Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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quinta-feira, 28 de maio de 2015

O nome da crise

O nome da crise não é Dilma; é dominância financeira: como bloquear a república dos acionistas? Em que mesa negociar com os depósitos em paraísos fiscais?

por: Saul Leblon 

Roberto Stuckert Filho/PR



                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                Exceto em regimes escravocratas, quando o subalterno não dispunha sequer da própria vida, a distância entre ricos e pobres nunca foi tão pronunciada na trajetória da humanidade.
 
Assiste-se a  uma desconexão bruta,  física e estrutural entre os extremos. A exploração do trabalho continua a vigorar como a ponte entre os dois mundos, porém não mais explícita no confronto entre a figura do patrão e a do assalariado.
 
As margens nem mesmo se enxergam mais.
 
Onde fica a sede da entidade ubíqua chamada fuga de capitais?
 
Em que rodovia é possível erguer uma barreira contra a república dos acionistas?
 
Em que mesa negociar a pauta de reivindicações aos depósitos em paraísos fiscais?
 
O poder do capital se camuflou em circuitos inefáveis e sem rosto.
 
A um toque de botão é capaz de desencadear ordens de compra e venda que podem esfarelar o comando de um governo; reduzir uma nação a uma montanha desordenada de impossibilidades.
 
A história das nações, em certa medida, foi sequestrada pela campainha dos pregões; a abertura e o fechamento dos mercados de câmbio emitem pronunciamentos diários em cadeia mundial, como uma junta militar  dissimulada em cifrões.
 
Nunca como hoje a luta pela vida digna remeteu tão linearmente ao controle do poder de Estado.
 
Único interlocutor capaz de dialogar com o ectoplasma da riqueza sem rosto, o Estado, ele próprio, foi quase integralmente capturado em suas entranhas pelos mercados.
 
Sem um vigoroso aggiornamento da democracia participativa nem mesmo ele é páreo para os interditos dos mercados.
 
A bonança recente do ciclo de commodities ofereceu ao Brasil uma década trufada por excedentes que ampliaram a  margem de manobra do governo e amorteceram a percepção dessa polaridade extrema.
 
Os governos do PT souberam aproveitar o atalho para promover avanços indiscutíveis na perversão social criada pelo capitalismo brasileiro. Dobraram a aposta nessa via durante a crise deflagrada pela desordem neoliberal, em 2008.
 
Os dados são conhecidos. Embora o dever de ofício midiático se esmere em  negá-los, o fato é que todo o vapor da caldeira conservadora hoje se concentra em desmontar aquilo que seus porta-vozes desmentem ter ocorrido.
 
Dê-se a isso o nome técnico que for. O que se mira é a regressão das conquistas sociais, salariais e políticas dos últimos doze anos.
 
As palavras do ministro Marco Aurélio Garcia no encontro estadual do PT, neste sábado, sintetizam as consequências deste epílogo conturbado: ‘Tenho absoluta convicção de que encerramos um ciclo importante da nossa história", afirmou. "Vivíamos um momento de ganha-ganha. Todos podiam ganhar, os trabalhadores, os pobres, as classes médias, até os industriais e banqueiros. Havia um reordenamento da economia brasileira que permitia que todos ganhassem’.
 
‘Acabou’, advertiu o ministro para reverberar a gravidade do imperativo com uma assertiva não menos categórica: ‘As classes dominantes estão em clara ruptura conosco e, se não tomarmos cuidado, parte da nossa base social histórica também estará. O PT precisa urgentemente retornar a seus compromissos históricos’.
 
A chance dessa travessia não diz respeito apenas ao PT, no qual Marco Aurélio pontua a simbologia de todo o campo progressista.
 
Ela depende, na verdade   –como tem insistido Carta Maior— da convergência de uma frente ampla dotada de força capaz de obter o consentimento majoritário da sociedade para um projeto que ordene o passo seguinte do desenvolvimento brasileiro.
 
A falsificação dessa travessia em ligeirezas e amenidades que se satisfazem em fulanizar problemas e soluções reflete a ansiedade diante das provas cruciais.
 
Mas o gigantismo dos interesses a afrontar não pode ser subestimado pela boa intenção das soluções simplistas.
 
A muralha a vencer demanda a consciência materializada em amplo engajamento social. Não se trata de defenestrar Levy ou Cunha.
 
Trata-se de sobrepor uma hegemonia a outra, cuja dominância nunca foi tão entranhada e, ao mesmo tempo, dissimulada, fluida, ardilosa e, sempre que necessário, virulenta e golpista.
 
Um passo necessário dessa construção consiste em dar um nome ao invisível. Implica ao mesmo tempo proceder à ruptura com aquilo que na clarividente síntese de Marco Aurélio Garcia ‘acabou’.
 
O nome da crise é a riqueza que não reparte.
 
Não apenas o patrimônio acumulado.
 
Mas sobretudo as estruturas que a realimentam e a protegem com salvaguardas inoxidáveis.
 
Qualquer coisa menos que isso será insuficiente para evitar o rebote do lixo da história para o qual Marco Aurélio adverte. E o que é suficiente  excede em muito a capacidade da iniciativa unilateral de qualquer força isolada.
 
