Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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segunda-feira, 22 de abril de 2013

Mark Weisbrot: O Brasil precisa se manter vigilante diante da ameaça dos EUA


Na tentativa de desestabilizar Maduro e nos golpes contra Lugo e Zelaya,  as mãos dos EUA sobre a América Latina
As mãos dos EUA sobre a região
por Mark Weisbrot, Folha de S. Paulo
Acontecimentos recentes indicam que a administração Obama intensificou sua estratégia de “mudança de regime” contra os governos latino-americanos à esquerda do centro, promovendo conflito de maneiras que não eram vistas desde o golpe militar apoiado pelos EUA na Venezuela em 2002.
O exemplo mais destacado é o da própria Venezuela na última semana. No momento em que este artigo está sendo impresso, Washington está mais e mais isolada em seus esforços para desestabilizar o governo recém-eleito de Nicolás Maduro.
Mas a Venezuela não é o único país vitimado pelos esforços de Washington para reverter os resultados eleitorais dos últimos 15 anos na América Latina.
Está claro agora que o afastamento do presidente paraguaio Fernando Lugo, no ano passado, também teve a aprovação e o apoio do governo dos Estados Unidos.
Num trabalho investigativo brilhante para a agência Pública, a jornalista Natalia Viana mostrou que a administração Obama financiou os principais atores do chamado “golpe parlamentar” contra Lugo. Em seguida, Washington ajudou a organizar apoio internacional ao golpe.
O papel exercido pelos EUA no Paraguai é semelhante a seu papel na derrubada militar, em 2009, do presidente democraticamente eleito de Honduras, Manuel Zelaya, caso no qual Washington dominou a Organização de Estados Americanos e a utilizou para combater os esforços de governos sul-americanos que visavam restaurar a democracia.
Na Venezuela, na semana passada, Washington não pôde dominar a OEA, mas apenas seu secretário-geral, José Miguel Insulza, que reiterou a reivindicação da Casa Branca (e da oposição venezuelana) de uma recontagem de 100% dos votos.
Mas Insulza teve de recuar, como teve de fazer a Espanha, única aliada importante dos EUA nessa empreitada nefanda, por falta de apoio.
A exigência de uma recontagem na Venezuela é absurda, já que foi feita uma recontagem das cédulas de papel de uma amostra aleatória de 54% do sistema eletrônico. O total obtido nas máquinas foi comparado à contagem manual das cédulas de papel na presença de testemunhas de todos os lados.
Estatisticamente falando, não existe diferença prática entre essa auditoria enorme já realizada e a recontagem.
Jimmy Carter descreveu o sistema eleitoral da Venezuela como “o melhor do mundo”, e não há dúvida quanto à exatidão da contagem.
É bom ver Lula denunciando os EUA por sua ingerência, e Dilma juntando sua voz ao resto da América do Sul para defender o direito da Venezuela a eleições livres.
Mas não apenas a Venezuela e as democracias mais fracas que estão ameaçadas pelos EUA.
Conforme relatado nas páginas deste jornal, em 2005 os EUA financiaram e organizaram esforços para mudar a legislação brasileira com vistas a enfraquecer o PT. Essa informação foi descoberta em documentos do governo americano obtidos graças à lei americana de liberdade de informação. É provável que Washington tenha feito no Brasil muito mais e siga em segredo.
Está claro que os EUA não viram o levemente reformista Fernando Lugo como um elemento ameaçador ou radical. O problema era apenas sua proximidade excessiva com os outros governos de esquerda.
Como a administração Bush, a administração Obama não aceita que a região mudou. Seu objetivo é afastar os governos de esquerda, em parte porque tendem a ser mais independentes de Washington. Também o Brasil precisa se manter vigilante diante dessa ameaça à região.

MARK WEISBROT, 58, é codiretor do Centro de Pesquisas Econômicas e Políticas, em Washington, e presidente da Just Foreign Policy.
Tradução de CLARA ALLAIN
Leia também:

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Inquérito no Paraguai desmente acusação contra Venezuela


A mídia mundial foi tomada, de ponta a ponta, pela acusação da ministra da defesa do Paraguai, María Liz García, de que o chanceler venezuelano, Nicolás Maduro, teria se reunido secretamente com chefes militares paraguaios para fomentar um levante das forças armadas do país contra a deposição relâmpago do ex-presidente Fernando Lugo.
A acusação gerou uma investigação pela procuradora do Paraguai Estella Marys Cano, que chamou às falas os militares que se reuniram com o diplomata Venezuelano e, depois se soube – mas só pela blogosfera –, com os dos outros países da missão da Unasul que foi àquele país ponderar com o congresso sobre a destituição açodada do presidente constitucional.
A procuradora Marys Cano divulgou o resultado das investigações. Disse que o chanceler venezuelano, Nicolás Maduro, não instou militares do país a se sublevar contra a queda de Lugo no dia do impeachment. Segundo Cano, que ouviu os militares, Maduro fez uma “advertência” a respeito das sanções a que o Paraguai poderia ser submetido.
Além disso, a investigação da procuradoria paraguaia também descartou como “prova” um vídeo editado pela ministra da defesa paraguaia que mostra Maduro e militares paraguaios entrando em uma sala do palácio presidencial no dia da queda de Fernando Lugo – a procuradora confirma que o vídeo, na íntegra, mostra que foi uma reunião muito mais ampla.
Como sempre, a mídia dá grande destaque a acusações contra seus desafetos e publica uma notinha de pé de página, escondida, quando aquelas acusações se mostram falsas.
Pior, porém, é a falsificação de notícias.
Uma comissão da OEA composta por EUA, Canadá, México, Honduras e Haiti emitiu um relatório preliminar que referenda a deposição de Lugo. Isso não significa que a OEA vá aprovar esse relatório, até porque foi feito por emissários oriundos de países que desde a primeira hora aceitaram o golpe paraguaio, mas a mídia deu grande destaque a essa notícia, que ganhou as primeiras páginas dos jornais.
O que as matérias malandras sobre o relatório preliminar da OEA não esclareceram é que a maioria dos países que integram o organismo é contrária ao processo que derrubou o presidente constitucional do Paraguai e, portanto, são reduzidas as chances de esse relatório se tornar posição oficial.
Nos últimos anos, democracias combalidas como a do Paraguai ou a de Honduras transformaram-se em laboratórios para um novo tipo de violação da vontade eleitoral dos povos da região. Está em curso uma batalha surda para, de um lado, impor um preço alto a aventuras golpistas nas Américas e, de outro, brindar golpes com impunidade.
A única possibilidade de burlar a censura e as manipulações midiáticas é usando a internet. Que cada internauta que souber da verdade se multiplique e espalhe as versões corretas dos fatos, pois o golpismo terceiro-mundista, de inspiração ianque, trabalha a todo vapor para vender rupturas institucionais como processos legais.

A democracia conta com você, leitor. Espalhe essas notícias.

sábado, 30 de junho de 2012

Mercosul e Unasul impõem perda total a golpistas paraguaios

Foi genial a fórmula encontrada pela maioria da comunidade sul-americana de nações para punir os golpistas que depuseram, por meio de uma farsa, o presidente constitucional do Paraguai. Aquele povo será poupado, a posição política que o parlamento golpista paraguaio impunha ao país na questão da entrada da Venezuela no Mercosul foi derrotada e os golpistas sofreram um revés político que os fragiliza na eleição do ano que vem, se houver.
O Paraguai era o entrave à entrada da Venezuela no Mercosul. O ex-presidente Fernando Lugo, por óbvio, aprovava, mas o congresso paraguaio, não. O impasse já durava anos. Com a suspensão do Paraguai da entidade, o que os golpistas tentavam – e conseguiam – impedir com Lugo no Poder não conseguiram impedir com ele fora do poder.
Além disso, a decisão do Mercosul e da Unasul de não impor sanções econômicas ao Paraguai evitará que a comunidade de nações sul-americanas sofra desgaste entre o povo paraguaio, que, segundo informações não confirmadas, em maioria pode estar, até o momento, contra o golpe “parlamentar” que derrubou o presidente constitucional. Essa maioria, obviamente, constitui-se do que mais há no Paraguai: pobres e miseráveis.
Outro benefício da decisão em bloco de Mercosul e Unasul de suspender o Paraguai das entidades sem lhe impor sanções econômicas: contornou a decisão intempestiva de Hugo Chávez de suspender a venda de óleo diesel ao país, o que, obviamente, causaria sofrimento entre a população e poderia, a médio prazo, colocá-la contra nações que ora lhe defendem a democracia.
Para quem não sabe, com a Venezuela no Mercosul Chávez terá que adotar a decisão conjunta do organismo de não retaliar economicamente o Paraguai e, assim, terá que suspender o boicote petrolífero que iria lhe impor.
A sábia decisão dos dois organismos multilaterais também fará os golpistas chegarem fragilizados à eleição do ano que vem, o que permite supor que partidos de esquerda, alguns até sem representação parlamentar, podem sair beneficiados. A maioria dos paraguaios certamente irá optar por não votar em candidatos que poderão ser alvo de antipatia das potências vizinhas, das quais o Paraguai depende.
Por fim, além dos golpistas paraguaios também perdem os golpistas argentinos, bolivianos, brasileiros, chilenos, equatorianos, colombianos , peruanos, venezuelanos… Isso porque muitos desses – ou todos esses – salivaram com a possível vitória do golpe paraguaio. Sem que aqueles que o aplicaram pagassem um preço, isso, por óbvio, estimularia novas aventuras antidemocráticas na região.
Claro que sempre há o risco de o regime endurecer e de, assim, os golpistas, sabendo que suas chances eleitorais não são boas, tentarem melar ou até não realizar a eleição presidencial do ano que vem, quando forças ligadas ou identificadas com Lugo podem retornar ao poder e, agora,  talvez com um parlamento livre de golpistas. Todavia, nem o Mercosul, nem a Unasul esgotaram seus estoques de armas para combater o golpismo paraguaio.
Homenagem dos Movimentos Negros de Juiz de Fora
Escrevi este post de Juiz de Fora (MG), onde participei da cerimônia de abertura da Semana Nelson Silva, evento dos movimentos negros regionais que trabalha para promover a “vizibilização” dos “invisíveis”, que é como os chamei quando estive nesta cidade no ano passado. E que, agora, homenagearam a este blogueiro
Foi emocionante e honroso ter recebido o convite para estar em Juiz de Fora a fim de ser homenageado pela luta deste Blog “por igualdade e justiça”. Por isso, espero poder escrever logo não só sobre a homenagem, mas sobre a história de luta de um povo daquela que já foi uma das cidades mais importantes do mundo.
Relatarei a luta da comunidade negra de uma região dominada pelo racismo de grupos políticos, a candidatura promissora do PT na cidade e, acima de tudo, a luta épica e virtualmente cinematográfica de Adenilde Petrina, guerreira de ébano de pouco mais de um metro e meio de altura que este blog irá apoiar como puder.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Protocolos do Mercosul causam chilique na mídia golpista


