Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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segunda-feira, 1 de abril de 2013

Brasil ainda vive uma ditadura, a ditadura da mentira



Comecei a ler jornal aos treze anos.  Era 1973 e minha leitura favorita era o primeiro caderno do Estadão, o de política – começara a me interessar pelo assunto porque via a família discuti-lo de uma forma que me intrigava. Mesmo dentro de casa, familiares conversavam sussurrando. E interrompiam o assunto quando eu aparecia.
Lendo o Estadão, percebia que faltavam informações. E quando fazia perguntas à família, não conseguia respostas satisfatórias – jovens da minha idade eram tratados como crianças, àquele tempo.
Naquele ano, assisti a uma reportagem no programa Fantástico – que estreara na Globo no mesmo ano – que me faria entender que aquilo que lia no Estadão não traduzia a verdade do que se passava no Brasil.
Lembro-me com clareza do título da reportagem: “Eleição, um show americano”. Mostrava, se bem me lembro, uma convenção partidária nos Estados Unidos – só não me lembro se era do partido democrata ou republicano.
Não era ano eleitoral nos Estados Unidos, mas a matéria era sobre a forma como funcionava a democracia naquele país.
Vejo, como se fosse ontem, as bandeirolas coloridas, um clima de euforia. Parecia uma festa. Tudo aquilo era para escolher um candidato a presidente do país que produzia os filmes, seriados e revistas em quadrinhos que tanto amava.
Mas o que me intrigava era por que, no Brasil, aquilo não existia. Por que em meu país não elegíamos presidentes? O jornal não me contava.
Perguntei à família, mas me enrolaram e não responderam. Nem minha mãe, que desde que me entendo por gente fazia questão de me doutrinar culturalmente por todos os meios, deu-me uma resposta. Sugeriu-me que parasse com a leitura de política porque, em nosso país, não era “bom” se interessar por aquele assunto.
Ficara muito intrigado. Aliás, sentia uma certa revolta. Vira na televisão um país que, então, era tido como exemplo para o mundo fazendo da sua democracia uma festa. Mas, no meu país, aquilo tudo, que me parecia tão positivo, era proibido.
Por que?
Um ano mais tarde, na escola – estudava no Colégio São Luis, em São Paulo –, então no “ginásio”, travei amizade com um rapaz do “científico” (ensino médio) que me contou em detalhes o que passava no Brasil e que a família não me queria revelar.
Daniel era quatro anos mais velho do que eu – tinha 18 anos. Ele fazia parte do que chamou de “partido” e disse que o Brasil estava sob uma ditadura, que militares nos governavam na marra e, assim, não podiam permitir que votássemos porque a maioria não os queria no poder e, assim, se o povo pudesse votar eles não continuariam governando.
Naquele distante 1973, filho de uma família abastada – vivia com mãe e avós e meu avô era um alto executivo da Mercedes Bens –, descobri que o regime militar era nefasto, uma violência. Mas minha repulsa àquele período de trevas se consolidou de forma indelével em meu espírito quando meu amigo Daniel “sumiu”.
Quando parou de ir à escola, após algumas semanas peguei minha bicicleta e fui à sua casa. Sua irmã me atendeu à porta. Tinha um semblante desolador. Fiquei assustado. Disse que Daniel “viajara” e me mandou embora.
De volta à escola, seus colegas de classe, mais velhos do que eu, não quiseram me dar informações.
Alguns poucos anos depois, já sabia que meu amigo tinha sido tragado por uma repressão que destruía a todo aquele que ousava pensar diferente dos ditadores. Mesmo que fosse um rapazola.
Cheguei a frequentar reuniões no colégio Equipe, na Bela Vista. Falavam em resistência, em enfrentar a ditadura. E falavam dos riscos. Tive medo, muito medo e me omiti. Tinha uns 16 anos e, até o fim dos anos setenta, conformei-me em acompanhar pelo Estadão o processo que levaria o Brasil à abertura política. Mas nunca me envolvi.
Até hoje sinto vergonha disso, e só relato aqui como que para expiar minha culpa. Sempre que posso, confesso minha covardia na juventude.
Hoje, quando me dizem “corajoso” por incomodar os barões da mídia que atiraram meu país naquele horror, dou um sorriso amargo e me lembro de quão covarde eu fui. E reflito que ser “corajoso” hoje, em plena democracia, não tem valor algum.
Mas prometi a mim mesmo que sempre que pudesse confessaria a covardia a que me dei na juventude, quando tantos outros como eu deram sua vida para libertar o Brasil de uma ditadura feroz que – há pouco o país descobriu – chegou a torturar bebês diante de mães militantes políticas para obrigá-las a lhe dar informações.
A ditadura, porém, não terminou. Apesar de a ditadura político-institucional ter acabado há décadas, o país ainda é prisioneiro de uma outra ditadura, a ditadura da mentira.
Vejo na internet, nos jornais e até na tevê, inclusive em editoriais desses veículos, justificativas aos crimes daqueles militares e civis que ceifaram a vida de tantos jovens como meu amigo Daniel. Dizem que as vítimas daquele regime criminoso queriam implantar uma ditadura no país e atribuem a “terroristas” como aquele amigo crimes iguais aos que cometeram.
Mentirosos.
Onde estão as famílias das vítimas dos “terroristas” a bradarem contra os assassinatos ou torturas de país, mães, irmãos, amigos? Por que, como as vítimas da ditadura, não se organizam e levam fotos de entes queridos que os que tentavam devolver a democracia ao Brasil teriam exterminado ou torturado?
Claro que, sim, houve alvos militares. E é claro que alguns soldados da ditadura tombaram em combate com “terroristas”. Mas nada que sequer se aproxime dos meninos e meninas que aquele regime hediondo sequestrou, seviciou e exterminou.
Hoje, 1º de abril de 2013, faz 49 anos que o inferno foi desencadeado no país. Sobreviventes que enfrentaram aqueles psicopatas, assassinos, estupradores, ladrões, pervertidos que colocaram este país de joelhos, chegaram ao poder. Aliás, o Brasil é governado por uma heroína que, altiva, enfrentou aqueles demônios.
Contudo, o Brasil não é livre. Enquanto as mentiras que os autores daquela loucura inventaram não forem desmascaradas, enquanto o nosso povo não souber a verdade do que se passou naquelas duas terríveis décadas, a mentira continuará nos governando. Seremos tão prisioneiros dela quanto fomos da ditadura militar.
Deveria escrever mais, muito mais. Mas a boca está seca e os olhos, molhados. Quem sabe um outro dia termino de dizer tudo o que deveria. Talvez, nesse dia, consiga mergulhar fundo naquelas memórias sem ficar no estado emocional em que estou ao terminar este texto. Sobretudo pela culpa por minha omissão, que nunca me deixou em paz.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Tem cara de 1964, cheiro de 1964, mas é 2012… Ou não?

