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terça-feira, 20 de janeiro de 2015

O terror, o Ocidente e a semeadura do caos

O terror, o Ocidente e a semeadura do caos

Mauro Santayana 

Há alguns dias, terroristas franceses, ligados, aparentemente, à Al Qaeda, atacaram a redação do jornal satírico parisiense Charlie Hebdo, em represália pela publicação de caricaturas sobre o profeta Maomé.

Doze pessoas foram assassinadas, entre elas alguns dos mais famosos cartunistas e intelectuais do país, e dois cidadãos de origem árabe, um deles, estrangeiro, que trabalhava há pouco tempo na publicação, e um membro das forças de segurança que estava nas imediações.

Logo em seguida, houve, também, outro ataque, a um supermercado kosher na periferia de Paris, em que 4 judeus franceses e estrangeiros morreram.

Dias depois, milhões de pessoas, e personalidades de vários países do mundo, se reuniram nas ruas da capital francesa, para protestar contra o atentado, e se manifestar contra o terrorismo e pela liberdade de expressão.

Na mesma primeira quinzena de janeiro, explodiram carros-bomba, e homens-bomba, também ligados a grupos radicais islâmicos, no Líbano (Beirute), na Síria (Aleppo), na Líbia (Benghazi), e no Iraque (Al-Anbar), com dezenas de mortos, em sua maioria civis.

Mas, como sempre, não seria normal esperar que algum destes fatos tivesse a mesma repercussão do atentado em Paris, capital de um país europeu, ou que a alguém ocorresse produzir cartazes e neles escrever Je suis Ahmed, ou Je suis Ali, ou Je suis Malak, Malak Zahwe, a garota brasileira, paranaense, de 17 anos, que morreu na explosão de um carro-bomba, junto com mais 4 pessoas (20 ficaram feridas), no dia 2 de janeiro, em Beirute.

No entanto, os homens, mulheres e crianças, mortos, todos os dias, no Oriente Médio e no Norte da África, são tão frágeis e preciosos, em sua fugaz condição humana, quanto os que morreram na França, e vítimas dos mesmos criminosos, criados pela onda de radicalização e rápida expansão do fundamentalismo islâmico, nos últimos anos.

Raivosas, autoritárias, intempestivas, numerosas vozes se alçaram, em vários países, incluído o Brasil, para gritar – em raciocínio tão ignorante quanto irascível – que o terrorismo não tem que ser “compreendido” e, sim, “combatido”.

Os filósofos e estrategistas chineses ensinam, há séculos, que sem conhecê-los, não é possível vencer os eventuais adversários, nem mudar o mundo.

Além disso, não podemos, por aqui, por mais que muitos queiram emular os países “ocidentais”, em seu ardoroso “norte-americanismo” e “eurocentrismo”, esquecer que existem diferenças históricas, e de política externa, entre o Brasil, os EUA, e países da OTAN como a França.

Podemos dizer que Somos Charlie, porque defendemos a liberdade e a democracia, e não aceitamos que alguém morra por fazer uma caricatura, do mesmo jeito que não podemos aceitar que uma criança pereça bombardeada pela OTAN no Afeganistão ou na Líbia, ou porque estava de passagem, no momento em que explodiu um carro-bomba, por um posto de controle em Aleppo, na Síria.

Mas é preciso lembrar que, ao contrário da França, nunca colonizamos países árabes e africanos, não temos o costume de fazer charges sobre deuses alheios em nossos jornais, não jogamos bombas sobre países como a Líbia, não temos bases militares fora do nosso território, não colaboramos com os EUA em sua política de expansão e manutenção de uma certa “ordem” ocidental e imperial, e, talvez, por isso mesmo – graças a sábia e responsável política de Estado, que inclui o princípio constitucional de não intervenção em assuntos de outros países – não sejamos atacados por terroristas em nosso território.

As raízes dos atentados de Paris, e do mergulho do Oriente Médio na maior, e, com certeza, mais profunda tragédia de sua história, não está no Al Corão ou nas charges contra o Profeta Maomé, embora estas últimas possam ter servido de pretexto para ataques como o que ocorreu em Paris.