Há quase uma semana que o assunto domina a mídia. CPI do Cachoeira, fotos e alianças com Maluf, tudo ficou subjacente a um assunto que não chega a empolgar a opinião pública brasileira, que sempre fica meio atônita com a política latino-americana, sem saber direito que importância ela tem. Todavia, a mídia continua mantendo o assunto na agenda.
Eles começaram timidamente. Verdade seja dita, nessas horas o único que assume quem é, que não tem prurido algum, é o colunista da Veja Reinaldo Azevedo. Esse, havendo injustiça, já se sabe que posição tomará. E que será imediata. Golpe de Estado contra governo de esquerda, então, é mel na chupeta. Só se for agora, para ele.
Particularmente, julgo melhor assim. As tentativas de dissimulação da grande mídia, dos editoriais, de certos colunistas, causam ainda mais repulsa do que a assunção “honesta” de (falta de) valores e convicções. Comportamento esse que a direita midiática e golpista sempre acaba exibindo, nessas horas.
Foi assim durante o golpe em Honduras. A mídia brasileira travou um longo combate contra o governo Lula. O mesmo ocorreu por toda a América Latina. Todavia, o ex-presidente não titubeou um só segundo. Deu asilo a Manuel Zelaya e ficou com ele até o fim.
A sociedade hondurenha foi às ruas em peso pedir o retorno da democracia, sendo então massacrada pelas forças armadas e, enquanto isso, a mídia golpista atacava a política externa brasileira sem parar. Àquela época, apesar de o tratado de constituição da Unasul ter sido recentemente assinado, o país golpeado estava na área de influência norte-americana e o golpe prevaleceu.
OEA e Unasul foram solenemente ignoradas, os relatos de mortes, prisões ilegais, tortura, espancamento e todo tipo de violação de direitos civis pelos golpistas se sucederam, mas os Estados Unidos, mais uma vez, legitimaram a ruptura democrática e o governo ilegítimo de Porfírio Lobo, que, constituído em uma obscura eleição sem observação internacional confiável, acabou restabelecendo relações com a comunidade internacional.
Os interesses que estão por trás da inundação midiática de defesas abertas do rito sumário que depôs o governo legitimamente eleito do Paraguai em pouco mais de 24 horas e sem direito de defesa ao governante destituído são os mesmos que apoiaram e deram sustentação publicitária a golpes de Estado ao longo de todo o século XX.
A mesma mídia que apoiou rupturas institucionais contra tantos governos legítimos durante o século passado continua apoiando o estupro da decisão dos povos latino-americanos e, como áquela época, sempre com o beneplácito dos Estados Unidos.
Oh, que surpresa!, a mídia golpista continua golpista, continua defendendo e legitimando golpes de Estado tanto quanto fez em 1964 pela última vez por aqui, e tantas outras vezes no resto do continente ao longo dos anos.
Desta vez, porém, há um temor midiático de que os golpistas paraguaios possam vir a pagar um alto preço que venha a desestimular novas aventuras antidemocráticas em países que, durante a década passada, estiveram várias vezes às portas de rupturas institucionais, países como Bolívia, Equador ou Venezuela. Sem falar nos ensaios de ruptura como o que aconteceu por aqui mesmo em 2005…
É por isso que, de quinta-feira passada para cá, quando começaram os rumores sobre o golpe parlamentar que seria dado no país vizinho, o grau de adesão a ele foi aumentando aos poucos até explodir, hoje, em um surto de histeria do bom e velho jornalista Elio Gaspari, a quem vale dedicar mais um parágrafo e, a seguir, a reprodução de seu chilique.
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O Globo / Folha de São Paulo
27 de junho de 2012
A leviana diplomacia do espetáculo
Elio Gaspari
Poucas vezes a diplomacia brasileira meteu-se numa estudantada semelhante à truculenta intervenção nos assuntos internos do Paraguai. O presidente Fernando Lugo foi impedido por 39 votos a 4, num ato soberano do Senado. Nenhum soldado foi à rua, nenhuma linha de noticiário foi censurada, o ex-bispo promíscuo aceitou o resultado, continua vivendo na sua casa de Assunção e foi substituído pelo vice-presidente, seu companheiro de chapa.
Nada a ver com o golpe hondurenho de 2009, durante o qual o presidente Zelaya foi embarcado para o exílio no meio da noite.
Quando começou a crise que levou ao impedimento de Lugo, a diplomacia de eventos da doutora Dilma estava ocupada com a cenografia da Rio+20. Pode-se supor que a embaixada brasileira em Assunção houvesse alertado Brasília para a gravidade da crise, mas foi a inquietação da presidente argentina Cristina Kirchner que mobilizou o Brasil.
A doutora achou conveniente mobilizar os chanceleres do Unasul, uma entidade ectoplásmica, filha da fantasia do multilateralismo que encanta o chanceler Antonio Patriota.
As relações do Brasil com o Paraguai não podem ser regidas por critérios multilaterais. Foi no mano a mano que o presidente Fernando Henrique Cardoso impediu um golpe contra o presidente Juan Carlos Wasmosy em 1996. Fez isso sem espetacularização da crise.
A decisão de excluir o Paraguai da reunião do Mercosul é prepotente e inútil. Quando se vê que o presidente Hugo Chavez, da Venezuela, cortou o fornecimento de petróleo ao Paraguai e que a Argentina foi além nas suas sanções, percebe-se quem está a reboque de quem.
Multilateralismo no qual cada um faz o que quer é novidade. Existe uma coisa chamada Mercosul, banem o Paraguai mas querem incluir nele a Venezuela, que não está na região e muito menos é exemplo de democracia.
Baniu-se o Paraguai porque Lugo foi submetido a um rito sumário. O impedimento seguiu o rito constitucional. Ao novo governo paraguaio não foi dada sequer a palavra na reunião que decidiu o banimento.
Lugo aceitou a decisão do Congresso e agora diz que liderará uma oposição baseada na mobilização dos movimentos sociais. Direito dele, mas, se o Brasil associa-se a esse tipo de política, transforma suas relações diplomáticas numa espécie de Cúpula dos Povos.
Vai todo mundo para o Aterro do Flamengo, organiza-se um grande evento, não dá em nada, mas reconheça-se que se fez um bonito espetáculo.
O multilateralismo da diplomacia da doutora Dilma é uma perigosa parolagem. Quando ela se aborreceu, com razão, porque um burocrata da Organização dos Estados Americanos condenou as obras da hidrelétrica de Belo Monte, simplesmente retirou do fôro o embaixador brasileiro. A OEA é uma irrelevância, mas, para quem gosta de multilateralismo, merece respeito.
A diplomacia brasileira teve um ataque de nervos na Bacia do Prata. O multilateralismo que instrui a estudantada em defesa de Lugo é típica de uma política externa biruta. O chanceler Antonio Patriota poderia ter se reunido com o então vice-presidente paraguaio Federico Franco vinte vezes, mas, se a Argentina queria tomar medidas mais duras, ele não deveria ter ido para uma reunião conjunta, arriscando-se ao papel de adorno.
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Esse jornalista presta serviços aos que puxam os cordões das ditaduras há muito tempo. Foi autor de obras sobre o regime militar brasileiro como A Ditadura envergonhada, A Ditadura Escancarada e A Ditadura Derrotada, obras essas que trataram de isentar as classes empresariais e os americanos de responsabilidade pelo golpe de 1964 e pela repressão.
Gaspari foi só o último. Arnaldo Jabor, na noite de terça-feira, tocou o mesmo disco quebrado de uma nota só sobre o golpe paraguaio, limitando-se a xingar os membros do Mercosul e da Unasul que estão cobrando, apenas, acordo que foi feito na região sobre processos de destituição de governos, como se verá mais adiante.
Já aquele colunista da página A2 da Folha que pensa que substitui Clóvis Rossi disse que Lugo caiu porque não tinha apoio popular – em que se baseou? No achismo. E também repisou a teoria de que a população paraguaia está conformada ou até feliz com o golpe quando o que se sabe é que os protestos se sucedem e que, nas ruas, o clima é de revolta.
Gasparis, Mervais Pereiras e pretensos Clóvis Rossis, claro, “pensam” como os patrões, cuja defesa do golpe está nos editoriais sobre cerceamento do direito de defesa dos que cercearam tal direito de um presidente legitimamente eleito. Ou relativizam a rapidez do processo que cassou a vontade do povo paraguaio ou simplesmente a extirpam das análises.
Há, porém, que combinar com os russos. Desta vez não se trata de um país em outro subcontinente e na área de influência de uma grande potência, mas de um vizinho que divide com o Brasil variados interesses e fronteiras extensas. E que se submeteu a cláusulas democráticas de instituições multilaterais como Mercosul e Unasul.
O Paraguai foi suspenso do Mercosul e os golpistas da mídia sul-americana reclamam direito de defesa dos golpistas de fato ignorando que o bloco, apesar de ter sido criado sob fundamentos comerciais e econômicos, desde o primeiro momento teve na política um fator de preocupação permanente devido ao histórico de implantação de ditaduras militares nas jovens democracias que o compõem.
Desde o tratado de Assunção, em 1991, à assinatura do Protocolo de Ushuaia, em 1998, existe o registro de 30 documentos jurídicos, entre Tratados, Protocolos e Acordos, registrados junto à Secretaria-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). A preocupação, em todo esse período, foi a de garantir que não se tolerariam novas rupturas nos países que, à diferença do resto da América do Sul, padeceram sob longas ditaduras militares.
O Protocolo de Ushuaia é considerado a primeira grande norma jurídico-política do processo de integração, ao regulamentar matéria de manutenção e compromisso democrático dos países membros do Tratado de Assunção, de 1991, que criou o Mercosul. A Unasul, por sua vez, envereda pelo caminho de ações conjuntas ainda mais “concretas” dos países que a compõem…
É preciso que fique bem claro que o Protocolo de Ushuaia não foi firmado por bolivarianos, mas pelos presidentes de então (1998) –  o da Argentina, Carlos Saul Menem; o do Brasil, Fernando Henrique Cardoso; o do Paraguai, Juan Carlos Wasmosy; e o do Uruguai,Julio Maria Sanguinetti.
O documento retratou um grau de preocupação com a manutenção da ordem democrática e elaborou mecanismos de articulação conjunta que permita um contato entre eles para promover pressões externas para fazer qualquer dos países membros do bloco respeitar valores dispostos nas constituições vigentes e a legalidade interna.
É preciso, também, ressaltar o Protocolo de Adesão à Declaração sobre Compromisso Democrático no Mercosul, em que os então presidentes das repúblicas da Bolívia (Gonzalo Sanchez de Lozada) e do Chile (Eduardo Frei Ruiz Tagle) referendaram o Compromisso Democrático no Mercosul.
Vale rever artigos do Protocolo Democrático do Mercosul que referendam as sanções ao Paraguai
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Artigo 3º – Toda ruptura da ordem democrática em um dos Estados Partes do presente
Protocolo implicará a aplicação dos procedimentos previstos nos artigos seguintes.