A riqueza que não reparte é ontologicamente avessa à construção de um destino compartilhado, exceto se  induzida a isso por uma força de coordenação assentada em ampla legitimidade social e democrática.
 
Por mais que dissimule o rosto da sabotagem, seu rastro planetário deixa as marcas da soberba autorreferente que se avoca igualmente apátrida e autorregulável.
 
Uma pegada sugestiva que atiça a prontidão das consciências é o consumo de luxo.
 
Ele atingirá US$ 3 trilhões  no planeta este ano.
 
Os vips brasileiros são reconhecidos em Paris ou em Miami como um dos mais lucrativos braços desse nicho nababesco.
 
Jatinhos, iates, mansões, jóias, arte, rejuvenescimento estético, turismo de experiências únicas abastecem as gôndolas globais do supermercado seleto.
 
Seu tíquete de compra anual equivale ao PIB da Alemanha, a quarta maior potência econômica do mundo, informa o jornal El País.
 
Não é que pareça excessivo, é que estamos de fato no reino do descabido. Do socialmente nefasto.
 
Apenas 85 membros desse bunker, os mais ricos entre os muito ricos, segundo a respeitada Oxfam (http://www.oxfam.org.uk/ ) têm um patrimônio de US$ 1,7 trilhão.
 
Um pecúlio equivalente ao da metade mais pobre da humanidade formada por 3,5 bilhões de homens, mulheres, jovens, idosos e crianças.
 
Para quem acha que o consumo anual de U$ 3 trilhões é over, a Oxfam avisa: se abrirmos um pouco mais o foco para abranger o famoso 1% carimbado pelos ‘occupy’, vamos nos deparar com um patrimônio de US$ 110 trilhões.
 
Quase duas vezes o PIB anual do planeta.
 
Seus detentores podem queimar US$ 3 trilhões por ano sem pestanejar.
 
Embala-os a certeza de que aplicações financeiras em praças generosas – a do Brasil paga os juros reais mais elevados do globo—cuidarão de regenerar seus portfólios, mantendo-os mais lucrativos do que  qualquer destinação produtiva do dinheiro –como mostrou Thomas Pikety.
 
O elo entre essa certeza e o resto da humanidade é um fosso que só faz crescer e agora abre fendas desconcertantes mesmo nas nações mais ricas.
 
Dados recentes da insuspeita OCDE mostram que entre seus 34  países membros a parcela dos 10% mais ricos detém hoje 50% da riqueza; os 40% mais pobres ficam com apenas a 3% dela.
 
A contrapartida chocante é que em apenas quatro anos da crise mundial, de 2007 a 2011, a população que subsiste abaixo da linha de pobreza aumentou de 1% para 9,4% nesse mosaico.
 
Uma exceção à tendência regressiva planetária , diz  o relatório  divulgado na semana passada, chama-se  América Latina e Caribe.
 
A desigualdade aí, que era um elemento da natureza, deixou de sê-lo desde o final dos anos 90, quando passou a cair.
 
O Brasil, cujo piso salarial registrou um aumento real de 70% desde 2003, é a principal estrela dessa dissonância.
 
O país apostou que um esforço de distribuição de renda— conciliador em relação aos detentores da riqueza, graças ao excedente conjuntural propiciado pelo boom das commodities— permitiria desencadear um ciclo de crescimento mais rápido e sustentável.
 
Esse, o modelo que acabou, como adverte Marco Aurélio Garcia.
 
Desequilíbrios macroeconômicos reais, como o câmbio valorizado, que asfixiou a indústria pela avalanche das importações, explicam parte do colapso.
 
A resistência à desordem neoliberal, por sua vez, exauriu recursos públicos que se esgotaram antes que a crise iniciada em 2008 desse lugar a um novo ciclo de crescimento.
 
O conjunto explica em grande arte os impasses da economia e da democracia nos dias que correm.
 
Mas não explica tudo.
 
Quem vê no capitalismo apenas   um sistema econômico, e não a dominação política intrínseca à encarnação financeira atual, subestima aspectos cruciais da encruzilhada brasileira.
 
Corre o risco de subestimar, também, a contagem regressiva alertada no apelo de Marco Aurélio Garcia ao retorno às raízes históricas do PT.
 
Ademais dos percalços macroeconômicos, a verdade é que foi a incipiente   tentativa petista de deslocar o capital parasitário para a produção que acendeu o estopim do confronto em marcha.
 
A espoleta acendeu a ira de interesses que tomaram gosto pelo vício de ganhar sem agregar riqueza à nação, nem se submeter aos compromissos com o bem comum da sociedade.
 
Disso não abdicarão facilmente, como tampouco renunciarão ao fastígio do  luxo em favor da parcimônia.
 
Ao contrário do que aconteceu no caso das cadeias industriais, o Brasil atingiu o estado das artes nessa matéria.
 
A coagulação rentista de uma elite perfeitamente integrada aos circuitos da alta finança, amesquinhou a democracia brasileira, privando-a de instrumentos para dar à riqueza a sua finalidade social.
 
A regressividade inerente a esse processo está promovendo uma mutação individualista acelerada nas relações sociais, a exemplo do que se passa no resto mundo.
 
