Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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segunda-feira, 21 de novembro de 2011

ALVOS DE PRECISÃO EGÍPCIA



A praça Tahrir, no centro do Cairo, sugere uma dessas rotatórias inóspitas,como tantas outras, destinadas a ordenar o fluxo do trânsito nas grandes metrópoles  subdesenvolvidas,  pouco ou nada pensadas para o convívio humano. Mas desde fevereiro deste ano, quando foi palco  de 18 dias consecutivos  de protestos  gigantescos que derrubaram o ditador  amigo das potências,  Hosni  Mubarak,  a praça Tahrir  ingressou definitivamente no panteão dos símbolos libertários do nosso tempo. Na sua textura inóspita o povo egípcio plantou uma das mais vigorosas sementes da primavera política que sacode o norte africano e todo o Oriente Médio. Desde a última 6ª feira, a semeadura tem sido regada pelo sangue derramado em novos confrontos que, a partir de Tahrir, espalham-se por  todo o país com um saldo devastador nas últimas 72 horas: 33 mortos pela repressão do Exército; 1.500 feridos e a renúncia  do gabinete civil que desde a queda de Mubarak  ordena a transição democrática, subordinado à mão dura militar. A uma semana das eleições parlamentares, a sociedade egípcia está farta dessa tutela que pretende se sobrepor  à nova institucionalidade, esvaziando-a na prática, a exemplo do que os mercados financeiros fazem  com as democracias maduras de uma Europa em transe.  No Egito, o definhamento opera pelo canal do  adiamento das eleições presidenciais; na zona do euro, com a captura do Estado pela lógica financeiro, tornando ornamental a rotatividade do poder. A principal  singularidade egípcia  está na eficácia das grandes mobilizações de massa. Armadas de alvos claros,  cirúrgicos e avessos às tergiversações  conservadoras  --mas permeados de intensa capilaridade junto a organizações civis e partidos políticos, ao contrário do mito da 'revolução digital'-- ,  elas arremetem contra o despotismo de plantão com uma contundência pavorosa para os seus ocupantes. Foi  assim que Tahrir derrubou Mubarak em 11 de fevereiro, após 18 dias de protestos que custaram 300 mortos e cinco mil feridos. É assim que ela se volta agora contra o cabresto militar, unificando partidos e vozes em uma exigência clara, incontornável, de rápida aderência popular: fim da tutela --ou como se ouve em Tahrir, 'deixem-nos respirar; deixem-nos viver'. A  articulação e a objetividade das jornadas  nascidas na praça política mais eficaz do mundo  talvez tenham algo a ensinar aos indignados do resto do planeta, ainda carentes da mesma habilidade para traduzir  o descontentamento social em alvos progressivos, práticos, de precisão egípcia.   
(Carta Maior; 2ª feira; 21/11/ 2011)

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Chomsky: EUA estão seguindo seu velho manual no Egito


Em entrevista a Amy Goodman, do Democracy Now, o linguista e professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), Noam Chomsky, analisa o desenrolar dos protestos no Egito e o comportamento do governo dos Estados Unidos diante deles. Na sua avaliação, o governo Obama está seguindo o manual tradicional de Washington nestas situações.

Nas últimas semanas, os levantes populares ocorridos no mundo árabe provocaram a destituição do ditador Zine El Abidine Bem Ali, o iminente fim do regime do presidente egípcio Hosni Mubarak, a nomeação de um novo governo na Jordânia e a promessa do ditador de tantos anos do Iêmen de abandonar o cargo ao final de seu mandato.

Leia também:
Noam Chomsky fala nesta entrevista sobre o que isso significa para o futuro do Oriente Médio e da política externa dos EUA na região. Indagado sobre os recentes comentários do presidente Obama sobre Mubarak, Chomsky disse: “Obama foi muito cuidadoso para não dizer nada; está fazendo o que os líderes estadunidenses fazem habitualmente quando um de seus ditadores favoritos têm problemas, tentam apoiá-lo até o final. Se a situação chega a um ponto insustentável, mudam de lado”. Veja abaixo a entrevista completa.

Democracy Now: Qual é sua análise sobre o que está acontecendo e como pode repercutir no Oriente Médio?Noam Chomsky: Em primeiro lugar, o que está ocorrendo é espetacular. A coragem, a determinação e o compromisso dos manifestantes merecem destaque, E, aconteça o que aconteça, estes são momentos que não serão esquecidos e que seguramente terão consequências a posteriori: constrangeram a polícia, tomaram a praça Tahrir e permaneceram ali apesar dos grupos mafiosos de Mubarak.

O governo organizou esses bandos para tratar de expulsar os manifestantes ou para gerar uma situação na qual o exército pode dizer que teve que intervir para restaurar a ordem e depois, talvez, instaurar algum governo militar. É muito difícil prever o que vai acontecer.

Os Estados Unidos estão seguindo seu manual habitual. Não é a primeira vez que um ditador “próximo” perde o controle ou está em risco de perdê-lo. Há uma rotina padrão nestes casos: seguir apoiando o tempo que for possível e se ele se tornar insustentável – especialmente se o exército mudar de lado – dar um giro de 180 graus e dizer que sempre estiveram do lado do povo, apagar o passado e depois fazer todas as manobras necessárias para restaurar o velho sistema, mas com um novo nome.

Presumo que é isso que está ocorrendo agora. Estão vendo se Mubarak pode ficar. Se não aguentar, colocarão em prática o manual.

Democracy Now: Qual sua opinião sobre o apelo de Obama para que se inicie a transição no Egito?
Noam Chomsky: Curiosamente, Obama não disse nada. Mubarak também estaria de acordo com a necessidade de haver uma transição ordenada. Um novo gabinete, alguns arranjos menores na ordem constitucional, isso não é nada. Está fazendo o que os líderes norteamericanos geralmente fazem.