Artigo 4º – No caso de ruptura da ordem democrática em um Estado Parte do presente
Protocolo, os demais Estados Partes promoverão as consultas pertinentes entre si e com o
Estado afetado.

Artigo 5º – Quando as consultas mencionadas no artigo anterior resultarem infrutíferas, os
demais Estados Partes do presente Protocolo, no âmbito específico dos Acordos de Integração
vigentes entre eles, considerarão a natureza e o alcance das medidas a serem aplicadas,
levando em conta a gravidade da situação existente. Tais medidas compreenderão desde a suspensão do direito de participar nos diferentes órgãos
dos respectivos processos de integração até a suspensão dos direitos e obrigações resultantes
destes processos.
Artigo 6º – As medidas previstas no artigo 5º precedente serão adotadas por consenso pelos
Estados Partes do presente Protocolo, conforme o caso e em conformidade com os Acordos de
Integração vigentes entre eles, e comunicadas ao Estado afetado, que não participará do
processo decisório pertinente. Tais medidas entrarão em vigor na data em que se faça a
comunicação respectiva.
Artigo 7º – As medidas a que se refere o artigo 5º aplicadas ao Estado Parte afetado cessarão
a partir da data da comunicação a tal Estado da concordância dos Estados que adotaram tais
medidas de que se verificou o pleno restabelecimento da ordem
—–
Desta vez, à diferença do golpe em Honduras, está nas mãos dos países sul-americanos imporem um custo real e insuportável ao tradicional golpismo que marcou a história da região. Os Estados Unidos já deram sinais de que não arrumarão encrenca com países nos quais tem uma montanha de interesses só para fundamentar o golpismo de setores dos países do entorno paraguaio.
Nesse contexto, resgate-se a declaração do governo Dilma Rousseff que vem sendo repetida por ela e pela diplomacia brasileira: haverá alinhamento do Brasil às decisões do Mercosul e da Unasul. O governo brasileiro não tem como, nem querendo, abrir mão de um acordo do qual  pode vir a precisar…
A pressão da mídia em defesa do golpismo, portanto, não tem boas chances de prosperar. Daí o chilique que está se espalhando pelos impérios midiáticos de Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Peru, Uruguai e Venezuela. O golpismo paraguaio deverá custar caro aos seus autores, levando à loucura os que anseiam espalhá-lo pela região.

A transnacional Rio Tinto Alcán e o golpe de Estado no Paraguai

Grandes produtores de grãos (soja em especial) e as respectivas empresas do setor expressaram, desde a primeira hora, apoio ao golpe contra o presidente Fernando Lugo. Mas há outras empresas interessadas na mudança de governo como a canadense Rio Tinto Alcán, uma das maiores produtoras de alumínio do mundo. O governo canadense foi um dos primeiros, aliás, a aprovar o afastamento do presidente Lugo.

Parece ter passado despercebido na imprensa internacional que um dos primeiros países, depois do Vaticano e da Alemanha, que reconheceu o novo governo instalado no Paraguai mediante um golpe parlamentar, foi o Canadá. O governo do Canadá, através de sua embaixada de Buenos Aires, vem realizando desde 2009 um intenso lobby a favor da indústria extrativa Río Tinto Alcán que quer se instalar nesse país sul-americano.

Mas, o quê representa a Río Tinto Alcán ?

A Río Tinto Alcán (RTA) é a segunda maior produtora de alumínio no mundo, se dedica também a extração de diversos minerais e tem presença nos cinco continentes. As denúncias contra a RTA incluem acusações de genocídio e crimes de lesa humanidade.

Em Papua Nova Guiné, ilha de Bougainville, a empresa é acusada de ter instigado, em 1980, um levante armado que provocou o uso de forças militares e milhares de mortos. A seguir, depois que os trabalhadores começaram a sabotar a mina, em 1988, a Rio Tinto foi acusada de conspirar para impor um bloqueio que resultou na morte de cerca de 10 mil civis até 1997. O caso se encontra atualmente na Corte dos EUA, no caso "Sarei et al v. Rio Tinto Plc et al", 9ª Corte de Apelações, N° 02-56256.

O jornalista paraguaio Guido Rodríguez Alcalá faz uma breve mas contundente história da RTA no mundo: apoio ao regime racista da África do Sul; o governo da Noruega pôs a RTA na lista negra por atentar contra o meio ambiente e os direitos humanos; por razões similares, o movimento “Fora do Pódio” deseja eliminar a RTA como patrocinadora dos Jogos Olímpicos... E a lista continua.

O investimento no Paraguai: um enorme consumo de energia
É importante esclarecer que o Paraguai é produtor de energia hidroelétrica, compartilhando centrais binacionais com seus vizinhos, Argentina e Brasil. Entretanto, 4/5 desta energia é exportada e só 1/5 utilizada no país. A RTA deseja consumir, a baixos preços, uma quantidade equivalente (1/5). O investimento da RTA dividia o governo paraguaio. Embora o Presidente da República houvesse se manifestado contrário a um subsidio ao preço da energia, o ministro de Indústria e Comércio, Francisco Rivas - confirmado como ministro pelo novo presidente Federico Franco - e o então vice-presidente Federico Franco haviam se manifestado favoráveis a cumprir as condições da RTA para sua vinda ao Paraguai. O vice-ministério de Energia havia afirmado, entretanto, que os subsídios à energia para a RTA equivalia a US$200 milhões/ano, crescentes. Igual opinião compartilhavam outros ministros não liberais.

Posição complacente e crítica do Governo
Depois de duas audiências públicas realizadas pelo mesmo governo, a batalha na opinião pública parecia dividida. Por ser um assunto sumamente popular e com um apoio majoritário, o investimento da Río Tinto Alcán começou a gerar opiniões críticas dos mais diversos setores.

As opiniões mostram sua máxima polarização quando o então vice-presidente critica publicamente a vice-ministra de Minas e Energia, segundo publicação do jornal Ultima Hora, de 30 de maio passado: “Então, eu disse ao presidente da República (Lugo): para que me enviou ao Canadá e nos pôs a estudar isto, se no final uma vice-ministra (Mercedes Canese) vai se opor. Eu tenho o direito de pensar que o que se pretende é continuar favorecendo a economia brasileira, porque não cabe na minha cabeça que, podendo vender energia muito mais cara que a que cedemos ao Brasil, gerando emprego, impostos e divisas, tenha gente que se oponha a este projeto”. Similares publicações podem ser vistas em outros meios.

A afirmação de Franco é um falso dilema, pois a venda de energia do Paraguai de Itaipú ao Brasil gera divisas para o desenvolvimento e o investimento e, além disso, o que a RTA se propõe é pagar preços inferiores - inicialmente 32 US$/Mwh e atualmente 42 US$/Mwh - aos que o Brasil paga e que, embora ao preço atual de 52,2 US$/Mwh, somente produzem um pequeno beneficio (8,4US$/Mwh) e cobrem ao mesmo tempo os custos de produção (43,8US$/Mwh).

A RTA pressiona o governo para iniciar negociações
Depois das declarações de Federico Franco, a empresa manifestou seu interesse em iniciar as negociações com o governo, pressionando sobre o cronograma de instalação da planta. Assim, no dia 13 de junho foi publicada nos meios de comunicação a visita dos representantes da RTA ao Chefe de Gabinete da Presidência da República. Na oportunidade, seu representante, o hispano-brasileiro Juan Pazos, afirmou: “Consideramos, depois de três anos e meio que estamos no Paraguai, que o governo já tem todas as informações que necessita”. Evidentemente, um tema central é o preço da energia. Não se pode discutir o preço da energia, sem discutir o resto. Formam parte de um pacote”. A multinacional não informou o valor que considera "ideal" pela energia paraguaia.

O golpe em gestação
Dois dias depois, em 15 de junho, aconteceu a tragédia de Curuguaty. Uma juíza determinou uma ordem de busca e apreensão a pedido do empresário colorado Blas M. Riquelme, para resguardar sua suposta propriedade privada. A ação é coordenada pela promotoria e termina com a morte de 18 campesinos e policiais. No lugar, que depois a própria imprensa indicaria que eram terras públicas usurpadas por Blas M. Riquelme, havia menos de 50 pessoas no momento do massacre.

O resto é história. Nesse mesmo dia, Fernando Lugo substituiu Carlos Filizzola (da Frente Guasú) no Ministério do Interior pelo colorado, ex- Procurador Geral do Estado, Rubén Candia Amarilla, responsável por mais de 1000 denúncias de movimentos sociais e vinculado a Camilo Soares, ex- Secretário de Emergência Nacional, acusado por malversação e membro do primeiro círculo de Fernando Lugo. Na segunda-feira, 18 de junho, a Frente Guasú expressou seu desacordo com dita designação, junto com o Partido Liberal Radical Autêntico (partido de Federico Franco e Francisco Rivas) e, para mais desconcerto, a própria Associação Nacional Republicana, Partido Colorado, criticou sua nomeação.

Na quinta-feira, 21 de junho, a Câmara de Deputados aprovou a abertura de um processo político contra Fernando Lugo. No dia seguinte, 22 de junho, o Senado aprovou em tempo recorde o afastamento do presidente.

Golpe parlamentar
A notícia do jornal La Tercera, do Chile, reproduz a declaração do Secretário geral da OEA, José Miguel Insulza “...que, reconhecendo que o artigo 225 da Constituição do Paraguai confere faculdades à Câmara de Deputados para iniciar um juízo político e ao Senado para atuar como tribunal, 'a comunidade internacional formulou dúvidas fundadas sobre o cumprimento das normas contidas nos artigos 17 e 18 da Constituição do Paraguai e nos tratados internacionais subscritos por esse país, que consagram os princípios universais do devido processo e do legítimo direito de todo processado de defender-se, usando todos os recursos processuais, contando para isso com prazos suficientes entre o inicio do juízo e sua conclusão'...”.