Além de previsível, por estranho que pareça julgo positiva a nova insubordinação de cerca de cem chefes militares da reserva contra a comandante-em-chefe das Forças Armadas, Dilma Vana Rousseff, que, coincidentemente, é também a presidente da República Federativa do Brasil, eleita em  31 de outubro de 2010 com 55.752.529 votos, os quais contabilizaram 56,05% do total de votos válidos.
Os militares da reserva – que muitos chamam de militares de pijama, mas que adotam discurso grandiloqüente e ameaçador que obriga a duvidar de que sejam só velhinhos mal-humorados – deixam ver que continuam dando tão pouco valor ao voto popular quanto davam há pouco menos de meio século, quando jogaram no lixo outros tantos milhões de votos e puseram o eleito para correr, após o que passaram a impedir que a sociedade expressasse seus desejos políticos devido a que certamente achavam que estes não seriam de seu agrado.
Como na época em que os militares aplicaram seu peculiar conceito de democracia, conceito esse que passava pela nulidade do voto popular, também temos hoje setores da imprensa falando pelos possíveis golpistas, mandando recados ameaçadores a quem a vontade dos brasileiros transmudou em comandante suprema das Forças Armadas.
Um peão que disputa com extensa fila de concorrentes o posto que Carlos Lacerda ocupou um dia, saiu recitando trecho dos Lusíadas em que a personagem de Camões recomenda “cuidado” aos portugueses, e faz isso no mesmo texto em que critica a presidente por ter exigido de cada uma das Forças Armadas que repreenda seus membros inativos e insubordinados.
Este blog vive recebendo comentários iguais. Recentemente, leitor postou que se Dilma tentar aprovar uma lei da mídia os seus amigos militares a derrubarão como derrubaram Jango Goulart. Esse tipo de comentário, neste blog, é freqüente. Alguns dos que postam essas coisas se dizem militares e dão a entender que são da reserva, apesar de que não dão seus nomes.
A diferença desses para o tal colunista é a de que este está ligadão a militares da reserva, aos amigos desses militares na política e, supõe-se – devido à grandiloqüência de suas ameaças –, também aos militares da ativa…
Nesse aspecto, julgo que esse episódio é positivo.  Há, na esquerda, uma moçada que não consegue sequer cogitar a hipótese de que hoje os militares ousariam deixar os quartéis para derrubar o governo, fechar o Congresso, estabelecer a censura, prender sem mandado, torturar e assassinar como ocorreu há quase 50 anos e durante os vinte anos seguintes.
Quem está certo, este cinqüentão ultrapassado ou a garotada confiante na força da nossa democracia? Eles que se entendam com o tal colunista que todos sabem que não passa de um boneco de ventríloquo, de forma a descobrirem se a sua ameaça a Dilma é só para contentar idosos preocupados em ter que prestar contas da valentia de há meio século ou se é algo mais.
De qualquer modo, é bom que tenha ocorrido essa insubordinação. Se realmente estivermos em 2012 em vez de em 1964, esses militares terão que baixar a bola, terão que adotar o silêncio a que a opção pela caserna os obriga constitucionalmente. Do contrário… Bem, prefiro nem descrever o contrário.
Neste momento, portanto, há que saber se essas pessoas que o Estado sustenta na aposentadoria podem ou não ser enquadradas nas leis que regem a nação por questionarem a legitimidade do Poder Legislativo para aprovar a Comissão da Verdade e por policiarem as opiniões da superior hierárquica.
De uma coisa podemos estar certos: o desenlace desse episódio revelará se estivemos brincando de democracia no último quarto de século ou se ela é para valer. Se houver o risco de o voto dos brasileiros ser novamente rasgado, pelo menos já iremos escolhendo logo entre lutar ou capitular diante da ditadura até então camuflada, pois é melhor um fim terrível do que um terror sem fim.