Os Estados Unidos têm um poder constrangedor neste caso. O Egito é o segundo país que mais recebe ajuda militar e econômica de Washington. Israel é o primeiro. O mesmo Obama já se mostrou muito favorável a Mubarak. No famoso discurso do Cairo, o presidente estadunidense disse: “Mubarak é um bom homem. Ele fez coisas boas. Manteve a estabilidade. Seguiremos o apoiando porque é um amigo”.

Mubarak é um dos ditadores mais brutais do mundo. Não sei como, depois disso, alguém pode seguir levando a sério os comentários de Obama sobre os direitos humanos. Mas o apoio tem sido muito grande. Os aviões que estão sobrevoando a praça Tahrir são, certamente, estadunidenses.

Os EUA representam o principal sustentáculo do regime egípcio. Não é como na Tunísia, onde o principal apoio era da França. Os EUA são os principais culpados no Egito, junto com Israel e a Arábia Saudita. Foram estes países que prestaram apoio ao regime de Mubarak. De fato, os israelenses estavam furiosos porque Obama não sustentou mais firmemente seu amigo Mubarak.

Democracy Now: O que significam todas essas revoltas no mundo árabe?Noam Chomsky: Este é o levante regional mais surpreendente do qual tenho memória. Às vezes fazem comparações com o que ocorreu no leste europeu, mas não é comparável. Ninguém sabe quais serão as consequências desses levantes.

Os problemas pelos quais os manifestantes protestam vem de longa data e não serão resolvidos facilmente. Há uma grande pobreza, repressão, falta de democracia e também de desenvolvimento. O Egito e outros países da região recém passaram pelo período neoliberal, que trouxe crescimento nos papéis junto com as consequências habituais: uma alta concentração da riqueza e dos privilégios, um empobrecimento e uma paralisia da maioria da população. E isso não se muda facilmente.

Democracy Now: Você crê que há alguma relação direta entre esses levantes e os vazamentos de Wikileaks?
Noam Chomsky: Na verdade, a questão é que Wikileaks não nos disse nada novo. Nos deu a confirmação para nossas razoáveis conjecturas.

Democracy Now: O que acontecerá com a Jordânia?Noam Chomsky: Na Jordânia, recém mudaram o primeiro ministro. Ele foi substituído por um ex-general que parece ser moderadamente popular, ou ao menos não é tão odiado pela população. Mas essencialmente não mudou nada.

Fonte: Carta Maior
Tradução: Katarina Peixoto

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Yoani Sánchez, tão longe da verdade


Blog com texto livre

Yoani Sánchez, blogueira mercenária cubana, segue traumatizada pelo fato de que em Cuba não ocorra uma explosão social, como está acontecendo no Egito. Em um texto que publicou primeiro na língua de quem a paga (em Inglês) e que, posteriormente, foi replicado em espanhol, a suposta jornalista - depois de mentir (1) [como costuma fazer habitualmente] sobre o fato de que os meios de comunicação cubanos escondem o que acontece no Egito - diz:
"A prudência oficial não pode evitar que nos surpreendêssemos com a vista aérea da praça Tahrir vibrando ao ritmo da espontaneidade, que por aqui, há muitos anos, não se percebe na sóbria e cinza Praça da Revolução. Era inevitável que, ao ver a enorme manifestação com faixas e bandeiras, não terminássemos por perguntar se aquele locutor de gravata listrada não queria fazer-nos pensar: Por que em Cuba não ocorre o mesmo? Se o nosso governo é de mais longa duração e o colapso econômico se tornou um elemento indissociável de nossos dias, o que nos impede de tomar o caminho do protesto cívico, a pressão pacífica nas ruas?"
Na verdade ninguém entende como a experta em política internacional, Yoani Sanchez, que apesar da censura do Estado, conseguiu ver "mais fragmentos do que aconteceu", que "chegaram através das redes alternativas de informação, das perseguidas antenas parabólicas e da Internet evasiva", não lhe tenha chegado, por estas mesmas vias, algumas informações importantes para entender que o que ocorre no Egito não tem nada a ver com Cuba.
Será que nossa rival sabe de Robert Fisk que o Egito, nos últimos 30 anos, tem sido o segundo maior aliado do governo dos Estados Unidos no Oriente Médio? Poderá a famosa blogueira interar-se que desde o Tratado de Camp David, o Egito recebeu mais de 35 bilhões de dólares dos EUA, na maior parte em fundos militares sem obrigação de reembolso? Ninguém lhe disse que os tanques e as bombas de gás lacrimogêneo, que nestes dias estão sendo lançadas contra o povo egípcio, provem do arsenal do mesmo governo que a paga para incentivar a subversão na Ilha?
Yoani Sanchez é burra? Levando em conta as respostas que ela deu ao entrevistador Salim Lamrani durante uma longa entrevista em Havana, poderia ser dito categoricamente que sim. Mas, este não é o caso. Neste momento, Yoani usa as redes sociais em consonância com o papel que lhe foi conferido por seus superiores da CIA e do Departamento de Estado: Exportar a democracia made in USA para os países que ainda se atrevam a ficar de fora da hegemonia de Washington.
As associações entre Egito e Cuba feitas por Yoani e outros blogueiros (que recentemente levantaram um muro de lamentações no Facebook no mesmo sentido) apenas visam manter (fora das fronteiras da Ilha - lembre-se que em Cuba há uma censura extrema, que Yoani violada quando lhe convém - ) a permanente campanha de desprestígio da Revolução Cubana, que serve para justificar bloqueios ou posições comuns agressivas.
Embora, ela declare com seu habitual cinismo mercenário, que em Cuba se trata as redes sociais como "algo fabricado e não reconhece que os indivíduos se reúnem e (horror!) saltam por sim mesmos sobre as barreiras ideológicas", a realidade é que, no caso cubano, as chamadas redes, que Yoani usa, nada mais são do que as redes de agentes a serviço do governo dos EUA.
De fato e a propósito do cinza da Praça da Revolução, que a blogueira faz alusão, vale a pena recordar o concerto da Paz Sem Fronteiras que reuniu um milhão de cubanos a poucos metros da sede do governo da Ilha. Até a "mobilizadora" blogueira assistiu a festa e foi filmada em um vídeo que mostrou duas coisas: a "repressão" terrível que existe na ilha - lá estava a "perseguida" Yoani posando tranquilamente para as câmeras - e o fato significativo que ninguém, entre a multidão de jovens ao seu redor, apesar de seus muitos prêmios e citações, reconhecia-a.
Notas
1 - Uma amostra de algumas das reportagens de televisão cubana que, de acordo com Yoani Sánchez, esconde dos cubanos o que acontece no Egito.
M. H. Lagarde