O locaute do capital na frente do investimentos –repita-se, ademais dos gargalos macroeconômicos--  é o sintoma desse esgarçamento profundo entre um pedaço da riqueza e o destino coletivo da sociedade.
 
A greve do capital contra a ‘Dilma intervencionista’ começou aí quando a taxa de juro real foi comprimida a um piso histórico de 3,3% (no segundo governo FHC ela ficou em 18,5%,por exemplo;  foi de 11,7% no segundo Lula).
 
O governo pode ter cometido tropeços nessa ousada operação de desbloquear a avenida do investimento removendo a barreira do juro alto, para induzir o fluxo à atividade produtiva.
 
Mas talvez o maior deles tenha sido subestimar a musculatura política necessária para deslocar interesses descomunais  situados do outro lado da pista.
 
Sem o discernimento engajado da sociedade para enfrentar a riqueza que não reparte, a façanha estava fadada a tropeçar na assimetria das forças em confronto.
 
A fixação da Selic, a taxa básica de juro da economia, é a ordem unida da coalizão rentista
 
É daí que o mercado parte para colonizar o cálculo econômico de todos os  demais setores, alinhando-os aos padrões de retorno da ganância sem termo.
 
Vale a pena conhecer um pouco a amplitude dessa contaminação.
 
Em entrevista ao jornal Valor, o economista francês Pierre Salama  apontou  um desdobramento dessa irradiação: a explosão dos dividendos que se transformou, ela também, em um obstáculo ao investimento produtivo.
 
Pressionados a entregar fatias crescentes do lucro aos acionistas, os ‘managers’ corporativos o fazem  em detrimento da retenção de  lucro  para investimento.
 
A observação de Salama desvela uma dimensão pouco discutida da desindustrialização brasileira.
 
Ela explicaria, em parte também, segundo ele, ‘os efeitos indiretos sobre a primarização da economia’.
 
Outra consequência  igualmente corrosiva destacada pelo economista: ‘Se você não tem uma melhora no nível da produtividade porque não tem uma taxa de investimento importante, a única maneira de ser mais competitivo é forçando a queda do salário direto e  indireto’, diz .
 
Como?
 
Desmontando direitos  sociais dos trabalhadores –‘o custo Brasil’, ora sob fogo cerrado.
 
Salama encerrou a entrevista como se desse uma aula de alternativas consequentes ao receituário ortodoxo agora  vendido como fatalidade.
 
É forçoso coibir a ‘financeirização’, sentenciou para indicar duas vias matriciais: a) adotar um desassombrado controle de capitais e b) prmover uma reforma tributária que faça o rentista pagar mais impostos –inclusive os acionistas, isentos num Brasil que corta recursos da educação para equilibrar o orçamento fiscal.
 
O mesmo se dá na esfera global.
 
A desregulação dos mercados financeiros delegou ao sistema bancário internacional o poder supranacional de mobilizar e transferir riquezas, manipular e sabotar moedas.
 
Tudo blindado pela cumplicidade nem sempre passiva das agências de risco e dos organismos multilaterais.
 
É dessa usina que se originam os números obscenos do consumo de luxo, as cifras estonteantes dos depósitos em paraísos fiscais –onde a clientela  brasileira detém a quarta maior riqueza depositada--  e os valores desconcertantes de capitais ociosos, num mundo carente de investimento e  empregos.
 
Uma das maiores fontes de pressão pela elevação da taxa de juro nos EUA parte dos  detentores da riqueza sedentária.
 
Desde a crise de 2008 ela se debate confinada entre o baixo retorno e a elevada liquidez (o juro norte-americano oscila entre zero e negativa desde 2008 e o Fed injetou US$ 1,5 trilhão no mercado para salvar o capitalismo dele mesmo).
 
O cavalo financeiro escoiceia a estrebaria acanhada exigindo de volta o pasto gordo e indiviso.
 
Bancos e por consequência seus acionistas veem suas margens naufragarem, afogados em depósitos sem alternativa de aplicação lucrativa.
 
No primeiro trimestre deste ano os depósitos totais no Morgan, por exemplo, subiram para US$ 1,3 trilhão nos EUA  (aumento de US$ 4,5 bilhões em relação a dezembro de 2014); os do Wells Fargo somaram US$ 1,2 trilhão; aumento de US$ 28 bilhões no mesmo período. No circuito dos bancos sombra, onde impera o vale tudo em busca de retornos graúdos, há um tsunami de US$ 75 trilhões em ativos, segundo o Financial Stability Board.
 
A pergunta é: se a roleta do cassino travou, por que o aluvião  não migra então para o investimento produtivo?
 
Pela simples e dura razão de que a superprodução de capitais é a contraface  indissociável da escassez de demanda gerada pela precarização do trabalho no bojo da financeirização de toda a economia.
 
São realidades univitelinas, e se devoram no ventre do capitalismo desregulado.
 
Desse xeque-mate intrínseco à própria dominância financeira da época a sociedade não se livrará pela lógica de mercado.
 
O PT  tentou um caminho intermediário.
 
Ao incentivar keynesianamente a demanda  -- e ensaiar  uma fugaz redução da taxa de juro em 2013--   impôs uma coordenação light, confiante na regeneração do capital rentista em alavanca produtiva.
 
