de Fogo aprovou para impedir que armas norte-americanas caiam na mãos dos cartéis de droga é fornecer armas americanas aos cartéis de droga... Queria saber, por favor: Que planos eles rejeitaram?”
Pode-se fazer a mesma pergunta também sobre o programa anti-jihadismo do Pentágono, que envolve mensagens que, supostamente, devem soar ‘extremistas demais’ aos ouvidos de jovens muçulmanos, a ponto de levá-los a abandonar o movimento. Não seria hora de alguém tomar providências para saber que ‘ordens’ horrendas o Pentágono anda distribuindo para jihadistas?
O que, diabos, os tais “especialistas” estão mandando os jihadistas fazerem? E se, em vez de levá-los a desistir da causa, as ordens “horrendas” forem tomadas ao pé da letra? Afinal, se os jovens jihadistas são pressupostos “confusos e contráditórios”, nada impede que tomem as “ordens horrendas” como... perfeitamente exequíveis e, mesmo, altamente recomendáveis para imediata execução! E se isso acontecer, e os jihadistas interpretarem as ordens de modos não previstos pelos seus mandantes do Pentágono... E se alguém morrer numa dessas “ações horrendas”? E mesmo que em alguns casos funcionem como o Pentágono prevê que funcionem, o que impede que as mesmas mensagens funcionem diferentemente, noutros casos? E o que impede, por exemplo, que algumas daquelas “ordens horrendas” sejam horrendas a ponto de ordenar ações contra norte-americanos?
Não há dúvidas: alguém deve imprimir aquele parágrafo de Schmitt e Shanker num cartaz gigante e colar num muro que se veja do Capitólio, até que alguém exija ampla investigação do ‘programa’ do Pentágono para jihadistas jovens. Se já aconteceu no Comitê de Armas de Fogo, por que não aconteceria também no Pentágono? Alguém consegue pensar em malversação mais completa, do dinheiro dos contribuintes? (...)
Não pensem em “contenção” nem em “detenção”. Pensem em receber o troco, pelo que os EUA estão fazendo ao mundo. E se algum dia descobrirmos que “especialistas em computadores” a serviço do Pentágono e sob ordens do Pentágono podem ser os responsáveis por algum ataque “horrendo” contra nós mesmos?


Nota dos tradutores


11/8/2011, Tom Engelhardt, Tom Dispatch
Aug 17, 2011 Asia Times Obline,
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu

Inclua o que você lerá adiante na categoria dos parágrafos de jornal que ninguém leu, mas que, se lidos, poriam a nação de cabelos em pé. É parágrafo para provocar calafrios nos políticos, disparar os alarmes de incêndios e catástrofes e ‘ameaças’, e seria excelente motivo para que os deputados e senadores mudassem de assunto e parassem, afinal, de fingir que discutem a ‘crise’ da dívida dos EUA.

Semana passada, dois repórteres do New York Times, Eric Schmitt e Thom Shanker, publicaram matéria na Sunday Review daquele jornal sob o título “Depois do 11/9, uma era de espiões que são cozinheiros, funileiros, encanadores, pedreiros, carpinteiros, alfaiates e jihadistas”.[1] A matéria comentava os mais recentes avanços do pensamento do Pentágono sobre contraterrorismo: a teoria da “detenção” [orig. deterrence]. (Evidentemente, um amálgama de velhas ideias sobre “contenção” da Guerra Fria, com bomba atômica para destruir quem não se deixe “conter” e tenha de ser “detido”, requentadas pelos rapazes que habitam hoje, em tempos de Jihad, o prédio de cinco lados.) O artigo de Schmitt e Shanker é, como os leitores são informados em nota, adaptação de pesquisa que os repórteres estão fazendo para seu próximo livro, Counterstrike: The Untold Story of America’s Secret Campaign Against Al Qaeda.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Fúria, fúria, contra a morte da luz


31 JANUARY 2011 6 COMENTS

Fúria, fúria, contra a antirevolução

Pepe Escobar
1/2/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu (Via Castorphoto)
Fúria, fúria, contra a morte da luz.