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

O império está nu


Wiki Repórter Johan, Fortaleza - CE

"Colonistas" conservadores no Brasil, aqueles que bem conhecemos, Jabour, Mainard, Reinaldo Azevedo e cia, os mesmos que acusavam que a cada ato mais banal dos governos latino-americanos de esquerda havia ameaças apocalípticas contra a liberdade, democracia e estado de direito, agora recebem docilmente o espancamento de jornalistas, roubo de câmaras e filmadoras além de ameaças e xingamentos dos militantes pró-Mubarak. Assistem sem demonstrar nenhuma comoção a realização concreta daquelas denúncias vazias.

Eles não gritam mais, eles não se incomodam, ele não se constragem, na verdade eles ainda preferem o porrente pró-americano de Mubarak do que a liberdade não colonizada dos governos de esquerdas. Vemos agora que toda sua verborrágica e hipócrita carga humanista, democrática e liberal-política cair como uma máscara sob o rosto disforme do mais descarado e colonizado pró-americanismo.

A história é uma juíza implacável, não há eufemismo nem dubiedade em suas sentenças, mas por vezes consegue alcançar uma fina ironia que guilhotina a hipocrisia com precisão cirúrgica. O nascimento é uma passagem violenta e é o sangue egípcio que banhará a nova bandeira da democracia árabe, não há mais como deter, "o que tem de ser tem muita força".

O que está em jogo para esses "colonistas" não é apenas o fato de que o império não só está perdendo o principal, mais poderoso e mais estratégico sustentáculo da geopolítica imperial no Oriente Médio, nem mesmo o fato de que agora está totalmente desnudado a farsa da propaganda democrática dos EUA, que as vezes se auto-denomina Ocidente ou Comunidade Internacional. O que mais o incomoda é que está desmanchando regimes fortemente neoliberais, a última esperança neoliberal, a sua última auto-ilusão: a de que o neoliberalismo ocidental estava em crise porque estaria submetido a "regimes fracos". Caiu a alternativa anti-democrática ao neoliberalismo.

Com a crise dos regimes ditatoriais neoliberais, não cai apenas a máscara do império, não apenas se desmancha no ar toda a geopolítica imperial na região, favorecendo diretamenta ao inimigo até então isolado, o Irã, mas cai o último bastião geopolítico e ideológico do neoliberalismo. A crise do capitalismo selvagem(ou neoliberalismo) não tem mais fronteira. E todos sabem, a revolução democrática árabe no mínimo reinvindicará um Wellfare State, a questão agora é se escolherão socialismo moderado tipicamente europeu ou um comunismo revolucionário ao estilo chinês.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Fúria, fúria, contra a morte da luz