Enquanto o lubrificante da alta das commodities amaciou o conflito, a tentativa foi tolerada.
 
Mas a verdade é que a resposta esperada nunca aconteceu.
 
Pelo menos não na escala necessária –nem na indústria (culpa do câmbio, em parte), nem na infraestrutura (culpa do intervencionismo da Dilma, alega-se).
 
O fato de não ter acontecido impõe uma revisão do keynesianismo que descuidou do câmbio como o padeiro descuida do fermento e da lenha no forno.
 
Mas não basta.
 
E dificilmente teria bastado sem que se tivesse providenciado –até para tornar viável a maxidesvalorização competitiva—  aquilo que continua a faltar.
 
Falta a ferramenta política dotada de discernimento claro sobre a engrenagem a  afrontar.
 
O capitalismo quanto mais dá certo, mais dá errado.
 
Seu próprio movimento de expansão espreme e estreita o alicerce social do qual, paradoxalmente, extrai sua valorização. Por isso sobra capital e o consumo de luxo explode, enquanto a sociedade carece de investimento e a demanda patina.
 
O nome da crise, portanto, não é Dilma, ou voluntarismo ‘lulopetista’, como quer o sociólogo da dependência desfrutável.
 
O nome da crise é a dominância financeira que exacerbou mecânica da riqueza que não reparte.
 
Não existe mágica: o antídoto  é a coordenação política da economia pela democracia social.
 
Isso não exime o PT da delicada travessia de autocrítica.
 
Ou como exortou Marco Aurélio Garcia: ‘é  preciso, urgentemente, retornar às raízes históricas’.
 
Acrescente-se, porém: o retorno só terá sucesso ao lado de outras forças e movimentos, sem os quais será muito improvável reunir o fôlego necessário para chegar onde é preciso. No tempo curto tempo que resta.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

TIJOLAÇO: MORO É “INCENTIVO FISCAL” PARA EMPREITEIRAS ESTRANGEIRAS

Marco Aurélio Carone: Relatório do Banco Mundial mostra que capital internacional financiou “choque de gestão” de Aécio