- Dylan Thomas
Islamófobos de todo o mundo calem o bico e ouçam o som do poder do povo. A dicotomia artificial que inventaram para o Oriente Médio – ou a ditadura de vocês ou o jihadismo – jamais passou de truque barato. Repressão política, desemprego em massa e comida cara são mais letais que um exército de homens-bomba. Assim se escreve a história real; um país de 80 milhões – dois milhões dos quais nascidos depois de o ditador de hoje ter chegado ao poder em 1981, e nada menos que o coração do mundo árabe – põe afinal abaixo o Muro do Medo e passa para o lado do autorrespeito.
O neofaraó egípcio Hosni Mubarak ordenou toque de recolher; ninguém arredou pé das ruas. A polícia atacou; os cidadãos organizaram a própria segurança. Chegaram os tanques; a multidão continuou a cantar “de mãos dadas, o exército e o povo são aliados”. Nada de revolução colorida parida em think-tanks, nada de islâmicos em ordem unida; são egípcios médios, carregando a bandeira nacional, “juntos, como indivíduos num grande esforço cooperativo para exigir de volta o país que nos pertence” – nas palavras do romancista egípcio e Prêmio Nobel Ahdaf Soueif.
E então, inevitável como a morte, a contrarrevolução levantou a cabeçorra armada. Jatos bombardeiros made in USA e helicópteros militares atacaram “bravamente” em vôos rasantes as multidões na Praça Tahrir [Praça Liberdade] (retrato do governo de Mubarak como exército de ocupação no Egito; e imaginem o ultraje do ocidente, se o ataque acontecesse em Teerã). Comandantes militares falando sem parar pela televisão estatal. Ameaça de que tanques de fabricação norte-americana tomariam as ruas – conduzidos por soldados de batalhões de elite – para o ataque final (embora os próprios soldados dissessem a jornalistas da rede al-Jazeera que em nenhum caso disparariam contra a multidão). Para coroar, a “subversiva” rede al-Jazeera foi repentinamente cortada do ar.
Diga alô ao meu suave torturador…
A Intifada egípcia – dentre outros múltiplos significados – já reduziu a cacos a propaganda inventada no ocidente, de que “árabes são terroristas”. Agora, as mentes afinal descolonizadas, os árabes inspiram o mundo inteiro, ensinam ao ocidente como se faz mudança democrática. E adivinhem só! Ninguém precisou de “choque e horror”, rendições, tortura e trilhões de dólares do Pentágono para que a coisa funcionasse! Não surpreende que Washington, Telavive, Riad, Londres e Paris, todas, nem suspeitaram do que estava a caminho.
Hoje somos todos egípcios. O vírus latino-americano – bye-bye ditaduras e neoliberalismo arrogante, caolho, míope – contaminou o Oriente Médio. Primeiro a Tunísia. Agora o Egito. Depois o Iêmen e possivelmente a Jordânia. Logo a Casa de Saud (não surpreende que culpem os egípcios pelos “tumultos”). Mas o terremoto político do norte da África, na Tunísia, em 2011 também colheu a faísca dos movimentos de massa na Europa em 2010 – Grécia, Itália, França, Reino Unido. Fúria, fúria contra a repressão política, contras as ditaduras, contra a brutalidade da Polícia, contra os preços da comida, contra a inflação, contra empregos miseráveis, contra o desemprego em massa.
Faraó 2011 parece remix de Xá do Irã 1979. Claro, não há aiatolá Ruhollah Khomeini para liderar as massas egípcias, e o ex-chefe da Agência Internacional de Energia Atômica, o egípcio Mohamed El Baradei, está sendo acusado por alguns, nas ruas, de “assaltar nossa revolução”. Mas é difícil não lembrar que o Xá do Irã está enterrado no Cairo, porque os iranianos não permitiram que fosse enterrado na terra-mãe.
O Faraó reagiu à Intifada nomeando para a vice-presidência seu czar “suave” da inteligência, Omar Suleiman (o primeiro vice-presidente, desde que o Faraó assumiu o poder em 1981), e virtual sucessor. Suleiman é sinistro suave especialista em rendição, no qual a CIA confia e que supervisionou número incontável de sessões de tortura de ditos “terroristas” em território egípcio; senhor, que fala inglês, de sua Guantánamo árabe. Em Washington, o establishment gostou muito.