31 JANUARY 2011 6 COMENTS

Fúria, fúria, contra a antirevolução

Pepe Escobar
1/2/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu (Via Castorphoto)
Fúria, fúria, contra a morte da luz.
- Dylan Thomas
Islamófobos de todo o mundo calem o bico e ouçam o som do poder do povo. A dicotomia artificial que inventaram para o Oriente Médio – ou a ditadura de vocês ou o jihadismo – jamais passou de truque barato. Repressão política, desemprego em massa e comida cara são mais letais que um exército de homens-bomba. Assim se escreve a história real; um país de 80 milhões – dois milhões dos quais nascidos depois de o ditador de hoje ter chegado ao poder em 1981, e nada menos que o coração do mundo árabe – põe afinal abaixo o Muro do Medo e passa para o lado do autorrespeito.
O neofaraó egípcio Hosni Mubarak ordenou toque de recolher; ninguém arredou pé das ruas. A polícia atacou; os cidadãos organizaram a própria segurança. Chegaram os tanques; a multidão continuou a cantar “de mãos dadas, o exército e o povo são aliados”. Nada de revolução colorida parida em think-tanks, nada de islâmicos em ordem unida; são egípcios médios, carregando a bandeira nacional, “juntos, como indivíduos num grande esforço cooperativo para exigir de volta o país que nos pertence” – nas palavras do romancista egípcio e Prêmio Nobel Ahdaf Soueif.
E então, inevitável como a morte, a contrarrevolução levantou a cabeçorra armada. Jatos bombardeiros made in USA e helicópteros militares atacaram “bravamente” em vôos rasantes as multidões na Praça Tahrir [Praça Liberdade] (retrato do governo de Mubarak como exército de ocupação no Egito; e imaginem o ultraje do ocidente, se o ataque acontecesse em Teerã). Comandantes militares falando sem parar pela televisão estatal. Ameaça de que tanques de fabricação norte-americana tomariam as ruas – conduzidos por soldados de batalhões de elite – para o ataque final (embora os próprios soldados dissessem a jornalistas da rede al-Jazeera que em nenhum caso disparariam contra a multidão). Para coroar, a “subversiva” rede al-Jazeera foi repentinamente cortada do ar.
Diga alô ao meu suave torturador…
A Intifada egípcia – dentre outros múltiplos significados – já reduziu a cacos a propaganda inventada no ocidente, de que “árabes são terroristas”. Agora, as mentes afinal descolonizadas, os árabes inspiram o mundo inteiro, ensinam ao ocidente como se faz mudança democrática. E adivinhem só! Ninguém precisou de “choque e horror”, rendições, tortura e trilhões de dólares do Pentágono para que a coisa funcionasse! Não surpreende que Washington, Telavive, Riad, Londres e Paris, todas, nem suspeitaram do que estava a caminho.
Hoje somos todos egípcios. O vírus latino-americano – bye-bye ditaduras e neoliberalismo arrogante, caolho, míope – contaminou o Oriente Médio. Primeiro a Tunísia. Agora o Egito. Depois o Iêmen e possivelmente a Jordânia. Logo a Casa de Saud (não surpreende que culpem os egípcios pelos “tumultos”). Mas o terremoto político do norte da África, na Tunísia, em 2011 também colheu a faísca dos movimentos de massa na Europa em 2010 – Grécia, Itália, França, Reino Unido. Fúria, fúria contra a repressão política, contras as ditaduras, contra a brutalidade da Polícia, contra os preços da comida, contra a inflação, contra empregos miseráveis, contra o desemprego em massa.
Faraó 2011 parece remix de Xá do Irã 1979. Claro, não há aiatolá Ruhollah Khomeini para liderar as massas egípcias, e o ex-chefe da Agência Internacional de Energia Atômica, o egípcio Mohamed El Baradei, está sendo acusado por alguns, nas ruas, de “assaltar nossa revolução”. Mas é difícil não lembrar que o Xá do Irã está enterrado no Cairo, porque os iranianos não permitiram que fosse enterrado na terra-mãe.
O Faraó reagiu à Intifada nomeando para a vice-presidência seu czar “suave” da inteligência, Omar Suleiman (o primeiro vice-presidente, desde que o Faraó assumiu o poder em 1981), e virtual sucessor. Suleiman é sinistro suave especialista em rendição, no qual a CIA confia e que supervisionou número incontável de sessões de tortura de ditos “terroristas” em território egípcio; senhor, que fala inglês, de sua Guantánamo árabe. Em Washington, o establishment gostou muito.
Mas os imperialistas que anotem bem: a última vez que as ruas egípcias levantaram-se como levantaram-se hoje, foi em 1919, durante a revolução contra os britânicos. Agora, para muçulmanos e cristãos, operários, classe média, massas desempregadas, advogados, juízes, professores e doutores da Universidade al-Azhar, alunos, camponeses, teólogos, jornalistas e blogueiros independentes, ativistas da Irmandade Muçulmana, Associação Nacional para a Mudança, Movimento 16 de abril, para todos esses, os dias de Mubarak de Revolução dos Bichos estão contados.
Cinco movimentos de oposição – inclusive a Fraternidade Muçulmana – autorizaram El Baradei a negociar a formação de um “governo de salvação nacional” de transição. Aposta-se que o Faraó nada ou quase nada negociará. Para aumentar a complexidade o núcleo da geração de jovens ativistas crê muito mais em “comitês populares” que em El Baradei.
É verdade que, no que tenha a ver com as próximas eleições em setembro, Mubarak, 82, está morto. O filho, Gamal, 47, idem. Relatos não confirmados dizem que, à moda típica dos filhos de ditadores, o filho já fugiu para Londres, usando seu passaporte britânico, com montanhas de bagagem, e estaria agora escondido na casa londrina da família, em Knightsbridge.
O futuro crucial imediato depende do lado para o qual penderá o exército egípcio. No pé em que estão as coisas, ainda não está totalmente afastado uma alternativa Tiananmen – repressão linha duríssima. Seja como for, o poder de ação do governo é claro; pode acontecer até de o Faraó meter-se naquele avião – como cantam as ruas –, mas o regime, a ditadura militar, tem de ser mantida.
O general Hussein Tantawi, comandante em chefe do exército e ministro da Defesa, amigo que bebe o vinho e come a comida do Pentágono, do qual recebe 1,3 bilhões de dólares anuais a título de “ajuda” – voou de volta ao Cairo. Numa trilha paralela, o Faraó, jogando desesperadamente com os medos do ocidente sobre “estabilidade”, tentou desqualificar a Intifada como grupo de desordeiros e arruaceiros donos de terrenos nas favelas, que querem ver cada vez mais caos e destruição. Um grupo de blogueiros egípcios não tem dúvidas – a estratégia do Faraó é assustar as pessoas e empurrá-las de volta para dentro das casas, implorando por “segurança”.
Issander El Amrani, do blog The Arabist , destaca que “é difícil acreditar que Mubarak ainda esteja no poder, mas o núcleo duro do regime está usando meios extremos para salvar sua posição”. Nas ruas, todos suspeitam de um golpe orquestrado por Washington na cúpula do regime – EUA/Israel apostando tudo na fórmula “Mubarak talvez caia/mas sem mudança de regime”, com sauditas, israelenses e a mídia egípcia oficial mexendo todos os pauzinhos para desacreditar a revolução. Para analisar com algum distanciamento: nos EUA houve dois governos de Ronald Reagan, um de George H W Bush, dois de Bill Clinton, dois de George W Bush e um de Barack Obama. No Egito, sempre só houve Mubarak.
A classe média egípcia, empobrecida, mas letrada e orgulhosa, e a os trabalhadores, nada querem além de um país regido por leis e com eleições transparentes. Como, então, acreditariam em Suleiman, torturador ligado à CIA, para conduzir a transição? Para nem falar de um Parlamento completamente controlado pelo inacreditavelmente corrupto Partido Nacional Democrático de Mubarak, cuja sede foi incendiada pelos manifestantes.