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O então governador Aécio Neves com John Briscoe, ex-diretor do Banco Mundial para Brasil e América Latina, 8 de dezembro de 2008, no Palácio da Liberdade. Foto Wellington Predro/ImprensaMG
por Marco Aurélio Carone, especial para o Viomundo
Na reportagem “Choque de gestão: dívida de R$ 80 bilhões e Estado quebrado”, publicada no Brasil de Fato em outubro de 2014, o economista Fabrício de Oliveira, autor de vários livros sobre economia brasileira e finanças públicas, entre os quais Dívida Pública do Estado de Minas Gerais: A Renegociação Necessária, afirmou:
“O ‘choque de gestão’ de Aécio Neves (PSDB), quando governador de Minas Gerais, não passou de uma jogada de marketing.
O governo vendeu a falsa ideia de haver acertado as contas do estado de Minas Gerais e atingido o déficit zero.
O slogan ‘déficit zero’, que é um pilar do programa choque de gestão, é uma ideia falsa.
“Em momento algum o governo de Minas conseguiu organizar as contas. Entre 2003 e 2010, o governo teve déficit em todos os conceitos. Atualmente, a Dívida Consolidada Líquida (DCL) está em mais de R$ 9 bilhões – saltou de R$ 70,4 para R$ 79,7, em apenas um ano. O valor corresponde a 185% da Receita Corrente Líquida (RCL)”.
O tão falado “choque de gestão”, adotado pelo PSDB mineiro, resultou ainda em: congelamento de salários do funcionalismo público, em 2003; queda de 5% no poder aquisitivo dos servidores; extinção de benefícios previdenciários; e contingenciamento de 20% das despesas públicas, reduzindo, principalmente, os recursos para políticas sociais.
O tema sempre foi tema polêmico, e as críticas a esse modelo de administração invariavelmente se restringem à sua ineficiência. Porém, Relatório do Banco Mundial, editado em julho de 2014, em pleno período eleitoral, revela que o Banco ajudou a criar, implantar e financiar o “choque de gestão”, e ainda a sua preocupação em relação à alternância do poder em Minas Gerais.
Na época, o documento foi distribuído a conglomerados financeiros, empresas multinacionais e investidores internacionais.  E mesmo após a eleição da presidenta Dilma Rousseff e a derrota do PSDB para o PT em Minas, ele nunca foi divulgado amplamente pela mídia, embora possa ser achado no site do Banco Mundial, em meio a programas e projetos.
Integrante do Sistema de Bretton Woods, do qual fazem parte também o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), o Banco Mundial é a sua instituição financeira.
Para começar, o Relatório do Banco Mundial comprova que as declarações do economista Fabrício de Oliveira sobre o “choque de gestão” estavam certas.
O relatório traz à tona, além dos valores investidos pelo próprio Banco Mundial que alcançam a cifra de US$ 1,607 bilhão, as estratégias adotadas.  Para o Banco, Aécio Neves serviria de garoto-propaganda e Minas Gerais, de vitrine para o novo modelo financiado pelo capital internacional.
A afirmação de que o “choque de gestão” foi financiado pelo capital internacional pode parecer forte, mas o que ocorreu foi um pouco pior.  Além de utilizar o Estado de Minas Gerais e sua máquina pública, como tubo de ensaio, os valores investidos estão sendo cobrados como dívida do erário mineiro.
O relatório assusta diante da declarada e comprovada ingerência de um organismo internacional na máquina pública e nos poderes, uma vez que toda a legislação criada para dar sustentação ao “choque de gestão” foi fruto de “Autorizações Legislativas”
Ou seja, o Poder Legislativo de Minas Gerais delegou suas atribuições para que o executivo legislasse em seu nome. Tal anomalia não ocorreu nem mesmo em pleno regime militar após o golpe de 1964.
A íntegra do relatório está no final. Seguem os pontos mais polêmicos. Eles são textuais e estão em itálico.
“3. O Banco [Mundial] tem apoiado o Governo de Minas desde 2006 por meio de uma série de parcerias (Minas Gerais Partnership Series). A primeira operação da série —  Minas Gerais Partnership for Development DPL (P088543) –, no valor de US $ 170 milhões, foi em 2006. Seguiu-se  a Minas Gerais Partnership II SWAp (P101324), um projeto multissetorial de US $ 976 milhões, que foi complementada em 2010 por um Financiamento Adicional (P119215) de US$ 461 milhões. Essas operações foram seguidas pela atual, de 2012. O Banco também desempenhou papel importante de assistência técnica, colaborando frequentemente para o ajuste fino do Choque de Gestão e em programas setoriais”.
 Banco Mundial 1
Os três empréstimos concedidos pelo próprio Banco Mundial somam US$ 1,607 bilhão, valot citado um pouco antes.
“5. O Choque de Gestão e suas fases subsequentes impactaram em todas as áreas da gestão econômica e administrativa do Estado. Todas as operações das séries de parcerias  tiveram apoio dos diversos órgãos públicos envolvidos. O sucesso de Minas Gerais, começando com o Choque de Gestão, foi crucial  para conduzir a recuperação econômica do Estado, bem como a melhoria da prestação de serviços. Com efeito, transformou Minas de Estado falido, mal gerido e ineficiente em um Estado responsável do ponto de vista fiscal, com um modelo de gestão inovador. É considerado ‘padrão ouro’ de gestão do setor público no Brasil e no mundo”.Banco Mundial 2-001
Mais assustador é descobrir pelo Relatório do Banco Mundial que temas como segurança pública e salário dos professores mineiros deixaram de merecer investimentos por compromisso com organismo internacional.
“8. No momento da preparação da operação, o Governo de Minas Gerais (GoMG) fez um ajuste  fiscal adequado, incluindo o seu programa de despesas e suas relações fiscais com o Governo Federal. Apesar desse cuidado, a receita pode ficar aquém das expectativas devido à projeção das despesas excederem, a médio prazo, o crescimento de receita e o risco de queda dela. Uma preocupação particular do lado da despesa foi o aumento, a médio prazo, da massa salarial direcionada aos professores e à segurança pública”.Banco Mundial 3
Além do US$ 1,607 bilhão investido pelo próprio Banco Mundial, o Banco atuou na busca e aprovação de dois outros empréstimos.  Um, de € 300 milhões, da Agence Française de Développement (AFD ), e outro, de US $ 1,3 bilhão, do Credit Suisse. Os dois empréstimos foram para o governo mineiro pagar antecipadamente a sua dívida com a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). Essas interferências demonstram claramente os interesses internacionais nesta até agora inexplicável operação.
“14. Alavancagem de recursos externos. O pedido inicial do Estado [Minas Gerais] ao Banco [Mundial] foi um empréstimo de cerca de US $ 2 bilhões. Enquanto o Banco não pode disponibilizar esse montante com recursos próprios, ele trabalhou com o Estado para desenvolver soluções alternativas. Durante os preparativos da operação de empréstimo, o Banco Mundial forneceu aconselhamento e orientação sobre a possível estruturação de refinanciamento e explorou várias opções, incluindo garantias de empréstimos do setor privado.
A solução final envolveu uma operação de financiamento paralelo da Agence Française de Développement (AFD) e do Credit Suisse para refinanciar a dívida da Cemig. AFD concedeu um empréstimo de € 300 milhões, com base em um programa supervisionado de perto pelo Banco Mundial, enquanto o Credit Suisse emprestou US$ 1,3 bilhão.
O pacote de refinanciamento foi um dos primeiros em que um governo estadual no Brasil, desde a instituição da Lei de Responsabilidade Fiscal, tomou emprestado recursos de um credor privado externo sem a garantia de uma agência de desenvolvimento bilateral ou multilateral.
Neste sentido, uma importante inovação facilitada pela operação do Banco Mundial. Representou retorno ao financiamento de mercado para o Estado de Minas Gerais, dando exemplo para outros estados”.
Banco Mundial 4
 Ou seja, o pacto Federativo foi quebrado de maneira consciente pelos governantes de Minas Gerais e pelo Banco Mundial, desrespeitando a Lei de Responsabilidade Fiscal, sem qualquer consequência.
O relatório diz também que Minas Gerais era a vitrine para o modelo que o Banco Mundial auspiciaria ver implantado em outros Estados do Brasil.
“11. Alavancagem de um modelo de gestão do Estado baseado em resultados bem-sucedidos  como um exemplo para outros estados. O objetivo desta operação foi dar suporte para as reformas implementadas pelo Governo de Minas de Gerais (GoMG) e desenvolver soluções para melhorar o desempenho do setor público e de prestação de serviços e que podem ser usadas em outros estados e países.
Desde 2006, o Banco [Mundial] tem o compromisso de apoiar a evolução desses resultados inovadores com base no modelo de gestão. Por meio das Partnership Series, o Banco Mundial tornou-se um dos principais interessados na implementação exitosa do  Choque de Gestão. O sucesso das reformas do setor público em Minas Gerais provou ser um importante modelo de demonstração contínua e útil dos efeitos para os estados brasileiros e outros países que enfrentam problemas de desenvolvimento semelhantes.
 Banco Mundial 5
 