O presidente do Paraguai teve menos de 24 horas para preparar sua defesa e não foram apresentadas provas - exceto fotocópias e publicações da imprensa - para formalizar as acusações.

Transnacionais, entre elas a RTA, as primeiras beneficiadas com o golpe
Corretamente, analistas políticos atribuíram aos grandes oligopólios da produção de grãos como os principais beneficiados do golpe de Estado contra Fernando Lugo. Lugo foi submetido a um sumaríssimo juízo político pela matança de Curuguaty, que desnuda uma realidade que não pode ser ignorada: oito milhões de terras mal havidas que não foram recuperadas pela Justiça, e o Paraguai com a pior distribuição da terra na região. Apesar de a ordem de despejo ter sido ditada por uma juíza e o operativo policial dirigido por uma fiscal, o julgado foi Fernando Lugo.

Entretanto, se esqueceram de um ator chave: a RTA.

Em seu discurso de posse, Federico Franco se referiu longamente ao tema energético, “Também impulsionará o setor energético para utilizar a energia gerada nas hidroelétricas de Itaipú e Yacyretá e 'que ninguém tenha que ir ao exterior procurar trabalho'.”

O Canadá reconheceu imediatamente. Logo em seguida, o nome de Francisco Rivas foi confirmado como Ministro de Indústria e Comércio e lobista da RTA. Evidentemente, as razões são milhões.

(*) Jornalista e pesquisador.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Santayana: os EUA estão de olho na Tríplice Fronteira

Conforme o Wikileaks revelou, a embaixada norte-americana informava, em 2009, que a direita preparava um “golpe democrático” contra Lugo.
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O Conversa Afiada reproduz artigo de Mauro Santayana do JB online:


O golpe em Assunção e a tríplice fronteira


A moderação dos Estados Unidos, que dizem estranhar a rapidez do processo de impeachment do presidente Lugo, não deve alimentar o otimismo continental. Em plena campanha eleitoral, a equipe de Obama (mesmo a senhora Clinton) caminha com cautela, e não lhe convém tomar atitudes drásticas nestas semanas. Esta razão os leva a deixar o assunto, neste momento, nas mãos da OEA. Na verdade, se as autoridades de Washington não ordenaram a operação relâmpago contra Lugo, não há dúvida de que o Parlamento paraguaio vem sendo, e há muito, movido pelo controle remoto do Norte.

E é quase certo que, ao agir como agiram, os inimigos de Lugo contavam com o aval norte-americano. E ainda contam. Conforme o Wikileaks revelou, a embaixada norte-americana informava a Washington, em março de 2009, que a direita preparava um “golpe democrático” contra Lugo, mediante o Parlamento. Infelizmente, não sabemos o que a embaixada dos Estados Unidos em Assunção comunicou ao seu governo depois e durante toda a maturação do golpe: Assange e Meaning estão fora de ação.

Não é segredo que os falcões ianques sonham com o controle da Tríplice Fronteira. Não há, no sul do Hemisfério, ponto mais estratégico do que o que une o Brasil ao Paraguai e à Argentina. É o ponto central da região mais populosa e mais industrializada da América do Sul, a pouco mais de duas horas de voo de Buenos Aires, de São Paulo e de Brasília. Isso sem falar nas cataratas do Iguaçu, no Aquífero Guarani e na Usina de Itaipu. Por isso mesmo, qualquer coisa que ocorra em Assunção e em Buenos Aires nos interessa, e de muito perto.

Não procede a afirmação de Julio Sanguinetti, o ex-presidente uruguaio, de que estamos intervindo em assuntos internos do Paraguai. É provável que o ex-presidente — que teve um desempenho neoliberal durante seu mandato — esteja, além de ao Brasil e à Argentina, dirigindo suas críticas também a José Mujica, lutador contra a ditadura militar, que o manteve durante 14 anos prisioneiro, e que vem exercendo um governo exemplar de esquerda no Uruguai.

Não houve intervenção nos assuntos internos do Paraguai, mas a reação normal de dois organismos internacionais que se regem por tratados de defesa do estado de direito no continente, o Mercosul e a Unasul — isso sem se falar na OEA, cujo presidente condenou, ad referendum da assembleia, o golpe parlamentar de Assunção.

É da norma das relações internacionais a manifestação de desagrado contra decisões de outros países, mediante medidas diplomáticas. Essas medidas podem evoluir, conforme a situação, até a ruptura de relações, sem que haja intervenção nos assuntos internos, nem violação aos princípios da autodeterminação dos povos.

A prudência — mesmo quando os atos internos não ameacem os países vizinhos — manda não reconhecer, de afogadilho, um governo que surge ex-abrupto, em manobra parlamentar de poucas horas. E se trata de sadia providência expressar, de imediato, o desconforto pelo processo de deposição, sem que tenha havido investigação minuciosa dos fatos alegados, e amplo direito de defesa do presidente.

Registre-se o açodamento nada cristão do núncio apostólico em hipotecar solidariedade ao sucessor de Lugo, a ponto de celebrar missa de regozijo no dia de sua posse. O Vaticano, ao ser o primeiro a reconhecer o novo governo, não agiu como Estado, mas, sim, como sede de uma seita religiosa como outra qualquer.

O bispo é um pecador, é verdade, mas menos pecador do que muitos outros prelados da Igreja. Ele, ao gerar filhos, agiu como um homem comum. Outros foram muito mais adiante nos pecados da carne — sem falar em outros deslizes, da mesma gravidade — e têm sido “compreendidos” e protegidos pela alta hierarquia da Igreja. O maior pecado de Lugo é o de defender os pobres, de retornar aos postulados da Teologia da Libertação.

Lugo parece decidido a recuperar o seu mandato — que duraria, constitucionalmente, até agosto do próximo ano. Não parece que isso seja fácil, embora não seja improvável. Na realidade, Lugo não conta com a maior parcela da classe média paraguaia, e possivelmente enfrente a hostilidade das forças militares. Os chamados poderes de fato — a começar pela Igreja Católica, que tem um estatuto de privilégios no Paraguai — não assimilaram o bispo e as suas ideias. Em política, no entanto, não convém subestimar os imprevistos.

Os fazendeiros brasileiros que se aproveitaram dos preços relativamente baixos das terras paraguaias, e lá se fixaram, não podem colocar os seus interesses econômicos acima dos interesses permanentes da nação. É natural que aspirem a boas relações entre os dois países e que, até mesmo, peçam a Dilma que reconheça o governo. Mas o governo brasileiro não parece disposto a curvar-se diante dessa demanda corporativa dos “brasiguaios”.

No Paraguai se repete uma endemia política continental, sob o regime presidencialista. O povo vota em quem se dispõe a lutar contra as desigualdades e em assegurar a todos a educação, a saúde e a segurança, mediante a força do Estado. Os parlamentos são eleitos por feudos eleitorais dominados por oligarcas, que pretendem, isso sim, manter seus privilégios de fortuna, de classe, de relações familiares.

Nós sofremos isso com a rebelião parlamentar, empresarial e militar (com apoio estrangeiro) contra Getulio, em 1954, que o levou ao suicídio; contra Juscelino, mesmo antes de sua posse, e, em duas ocasiões, durante seu mandato. Todas foram debeladas. A conspiração se repetiu com Jânio, e com Jango — deposto pela aliança golpista civil e militar, patrocinada por Washington, em 1964.

A decisão dos países do Mercosul de suspender o Paraguai de sua filiação ao tratado, e a da Unasul de só reconhecer o governo paraguaio que nasça das novas eleições marcadas para abril, não ferem a soberania do Paraguai, mas expressam um direito de evitar que as duas alianças continentais sejam cúmplices de um golpe contra o estado democrático de direito no país vizinho.

Crime organizado derrubou Lugo

No centro de São Paulo, na região da Praça Princesa Isabel, no bairro de Campos Elíseos, no fim da tarde, nos salões acanhados das agências de empresas de ônibus que fazem transporte de passageiros ao Paraguai, o movimento é frenético. Os ônibus chegam às paradas bem antes da partida a fim de ser carregados com grande quantidade de mercadorias.
As empresas de ônibus são paraguaias, argentinas e também brasileiras. Há uma meia dúzia de agências dessas empresas na região. Atualmente, boa parte dessas mercadorias (tecidos, roupas, calçados, material de construção, material elétrico etc.) passa normalmente pelo lado brasileiro do controle de fronteira com o Paraguai e, ao chegar do lado de lá, paga imposto.
As coisas mudaram muito de 2009 para cá.  Então, muito pouco do que era embarcado nos ônibus do lado brasileiro passava efetivamente pela aduana paraguaia. Os ônibus faziam paradas em Foz do Iguaçu para descarregarem a mercadoria e ela seguia em vans e barcos por caminhos alternativos até país vizinho. Sem pagar nada.
O comércio ilegal de mercadorias e o tráfico de armas e drogas sofreu um grande golpe com a chegada de Fernando Lugo ao poder. Em fevereiro de 2011, por exemplo, em reunião celebrada na capital paraguaia, Asunción, Lugo anunciou a criação de uma coordenadoria especial para combater o contrabando e o descaminho nas fronteiras do país.
O objetivo da coordenadoria de entidades como a Direção Nacional das Aduanas, o Ministério da Indústria e Comércio e o Ministério da Fazenda era frear a invasão de produtos contrabandeados dos países vizinhos para o Paraguai ou deste rumo aos países limítrofes, sobretudo Brasil e Argentina.
À época, a seguinte declaração de Lugo (abaixo) provocou a ira do empresariado paraguaio e dos amplos setores daquela sociedade que têm no contrabando uma das mais importantes fontes de receita:
Como vocês sabem, a luta contra o contrabando, fundamentalmente, faz alusão ao comércio exterior, tanto de importação como de exportação. Com esta comissão, que irá reunir-se mensalmente para coordenar planos específicos, esperamos poder reduzir este flagelo que afeta nosso país. A ideia aqui é tomar o tema em sua totalidade, porque sabemos também que, por trás dos pequenos contrabandistas, há grandes mentores, que são os beneficiários finais do processo. Os pequenos estão envolvidos, somente, como forma de subsistência
Todos os que conhecem o Paraguai sabem que “importar” mercadorias e insumos “en negro” sempre foi prática da quase totalidade do grande, do médio e até do pequeno empresariado daquele país. As empresas têm dois caixas e os fiscais do governo sempre foram facilmente corruptíveis.
Lugo combateu também, por exemplo, leis que permitiam trazer carros roubados no Brasil e legalizá-los do lado Paraguaio. Ou seja: o sujeito roubava o veículo do lado de cá, entrava no país vizinho, ia até a “Alcaldia” (prefeitura) e obtinha documentação e emplacamento. Simples assim. Era prática que funcionava também na Bolívia. Lugo e Evo Morales acabaram com a festa.
Ainda assim, a corrupção desbragada que vige no Paraguai ainda permite “legalizar” carros roubados no Brasil. Mas essa prática deixou de ser institucionalizada.
Outra medida de exceção estabelecida por Lugo foi dar liberdade de ação aos militares para promover prisões, buscar e combater grupos armados vinculados ao movimento de guerrilha Exército do Povo do Paraguai (EPP), acusado de manter vínculos com as FARC e com o crime organizado atuante na fronteira com o Brasil.
O estado de exceção foi decretado pelo governo paraguaio em cinco departamentos (estados) e evidenciou a atividade criminosa na região da fronteira.
A rentabilidade que o mercado negro gera a setores da sociedade paraguaia e a redes poderosas do crime organizado possuem vastas ramificações nas instituições daquele estado nacional, dominando decisões nos níveis Legislativo, Executivo e Judiciário. A corrupção, o contrabando e o tráfico são instituições paraguaias que Lugo tentou combater.
Quem conhece o Paraguai sabe do clima de revolta entre os setores que sempre se beneficiaram desse estado de coisas. O presidente anterior a Lugo, Nicanor Duarte, tinha ligações escancaradas com o contrabando. Ligações que até os postes da avenida Eusebio Ayala, em Assunção, onde o contrabando vai à venda, conhecem.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Lugo: quem ri por último, rirá melhor?