Elas começaram a se tornar mais fortes, nos últimos anos, quando o “ocidente”, mais especificamente alguns países da Europa e os EUA, tomaram a iniciativa de apoiar e insuflar, usando também as redes sociais, o “conto do vigário” da Primavera Árabe em diversos países, com a intenção de derrubar regimes nacionalistas que, com todos os seus defeitos, tinham conquistado certo grau de paz, desenvolvimento e estabilidade para seus países nas últimas décadas.

Inicialmente promovida, em 2011, como “libertária”, “revolucionária”, a Primavera Árabe iria, no curto espaço de três anos, desestabilizar totalmente a região, provocar massacres, guerras civis, golpes de Estado, e alcançar, por meio da intervenção militar direta e indireta da OTAN e dos EUA em vários países, a meta de tirar do poder, a qualquer custo, regimes que lutavam para manter um mínimo de independência e soberania em suas relações com os países mais ricos.

Quando os EUA, com suas “primaveras” – que não dão flores, mas são fecundas em crimes e cadáveres – não conseguem colocar no poder um governo alinhado com seus interesses, como na Ucrânia e no Egito, jogam irmão contra irmão e equipam com armas, explosivos, munições, terroristas, bandidos e assassinos para derrubar quem estiver no comando do país.

O objetivo é destruir a unidade nacional, a identidade local, o Estado e as instituições, para que essas nações não possam, pelo menos durante longo período, voltar a organizar-se, a ponto de tentar desafiar, mesmo que em pequena escala, os interesses norte-americanos.

Foi assim que ocorreu com a intervenção dos EUA e de aliados europeus como a Itália e a França – contra a recomendação de Brasil, Rússia, Índia e China, no Conselho de Segurança da ONU – no Iraque, na Líbia e na Síria.

Durante décadas, esses países – com quem o Brasil tinha, desde os anos 1970, boas relações – viveram sob relativa estabilidade, com a economia funcionando, crianças indo para a escola, e diferentes etnias, religiões e culturas, dividindo, com eventuais disputas, o mesmo território.

Estradas, rodovias, sistemas de irrigação, foram construídos – também com a ajuda de técnicos, operários e engenheiros brasileiros – com os recursos do petróleo, e países como o Iraque chegavam a importar automóveis, como no caso de milhares de Volkswagens Passat fabricados no Brasil, para vender aos seus cidadãos de forma subsidiada.

Na Líbia de Muammar Kadafi, segundo o próprio World Factbook da CIA, 95% da população era alfabetizada, a expectativa de vida chegava, para os homens, segundo dados da ONU, a 73 anos, e a renda per capita e o IDH estavam entre os maiores do Terceiro Mundo, mas esses dados nunca foram divulgados normalmente pela imprensa “ocidental”.

Pode-se perguntar a milhares de brasileiros que estiveram no Iraque, que hoje têm entre 50 e 70 anos de idade, se, naquela época, sunitas e xiitas se matavam aos tiros pelas ruas, bombas explodiam em Basra e Bagdá todos os dias, como explodem hoje, a qualquer momento, também em Trípoli ou Damasco, ou milhares de órfãos tentavam atravessar montanhas e rios sozinhos, pisando nos restos de outras crianças, mortas em conflitos incentivados por “potências” estrangeiras, ou tentavam sobreviver caçando, a pedradas, ratos por entre escombros das casas e hospitais em que nasceram.

São, curdos, xiitas, sunitas, drusos, armênios, cristãos maronitas, inimigos?

Antes, trabalhavam nos mesmos escritórios, viviam nas mesmas ruas, seus filhos frequentavam as mesmas salas de aula, mesmo que eles não tivessem escolhido, no início, viver como vizinhos.
Assim como no caso de hutus e tutsis em Ruanda, e em inúmeras ex-colônias asiáticas e africanas, as fronteiras dos países do Oriente Médio foram desenhadas, na ponta do lápis, ao sabor da vontade do 

Ocidente, quando da partilha do continente africano por europeus, obedecendo não apenas ao resultado de Conferências como a de Berlim, em 1884, mas também à máxima de que sempre se deve “dividir para comandar”, mantendo, de preferência, etnias de religiões e idiomas diferentes dentro de um mesmo território ocupado pelo colonizador.