No Relatório, o Banco Mundial diz que trabalhou com o Estado de Minas Gerais para obtenção do financiamento para quitar antecipadamente dívida com a Cemig.
O US$ 1,607 bilhão do Banco Mundial somado ao US$ 1,3 bilhão do Credit Suisse  e aos € 300 milhões da AFD totalizam R$ 9,8 bilhões. Ou seja, quase 10% do total da dívida atual do Estado de Minas Gerais, que está em R$ 93,7 bilhões. A dívida do Estado de Minas passou de R$32,9 bilhões, em 2002, para R$79,7 bilhões, em 2013.
O próprio Banco reconhece no documento que a repercussão do “choque de gestão” teve sucesso, porque foi fruto de pesado investimento em comunicação.
“24. A equipe do Banco [Mundial] trabalhou em estreita colaboração com a Agence Française de Développement (AFD), que preparou o financiamento paralelo de € 300 milhões para apoiar a redução das desigualdades sociais e regionais no Estado de Minas Gerais. A operação AFD também teve formato de apoio ao orçamento e foi baseada em estratégia do Governo de Minas  para ampliar a cobertura de infraestrutura básica e habitação nas regiões mais pobres do Estado.
A operação AFD apoiou o refinanciamento da dívida do Estado com a Cemig.
Embora o contrato não inclua o suporte para amplas reformas da administração pública, a AFD reconheceu os avanços feitos pelo GoMG com o apoio do Banco Mundial e a importância do programa de reforma atual.
Como resultado, a aprovação da operação AFD foi condicionada à aprovação pelo Banco Mundial. Além do empréstimo de  300 milhões da AFD, por um prazo de 20 anos, o Credit Suisse — escolhido em um processo competitivo com outros bancos privados– forneceu US $ 1,3 bilhão por um prazo de 15 anos e período de carência de cinco anos para refinanciar a dívida Cemig.
Banco Mundial  7
 O Relatório do Banco Mundial descreve detalhadamente onde os valores emprestados foram aplicados. Assim, numa análise mais apurada do documento verifica-se que os R$ 9,8 bilhões concedidos pelo Banco Mundial, AFD e Credit Suisse não resultaram em obras, melhorias ou qualquer beneficio concreto para Minas Gerais. 
Os R$ 9,8 bilhões foram utilizados em campanhas publicitárias, convênios com ONGS, OSCIP e pagamento antecipado de dívida do Estado de Minas Gerais com a Cemig. Essa antecipação de recursos gerou caixa para que a Cemig alterasse seu objetivo. De companhia destinada a servir aos mineiros, a Cemig passou a ser sócia do capital internacional em projetos de alto risco, através das 208 subsidiárias integrais, 20 consórcios e 2 FIPs (Fundo de Investimento em Participação).
Relatório diz que os empréstimos concedidos pelo Banco Mundial ao governo de Minas Gerais para “promover oChoque de Gestão” — somam US$ 1.607 bilhão, ou seja, R$ 4.891 bilhões –foram usados para promoção do que representou a plataforma política de Aécio Neves.
Contudo, o crime maior está no fato de Relatório sugerir risco caso houvesse mudanças na direção do Estado nas eleições de 2014. O Banco Mundial  demonstra clara preocupação em relação à alternância de poder em Minas Gerais, sinalizando tomada de partido. Afinal, foi editado em pleno período eleitoral, e disponibilizado para conglomerados financeiros, empresas multinacionais e investidores internacionais que aplicam em Minas Gerais.
“63. O Choque de Gestão e o acompanhamento das mudanças foram apoiados pelo altíssimo escalão do governo.  Com as eleições agendadas para outubro de 2014, há possibilidade de mudança de prioridades políticas que poderiam se afastar do processo anterior de e/ ou diminuir o modelo de gestão de Minas Gerais. No entanto, o mais provável é que, se as prioridades da política mudarem, o modelo, que agora está bem estabelecido, seria usado para implementar essas mudanças. Por outro lado, espera-se que o próximo governo siga as prioridades do seu antecessor e continuará com o processo de reforma”. 
Banco Mundial 8
 Após 2002, os pedidos de empréstimos do governo de Minas a bancos privados e instituições de fomento, a maioria estrangeiros, somaram até julho de 2014 quase R$ 20 bilhões. Ao todo, 39 leis autorizaram o Executivo a contratar esses valores nos últimos 12 anos. Desse montante, mais de R$ 16 bilhões já contratados. 
A política de contratação de empréstimos, ao contrário do que afirma o Relatório do Banco Mundial, desmontou o “choque de gestão”. Com o endividamento crescente nos últimos 12 anos, o déficit zero não foi alcançado. Pelo contrário, Minas se tornou o segundo Estado mais endividado do país, com uma dívida consolidada de R$ 79,7 bilhões em 2013. Atualmente, está em R$ 93,7 bilhões.
O governo de Minas utilizou R$ 4 bilhões desses empréstimos para quitar parte do que devia à Cemig. A troca de dívidas, porém, não teria sido um bom negócio, segundo a coordenadora da ONG Auditoria Cidadã, Maria Eulália Alvarenga. “Inicialmente a dívida era de R$ 600 milhões, no final de 2011 foi para R$ 5 bilhões, então multiplicou mais de nove vezes”, disse. De acordo com ela, o governo realizou uma troca de dívidas, ao pegar os empréstimos com os bancos privados e instituições de fomento.
O problema é que os empréstimos não foram suficientes para quitar todo o débito do Estado de Minas com a Cemig. A dívida interna foi trocada uma dívida por uma externa em dólar. Além disso, essa dívida não é transparente, pois ninguém consegue explicar como ela multiplicou nove vezes de 1998 a 2010, época do pagamento.
Resta saber se o atual governo de Minas, Fernando Pimentel (PT), determinará  uma auditoria na operação da Cemig e na dívida externa do governo mineiro, descontando os valores dos empréstimos gastos na implantação e divulgação do “choque de gestão” e que tiveram o objetivo claro de transformar Minas Gerais em um tubo de ensaio.
Se o Banco Mundial achou interessante investir neste projeto e utilizá-lo como propaganda para seus interesses nada mais justo do que ele pague a conta. Isso sem prejuízo da análise dos crimes de lesa pátria praticados por colaboracionistas na ingerência de um organismo multilateral na política de um Estado federado.