Mas os imperialistas que anotem bem: a última vez que as ruas egípcias levantaram-se como levantaram-se hoje, foi em 1919, durante a revolução contra os britânicos. Agora, para muçulmanos e cristãos, operários, classe média, massas desempregadas, advogados, juízes, professores e doutores da Universidade al-Azhar, alunos, camponeses, teólogos, jornalistas e blogueiros independentes, ativistas da Irmandade Muçulmana, Associação Nacional para a Mudança, Movimento 16 de abril, para todos esses, os dias de Mubarak de Revolução dos Bichos estão contados.
Cinco movimentos de oposição – inclusive a Fraternidade Muçulmana – autorizaram El Baradei a negociar a formação de um “governo de salvação nacional” de transição. Aposta-se que o Faraó nada ou quase nada negociará. Para aumentar a complexidade o núcleo da geração de jovens ativistas crê muito mais em “comitês populares” que em El Baradei.
É verdade que, no que tenha a ver com as próximas eleições em setembro, Mubarak, 82, está morto. O filho, Gamal, 47, idem. Relatos não confirmados dizem que, à moda típica dos filhos de ditadores, o filho já fugiu para Londres, usando seu passaporte britânico, com montanhas de bagagem, e estaria agora escondido na casa londrina da família, em Knightsbridge.
O futuro crucial imediato depende do lado para o qual penderá o exército egípcio. No pé em que estão as coisas, ainda não está totalmente afastado uma alternativa Tiananmen – repressão linha duríssima. Seja como for, o poder de ação do governo é claro; pode acontecer até de o Faraó meter-se naquele avião – como cantam as ruas –, mas o regime, a ditadura militar, tem de ser mantida.
O general Hussein Tantawi, comandante em chefe do exército e ministro da Defesa, amigo que bebe o vinho e come a comida do Pentágono, do qual recebe 1,3 bilhões de dólares anuais a título de “ajuda” – voou de volta ao Cairo. Numa trilha paralela, o Faraó, jogando desesperadamente com os medos do ocidente sobre “estabilidade”, tentou desqualificar a Intifada como grupo de desordeiros e arruaceiros donos de terrenos nas favelas, que querem ver cada vez mais caos e destruição. Um grupo de blogueiros egípcios não tem dúvidas – a estratégia do Faraó é assustar as pessoas e empurrá-las de volta para dentro das casas, implorando por “segurança”.
Issander El Amrani, do blog The Arabist , destaca que “é difícil acreditar que Mubarak ainda esteja no poder, mas o núcleo duro do regime está usando meios extremos para salvar sua posição”. Nas ruas, todos suspeitam de um golpe orquestrado por Washington na cúpula do regime – EUA/Israel apostando tudo na fórmula “Mubarak talvez caia/mas sem mudança de regime”, com sauditas, israelenses e a mídia egípcia oficial mexendo todos os pauzinhos para desacreditar a revolução. Para analisar com algum distanciamento: nos EUA houve dois governos de Ronald Reagan, um de George H W Bush, dois de Bill Clinton, dois de George W Bush e um de Barack Obama. No Egito, sempre só houve Mubarak.
A classe média egípcia, empobrecida, mas letrada e orgulhosa, e a os trabalhadores, nada querem além de um país regido por leis e com eleições transparentes. Como, então, acreditariam em Suleiman, torturador ligado à CIA, para conduzir a transição? Para nem falar de um Parlamento completamente controlado pelo inacreditavelmente corrupto Partido Nacional Democrático de Mubarak, cuja sede foi incendiada pelos manifestantes.
O passo do dissidente egípcio
No início de 2003, passei dois meses no Cairo e em Alexandria, à espera da invasão de Bush ao Iraque – convivendo quase exclusivamente com o oceano de rejeitados pelo sistema de Mubarak, de universitários formados a imigrantes sudaneses, inclusive representantes rejeitados dos 40% da população que vive com menos de 2 dólares por dia. Desnecessário dizer que todos viam Mubarak como poodlerepulsivo de Washington – e todos estavam em choque ante a tragédia do Iraque, que o Egito reverencia historicamente como flanco leste da nação árabe. O regime, para eles, era do tipo que “afoga mendigos no Nilo”.