Causou perplexidade a forma como o presidente Lugo jogou a toalha, acatando seu impeachment, em golpe sumário, de forma até surpreendente pela falta de reação mais contundente. Chegou a sair com um sorriso do Palácio, coisa estranha para quem acabara de levar um golpe.

Ele poderia ter feito um escândalo na imprensa internacional, como fez Zelaya em Honduras, mas ficou voltado só para o embate interno no Paraguai. Poderia não ter enviado advogado para fazer sua defesa ao Senado para não legitimar o julgamento de impeachment. Poderia ter convocado de própria voz o povo nas ruas. Não fez nada disso.

Seria radicalismo cristão, ao oferecer a outra face após ser "esbofeteado" (de forma figurada) por dezenas de senadores e deputados?

Não. Ouvindo suas palavras no dia seguinte, nota-se que ele tem uma estratégia política.

É preciso entender a realidade do Paraguai, para tentar compreender os movimentos do presidente deposto.

Lugo foi eleito com uma coligação ampla, para vencer o partido colorado, das oligarquias, que estava no poder há décadas.

Ele, como o "bispo dos pobres", militante pela inclusão social. Do outro lado, o Parlamento eleito, inclusive com seus ex-aliados, era todo conservador e ele não conseguia governabilidade para fazer reformas populares. Mesmo na presidência, e com "vontade política", não conseguia fazer um governo verdadeiramente progressista. E ainda por cima, toda vez que não mandava baixar o porrete em movimentos sociais, era ameaçado de impeachment, até que aconteceu.

É improvável que Lugo tenha provocado seu próprio impeachment, mas a partir de certo ponto ele parece ter resolvido fazer do limão, a limonada. Em vez de passar 5 anos como um leão sem dentes na presidência, e passar a faixa devendo promessas que não teria como cumprir, preferiu expor seus adversários como seus algozes, e jogar o ônus de um governo travado pelo Congresso, a quem de direito.

Lugo foi derrubado da presidência aceitando o "processo legal", logo ninguém pode prendê-lo, nem persegui-lo. Por isso, ele já é o líder da oposição em campanha eleitoral que ocorrerá daqui a 10 meses. Em vez de ser vidraça por fazer um governo travado, voltou a ser estilingue contra o partido colorado (e seus ex-aliados, de seu vice, que viraram a casaca para o lado da oposição)

Parece que Lugo não pode ser candidato a presidente nas próximas eleições (talvez possa, há controvérsias), mas no sábado disse pensar em ser candidato ao senado. No Paraguai o voto é em lista. Lugo puxando a lista elegerá uma grande bancada, e seu partido ainda terá grande chance de fazer o presidente, afinal o mesmo discurso de mudança que o elegeu em 2008, continua atual, já que ele foi impedido. E os atuais adversários ainda irão para o pleito com a pecha de golpistas pendurada no pescoço.

Se não der errado, a coligação de esquerda de Lugo recupera a presidência em 2013 e com uma nova correlação de forças no parlamento muito mais favorável.

O Brasil é o país mais importante para o Paraguai, por suas relações econômicas e fronteiriças. O grande desafio do governo Dilma é rebater a jurisprudência do golpe de estado "constitucional" criado, e deixar claro que golpes não podem ser recompensados. Mais um precedente, além do que houve em Honduras, não é nada bom para américa latina. Mas também é preciso calibrar a dose ministrada de sanções, para não causar retrocesso maior no Paraguai. O vice já será um governo fraco, e se cair no caos, poderá emergir algo como um golpe pior de algum aventureiro, nos moldes dos golpes dentro do golpe do século passado, patrocinado por países imperialistas, para melar eleições livres.

Ao que tudo indica, o grande desafio no Paraguai para as forças políticas progressistas e solidárias latino-americanas será fortalecer o projeto oposicionista de Lugo e enfraquecer o governo golpista de Frederico Franco, até as próximas eleições (ou até alguma reviravolta que antecipe o processo).

Em tempo: há quem reclame outro caminho, como o da rebelião popular, mas é preciso entender que não existe mobilização suficiente para isso lá, como foi visto desde sexta-feira. O que parece haver é o desejo de mudança da maioria pobre e da classe média progressista, mas silenciosa, que se manifesta nas urnas. Portanto o caminho pacífico da política escolhido por Lugo ainda é o melhor remédio, por enquanto.

Leia também:

- Paraguai: Dessa vez a crise é nossa; os yankees apenas assistem de camarote

sexta-feira, 22 de junho de 2012

PRIMEIRO FOI HONDURAS. AGORA PARAGAUAI. QUAL O PRÓXIMO?Deter o golpe no Paraguai

Desde 2009 o presidente Fernando Lugo vem denunciando permanentes ações dos setores ultraconservadores para destituí-lo. Faltando nove meses para novas eleições presidenciais, a elite e os partidos de direita estão desesperados frente à iminente possibilidade de continuidade do governo.
Luciano Wexell Severo - Carta Maior

É tensa e lamentável a situação enfrentada pelo heroico povo do Paraguai. A democracia e os avanços sociais estão sendo ameaçados pelos setores mais conservadores e retrógrados da sociedade paraguaia. Está em execução um golpe de Estado dirigido por uma minoria privilegiada, por uma elite empresarial e uma oligarquia latifundiária, que cresceu e enriqueceu durante os 35 anos da ditadura militar de Alfredo Stroessner.

Os grandes meios de comunicação do Brasil, da América Latina e do mundo estão, naturalmente, em silêncio. Entretanto, graças às redes sociais e a iniciativas como o canal Telesul tem sido possível acompanhar os acontecimentos ao vivo. É importante lembrar que desde 2009 o presidente Fernando Lugo vem denunciando permanentes ações dos setores ultraconservadores para destituí-lo. Faltando nove meses para novas eleições presidenciais, a elite e os partidos de direita estão desesperados frente à iminente possibilidade de continuidade do governo.

Nesta quarta-feira, dia 21 de junho, em uma sessão relâmpago, 76 dos 80 deputados paraguaios aprovaram a abertura de um processo de impeachment contra o presidente. Os “argumentos” golpistas foram apresentados hoje e se pretende que o mandatário seja julgado e condenado amanhã, sexta-feira, até o final do dia. Quando pensamos que já vimos de tudo na América Latina surge algo novo. Trata-se de uma modalidade rara de golpe de Estado, sustentada por uma manipulação grosseira do poder legislativo. Houve três abstenções e a deputada Aida Robles, do Partido Participação Cidadã, foi a única que votou contra o julgamento-farsa.

A sessão parlamentar teve refinados toques de circo. Os deputados resolveram que amanhã, entre as 12h e as 17h30, se realizaria uma nova sessão. Conforme o estabelecido, o presidente Lugo teria duas horas para apresentar a sua defesa. Depois disso, os parlamentares propuseram analisar as “evidências” e anunciar o resultado. Obviamente, caso se leve a cabo este julgamento-farsa, o mandatário será destituído. Poucas vezes um parlamento de qualquer país do mundo tomou uma decisão tão importante em tão poucas horas. Isso não tem outro nome. É um golpe de Estado.

Entre os “motivos” apresentados pelos golpistas, prevalece o assunto do enfrentamento da semana passada, em Curuguaty, que causou a morte de 11 camponeses e seis policiais, além de haver deixado 50 feridos. Na ocasião, 100 famílias tentaram ocupar terras do latifundiário Blás Riquelme, ex-senador do Partido Colorado. Houve um tiroteio e este é o pano de fundo do golpe. Um dos parlamentares chegou a culpar Fernando Lugo de “cometer os piores crimes desde a Independência". Ou o deputado foi vítima de uma impressionante falta de memória ou tem o rabo preso com a ditadura de três décadas.

O caso de Curuguaty ainda não foi totalmente esclarecido, mas dirigentes dos movimentos sociais denunciam o envolvimento de franco-atiradores, que teriam disparado contra camponeses e policiais. Seria mais uma aplicação do chamado “crime de bandeira trocada”, a mesma estratégia tantas vezes utilizada na região para justificar intervenções e golpes.

O Paraguai é o quinto exportador de azeite de soja do mundo. Se bem a insatisfação da oligarquia latifundiária com o governo Lugo venha de longa data, recentemente houve um fato novo. O Serviço Nacional de Qualidade e Sanidade Vegetal e de Sementes (SENAVE) não autorizou o uso comercial da semente transgênica da Monsanto no país. Neste contexto, tem ganhado destaque a figura opositora de Aldo Zuccolillo, diretor proprietário do poderoso diário ABC Color e sócio principal da Cargill do Paraguai. O empresário opera em conjunto com a União de Grêmios de Produção (UGP), insinuando-se como uma possível liderança política.

Escutar as declarações e “acusações” dos deputados golpistas paraguaios gera uma mescla de sentimentos, que vão do espanto ao nojo. Comportaram-se como legítimos papagaios de Washington, portadores de um discurso digno da Guerra Fria e porta-vozes dos interesses da classe mais poderosa. Acusam o governo de “comunista”. Não faltaram patéticas referências à “paz”, à “liberdade” e à propriedade privada. Expressam, repetidas vezes e sem qualquer pudor, um profundo ódio às ações democratizantes do atual governo em benefício das classes populares, historicamente excluídas no país mais pobre da América do Sul.