Eram Saddam Hussein e Muammar Kadafi, ditadores? É Bashar Al Assad, um déspota sanguinário?

Quando eles estavam no poder, não havia atentados terroristas em seus países.

E qual é a diferença deles e de seus regimes, para os líderes e regimes fundamentalistas islâmicos comandados por xeques e emires, na mesma região, em que as mulheres – ao contrário dos governos seculares de Saddam, Kadafi e Assad – são obrigadas a usar a burka, não podem sair de casa sem a companhia do irmão ou do marido, se arriscam a ser apedrejadas até a morte ou chicoteadas em caso de adultério, e não há eleições, a não ser o fato de que esses regimes são dóceis aliados do “ocidente” e dos EUA?

Se os líderes ocidentais viam Kadafi como inimigo, bandido, estuprador e assassino, por que ele recebeu a visita do primeiro-ministro britânico Tony Blair, em 2004; do Presidente francês Nicolas Sarkozy – a quem, ao que tudo indica, emprestou 50 milhões de euros para sua campanha de reeleição – em 2007; da Secretária de Estado dos EUA, Condoleeza Rice, em 2008; e do primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi em 2009?

Por que, apenas dois anos depois, em março de 2011 – depois de Kadafi anunciar sua intenção de nacionalizar as companhias estrangeiras de petróleo que operavam, ou estavam se preparando para entrar na Líbia (Shell, ConocoPhillips, ExxonMobil, Marathon Oil Corporation, Hess Company) esses mesmos países e os EUA, atacaram, com a desculpa de criar uma Zona de Exclusão Aérea sobre o país, com 110 mísseis de cruzeiro, apenas nas primeiras horas, Trípoli, a capital líbia, e instalações do governo, e armaram milhares de bandidos – praticamente qualquer um que declarasse ser adversário de Kadafi – para que o derrubassem, o capturassem e finalmente o espancassem, a murros e pontapés, até a morte?

Ora, são esses mesmos bandidos, que, depois de transformar, com armas e veículos fornecidos por estrangeiros, a Líbia em terra de ninguém, invadiram o Iraque e, agora, a Síria, e se uniram para formar o Estado Islâmico, que pretende erigir uma grande nação terrorista juntando o território desses três países, não por acaso os que foram mais devastados e destruídos pela política de intervenção do “ocidente” na região, nos últimos anos.

Foram os EUA e a Europa que geraram e engordaram a cobra que ameaça agora devorar a metade do Oriente Médio, e seus filhotes, que também armam rápidos botes no velho continente. Serpentes que, por incompetência e imprevisibilidade, depois da intervenção na Líbia, a OTAN e os EUA não conseguiram manter sob controle.

Os Estados Unidos podem, pelo arbítrio da força a eles concedida por suas armas e as de aliados – quando não são impedidos pelos BRICS ou pela comunidade internacional – se empenhar em destruir e inviabilizar pequenas nações – que ainda há menos de cem anos lutavam desesperadamente por sua independência – para tentar estabelecer seu controle sobre elas, seu povo e seus recursos, objetivo que, mesmo assim, nunca conseguiram alcançar militarmente.

Mas não podem cometer esses crimes e esses equívocos, diplomáticos e de inteligência, e dizer, cinicamente, que o fizeram em nome da defesa da Liberdade e da Democracia.

Assim como não deveriam armar bandidos sanguinários e assassinos para combater governos que querem derrubar, e depois dizer que são contra o terrorismo que eles mesmos ajudaram a fomentar, quando esses mesmos terroristas, além de explodir bombas e matar pessoas em Bagdá, Damasco ou Trípoli, todos os dias, passam a fazer o mesmo nas ruas das cidades da Europa ou dos próprios Estados Unidos.