Foi elucidativo – e terrivelmente doloroso – conhecer em campo as consequências do regime de Mubarak, aplicado regime pupilo do neoliberalismo aplicado pelos EUA. Consequências inevitáveis, a inflação alta e o enorme desemprego. A classe média urbana praticamente já desaparecera. A classe trabalhadora, sufocada na mão de ferro dos sindicatos. E a classe média rural – que foi base do regime – também em crise, com os jovens obrigados a imigrar para as cidades à procura de empregos (que não encontram). Sobrevivente, só uma pequena classe de comerciantes, corruptos, associados ao Estado (a maioria dos quais hoje já fugiu para Dubai em jatos privados).
Não surpreende, pois que não se trate de uma revolução islâmica, como no Irã em 1979. É a economia, estúpido. O Islã hoje no Egito está dividido em duas correntes: salafitas não politizados e a Fraternidade Muçulmana – dizimada por décadas de repressão e tortura e, hoje, sem qualquer programa político explícito, além de oferecer serviços de assistência à população negligenciada pelo Estado.
O fato de a Fraternidade Muçulmana ter-se mantido nas coxias do movimento das ruas explica-se por dois fatores. Se se expusesse demais, Mubarak teria o pretexto perfeito para associar a revolução aos “terroristas”. Além disso, a Fraternidade avalia que, hoje, é apenas um ator entre vários.
Trata-se de movimento popular espontâneo que segue as pegadas do Kefaya(“Basta!”) – movimento popular “amarelo” (escolheu essa cor), de intelectuais e ativistas políticos, cujo slogan, já em 2004 era La lil-tamdid, La lil-tawrith (“Não a outro mandato, não queremos uma república hereditária”).
O movimento Kefaya, apesar de ser movimento de elite, sem liderança, não-ideológico, foi a faísca que despertou mais de mil movimentos, dentre os quais “Jornalistas pela Mudança”, “Operários pela Mudança”, “Médicos para a Mudança” ou “Jovens para a Mudança” levaram à atual onda de incontáveis fóruns online em que se reúnem cidadãos urbanos, de classe média e baixa, todos usuários experientes da internet.
Outro desenvolvimento crucial foi a greve, em 2008, dos trabalhadores das indústrias têxteis da cidade de Mahalla al-Kubra no delta do Nilo, onde três operários foram mortos pelos guardas de segurança de Mubarak dia 6 de abril – e que inspirou a criação do movimento online de nome Juventude de 6 de abril – “April 6 youth” (Sobre o movimento, ver Cairo Activists Use Facebook to Rattle Regime).
O Santo Graal demorou para mobilizar as massas. Semana passada, afinal, conseguiram. Os jovens influenciados pelo movimento Kefaya preferem comitês populares para guiar os passos futuros de sua revolução, em vez de políticos. O pulso das ruas parece indicar que a maioria dos egípcios não quer que nenhuma ideologia política ou religiosa monopolize o que é movimento líquido, pluralista, múltiplo para reformar radicalmente o país e criar ali um novo modelo para o mundo árabe. Talvez um pouco sedutoramente romântico demais. Mas que tenha vivido 30 anos numa espécie de Revolução dos Bichos precisa dolorosamente de alguma catarse.
Rebelo-me, logo, existo
Para Fawaz Gerges, professor de economia da London School of Economics, tudo isso “ultrapassa em muito o problema Mubarak. A barreira do medo foi removida. É realmente o começo do fim do status quo na Região.” Que é maior que Mubarak, é; é exemplo vigoroso do que seja ativismo político orgânico, de base.
Ora, no discurso de elite do Dr. Zbigniew Brzezinski, guru de política exterior dos EUA, trata-se de seu temido “despertar político global” em ação – a Geração Y em todo o mundo em desenvolvimento, furiosa, irada, ultrajada, emocionalmente em frangalhos, quase toda desempregada, com a dignidade em farrapos, deixando aflorar seu potencial revolucionário e virando o status quo de cabeça para baixo (mesmo depois de o Faraó ter conseguido implantar o maior blecaute da história da Internet).