De acordo com o Partido Popular Tekojoja, a iniciativa de realizar um julgamento deixa “evidente quem esteve por trás do massacre de camponeses e de policiais. Os principais beneficiados daquela tragédia agora revelam os seus verdadeiros interesses. Estão utilizando um acontecimento lamentável para atentar contra a democracia, o presidente e o povo paraguaio”.

Neste momento, uma missão oficial da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) está em Assunção reunida com o presidente paraguaio. Viajam os ministros de Relações Exteriores de Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Chile, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. Além disso, dezenas de milhares de paraguaios vindos de todas as regiões se dirigem às portas do parlamento na capital. Lugo, em cadeia nacional, afirmou que “o povo paraguaio saberá responder a esta ação de um setor egoísta que sempre concentrou privilégios e que agora não quer compartilhar os benefícios”. Finalizou dizendo que não renunciará e que saberá “honrar o compromisso assumido por meio da vontade das urnas”.

Como se sabe, Fernando Lugo é um ex-bispo católico, seguidor da Teologia da Libertação. Conta com o apoio de importantes movimentos sociais, mas sua maior debilidade parece estar no fato de não contar com uma estrutura partidária consolidada e organizada. Diversas iniciativas do governo têm sido boicotadas pelo parlamento opositor. Inclusive a entrada da Venezuela no Mercosul, amplamente vantajosa para a integração regional, está sendo trancada pelos deputados paraguaios há mais de cinco anos.

Somente a mobilização popular pode frear o golpe. Apenas para fazer referência ao período mais recente, que não se repita um golpe de Estado similar ao perpetrado sobre o presidente Manuel Zelaya, de Honduras, em 2009. E que prevaleça a vontade popular, a mobilização e a resistência, como ocorreu na tentativa frustrada de derrubar o presidente Rafael Correa, do Equador, em 2010. Ao mesmo tempo, espera-se que as Forças Armadas do Paraguai sejam dignas de suas fardas, livrem-se de uma vez por todas do fantasma da ditadura de Stroessner e se mantenham ao lado do povo. Há força suficiente para impedir o julgamento-farsa e deter o golpe.

(*) Professor Visitante da Universidade da Integração Latino-Americana (UNILA)

GOLPE DE ESTADO EM MARCHA NO PARAGUAI:

*Lugo fala de madrugada na rede Telesur e denuncia 'golpe expresso'.





Golpe branco no Paraguai?

 


Fernando Lugo esteve praticamente durante todo seu mandato sob ameaça de impeachment da oposição. Era um reflexo da fragilidade de apoio ao governo no Congresso.

Essa fragilidade nasceu já na campanha eleitoral, quando Lugo aparecia como o único líder capaz de derrotar a ditadura de mais de 30 anos do Partido Colorado, mas os movimentos sociais não acreditavam nessa possibilidade e se mantiveram distanciados da campanha quase até o seu final.

Lugo buscou o apoio do principal partido opositor, o Partido Liberal, moderado, mas sem unificar todas as forças anti-coloradas, seria impossível terminar com a ditadura. Os movimentos sociais, por seu lado, não gostavam dessa aliança, sem oferecer alternativa a Lugo.

Quando finalmente os movimentos sociais – ou grande parte deles – se decidira a participar do processo eleitoral, haviam chegado tarde, com pouco tempo para campanha, além de que foram às eleições divididos e só conseguiram eleger dois parlamentares. Lugo começou o governo sem base parlamentar própria, dependente do Partido Liberal e com um vice, deste partido, que rapidamente foi passando a se opor a seu governo, embora, naquele momento, a maioria do Partido Liberal o apoiasse.

Essas travas políticas dificultaram muito o governo de Lugo, que só mais recentemente assumiu uma postura mais decidida, buscando avançar na reforma agrária e em outras medidas, às quais se opuseram todos os partidos tradicionais.

Foram se seguindo enfrentamentos grandes, especialmente no campo, com a resistência dos grandes proprietários de terras, quase todos ligados à produção de soja com transgênicos para exportação, diante das reivindicações dos movimentos camponeses. O sangrento episódio desta semana foi mais um, o mais selvagem, com 11 camponeses e 5 policiais mortos.

Foi a gota d’agua que a oposição esperava para tentar derrubar Lugo, ante mesmo do final do seu mandato, no primeiro semestre do ano próximo. O Partido Liberal decidiu a saída dos membros do partido do governo, praticamente esvaziando-o e somando-se à tentativa de impeachment, que pretende uma via rápida, um golpe branco para derrubar o primeiro presidente popular em tantas décadas da sofrida historia paraguaia.

Mesmo acusando Lugo pelos sangrentos enfrentamentos e criticando a substituição dos ministros diretamente responsáveis por eles por outros ainda piores, os movimentos populares – a grande maior camponeses – se deram conta de como a situação é usada pela direita para tentar terminar com o governo Lugo, circunstância em que eles seriam as principais vitimas e se mobilizam para tentar impedir o impeachment.

Esse é o cenário hoje em Assunçao: o Congresso tentando uma derrubada rápida de Lugo, que apresentou sua defesa. Movimentos populares concentrados na praça central da cidade, em frente ao Congresso. Chanceleres dos países da Unasul presentes no país, ameaçando o isolamento de um eventual novo governo, caso se configure um golpe branco contra Lugo. As próximas horas serão decisivas no futuro do país.

Da mesma forma que Hugo Chavez, Lula, Evo Morales, Rafael Correa, Cristina Kirchner, Lugo pode se valer dos ataques golpistas da oposição para virar o jogo a seu favor. Ou ser derrubado pela direita, que colocará um governo provisório até as eleições do ano que vem, que ganhará contornos de enfrentamentos abertos entre as forças de Lugo e a oposição. Espera-se que desta vez aquelas marchem unidas desde o começo e possam destravar os empecilhos que bloqueiam o governo de Lugo e ameaçam derrubá-lo.
Postado por Emir




“Estamos diante de uma guerra não convencional”

Em uma entrevista especial concedida à Carta Maior e aos jornais Página/12, da Argentina, e La Jornada, do México, o presidente do Equador, Rafael Correa analisa o que considera ser um dos principais problemas do mundo hoje: o poder das grandes corporações de mídia que agem como um verdadeiro partido político contra governos que não rezam pela sua cartilha. “Essa é a luta, não há luta maior. Estamos diante de uma guerra não convencional, mas guerra, de conspiração, desestabilização e desgaste”.

Rio de Janeiro - Representante de uma nova geração de líderes políticos da esquerda latinoamericana, o presidente do Equador, Rafael Correa, foi lançado para a linha de frente do cenário político mundial com o pedido de asilo político feito, em Londres, pelo fundador do Wikileaks, Julian Assange. Há poucas semanas, Assange entrevistou Correa e os dois conversaram, entre coisas, sobre um tema de interesse de ambos: as operações de manipulação conduzidas pelas grandes corporações midiáticas. Agora, durante sua passagem pela Rio+20, Rafael Correa voltou com força ao tema.

Em uma entrevista especial concedida à Carta Maior e aos jornais Página/12, da Argentina, e La Jornada, do México, analisa este que considera ser um dos principais problemas do mundo hoje: o poder das grandes corporações de mídia que, na América Latina, agem como um verdadeiro partido político contra governos que não rezam pela cartilha desses grupos. “Essa é a luta, não há luta maior. Estamos diante de uma guerra não convencional, mas guerra, de conspiração, desestabilização e desgaste”.

Na entrevista, Correa fala sobre o pedido de asilo de Assange, relata o debate sobre uma nova lei de comunicações no Equador e faz um balanço pessimista sobre os resultados da Rio+20.

Há um argumento segundo o qual a liberdade de imprensa é propriedade dos meios de comunicação empresariais. Imagino que essa não seja a sua opinião.

Correa: Não nos enganemos. Desde que se inventou a impressora a liberdade de imprensa, entre aspas, responde à vontade, ao capricho e à má fé do dono da impressora. Devemos lutar para inaugurar a verdadeira liberdade de imprensa que é parte de um conceito maior e um direito de todos os cidadãos, que é a liberdade de expressão, que defendemos radicalmente. No entanto, o poder midiático que faz negócios com o objetivo de ter lucro, até isso quer privatizar. Então, se eles têm tanta vocação para comunicar, como dizem, que o façam sem finalidades lucrativas, porque para mim isso é uma contradição.

Este é um grande problema na América Latina e também em nível planetário. Tenho tomado conhecimento que existem posições semelhantes às nossas, mas houve um tempo em que nos sentíamos muito sozinhos, quando fomos vítimas de um ataque tremendo por não abaixar a cabeça diante de um negócio muitas vezes corrupto e encoberto sob a capa da liberdade de expressão. Essa é a luta, não há luta maior.

Presidente, nestes dias foram divulgados telegramas pelo Wikileaks onde apareceram jornalistas equatorianos que eram considerados informantes pela embaixada dos Estados Unidos. Isso confirma as hipóteses levantadas quando você foi vítima de um golpe de Estado.

Correa: As mentiras deles sempre acabam sendo derrubadas. Entidades que financiam esses empórios midiáticos, certas organizações que, em nome da sociedade civil, nos denunciam ante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a SIP, ante todos os lados. Agora vemos que esses senhores são identificados via Wikileaks como informantes da embaixada (estadunidense). Wikileaks que nunca é publicado pela maioria da imprensa comercial. Não é só isso. Essa gente é financiada pela USAID, que vocês conhecem. A USAID financiou com 4,5 milhões de dólares a estes supostos defensores da liberdade de expressão, supostamente para fortalecer a democracia e a ação cívica. Na verdade, para fortalecer a oposição aos governos progressistas da América Latina e os povos da região tem que reagir contra esse tipo de prática.

Independentemente da solicitação do senhor Assange – ele solicitou asilo político -, ele disse que quer vir para o Equador para seguir cumprindo sua missão em defesa da liberdade de expressão sem limites, porque o Equador é um território de paz comprometido com a justiça e a verdade. Isso que o senhor Assange disse é mais próximo da realidade do Equador do que as porcarias que o poder midiático publica todos os dias.

Sabemos que o senhor ainda não tomou uma decisão sobre a situação que está atravessando alguém que revelou informações secretas sobre conspirações dos Estados Unidos e está pagando com a prisão por ter trabalhado pela liberdade de imprensa.