O passo do dissidente egípcio
No início de 2003, passei dois meses no Cairo e em Alexandria, à espera da invasão de Bush ao Iraque – convivendo quase exclusivamente com o oceano de rejeitados pelo sistema de Mubarak, de universitários formados a imigrantes sudaneses, inclusive representantes rejeitados dos 40% da população que vive com menos de 2 dólares por dia. Desnecessário dizer que todos viam Mubarak como poodlerepulsivo de Washington – e todos estavam em choque ante a tragédia do Iraque, que o Egito reverencia historicamente como flanco leste da nação árabe. O regime, para eles, era do tipo que “afoga mendigos no Nilo”.
Foi elucidativo – e terrivelmente doloroso – conhecer em campo as consequências do regime de Mubarak, aplicado regime pupilo do neoliberalismo aplicado pelos EUA. Consequências inevitáveis, a inflação alta e o enorme desemprego. A classe média urbana praticamente já desaparecera. A classe trabalhadora, sufocada na mão de ferro dos sindicatos. E a classe média rural – que foi base do regime – também em crise, com os jovens obrigados a imigrar para as cidades à procura de empregos (que não encontram). Sobrevivente, só uma pequena classe de comerciantes, corruptos, associados ao Estado (a maioria dos quais hoje já fugiu para Dubai em jatos privados).
Não surpreende, pois que não se trate de uma revolução islâmica, como no Irã em 1979. É a economia, estúpido. O Islã hoje no Egito está dividido em duas correntes: salafitas não politizados e a Fraternidade Muçulmana – dizimada por décadas de repressão e tortura e, hoje, sem qualquer programa político explícito, além de oferecer serviços de assistência à população negligenciada pelo Estado.
O fato de a Fraternidade Muçulmana ter-se mantido nas coxias do movimento das ruas explica-se por dois fatores. Se se expusesse demais, Mubarak teria o pretexto perfeito para associar a revolução aos “terroristas”. Além disso, a Fraternidade avalia que, hoje, é apenas um ator entre vários.
Trata-se de movimento popular espontâneo que segue as pegadas do Kefaya(“Basta!”) – movimento popular “amarelo” (escolheu essa cor), de intelectuais e ativistas políticos, cujo slogan, já em 2004 era La lil-tamdid, La lil-tawrith (“Não a outro mandato, não queremos uma república hereditária”).
O movimento Kefaya, apesar de ser movimento de elite, sem liderança, não-ideológico, foi a faísca que despertou mais de mil movimentos, dentre os quais “Jornalistas pela Mudança”, “Operários pela Mudança”, “Médicos para a Mudança” ou “Jovens para a Mudança” levaram à atual onda de incontáveis fóruns online em que se reúnem cidadãos urbanos, de classe média e baixa, todos usuários experientes da internet.
Outro desenvolvimento crucial foi a greve, em 2008, dos trabalhadores das indústrias têxteis da cidade de Mahalla al-Kubra no delta do Nilo, onde três operários foram mortos pelos guardas de segurança de Mubarak dia 6 de abril – e que inspirou a criação do movimento online de nome Juventude de 6 de abril – “April 6 youth” (Sobre o movimento, ver Cairo Activists Use Facebook to Rattle Regime).
O Santo Graal demorou para mobilizar as massas. Semana passada, afinal, conseguiram. Os jovens influenciados pelo movimento Kefaya preferem comitês populares para guiar os passos futuros de sua revolução, em vez de políticos. O pulso das ruas parece indicar que a maioria dos egípcios não quer que nenhuma ideologia política ou religiosa monopolize o que é movimento líquido, pluralista, múltiplo para reformar radicalmente o país e criar ali um novo modelo para o mundo árabe. Talvez um pouco sedutoramente romântico demais. Mas que tenha vivido 30 anos numa espécie de Revolução dos Bichos precisa dolorosamente de alguma catarse.
Rebelo-me, logo, existo
Para Fawaz Gerges, professor de economia da London School of Economics, tudo isso “ultrapassa em muito o problema Mubarak. A barreira do medo foi removida. É realmente o começo do fim do status quo na Região.” Que é maior que Mubarak, é; é exemplo vigoroso do que seja ativismo político orgânico, de base.
Ora, no discurso de elite do Dr. Zbigniew Brzezinski, guru de política exterior dos EUA, trata-se de seu temido “despertar político global” em ação – a Geração Y em todo o mundo em desenvolvimento, furiosa, irada, ultrajada, emocionalmente em frangalhos, quase toda desempregada, com a dignidade em farrapos, deixando aflorar seu potencial revolucionário e virando o status quo de cabeça para baixo (mesmo depois de o Faraó ter conseguido implantar o maior blecaute da história da Internet).
Assim como o movimento Kefaya foi a fagulha, essa foi também uma revolução do Facebook – que hoje, nas ruas do Cairo, Alexandria e Suez já foi rebatizado e chama-se agora Sawrabook (“o livro da revolução”). Uma rede RASD (“de monitoramento”, em árabe) foi lançada no primeiro dia dos protestos, 4ª-feira passada, configurada como uma espécie de “observatório da revolução”.
É crucialmente importante observar que naquele momento – há menos de uma semana – a rede al-Jazeera ainda não chegara ao Egito e a televisão estatal egípcia exibia, como sempre, velhos filmes em branco e preto. Em apenas três dias, a RASDreuniu em rede cerca de 400 mil usuários, no Egito e no mundo. Quando o regime do Faraó acordou, já era tarde demais – e de nada lhe serviu derrubar a internet.
É esse espírito de solidariedade em ação que invadiu as ruas sob a forma de jovens ativistas operando telefones sem fio, fotografando e filmando ataques e feridos ou montando tendas para atendimento de campanha. Ou moradores da cidade do Cairo, oferecendo as próprias casas para abrigar manifestantes e organizando piquetes de vizinhos para proteger-se da ação de saqueadores e ladrões – muitos dos quais mostrados por blogueiros, quando carregavam equipamentos de identificação dos postos armas retiradas dos postos de polícia de Mubarak.
Por mais alarmadas que estejam as rarefeitas elites globais – basta seguir o labirinto de ambiguidades que liga Washington e as capitais europeias –, Brzezinski, pelo menos, parece suficientemente ligado para entender a deriva geral, quando “as principais potências mundiais, novas e velhas (…) enfrentam uma nova realidade: embora a letalidade do poder bélico seja hoje maior do que nunca, a capacidade de impor controle a massas que já despertaram para a vida política alcança hoje o ponto mais baixo de toda a história.”
A velha ordem está morrendo, mas a nova ainda não nasceu. A Idade da Fúria no arco que vai da África do Norte ao Oriente Médio parece ter começado – mais ainda não se sabe qual será a nova configuração geopolítica. O povo se fará ouvir – ou acabará encurralado e controlado pelas potências que aí estão?
O Egito não se converterá em democracia que funciona porque falta a infraestrutura política. Mas pode recomeçar do começo, com todas as oposições tão desprestigiadas quando o regime. A geração mais jovem – potencializada pela emoção de estar lutando do lado certo da história – terá papel crucial.
Não aceitarão a ilusão de ótica de alguma falsa mudança de regime, só para preservar alguma “estabilidade”. Não aceitarão ser sequestrados por EUA e Europa, apresentados como neofantoches. Querem o choque do novo; governo verdadeiramente soberano, nada de neoliberalismo e uma nova ordem política para o Oriente Médio.
A contrarrevolução será feroz. E atacará muito mais do que alguns bunkers no Cairo.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O fator Fraternidade Muçulmana