Assim como o movimento Kefaya foi a fagulha, essa foi também uma revolução do Facebook – que hoje, nas ruas do Cairo, Alexandria e Suez já foi rebatizado e chama-se agora Sawrabook (“o livro da revolução”). Uma rede RASD (“de monitoramento”, em árabe) foi lançada no primeiro dia dos protestos, 4ª-feira passada, configurada como uma espécie de “observatório da revolução”.
É crucialmente importante observar que naquele momento – há menos de uma semana – a rede al-Jazeera ainda não chegara ao Egito e a televisão estatal egípcia exibia, como sempre, velhos filmes em branco e preto. Em apenas três dias, a RASDreuniu em rede cerca de 400 mil usuários, no Egito e no mundo. Quando o regime do Faraó acordou, já era tarde demais – e de nada lhe serviu derrubar a internet.
É esse espírito de solidariedade em ação que invadiu as ruas sob a forma de jovens ativistas operando telefones sem fio, fotografando e filmando ataques e feridos ou montando tendas para atendimento de campanha. Ou moradores da cidade do Cairo, oferecendo as próprias casas para abrigar manifestantes e organizando piquetes de vizinhos para proteger-se da ação de saqueadores e ladrões – muitos dos quais mostrados por blogueiros, quando carregavam equipamentos de identificação dos postos armas retiradas dos postos de polícia de Mubarak.
Por mais alarmadas que estejam as rarefeitas elites globais – basta seguir o labirinto de ambiguidades que liga Washington e as capitais europeias –, Brzezinski, pelo menos, parece suficientemente ligado para entender a deriva geral, quando “as principais potências mundiais, novas e velhas (…) enfrentam uma nova realidade: embora a letalidade do poder bélico seja hoje maior do que nunca, a capacidade de impor controle a massas que já despertaram para a vida política alcança hoje o ponto mais baixo de toda a história.”
A velha ordem está morrendo, mas a nova ainda não nasceu. A Idade da Fúria no arco que vai da África do Norte ao Oriente Médio parece ter começado – mais ainda não se sabe qual será a nova configuração geopolítica. O povo se fará ouvir – ou acabará encurralado e controlado pelas potências que aí estão?
O Egito não se converterá em democracia que funciona porque falta a infraestrutura política. Mas pode recomeçar do começo, com todas as oposições tão desprestigiadas quando o regime. A geração mais jovem – potencializada pela emoção de estar lutando do lado certo da história – terá papel crucial.
Não aceitarão a ilusão de ótica de alguma falsa mudança de regime, só para preservar alguma “estabilidade”. Não aceitarão ser sequestrados por EUA e Europa, apresentados como neofantoches. Querem o choque do novo; governo verdadeiramente soberano, nada de neoliberalismo e uma nova ordem política para o Oriente Médio.
A contrarrevolução será feroz. E atacará muito mais do que alguns bunkers no Cairo.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Paulo Nogueira conta os bastidores de uma reunião do alto escalão da Globo


publicada terça-feira, 26/10/2010 às 16:26 e atualizada terça-feira, 26/10/2010 às 16:54
O que a BBC poderia ensinar para o telejornalismo brasileiro
por Paulo Nogueira*, no Diário do Centro do Mundo
Um novo trecho de Minha Tribo: O Jornalismo e os Jornalistas
TINHA OUVIDO FALAR POUCO DE ALI KAMEL, CHEFE DE TELEJORNALISMO DA GLOBO, ATÉ CONHECÊ-LO NO CONEDIT. É o conselho editorial das Organizações Globo. Sob o comando de João Roberto Marinho, o Conedit reúne os editores das diversas mídias da Globo para alinhar ações e debater assuntos. As reuniões são realizadas às terças, por volta das 11 horas. Frequentei-as ao longo dos dois anos e meio em que fui diretor editorial das revistas da Globo. Quando cheguei, Kamel já estava lá, e ali permaneceu depois que saí.