Correa: Se, no Equador, alguém tivesse passado a centésima parte do que passou Assange, nós seríamos chamados de ditadores e repressores, mas como o que Assange divulgou afeta as grandes potências e isso evidencia uma moral dupla e como os Estados nos tratam por meio de suas embaixadas, então é preciso aplicar todo o peso da lei contra Assange. E o chamam de violador.

Eu não quero antecipar minha decisão. Recebemos o pedido de asilo, analisaremos as causas desse pedido e tomaremos uma decisão quando for pertinente. Ele está em nossa em nossa embaixada em Londres sob a proteção do Estado equatoriano.

É claro que há aqui uma dupla moral, uma para os poderosos e outra para os débeis, uma para os que querem manter o status quo e para sua imprensa, e outra para os governos que querem mudar esse status quo e para a imprensa alternativa. Todos os dias há julgamentos em países desenvolvidos contra jornais. Neste caso não há problema, porque isso é civilização, mas, processar em nosso país um jornal ou um jornalista é qualificado como barbárie. E não é verdade que nós criminalizamos a opinião, pois em nosso país todos os dias publicam tudo, todos os dias publicam que há falta de liberdade de expressão. Qualquer um pode dizer que o governo é bom ou mau, que é competente ou incompetente. Mas o que não pode se dizer em um meio de comunicação é que o presidente, ou qualquer cidadão, é um criminoso de lesa humanidade e que ele disparou sem aviso prévio contra um hospital, porque isso é difamação, isso é delito em qualquer país.

O caso Assange pode dar origem a uma tensão diplomática entre Equador e Grã-Bretanha?

Correa: Isso é a última coisa que queremos, mas nós não vamos pedir permissão a nenhum país para tomar decisões soberanas. O Equador não tem mais alma de colônia nem alma de vassalo. Se dar asilo, refúgio ou residência a fugitivos da justiça provocasse deterioração, a relação da América Latina com os Estados Unidos estaria deterioradíssima. Porque, provavelmente, Argentina, Brasil, México e outros países não devem estar de acordo que qualquer fugitivo que viole a justiça. Esse não é o caso do senhor Assange, mas sim de corruptos como os banqueiros que quebraram o Equador em 99 e fugiram para os Estados Unidos, onde gozam hoje de uma vida bastante cômoda.

Vocês têm um Murdoch no Equador?

Correa: No Equador, temos seis famílias que representam heranças familiares, não é propriedade democrática, um capitalismo popular onde há 10 mil acionistas em um empório. Os meios de comunicação no Equador são manejados por meia dúzia de famílias, que decidem o que os equatorianos devem saber e conhecer. Vocês se dão conta da vulnerabilidade que temos como sociedade? A informação depende dos interesses e dos caprichos de meia dúzia de famílias. Mas se um governo soberano e digno não as chama para consultar sobre o nome dos ministros ou sobre a indicação de embaixadores, como ocorria antes, vão com tudo para cima desse governo porque ele não se submete aos seus caprichos. É um problema mundial, mas em outros países é atenuado com participação, profissionalismo muito profundo, uma ética muito forte, tudo o que brilha por sua ausência aqui no Equador.

Presidente, um funcionário da Usaid acaba de dizer que eles estão ajudando as oposições a estes governos.

Correa: Franqueza anglo-saxã.

Impunidade?

Correa: Impunidade e arrogância.

Essa ideia nos fala de um tempo da informação como arma de guerra e a América Latina sofre uma verdadeira invasão dessas fundações como a USAID, a NED, o IRI. Isso não torna muito perigosa a nossa situação? A presença das ONGs destas fundações não é perigosa para o Equador?

Correa: Oxalá consigamos despertar os povos latino-americanos para essa situação. As direitas, os grupos de poder, sabem que nas urnas não conseguirão nos derrotar. Daí as campanhas contínuas de desgastes, de propaganda, de difamação, de enfraquecimento e desestabilização. Nós vivemos isso desde os primeiros dias de governo. Desde o primeiro dia de governo. O mesmo ocorre na Venezuela, na Bolívia, na Argentina e em todos os governos progressistas da região. Sofremos as campanhas desses meios que são a vanguarda do capitalismo, do status quo dos partidos tradicionais de direita que se afundaram por seus próprios erros, para difamar, para distorcer a verdade com a cumplicidade de veículos da mídia internacional.

Essa é a contradição de que fala Ignacio Ramonet. Na Europa hoje há desemprego, estagnação, resgate de milionários, resgate de bancos e não de cidadãos, e os jornais dizem que isso é necessário, que é sério, técnico e correto. Que as pessoas morram de fome, precisamos salvar o capital! Enquanto isso, em países como o Equador, que é um dos que mais crescem na América Latina, que reduziu a pobreza, gerou mais emprego, tem a taxa de desemprego mais baixa da região e da história, todos os dias nos dizem que isso é populismo e demagogia, que é preciso mudar de governo.

Estamos ante uma campanha propagandística para defender os poderes fáticos que sempre dominaram nossos países. A direita perdeu as eleições nos Estados Unidos e agora chegam essas organizações para financiar esses grupos na América Latina. Estamos diante de uma guerra não convencional, mas guerra, de conspiração, desestabilização e desgaste.

Por isso pergunto sobre o tema da informação como arma de guerra, como a arma letal antes do primeiro disparo.

Correa: Estou convencido disso. Alguns ainda imaginam a imprensa, sobretudo na América Latina, como o quarto poder nascente, que floresceu quando chegaram as democracias, quando ocorreram avanços técnicos e se multiplicaram as publicações, quando se avançou na alfabetização e as grandes massas passaram a poder ler. Esse poder impediria que o poder político, o poder do Estado, ultrapasse certos limites. Assim chegou a desinformação. Lembremos, por exemplo, do affair Dreyfus na França, quando por racismo e xenofobia se acusou um capitão judeu, como denunciou Emile Zola em seu famoso editorial “Eu acuso”. Essa imprensa limitava os excessos do poder político, mas esse vigoroso e ingênuo cachorrinho, bem intencionado, que lutava pelos interesses dos cidadãos, converteu-se de repente em um mastim feroz, com um poder ilimitado, raivoso, que não só tenta encurralar o Estado como também os próprios cidadãos.

O poder midiático na América Latina, como ocorre no Equador, é frequentemente superior ao poder político. Precisamos tirar certos estereótipos de cena ou do ambiente de certa burocracia internacional como alma de ONG, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos que fala de pobrezinhos jornalistas e de malvados políticos. Isso não é certo. Os políticos são, muitas vezes, patrióticos. A antipatia que certos jornalistas alimentam, desfiando seus ódios e amarguras, acaba fazendo com que se metam inclusive em questões pessoais, com a família, etc. Então, vejamos a realidade. Trata-se de tabus e nos ensinaram a ter medo de criticar esses negócios, como se, criticando-os, estaríamos criticando a liberdade de expressão. Esses são os negócios da má imprensa.

Presidente, viremos a página e passemos à crise

Correa – É que esse tema (da mídia) me apaixona. É um tema acadêmico que me apaixona, ao qual dedicarei meu tempo quando sair da presidência. Pretendo me dedicar a ele, investigar e escrever porque se trata de um problema gravíssimo, porque estamos nas mãos de um poder midiático que superou inclusive o poder financeiro e político, e domina o mundo.

Você resumiu ontem em uma palavra o documento final da Rio+20, classificando-o como “lírico”...

Correa – É assim. Não há compromisso concreto. Podem verificar. Onde há um compromisso em cifras, por exemplo, com o limite de emissões de gases, compensações, acordos, acordos vinculantes como seria uma declaração de direitos da natureza em um tribunal internacional do meio ambiente, como propôs o Equador. Não há nada disso. Fala-se de cuidar melhor do planeta, mas não há um compromisso concreto. O avanço é muito pequeno.

A que atribui a ausência dos Estados Unidos e da Alemanha? Elas podem ter contribuído para essa falta de compromissos concretos?

Correa – Vai mais além. O problema não é técnico. Todo mundo sabe qual é o problema, todo o mundo sabe quais são as respostas. O problema é político. Quem gera os bens ambientais e quem consome esses bens ambientais? Se os países ricos ou os países em desenvolvimento podem consumir gratuitamente um bem que outros geram por que é que vão se comprometer a compensar e cuidar. Não farão isso a não ser que esteja em perigo evidente sua própria existência ou seus próprios interesses.

Então, o problema é político, é a relação de poder. Imagine que a situação fosse a inversa, que a Floresta Amazônica, por exemplo, estivesse nos Estados Unidos e que eles fossem geradores de bens ambientais e que nós dos países em desenvolvimento fôssemos os consumidores. Já teriam nos invadido em nome dos direitos humanos, da justiça, da liberdade, etc., para exigir compensações. Então, esse é um problema de poder. Enquanto não mudarem as relações de poder, muito pouco se irá avançar.

Considera então que o saldo provisório da Rio+20 é um fracasso?

Correa – Sim. Não se conseguiu avançar quase nada. Não há compromisso concreto, nada concreto. Nem sequer dinheiro. Houve uma reunião do G-20 no México e a maioria, 80% dos que estavam lá, regressaram para suas casas. Não vieram para a Rio+20. Não interessa. Apenas alguns poucos vieram para a Cúpula, sobretudo latino-americanos.

Houve também a Cúpula dos Povos, um encontro muito interessante.

Correa – Quisemos participar, mas não foi possível, estava muito longe. Infelizmente foi um problema de logística. Mas vamos ter um evento de direitos da natureza, paralelo à Cúpula, nos mesmos locais da Cúpula, para o qual convidamos 400 dirigentes de organizações sociais alternativas, progressistas de esquerda que buscam a justiça de nossa América e do mundo inteiro. O presidente Evo Morales também participará dessa conferência.

Eu queria perguntar-lhe sobre o que representam estas alianças como a do Pacífico (Colômbia, Chile, Peru e México) e o anúncio feito pelo presidente Felipe Calderón do Transpacífico, que é algo novo. Isso pode ser visto como uma ameaça à integração e à unidade da América Latina?

Correa – Bom, o maior problema em essência sobre o tema do cuidado com o meio ambiente e que também está na base da crise da Europa e dos Estados Unidos é que tudo foi mercantilizado. Eles não querem ver isso porque afeta os interesses dominantes. O mercado é uma realidade econômica que não podemos negar, mas o grande desafio da humanidade é que a sociedade deve conseguir dominar o mercado. O que temos hoje é o mercado dominando a sociedade e as pessoas, mercantilizando tudo. Como o mercado só se interessa pelo que é mercadoria, pelo que tem preços explícitos, não administra adequadamente bens públicos como o meio ambiente. Por isso pode consumir irresponsavelmente bens ambientais, bens públicos globais, depredar a natureza, etc., porque não têm preços explícitos, porque não são mercadoria.