O “terrorismo” islâmico não nasceu agora.

Mas antes da balela mortífera da Primavera Árabe, e da Guerra do Iraque, que levou à destruição do país, com a mentirosa desculpa da posse, por Saddam Hussein, de armas de destruição em massa que nunca foram encontradas – tão falsa quanto o pretexto do envolvimento de Bagdá no ataque às Torres Gêmeas, executado por cidadãos sauditas, e não líbios, sírios ou iraquianos – não havia bandos armados à solta, sequestrando, matando e explodindo bombas nesses 3 países.

Hoje, como resultado da desastrada e criminosa intervenção ocidental, o terror do Estado Islâmico, o ISIS, controla boa parte dos territórios e da sofrida população síria, iraquiana e líbia, e, a partir deles, está unindo suas conquistas em torno da construção de uma nação maior, mais poderosa, e extremamente mais radical do ponto de vista da violência e do fundamentalismo, do que qualquer um desses países jamais o foi no passado.

O ataque terrorista à redação e instalações do semanário francês Charlie Hebdo, e do Mercado Kosher, em Vincennes, Paris, foram crimes brutais e estúpidos.

Mas não menos brutais, e estúpidos, do que os atentados cometidos, todos os dias, contra civis inocentes, entre muitos outros lugares, como a Síria, o Iraque, a Líbia, o Afeganistão.

Quem quiser encontrar as sementes do caos que também atingiram, em forma de balas, os corpos dos mortos do Charlie Hebdo poderá procurá-las no racismo de um continente que acostumou-se a pensar que é o centro do mundo, e que discrimina, persegue e despreza, historicamente, o estrangeiro, seja ele árabe, africano ou latino-americano; e no fundamentalismo branco, cristão e rançoso da direita e da extrema direita norte-americanas, cujos membros acreditam piamente que o Deus vingador da Bíblia deu à “América” do Norte o “Destino Manifesto” de dirigir o mundo.

Em nome dessa ilusão, contaminada pela vaidade e a loucura, países que se opuserem a isso, e milhões de seres humanos, devem ser destruídos, mesmo que não haja nada para colocar em seu lugar, a não ser mais caos e mais violência, em uma espiral de destruição e de morte, que ameaça a sobrevivência da própria espécie e explode em ódio, estupidez e sangue, como agora, em Paris, neste começo de ano.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

A RESTAURAÇÃO ORTODOXA


Clique aqui para ver o especial A hora da Comissão da Verdade
 
Passado o pânico do colapso mundial gerado pelas finanças desreguladas, os mercados voltam a dar as cartas ocupando o vazio político propiciado pelo canhamento estratégico da esquerda diante da desordem rentista. A palavra de ordem é arrochar os gastos do Estado  para digerir a reciclagem dos débitos privados em endividamento público, modelo que consagrou a convalescência da crise sem atacar as suas causas. O resultado é a emergencia de uma nova safra de Estados zumbi, tangidos pelo FMI e indiferentes ao protesto de quem vai pagar a conta em última instância: milhões de desempregados. Fatos: enquanto Hillary Cliton tem frêmitos diante da cabeça de Bin Laden, desemprego nos EUA atinge 14 milhões de pessoas, segundo Paul Krugman, e vai a 9% fa força de trabalho; b) Portugal cortará investimentos em saúde e educação; estatais serão privatizadas, salários e aposentadorias serão congelados: taxa de desemprego deve atingir 13% em 2013; c)Espanha: desemprego bate recorde e atinge 21,3%, o maior entre os países industrializados; governo se antecipa às exigências dos mercados , corta gastos e investimentos; em algumas regiões, caso da Andaluzia, taxa de desemprego passa de 29%; d) Grécia: arrocho imposto pelos mercados piora a situação das contas públicas; déficit fiscal salta para 10,5% do PIB (meta era 8%)  com a queda de receitas gerada pela recessão, o desemprego e corte de investimentos públicos; d) Irlanda, um caso terminal, debate-se na mesma endogamia viciosa de arrocho fiscal/recessão para debelar um déficit impossível: 32% do PIB em 2010.
(Carta Maior; 5º feira, 05/05/ 2011)