A referência mais longa que eu tivera dele veio de um jornalista da Abril que o procurara em busca de emprego. A operação deu certo. O jornalista me contou que lera que Kamel valorizava gente que tivesse passado por revistas, por ser mais apta a mexer com palavras. O próprio Kamel, segundo me informou meu interlocutor, passara pela Veja no Rio antes de se fixar nas Organizações Globo.
Kamel, mesmo sendo carioca, não é exatamente o senhor simpatia, ao contrário de outros editores com quem convivi naquelas manhãs de terça. Seu chefe, Carlos Schroder, aliás gaúcho, por exemplo, é afável e está sempre com um sorriso no rosto. De um modo geral, o ambiente no Conedit reflete o humor, a alegria, a capacidade de rir dos cariocas. (E também a falta de pontualidade.) Mesmo Merval Pereira, colunista de várias mídias da Globo e ex-diretor do jornal, ri com frequência – uma surpresa para quem lê seus textos em geral num tom de elevada preocupação, quase sempre ligada a um pseudopecado mortal de Lula.
Ali Kamel, pela importância da TV, é uma presença destacada no Conedit. Sua expressão de conteúdo, solene, sublinha esse papel. Não sei se Kamel costuma beber no bar com os amigos para falar bobagens como futebol, mas não me pareceu.
O que inicialmente mais me chamou a atenção em Kamel, e em muitos outros ali, foi a obsessão com São Paulo. “Os jornais de São Paulo” são constantemente citados, como se representassem o mal. Não sou exatamente um admirador nem do Estadão e muito menos da Folha, mas achava engraçada a presença dos  “jornais de São Paulo” nos debates. Nós, jornalistas de São Paulo, jamais nos referimos aos “jornais do Rio”.

Não é exatamente confortável ser um paulista naquele plenário, logo entendi. Eu me sentava num canto próximo da porta, por razões de conforto. “Este é o canto dos paulistas”, ouvi, em tom de brincadeira, uma vez, de Luiz Erlanger, uma espécie de RP do alto escalão das Organizações. Havia uma alta rotatividade naquele canto. O ambiente é carioca, para o bem e para o mal. E o ressentimento pelo tamanho que São Paulo tomou no Brasil acaba repercutindo, de uma forma ou de outra, em paulistas que participem do Conedit. Acresce que a sede da Editora Globo é em São Paulo, e não no Rio.
Ali Kamel não facilita a vida de ninguém, logo vi. Não é hospitaleiro.
Lembro o dia em que Kamel foi apresentado a Adriano Silva, na sede da Globo no Rio de Janeiro. Adriano estava sendo contratado com a missão de chacoalhar o Fantástico, que vivia uma fase soporífera, bem refletida no Ibope. Adriano fizera isso na Superinteressante, sob minha supervisão. Daí o interesse da Globo. Quem negociou com Adriano foi Carlos Schroder, diretor de telejornalismo da Globo.
Eu estava com ambos no prédio do Jardim Botânico quando Ali se aproximou. Não deu um sorriso para Adriano, talvez porque não tivesse tido participação no convite. Seco, quase ríspido, colocou a Superinteressante na conversa — afirmou que a enteada a lia — para comentar supostos erros da revista. Ficou claro naquele momento que a vida de Adriano perto de Kamel não seria fácil. Não foi.
Alguns meses depois, Schroder me mandou um email para me dizer que Adriano não dera certo na tevê. Sem surpresa. Naquele ambiente, num programa em crise e ao alcance de Kamel, e sem o apoio de Schroder para equilibrar as coisas, Adriano tinha mesmo que se dar mal. Como o Fantástico continuaria a padecer dos problemas que levaram a Globo a contratar Adriano Silva — desinspiração editorial, falta de inovação e Ibope baixo para um programa que se confundiu com a noite de domingo dos brasileiros por muitos anos — ficou claro que o problema não estava em quem chegou mas nos que já estavam lá e permaneceram, sob a liderança de Schroder e Kamel.