A Fraternidade Muçulmana gera medo pânico em todo o ocidente, porque o governo de Mubarak sempre apresentou os “irmãos” como se fossem idênticos à al-Qaeda. Não há sandice maior. A organização opõe-se completamente a qualquer tipo de violência contra civis – o que a põe em campo absolutamente oposto à al-Qaeda. Uma Fraternidade Muçulmana que refute a violência e seja ativa nas políticas civis no Egito pode ser o melhor antídoto contra os fanáticos à moda al-Qaeda. Por outro lado, não parece haver dúvidas de que – com a Fraternidade Muçulmana participando do governo do Egito – o tratado de paz com Israel será renegociado. O artigo é de Pepe Escobar.
Um milhão em marcha pelas ruas do Cairo nessa 3ª-feira, outro milhão em marcha rumo ao palácio presidencial em Heliópolis na próxima “6ª-feira da Partida”. O principal graffiti – escrito também nos tanque Abrams cor caqui, fabricados nos EUA – ainda é “queremos derrubar o sistema”. O exército parece ter escolhido lado, afirmando sempre que “não recorreremos ao uso da força contra nosso grande povo egípcio”. 

Com o preço do barril de óleo ultrapassando a barreira dos US$100 pela primeira vez desde setembro de 2008; o medo cada vez maior de que se interrompa o fluxo de petroleiros pelo Canal de Suez; bancos, escolas e a Bolsa de Valores fechados; comitês populares encarregados da segurança da cidade; policiais queimando os próprios uniformes e unindo-se aos manifestantes; e piquetes de ativistas, manifestantes e blogueiros escrevendo furiosamente em bancadas e bancadas de laptops para distribuir notícias ao mundo (antes de o governo do presidente Hosni Mubarak ter “valentemente” derrubado o último provedor de serviços de internet que ainda funcionava), a revolução egípcia parece aproximar-se do último tempo do jogo. 

A estratégia do Faraó e de seu “sucessor” Omar (o “torturador suave”) Suleiman é usar o exército para intimidar, e depois demonstrar que a rua só conseguirá tingir de sangue o Nilo. Não me parece provável. Mas, sim, essa ditadura militar cruel fará qualquer coisa para manter-se agarrada ao poder. 

Como a rua multiforme do Egito vê a questão, não se trata hoje, como o Wall Street Journal escreve pitorescamente, de “é possível que a fase atual se revele momento feliz para Washington”. As massas da Praça Tahrir (Praça Libertação) que protestam com seus corpos e a própria vida, não poderiam estar menos preocupadas com os EUA – como tampouco estão preocupadas com o tráfego de superpetroleiros para abastecer o ocidente ou com a segurança de Israel. Aqui se trata de Egito, não de EUA. 

No domingo, o presidente dos EUA Barack Obama falou frouxamente de uma “reforma no governo do Egito” – contra a multidão que grita “abaixo o ditador”. Al-Jazeera teve de escrever editorial para lembrar as pessoas de que, por definição, a palavra “reforma” que Obama usara não significa nem jamais significará manter lá o mesmo regime corrupto e repressivo, passado só por rápido banho de loja. 

A situação aqui é de revolução clássica; os poucos que permanecem no topo do governo já não conseguem, como antes, impor sua vontade; os muitos que sempre viveram por baixo recusam-se a continuar dominados como antes. Infinitamente intrigadas, confusas, Washington e capitais européias podem, no máximo, como vocalistas minimalistas, fazer corinho para o som e a fúria que vêm das ruas. As ruas querem vida política e institucional confiável e querem conseguir viver com decência em ambiente menos corrompido. E isso já de provou impossível sob as velhas imutáveis regras do jogo – o sistema do “nosso” ditador apoiado pelo ocidente industrializado. 

Entre outras tolas teorias de conspiração, de que a revolução egípcia seria financiada pelo lobby judeu, pela CIA-EUA, pelo financista George Soros ou por todos os supracitados, a rua egípcia prossegue como se essas entidades sequer existissem, sem querer saber se o Faraó decidirá a favor ou contra “conduzir uma transição ordeira”. A rua só sossegará com passagem só de ida para Mubarak, para talvez abraçar seus amigos da Casa de Saud. Especialmente agora que a rua já viu que, com Suleiman, Mubarak tenta fazer-se de Xá do Irã em 1978 – quando nomeou Shapour Bakhtiar primeiro-ministro (e não funcionou). 