quinta-feira, 17 de março de 2011

Imprudência diplomática


Mauro Santayana


É preciso romper o silêncio da amabilidade para estranhar o pronunciamento público que o presidente Obama fará, da sacada do Teatro Municipal, diante da histórica Cinelândia. Afinal, é de se indagar por que a um chefe de Estado estrangeiro se permite realizar um comício – porque de comício se trata – em nosso país. Apesar das especulações, não se sabe o que ele pretende dizer exatamente aos brasileiros que, a convite da Embaixada dos Estados Unidos – é bom que se frise – irão se reunir em um local tão estreitamente vinculado ao sentimento nacionalista do nosso povo.


É da boa praxe das relações internacionais que os chefes de estado estrangeiros sejam recebidos no Parlamento e, por intermédio dos representantes da nação, se dirijam ao povo que eles visitam. Seria aceitável que Mr. Obama, a exemplo do que fez no Cairo, pronunciasse conferência em alguma universidade brasileira, como a USP ou a UNB, por exemplo. Ele poderia dizer o que pensa das relações entre os Estados Unidos e a América Latina, e seria de sua conveniência atualizar a Doutrina Monroe, dando-lhe  significado diferente daquele que lhe deu o presidente Ted Roosevelt, em 1904. Na mensagem que então enviou ao Congresso dos Estados Unidos, o  presidente declarou o direito de os Estados Unidos policiarem o mundo, ao mesmo tempo em que instruiu seus emissários à América Latina a se valerem do provérbio africano que recomenda falar macio, mas carregar um porrete grande.


Se a idéia desse ato público foi de Washington, deveríamos ter ponderado, com toda a elegância diplomática, a sua inconveniência. Se a sugestão partiu do Itamaraty ou do Planalto, devemos lamentar a imprudência. Com todos os seus méritos, a presidência Obama ainda não conseguiu amenizar o sentimento de animosidade de grande parte do povo brasileiro com relação aos Estados Unidos. Afinal, nossa memória guarda fatos como os golpes de 64, no Brasil, de 1973, no Chile, e ação ianque em El Salvador, em 1981, e as cenas de Guantánamo e Abu Ghraid.


O Rio de Janeiro é uma cidade singular, que, desde a noite das garrafadas, em 13 de março de 1831, costuma desatar seu inconformismo em protestos fortes. A Cinelândia, como outros já apontaram, é o local em que as tropas revolucionárias de 1930, chefiadas por Getúlio Vargas, amarraram seus cavalos no obelisco então ali existente. Depois do fim do Estado Novo, foi o lugar preferido das forças políticas nacionalistas e de esquerda, para os grandes comícios. A Cinelândia assistiu, da mesma forma, aos protestos históricos do povo carioca, quando do assassinato do estudante Edson Luis, ocorrido também em março (1968). Da Cinelândia partiu a passeata dos cem mil, no grande ato contra a ditadura militar, em 26 de junho do mesmo ano.


Não é, convenhamos,  lugar politicamente adequado para o pronunciamento público do presidente dos Estados Unidos. É ingenuidade não esperar manifestações de descontentamento contra a visita de Obama. Além disso – e é o mais grave – será difícil impedir que agentes provocadores, destacados pela extrema-direita dos Estados Unidos, atuem, a fim de criar perigosos incidentes durante o ato. Outra questão importante: a segurança mais próxima do presidente Obama será exercida por agentes norte-americanos, como é natural nessas visitas. Se houver qualquer incidente entre um guarda-costas de Obama e um cidadão brasileiro, as conseqüências serão inimagináveis.