O caso do Fantástico me faria lembrar um comentário que certa vez ouvi, segundo o qual a força criativa da Globo repousava em Boni, “um paranóico vigilante da alta qualidade”. Achei que a definição fazia sentido ao ler que, numa corrida em que Galvão Bueno gritou triunfal “eu já sabia, eu já sabia!” quando Senna entregou a vitória ao segundo piloto de sua equipe, Boni teve uma reação irada. “Se sabia, por que não contou para o espectador?”.
No Conedit, numa mesa em forma de U, João Roberto se senta no centro, na reunião. À sua esquerda,  numa das laterais, fica Merval. Na esquerda,na outra lateral, Kamel. Há uma tensão muda entre os dois, uma espécie de duelo pela preferência do chefe. São os que mais falam lá.
Não daria o prêmio de simpatia a Kamel. E nem o de originalidade. Logo percebi que ele expressava com ênfase, com a fé cega de um jihadista, amplificando-as, as conhecidas idéias das Organizações Globo, inspiradas no passado recente em Margaret Thatcher e Ronald Reagan. Numa metáfora religiosa, é como se o paraíso fosse o livre mercado e o inferno fosse o Estado. (E Lula o diabo.)
Não havia desafio a essas idéias, não havia uma tentativa de reolhá-las e reavaliá-las, como aliás fizeram no Reino Unido os discípulos de Thatcher.  Bolsa Família? Assistencialismo. Ponto. Cotas em universidades? Absurdo. Ponto. Um dia comentei isso com Luiz Eduardo Vasconcellos, sobrinho de Roberto Marinho e acionista das Organizações. Luiz teve cargos executivos durante muitos anos, mas agora se recolheu às funções de acionista minoritário. É simpático, interessado nas coisas do mundo – e tem a admirável marca da simplicidade no traje e no trato que é comum a ele e aos primos. Você não diz que ele é um dos donos da Globo se se sentar numa reunião do Conedit sem conhecê-lo.
“Sinto falta de pensamentos alternativos na reunião”, comentei com ele. “A sensação que tenho é que as pessoas, principalmente o Kamel e o Merval, falam apenas as coisas que imaginam que o João vai gostar de ouvir.”
Essa clima de pensamento único se abrandava apenas nas ocasiões em que visitas de fora iam ao Conedit falar de algum assunto específico.
Não havia ventilação nas idéias. O quanto isso devia estar me incomodando estava claro em meu ataque de sinceridade no almoço. Era evidente o risco de que meu comentário fosse espalhado, ainda que Luiz Eduardo sempre tenha me parecido discreto e reservado.
Nas eleições de 2006,  meu diagnóstico do Conedit pareceu se confirmar para mim. João Roberto tinha um tom sereno ao debater a campanha. As posições das Organizações não eram as do governo de Lula, mas democracia é isso mesmo. Vi João criticar várias vezes ações de militantes petistas, mas jamais o vi sair do tom. Não sei se, privadamente, ele tinha outra conduta. Publicamente, no Conedit, era lhano no trato das questões políticas.
Curiosamente, dada sua posição de dono, o ambiente muitas vezes não refletia a serenidade de João Roberto. Kamel e Merval davam um tom épico, em branco e preto, a muitas discussões políticas. Pareciam odiar Lula e qualquer coisa que partisse do governo petista.
Se o julgamento deles fosse acertado, Lula teria errado em todas as decisões que tomou em seus oito anos de administração.
O quanto essa inflamação toda era genuína ou não, é uma dúvida que carrego até hoje. Será que esses caras pensam mesmo isso, ou no bar, com os amigos, dão uma relaxada? Não sei. Minha intuição é que, como o poeta segundo Fernando Pessoa, o fingimento é tanto que uma hora você acredita no que fingia antes acreditar. A alternativa é um sentimento cruel de que você é uma pena de aluguel.
Há uma lenda urbana segundo a qual Kamel seria o guardião da ideologia das Organizações Globo. É exatamente isso, uma lenda. Kamel não é nenhum Hayek, ou Friedman. Não é formulador de pensamentos, não é um filósofo, não é nada daquilo que confere a alguém o poder de persuadir outras pessoas pelo vigor não dos gritos mas das idéias.