Pergunte à Esfinge 

O complexo caminho à frente aponta para uma aliança civil no Egito, de todos os setores que se opõem ao regime (praticamente todos os habitantes do país) e o componente inevitável, o exército. Enquanto isso, setores do establishment em Washington e a mídia-empresa nos EUA não param de repetir freneticamente que não há condições objetivas para que os radicais islâmicos cheguem ao poder. Bobagens e só bobagens. 

Washington parece estar a um passo de dar luz verde para Mohamed ElBaradei – apoiado pela Fraternidade Muçulmana, esse, sim, fator crucial. Pois nem a Esfinge de Gizé é capaz de adivinhar se tudo isso bastará para satisfazer a rua. 

ElBaradei é elemento de fora, e confiável. Permaneceu fora do país durante os anos mais duros do governo do Faraó. Não é arrivista e defendeu estoicamente suas posições a favor do Irã e contra o governo de George W Bush, na presidência da Agência Internacional de Energia Atômica. ElBaradei, que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2005, pode, sim, emergir como uma “ponte”, até que se organizem eleições livres e justas, nova Constituição e nova ordem no Egito. 

Mas nada sugere que ElBaradei venha a implantar política econômica muito diferente da que pregam o Fundo Monetário Internacional/Banco Mundial, a conversa fiada do “ajuste estrutural”, com privatizações as mais ensandecidas, temperadas com o vago mantra de Davos, “a boa governança”. Se a coisa tomar esse rumo, o mais provável é que a rua de enfureça de verdade – outra vez. 

Por enquanto, não há qualquer sinal de que o Egito venha a seguir o caminho do Irã em 1979. No Irã, a esquerda secular encarregou-se do governo pós-revolucionário; no Egito, a esquerda foi dizimada pela repressão. O Irã só se tornou república islâmica meses depois da revolução, depois de um referendo nacional (se houver referendo no Egito, as massas egípcias votarão por república secular). O cenário mais provável e mais positivo é que, para 2012, o Egito aproxime-se mais, em termos políticos, da Turquia. 

Com o quê chegamos à questão mais quente e mais distante de qualquer resposta, que pode incinerar todas as demais questões quentes: qual será o papel pós-revolucionário da Fraternidade Muçulmana [ing. Muslim Brotherhood (MB); em português, também Irmandade Muçulmana]? 

Resgatar os irmãos[1] 

A Fraternidade Muçulmana gera medo pânico em todo o ocidente, porque o governo de Mubarak sempre apresentou os “irmãos” como se fossem idênticos à al-Qaeda. Não há sandice maior. 

A Fraternidade Muçulmana foi fundada por Hasan al-Banna no porto de Ismailia em 1928 – depois se transferiu para o Cairo. A preocupação inicial foi oferecer serviços sociais, construir mesquitas, escolas e hospitais. Ao longo das últimas décadas, a Fraternidade Muçulmana tornou-se a mais importante força política fundamentalista do mundo sunita. É também o maior partido dissidente do Egito, ocupando 88 dos 454 assentos na Câmara baixa do Parlamento. 

A Fraternidade Muçulmana não prega nem apoia a violência – embora tenha-o feito no passado, até os anos 1970s. A aura de violência está relacionada ao legendário Sayyid Qutb, que muitos consideram o pai espiritual da al-Qaeda. Qutb, crítico de literatura que estudou nos EUA, ligou-se à Fraternidade Muçulmana em 1951 e separou-se dela anos depois. 

As ideias de Qutb eram radicalmente diferentes das de al-Banna – sobretudo seu conceito de “vanguarda”, mais próximo das ideias de Lênin que do Corão. Para ele, a democracia parlamentar seria “um fracasso” no mundo islâmico (ao contrário do que pensa a maioria dos egípcios hoje, que lutam por democracia; além disso, a Fraternidade Muçulmana hoje é participante ativa da sociedade civil e política.) Qutb não é sequer considerado pensador islâmico moderno influente; o Islã político hegemônico hoje, personificado na autoridade do imã de al-Azhar no Cairo, refutou impiedosamente o pensamento de Qutb. 

Ao contrário do que diz a propaganda dos neoconservadores dos EUA, a Fraternidade Muçulmana nada tem a ver com os movimentos fascistas dos anos 1930s na Europa, nem com os partidos socialistas (são, de fato, defensores da propriedade privada). Trata-se, sobretudo, de movimento nativista urbano, da classe média baixa, como o define o professor Juan Cole da Universidade de Michigan. Mesmo antes da revolução, a Fraternidade Muçulmana já pregava a derrubada do governo Mubarak, mas por vias políticas pacíficas. 

A Fraternidade Muçulmana no Iraque, fundada nos anos 1930s em Mosul, é hoje o Partido Iraquiano Islâmico, ator político importante que sempre dialogou com Washington. E no Afeganistão, o Partido Jamiat-I Islami nasceu por inspiração da Fraternidade Muçulmana. 

A Fraternidade Muçulmana, é claro, não rejeita nem a tecnologia nem a inovação tecnológica. 

Pode ser vista praticamente por todos os cantos nas ruas da revolução egípcia, mas sempre em atitude cuidadosa e discreta, para evitar o efeito de mostrar-se “na cara deles”. Segundo o porta-voz Gamel Nasser, a Fraternidade Muçulmana vê-se como um setor, dentre vários outros, da revolução egípcia. E a revolução tem a ver com o futuro do Egito – não do Islã. 

Há quem argumente mais uma vez que isso foi o que os mulás disseram em Teerã em 1978/1979. O xá foi deposto, de fato, por virtualmente todos os setores da sociedade, inclusive o Partido Comunista. Depois os teocratas assumiram o controle – com violência. Se se considera a tradição de três décadas, nada autoriza a supor que a Fraternidade Muçulmana possa tentar movimento semelhante àquele. 

É difícil para que viva longe daqui imaginar a brutalidade da máquina de repressão policial/de Estado do governo de Mubarak. O sistema depende de 1,5 milhão de policiais – quatro vezes o número de soldados do exército. Os salários desses policiais são pagos, em grande parte, com o 1,3 bilhão de dólares da “ajuda” que Mubarak recebe dos EUA, e a máquina é usada com extrema brutalidade contra operários e praticamente toda a qualquer organização progressista. 