Argumenta-se que não só Obama, como Kennedy, discursaram em público em Berlim. A situação é diferente. A Alemanha tem a sua soberania limitada pela derrota de 1945, e ainda hoje se encontra sob ocupação militar americana.             Finalmente, podemos perguntar se a presidente Dilma, ao visitar os Estados Unidos, poderá falar  diretamente aos novaiorquinos, em palanque armado  no Times Square.

segunda-feira, 14 de março de 2011

A demonização da política: manobra neoliberal


Para Tarso, a campanha contra a política, promovida pelo pensamento neoliberal, também se volta contra a democracia.

A democracia e a demonização da política

Tarso Genro

Novos sujeitos políticos estão surgindo no interior de um processo de desconstituição da política, que ocorre em escala mundial, após o fracasso das receitas neoliberais para a reforma do Estado. 

Esses novos sujeitos florescem fora dos partidos, tanto nos regimes democráticos como nos países autoritários. Quem substitui os partidos, hoje, são as redes sociais, as organizações de defesa do direito das mulheres contra Berlusconi na Itália, os movimentos populares de jovens no Egito, os "banlieues" nas periferias de Paris. 

Todos movimentos em rede, que não pedem licença aos partidos ou aos sindicatos. São designados pela mídia, equivocadamente, como "revoluções", mas sem ideologia unitária. O que pedem são reformas, reconhecimento, oportunidades de trabalho, democracia e participação. São movimentos relativamente espontâneos, não contra a política, mas por outra política. Todo o espontaneísmo é sadio quando se desdobra, em algum momento, em organização consciente. 

Torna-se perigoso e contraproducente, em termos democráticos, quando permanece só fluindo, sem substituir o "velho" por nova ordem: a desesperança, nesse caso, pode redundar em salvacionismo ditatorial reciclado, gerando situação inclusive pior que a anterior. 

É visível que existe, em grande parte da mídia, também uma campanha contra a política e os políticos, o que, no fundo, é, independentemente do objetivo de alguns jornalistas, também uma campanha contra a democracia. 

Ela generaliza o desprezo aos políticos e ao Estado, principalmente àqueles que ainda preservam traços de defesa do antigo Estado de bem-estar. São sempre os partidos políticos, porém, os legatários que reorganizam a sociedade, seja para mais coesão e mais igualdade, seja para mais hierarquia, diferenças sociais e autoritarismo. 

É verdade que poucos partidos têm compreendido a profundidade desses movimentos, permanecendo incapazes de apresentar alternativas novas. A maioria, na defesa de seus programas de governo, cinge-se a doses maiores ou menores de "liberalismo" ou "keynesianismo". 

Estão desatentos ao fato de que as relações culturais, científicas e econômicas globais mudaram tudo. E que hoje é preciso propor novas formas de organização do Estado, novos tipos de políticas públicas e também organizar um novo sistema de defesa da moral pública. 

Mas "representação" e eleições, mal ou bem, sempre constituíram formas de resistência contra o domínio, sem limites, dos manipuladores do capital financeiro especulativo que controlam a vida pública das nações. Eleições e representação constituíram, sempre, "problemas" para os mentores das reformas neoliberais, que agora são os herdeiros políticos do seu fracasso. 

O domínio da ideologia neoliberal, além de ter conseguido sua hegemonia a partir da ideia do "caminho único", agora requer conclusões únicas sobre os efeitos da crise, para diluir as responsabilidades de quem a gerou. Desmoralizar a política, partidos e políticos ajuda a desmoralizar as críticas ao fracasso do seu modelo de sociedade. 

Por isso, as frequentes campanhas genéricas contra o Estado e contra os políticos em geral têm sido duras. São campanhas não contra o Estado ausente, que dispensa políticas sociais. Nem contra os políticos corruptos, em especial. Mas uma campanha abrangente contra o Estado e contra a política. 

As lições do Oriente e também da Europa servem para todos nós que, imbuídos do "desenvolvimentismo econômico e social", defendemos que o Estado deve ser forte por ser transparente e acessível à participação popular. Jamais deve ser "fraco", para ser obrigado a aplicar as receitas da redução impiedosa dos gastos sociais. E, depois, eleger a caridade privada como meio de compensar desigualdades brutais que o neoliberalismo nos legou.