Num determinado momento da campanha de 2006, veio à cena a expressão “aloprados”, para designar os petistas fanatizados que pareciam dispostos a tudo para permanecer no poder.  Nos bastidores, Lula disse que seguraria os “seus aloprados”, tais e tantos que eu só voltaria a pensar no PT como um partido para mim numa próxima encarnação, mas que queria que os “aloprados do outro lado” também fossem segurados.
Passados quatro anos,  nas eleições de 2010,  fui tomado de dúvidas sobre se os aloprados petistas tinham sido segurados. Me pareceu que houve pelo menos um esforço para isso. Mas a cobertura da TV Globo me provaria – ainda que eu tivesse visto apenas fragmentos dela, em geral no YouTube —  que os aloprados do lado de lá estavam com as mãos inteiramente livres. A pergunta clássica em relação a Lula é: “Ele sabia disso?” A que me faço em relação a João Roberto é: “Ele aprova isso?”
O que o telespectador vê no Jornal Nacional parece – por tudo que eu vi nos tempos de Conedit – refletir muito mais o jihadismo de Kamel do que a serenidade de João Roberto. Raras vezes vi um caso que confirmasse a tese de que, entre os fâmulos, o realismo é maior que no rei. Caso João efetivamente ache boa a cobertura política do telejornalismo da Globo, o problema de perenidade das Organizações provavelmente é maior do que parece agora.  Caso tenha dúvidas, elas não transparecem, não, pelo menos, em períodos agudos como os de eleições presidenciais.
Uma vez, a BBC foi debatida numa reunião na Globo à qual estava presente até Roberto Irineu Marinho, o RIM, primogênito de Roberto Marinho e presidente do grupo. Eu estava presente. Lembro particularmente de uma cena: Roberto Irineu num determinado momento cochilava (cansei de fazer o mesmo em minha carreira em reuniões que julgava maçantes, confesso) sem que seu principal assessor, Jorge Nóbrega, soubesse o que fazer. Acordar o chefe ou deixá-lo repousar? Acho que eu próprio cochilei (era bem cedo, e eu viera de São Paulo) antes de ver a decisão. Bem, é tal o vigor da BBC que os britânicos pagam sem se queixar a license fee, uma taxa anual de cerca de 500 reais, para poder ligar um aparelho de televisão. É um dinheiro que financia a BBC. Toda emissora do mundo sonha com uma license fee.
Para aspirar aos benefícios de uma license fee no Brasil que não gerasse revolta na sociedade, qualquer emissora brasileira teria que ser vista não apenas como produtora de conteúdo de alto nível mas também como senhora de isenção jornalística. Se você pega trechos da cobertura da campanha eleitoral britânica da BBC de 2010 e os compara com trechos da cobertura da campanha presidencial brasileira de 2010 da Globo, notará uma diferença extraordinária. Não basta uma emissora ser isenta. Ela tem que parecer isenta para ser acreditada. A BBC parece. Por isso, os britânicos são tão orgulhosos dela a ponto de pagar por ela. Vi em vários debates de leitores na internet que os britânicos enxergam na BBC uma resistência inexpugável ao conteúdo viciado de barões como Rupert Murdoch.
Imagino como a BBC cobriria o já histórico episódio do atentado com bolinha de papel e quem sabe um rolo de durex ao candidato José Serra. Nem uma mísera gota de sangue, nem um mísero aranhão, nem um mísero golpe, nem um mísero sinal numa absurda tomografia.
Ignoraria o falso atentado? Presumo que nem tanto. Haveria, pelo que conheço da BBC, um esforço intenso para avaliar o real tamanho do fato e assim ajudar seu espectador. Só não consigo ver a BBC, como aconteceu com a Globo, gastar tanto tempo para tentar convencer o público de que Serra foi vítima de uma agressão e não autor de uma simulação que recebeu prontamente do público uma resposta divertida: um jogo na internet em que você tenta acertar um papel na cara de Serra.
*Paulo Nogueira é jornalista e está vivendo em Londres. Foi editor assistente da Veja, editor da Veja São Paulo, diretor de redação da Exame, diretor superintendente de uma unidade de negócios da Editora Abril e diretor editorial da Editora Globo.