Então, quanto mais se ampliar essa lógica do mercado, mais esses problemas se agravarão e os perigos serão ainda maiores para a conservação do planeta. Eu diria que nós somos muito críticos destes tratados de livre comércio, somos muito críticos da mercantilização da vida e da humanidade em geral. Esse é um dos grandes desafios que enfrentamos. Insisto, o mercado é um fenômeno econômico irrefutável, mas o grande desafio é fazer com que as sociedades dominem o mercado e não o contrário.

Senhor presidente, que medidas os países da América Latina deveriam tomar para não perder o rumo da histórica na direção de uma integração regional soberana e progressista. Como vê os avanços no Mercosul, na Unasul e na Comunidade Andina de Nações (CAN)?

Correa – Avançou-se como nunca antes. Isso não quer dizer que estejamos bem. Teremos que avançar muito mais rápido. Creio que há uma vocação concreta e uma posição integracionista sincera, não uma integração mercantilista como havia antes. O Mercosul nasceu na noite neoliberal dos anos 90. A CAN nasceu a todo vapor e depois diminuiu. A integração mercantilista não quer fazer grandes sociedades de nações, mas sim grandes mercados, não fazer cidadãos de nossa América, mas sim consumidores. A concepção da Unasul é diferente. Nós temos uma concepção integral, onde uma parte é comercial, que sempre é importante, mas não é o mais importante, e as outras partes tem a ver com conectividade, nova arquitetura financeira regional, harmonização de políticas, políticas de defesa. Oxalá consigamos avançar também em políticas trabalhistas para que nunca mais caiamos na América Latina na armadilha de competir para atrair investimentos, deteriorando e precarizando as forças de trabalho. Ao invés de atrair capitais na base do suor e das lágrimas de nossos trabalhadores, pensamos em outro mundo. Como disse, creio que avançamos, mas precisamos ir muito mais rápido.

O senhor tocou de passagem o tema do Conselho de Defesa Sulamericano, que está objetivamente estancado, e seu país sofreu um ataque estrangeiro em 2008. Na sua avaliação, com a chegada do presidente Santos na Colômbia, a hipótese de tensões entre Colômbia e Equador está completamente dissipada?

Correa - As relações bilaterais entre Equador e Colômbia gozam de um extraordinário momento. Há uma grande coordenação com o governo do presidente Santos. A Colômbia sempre foi o vizinho com o qual tivemos a melhor relação em nossa história. Infelizmente, essa história, séculos de irmandade, foi rompida pela traição de um presidente como Uribe. Mas, graças a deus, com o governo do presidente Santos isso foi superado e creio que ele também tem uma vocação integracionista muito profunda e apoia – de fato, tem apoiado – a proposta do Conselho de Defesa.

O Conselho de Defesa teve seus primeiros estremecimentos com o anúncio da radicação de tropas dos Estados Unidos na Colômbia. Essa possível radicação de tropas norte-americanas na Colômbia está definitivamente abortada?

Correa – Não tenho maiores conhecimentos a respeito desse assunto. Até onde sei há uma estreita colaboração norteamericana com o pretexto da luta antidrogas e oxalá que a ajuda se concentre aí. Mas temos que fazer um esforço de bastante ingenuidade para nos convencermos disso porque muitas vezes se fazem outras coisas com essas supostas ajudas, sobretudo com governos que não sigam a linha de Washington.

A pergunta anterior está associada a outras situações graves como a remilitarização com novas bases no Panamá e outros três centros operacionais do comando Sul , uma base nova no Chile e nas Malvinas o grande problema é a base britânica ali instalada. Toda esta expansão dos Estados Unidos não é ameaçadora para a região?

Correa - Nós queremos nos convencer que com Barack Obama, que acreditamos ser uma boa pessoa, a política internacional dos EUA mudou, mas as evidências nos mostram que não é assim, que tudo continua lamentavelmente igual, sobretudo no que diz respeito à América Latina, cujos governos comprometidos com justiça, dignidade e soberania passaram a ser vistos como uma ameaça para seus interesses. Devemos estar muito atentos a essa presença das forças armadas norte-americanas em nossa América e a esse processo de rearmamentismo que está ocorrendo nesta época tão difícil e complexa.


Começou o processo de invasão de nossas fronteiras? Cuidado a OTAN, pode estar por trás


A Câmara dos Deputados aprovou a abertura do processo de impedimento do presidente da República, Fernando Lugo, em rito sumário na quinta- feira. Hoje, às 13 hs, horário de Brasília, Lugo fala ao Parlamento que às 17:30 pode decidir o impeachment, a pretexto de negligência diante de conflitos agrários que o Presidente tenta resolver através da negociação política e não da violência contra os camponeses.(Leia nesta pág)
 

A crise no Paraguai e a estabilidade continental


Mauro Santayana  
 
Toda unanimidade é burra, dizia o filósofo nacional Nelson Rodrigues. Toda unanimidade é suspeita, recomenda a lucidez política. A unanimidade da Câmara dos Deputados do Paraguai, em promover o processo de impeachment contra o presidente Lugo, seria  fenômeno político surpreendente, mas não preocupador se não estivesse relacionado com os últimos fatos no continente.
Na Argentina, a presidente Cristina Kirchner enfrenta uma greve de caminhoneiros, em tudo por tudo semelhante à que, em 1973, iniciou o processo que levaria o presidente Salvador Allende à morte e ao regime nauseabundo de Augusto Pinochet. Hoje, todos nós sabemos de onde partiu o movimento. Não partiu das estradas chilenas, mas das maquinações do Pentágono e da CIA. Uma greve de caminhoneiros paralisa o país, leva à escassez de alimentos e de combustíveis, enfim, ao caos e à anarquia. A História demonstra que as grandes tragédias políticas e militares nascem da ação de provocadores.
O Paraguai, neste momento, faz o papel do jabuti da fábula maranhense de Vitorino Freire. Ele é um bicho sem garras e sem mobilidade das patas que o faça um animal arbóreo. Não dispõe de unhas poderosas, como a preguiça, nem de habilidades acrobáticas, como os macacos. Quando encontrarmos um quelônio na forquilha é porque alguém o colocou ali.
No caso, foram o latifúndio paraguaio — não importa quem disparou as armas — e os interesses norte-americanos. Com o golpe, os ianques pretendem puxar o Paraguai para a costa do Pacífico, incluí-lo no arco que se fecha, de Washington a Santiago, sobre o Brasil.  Repete-se, no Paraguai, o que já conhecemos, com a aliança dos interesses externos com o que de pior há no interior dos países que buscam a igualdade social. Isso ocorreu em 1954, contra Vargas, e, dez anos depois, com o golpe militar.
Não podemos, nem devemos, nos meter nos assuntos internos do Paraguai, mas não podemos admitir que o que ali ocorra venha a perturbar os nossos atos soberanos, entre eles os  compromissos com o Mercosul e com a Unasul. Mais ainda: em consequência de uma decisão estratégica equivocada do regime militar, estamos unidos ao Paraguai pela Hidrelétrica de Itaipu. O lago e a usina, sendo de propriedade binacional, se encontram sob uma soberania compartida, o que nos autoriza e nos obriga a defender sua incolumidade e o seu funcionamento, com todos os recursos de que dispusermos.
Esse é um aspecto do problema. O outro, tão grave quanto esse, é o da miséria, naquele país e em outros, bem como em bolsões no próprio território brasileiro. Lugo pode ter, e tem, todos os defeitos, mas foi eleito pela maioria do povo paraguaio. Como costuma ocorrer na América Latina, o povo concentrou seu interesse na eleição do presidente, enquanto as oligarquias cuidaram de construir um Parlamento reacionário. Assim, ele nunca dispôs de maioria no Congresso, e não conseguiu realizar as reformas prometidas em campanha.
Lugo tem procurado, sem êxito, resolver os graves problemas da desigualdade, da qual se nutriram líderes como Morínigo e ditadores como Stroessner. Por outro lado, o Parlamento está  claramente alinhado aos Estados Unidos — de tal forma que, até agora, não admitiu a entrada da Venezuela no Tratado do Mercosul.
O problema paraguaio é um teste político para a Unasul e o conjunto de nações do continente. As primeiras manifestações  —  entre elas, a da OEA  —  são as de que não devemos admitir golpes de Estado em nossos países. Estamos, a duras penas, construindo sistemas democráticos, de acordo com constituições republicanas, e eleições livres e periódicas.
Não podemos, mais uma vez, interromper esse processo a fim de satisfazer aos interesses geopolíticos dos Estados Unidos, associados à ganância do sistema financeiro internacional e das corporações multinacionais, sob a bandeira do neoliberalismo.
Os incidentes na fronteira do Paraguai com o Brasil, no choque entre a polícia e os camponeses que ocupavam uma fazenda de um dos homens mais ricos do Paraguai, Blas Riquelme, são o resultado da brutal desigualdade social naquele país. Como outros privilegiados paraguaios, ele recebeu terras quase de graça, durante o governo corrupto e ditatorial de Stroessner e de seus sucessores.
Entre os sem-terra paraguaios, que entraram na gleba, estavam antigos moradores na área, que buscavam recuperar seus lotes. Muitos deles pertencem a famílias que ali viviam há mais de cem anos,  e foram desalojados depois da transferência ilegítima da propriedade para o político liberal. E há, ainda, uma ardilosa inversão da verdade.
A ação policial contra os camponeses era, e é, de interesse dos oligarcas da oposição a Lugo, mas eles dela se servem para acusar o presidente de responsável direto pelos incidentes e iniciar o processo de impeachment. É o cinismo dos tartufos, semelhante ao dos moralistas do Congresso brasileiro, de que é caso exemplar um senador de Goiás.
Quando encerrávamos estas notas, a comissão de chanceleres da Unasul, chefiada pelo brasileiro Antonio Patriota, estava embarcando para Assunção a fim de acompanhar os fatos. Notícias do Paraguai davam conta de que os chanceleres não serão bem recebidos pelos que armaram o golpe parlamentar contra Lugo, e que se apressam para tornar o fato consumado  —  enquanto colunas do povo afluem do interior para Assunção a fim de defenderem o que resta do mandato de Lugo.
Tudo pode ocorrer no Paraguai  —  e o que ali ocorrer nos afeta;  obriga-nos a tomar todas as providências necessárias a fim de preservar a nossa soberania, e assegurar o respeito à democracia republicana no continente.