Esse estado de coisas já existia bem antes de Mubarak. A história terá de interrogar diretamente o fantasma do ex-presidente Anwar Sadat. Sadat construiu uma trifeta, para fazer funcionar suas políticas de intifah: o FMI ajudou-o a construir uma economia exportadora rudimentar; Sadat manipulou a religião, para obter fundos da Arábia Saudita para atacar a Fraternidade Muçulmana; e recebeu bilhões dos EUA para negociar acordos com Israel. A principal consequência inevitável disso tudo foi um estado policial tamanho mamute, dedicado, dentre outras ações repressivas, a destruir totalmente os sindicatos e todas as organizações de trabalhadores. 

Eis o antídoto contra al-Qaeda 

Embora tenha sido violentamente combatida durante as décadas dos governos Sadat/Mubarak, a Fraternidade Muçulmana conseguiu, pelo menos, uma estrutura. Em eleições livres e justas, não há quem duvide que a Fraternidade Muçulmana receberia, no mínimo, 30% dos votos. 

A mídia-empresa global só fez, até agora, visitar a sede da Fraternidade Muçulmana no Cairo, em El Malek El Saleh. O novo presidente da Fraternidade Muçulmana, Mohammed Badie, é homem que se preocupa menos com a arena política e mais com a arena social. Quanto à possibilidade de o Egito vir a transformar-se em Estado islâmico, Badie insiste que, se acontecer, será “pelo desejo do povo”. 

Diferente de Badie, Sherif Abul Magd, engenheiro e professor da Universidade Helwan, e presidente da Fraternidade Muçulmana em Gizé, falou mais, mais eloquentemente, ao jornal italiano La Stampa. Tomou o cuidado de repetir que os manifestantes não devem antagonizar os militares. E enfatizou: “Nosso povo já controla as ruas.” 

De importante, delineou a estratégia da Fraternidade Muçulmana para o estágio seguinte: além de um primeiro-ministro interino, deve haver cinco juízes nomeados para constituir uma comissão presidencial encarregada de revisar a Constituição e, isso feito, convocar eleições para o Parlamento e a Presidência. 

Magd foi claro: “Não há conflito entre Estado islâmico e democracia – mas a decisão é direito do povo”. Washington sabe disso, mas muito a assusta a ideia de que, qualquer que seja a democracia ou o governo, islâmico ou não, no Egito, a Fraternidade Muçulmana não acredita no velho famoso cadáver político conhecido como “processo de paz Israel-palestinos”. Para a Fraternidade Muçulmana, “não há paz possível sem acordo com o Hamás”. 

E sobre a al-Qaeda: “A al-Qaeda, hoje, é invenção da CIA para justificar a guerra ao terror”. Em termos estratégicos, a Fraternidade Muçulmana percebeu que seria contraproducente expor-se agora. Mais adiante, a história será outra.

A rua árabe sabe – e em larga medida aprova – que a Fraternidade Muçulmana sempre se opôs aos acordos de Camp David de 1978; e que não reconhece Israel.

Outro ponto crucial é que a Fraternidade Muçulmana opõe-se absoluta e completamente a qualquer tipo de violência contra civis – o que a põe em campo absolutamente oposto à al-Qaeda. Uma Fraternidade Muçulmana que refute a violência e seja ativa nas políticas civis no Egito de modo algum assustará o ocidente. E, partido político estabelecido do Islã político, a Fraternidade Muçulmana pode ser o melhor antídoto contra os fanáticos à moda al-Qaeda. 

Ao contrário do que cantam as sereias alarmistas da direita, não há nenhum tipo de “fervor islâmico” crescendo no Oriente Médio. A verdade é exatamente o contrário – o que se vê no momento é muita torpeza moral e, para piorar, do lado errado da história. 

A posição de Israel é autoexplicativa – do Jerusalem Post descrevendo a revolução egípcia como “o pior desastre desde a revolução iraniana”, a um colunista do Ha'aretz que protesta contra Obama, que teria “traído um presidente egípcio moderado que sempre foi leal aos EUA e promoveu a estabilidade e a moderação”. 

Quanto ao presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, telefonou a Mubarak para manifestar sua solidariedade e dizer o quanto lamentava a confusão; em seguida mandou seus próprios policiais atacarem palestinos que se reuniam em manifestação de apoio à democracia no Egito. 

Não parece haver dúvidas de que – com a Fraternidade Muçulmana participando do governo do Egito – governo egípcio independente e soberano – o tratado de paz entre Egito e Israel será renegociado. A Fraternidade Muçulmana favorece a solução de decidir por referendo. Com o que, afinal, chegamos ao coração da questão.

Depois da revolução egípcia, os interesses de EUA e Israel deixam de convergir – e não poderão ser apresentados como convergentes nem com algum artifício de ilusão de ótica. 

Mas a revolução egípcia não é revolução anti-EUA: é revolução contra um regime que os EUA apoiam. Um novo governo no Egito, governo legítimo, soberano, pós-Mubarak, não poderá apresentar-se ao mundo e aos egípcios como estado-fantoche, como governo-fantoche, de Washington – com todas as implicações regionais que daí se inferem. Esse é problema maior do que as capacidades da Fraternidade Muçulmana. Aí se ouvem ecos do coração milenar do mundo árabe, à beira, parece, de uma dramática modificação sísmica. 

[1] Orig. Brothers to the Rescue (esp. Hermanos al Rescate) é organização de exilados cubanos anti-Castro, com sede em Miami, fundada em 1991. Descreve-se como ONG de finalidades humanitárias, que ajuda cubanos que queiram deixar a ilha (de http://en.wikipedia.org/wiki/Brothers_to_the_Rescue) [NTs].

Tradução: Vila Vudu