quinta-feira, 21 de maio de 2015

MORO QUER DELAÇÃO DE PASCOWITCH CONTRA DIRCEU

LAVA JATO: PETISTAS VEEM “LIMITAÇÕES E SELETIVIDADE”

quarta-feira, 20 de maio de 2015

PSDB mentiu para reeleger FHC; não pode acusar o PT de mentir

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Na noite da última terça-feira, um partido político conseguiu a façanha de esbofetear um país inteiro usando meia dúzia de palavras. O autoproclamado partido da “social democracia brasileira” – que hoje se equilibra entre a centro-direita e a extrema-direita – teve a ousadia de acusar o PT e Dilma Rousseff de mentirem para que ela se reelegesse.
Qualquer brasileiro, qualquer entidade, qualquer partido político tem todo o direito de questionar o discurso adotado pela campanha de Dilma Rousseff à reeleição, no sentido de que ela teria “mentido” sobre a situação do país para se reeleger. Ainda que este Blog não concorde com tal premissa, é direito das pessoas entenderem assim o tom da campanha da reeleição da atual presidente da República.
Este texto, portanto, não é uma defesa de Dilma e/ou de seu partido, no sentido de negar que tenham mentido – esta página já publicou textos explicando por que acha que ela não mentiu, já que a presidente disse, durante a campanha, que a crise internacional cobraria seu preço e que, portanto, ajustes teriam que ser feitos.
Mas se você, seja de que posição político-ideológico-partidária for, quiser achar que Dilma e seu partido só não teriam mentido se tivessem exposto, durante a campanha eleitoral, os detalhes das medidas que iriam tomar, é seu direito.
Não apenas porque é liberdade de expressão, mas porque no mundo ideal todos os políticos teriam que dizer seus planos com detalhes ao pedirem voto ao eleitor, ainda que nenhum partido brasileiro já tenha feito isso.
Porém, existe um grupo político e um sujeito político em especial que não podem, de maneira alguma, acusar qualquer político ou partido de mentirem para se reeleger. Esse grupo político e esse sujeito político são, respectivamente, o PSDB e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. No entanto, eles fizeram isso na noite da última ter
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É revoltante. O PSDB não tem a mínima condição moral de dizer uma coisa dessas simplesmente porque fez muito pior.
Não existe um único economista sério que seja capaz de comparar a situação econômica do Brasil de hoje com a de 1998, quando o ex-presidente Fernando Henrique, tal qual Dilma, candidatou-se à reeleição, ou com a de 1999, quando a mentira que contou no ano anterior para se reeleger, desmoronou.
Fernando Henrique mentiu tanto, na campanha de 1998, que se recusou a participar de qualquer debate com outros candidatos, pois não teria respostas aos questionamentos sobre a economia e, mais do que tudo, sobre como faria para cumprir uma promessa que fizera ao país, de que não desvalorizaria o real caso fosse reeleito, apesar de que não havia um só economista, jornalista econômico ou até mesmo instituição financeira, à época, que não soubesse que a desvalorização sobreviria.
Três dias antes de FHC reeleger-se em primeiro turno (1998), o professor de economia do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) Rudiger Dornbusch declarou, publicamente, que a desvalorização do real, que o então presidente do Brasil negava que ocorreria, iria ocorrer em até três meses após ele se reeleger. E ainda disse que Brasil era um país “malgovernado”.
FHC passou a campanha eleitoral inteira afirmando que seria “desnecessário” desvalorizar o real, que isso não iria ocorrer. E a estratégia que usou para vencer a eleição foi desqualificar os alertas que o principal adversário (Lula) fazia no sentido de que a desvalorização seria inevitável.
Em 30 de janeiro de 1998, em seu discurso no encontro anual do Fórum Econômico Mundial, Fernando Henrique Cardoso atacou os que diziam que ele iria desvalorizar o real acusando-os de terem “obsessão com o pessimismo”. FHC estocou economistas que, na véspera, haviam previsto um colapso do real a curto prazo pelos problemas do Brasil com suas contas externas.
Depois do discurso de FHC, o presidente do Fórum Econômico mundial lhe fez quatro perguntas. A primeira foi sobre desvalorização do real. FHC respondeu com outra pergunta: “Como se pode realmente avaliar o valor de uma moeda?”.
Conforme diz a reportagem da Folha de São Paulo linkada acima, FHC terminou sua participação em Davos, Suíça, “negando enfática, embora previsivelmente”, uma “eventual desvalorização da moeda”.
Os seus auxiliares também eram orientados a negar, de mãos juntas, que haveria desvalorização.
Armínio Fraga, aquele que Aécio Neves queria colocar no comando da economia caso fosse reeleito, ainda não era membro do governo FHC, mas já estava com um pé dentro – três meses depois, seria recrutado para o Banco Central.
Assim, Fraga tratava de referendar a mentira tucana de que não haveria desvalorização. Veja, leitor, como em 18 de janeiro de 1998 ele reagiu a pergunta de um repórter da mesma Folha de São Paulo sobre se o Brasil deveria desvalorizar o real:

— Um alcoólatra monetário reformado como o Brasil não pode se dar ao luxo de tomar um golinho. Acho que a desvalorização seria isso (…)

Bem, o Brasil não tomaria apenas “um golinho” de desvalorização, tomaria um porre.
Mas os auxiliares diretos de FHC também mentiam como o chefe. Segundo a Folha de São Paulo, em novembro de 1998 o então ministro da Fazenda, Pedro Malan, em encontro com banqueiros alemães, negou, peremptoriamente, a desvalorização do real que ocorreria dália a cerca de um mês.
Mas vamos adiante.
Apesar das negativas tucanas, segundo coluna do jornalista Fernando Rodrigues, em 1998, “A desvalorização no Brasil” passara a ser “A principal preocupação dos participantes do mercado”. Segundo o colunista disse à época, “Para 19% dos investidores” a maxidesvalorização aconteceria ainda naquele ano, e para 33% seria “No primeiro semestre de 99”.
Mas o maior vendedor da mentira de que o real não seria desvalorizado era o próprio FHC. E ainda atacava a proposta pública do PT de desvalorizar a moeda antes que o mercado o fizesse, o que seria muito pior, como realmente foi. O PT pregava uma desvalorização controlada, mas o presidente tucano dizia que não era “necessário”.
Em junho de 1998, em plena campanha eleitoral, em uma de suas constantes reuniões com jornalistas amigos (dos veículos que não lhe denunciavam a farsa), FHC repetiu que não concordava com a proposta do PT de desvalorizar o real:

— Não precisa. Tanto não precisa que as exportações estão crescendo!

Enquanto FHC e seu partido mentiam sobre a iminente desvalorização do real e sobre a catastrófica situação da economia com vistas a garantir a reeleição à Presidência da República, o jornal americano Wall Street Journal decretava em manchete: “O Brasil agoniza”.
No centro da tempestade financeira mundial, o país deu uma guinada na sua política econômica. Na mais dramática semana do Real, a perda de credibilidade empurrou o governo a derrubar o grande pilar do plano de estabilidade, a âncora cambial, ou variação controlada da cotação do dólar.
A atrapalhada desvalorização de 8,26% na quarta-feira, 13 de janeiro de 1999, poucas semanas após a última negativa de FHC de que desvalorizaria o real, em vez de acalmar os mercados internacionais gerou uma fuga de capitais sem precedentes – US$ 4 bilhões saíram do País em três dias.
A rigor, na noite da última terça-feira os autores de todas essas peripécias estavam lá – na sua casa, no seu escritório, em sua TV ou rádio –, acusando Dilma Rousseff daquilo que eles mesmos fizeram dezesseis anos antes.
O Fernando Henrique Cardoso que apareceu na terça-feira 19 no programa eleitoral do PSDB é o mesmo que passou a campanha eleitoral de 1998 inteirinha negando medida que adotaria 13 dias após a posse do segundo mandato como presidente da República. E o PSDB é o partido que, ao governar o Brasil, ajudou FHC a mentir.
Qualquer cidadão brasileiro pode, se assim entender, acusar Dilma de ter mentido durante a campanha eleitoral. E essa pessoa não precisa de autorização de ninguém e sua crítica tem que ser respeitada, além de rebatida por quem não concorda. Mas Fernando Henrique Cardoso e seu partido fazerem isso é uma bofetada em cada brasileiro.