Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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sexta-feira, 2 de maio de 2014

A miragem mexicana

 

Na última década, o modelo mexicano de abertura liberal, integração com os EUA, e livre comércio teve um desempenho extraordinariamente pior do que o do Brasil.

Poucas pessoas inteligentes – fora da Inglaterra - ainda prestam atenção nas notícias da monarquia inglesa e da sua família real, em pleno século XXI. Mas o mesmo não se pode dizer da City, centro financeiro de Londres, e dos seus dois principais órgãos de  imprensa e divulgação – o Financial Times, e o The Economist – que  seguem tendo importância decisiva na formação das opiniões e dos consensos ideológicos dentro das elites liberais e conservadoras do mundo. 
 
A escolha dos seus temas e o uso de sua linguagem nunca é casual. Como no caso recente do seu entusiasmo pelo México e seu modelo de desenvolvimento liberal e seu ataque cada vez mais estridente, ao “intervencionismo” da economia brasileira. Uma tomada de posição compreensível do ponto de vista ideológico, mas que não vem sendo confirmado pelos fatos.

Em 1994, o México assinou o Tratado de Livre Comercio da América do Norte/ NAFTA, junto com os EUA e  Canadá, e nos últimos 20 anos tem sido absolutamente fiel ao livre-cambismo, incluindo sua adesão a Aliança do Pacífico, e à inciativa norte-americana do TPP. Por outro lado, nesse mesmo período, o México praticou uma política macroeconômica e financeira rigorosamente ortodoxa - em particular na última década - mantendo inflação baixa, cambio flexível,  taxas de juros moderadas e amplo acesso ao crédito. 
 
Mesmo assim, depois de duas décadas, o balanço dessa experiência ultraliberal deixa muito a desejar [1]. Como era de se prever o comercio exterior do país cresceu significativamente no período e passou – em termos absolutos - de U$ 60 bilhões em 1994, para U$ 400 bi em 2013. Mas nesse mesmo período, a economia mexicana teve um  crescimento médio anual pífio, de 2,6%, sendo o crescimento per capita, de apenas 1,2%. O emprego industrial cresceu de forma setorial e vegetativa, e mesmo nas “maquiladoras”, foi de apenas 20%, algo em torno de 700 mil novos postos de trabalho. A participação dos salários na renda permaneceu em trono de 29% da renda nacional, e a pobreza absoluta da população mexicana aumentou significativamente.
 
Por fim, ao contrário do que havia sido previsto, a economia mexicana não se integrou nas “cadeias globais de produção”, a produtividade média da economia praticamente só cresceu de forma segmentada e vegetativa, e o “investimento direto estrangeiro” (o principal “premio” anunciado em troca da abertura da economia) não teve nenhuma alteração significativa.

Esse balanço fica ainda mais decepcionante quando se compara o desempenho do “modelo mexicano”, com o “modelo intervencionista” da economia brasileira, no período entre 2003 e 2012. Segundo  dados publicados pelo Banco Mundial [2], e pelos Ministérios do Trabalho dos dois países, os números e as diferenças são realmente chocantes. Nesse período, a crescimento médio anual do PIB brasileiro, foi de 4,21%, o do México de 2,92%. O crescimento total a economia brasileira foi de 42,17%, o do México, de 29,29 %. As exportações brasileiras cresceram, a uma taxa anual de 6,59%, as do México, a uma taxa de 5,35%. O crescimento total das exportações brasileiras foi de 65.95%, o do México, foi de 53,35%. As importações brasileiras cresceram a uma taxa média anual de 17,33%, e as do México, a uma taxa de 6,75%. O crescimento total das importações no Brasil foi de 173,32%, e no México de apenas 67,54%.
 
Por outro lado, a renda per capita brasileira cresceu a uma taxa anual de 2,84%, e a do México, 1,42%; o crescimento total da renda no Brasil foi de 28,4%, e no México foi de 14,26%; e  a participação dos salários na renda chegou a 45 % , no Brasil, e no México, a 29%. Nesse mesmo período, o Brasil criou 16 milhões de novos empregos formais, e o México 3.500 milhões; e a pobreza absoluta foi reduzida a 15,9%, no Brasil,  e aumentou para 51,3%, no México.
 
Por fim, (pasme-se), entre 2002 e 2012, o “investimento direto estrangeiro” no Brasil,  cresceu de U$ 16.590 milhões, para U$ 76.110 milhões de dólares, e no México,  caiu de U$ 23. 932 milhões, em 2002, para U$ 15.4553 milhões, em 2012 ! Só para encerrar a comparação, em 2103 a economia brasileira cresceu 2,3%, em  ( uma das maiores taxas entre as grandes economias do mundo) enquanto  a economia mexicana cresceu 1,1%.

Foreign direct investment, net inflows (BoP, current US$)

Fonte: International Monetary Fund, Balance of Payments database, supplemented by data from the United Nations Conference on Trade and Development and official national sources.Catalog Sources World Development Indicators. Disponível em: http://data.worldbank.org/indicator/BX.KLT.DINV.CD.WD/countries/BR-MX?display=graph em 27/04/2014
    
Isto posto, o elogio do México deve ser considerado um caso de má fé,  fundamentalismo ideológico, ou estratégia internacional ? As três coisas ao mesmo tempo. Mas o que importa é o que dizem os números, e a conclusão é uma só: na última década, o “modelo mexicano” de abertura liberal, integração com os EUA, e livre comércio teve um desempenho extraordinariamente pior do que o “modelo intervencionista”, “heterodoxo” e “fechado”(apud FT e TE) da economia brasileira, junto com seu projeto de integração do Mercosul.
 
Notas
[1] Vide  artigo  do ex-ministro de Relações Exteriores do México,  Jorge Castañeda: “NAFTA´s  mixed  record”,  publicado no numero da Revista Foreign Affairs,. de janeiro/fevereiro de 2014.

[2] www.data.worldbank.org

terça-feira, 28 de maio de 2013

Marcelo Zero e Dr. Rosinha: Aliança do Pacífico, ou do factoide

Marcelo Zero e Dr. Rosinha: A Aliança do Pacífico, o novo fetiche dos conservadores brasileiros, não passa de uma miragem paleoliberal

por Marcelo Zero e Dr. Rosinha, especial para o Viomundo

Os conservadores brasileiros têm um novo fetiche: a Aliança do Pacífico. Trata-se um novo bloco econômico comercial que pretende agregar, em uma área de livre comércio, Chile, Peru, Colômbia, México e Costa Rica.
Conforme as notícias publicadas pela velha mídia, a Aliança do Pacífico foi criada para servir de contrapeso ao Mercosul, um bloco de economias “estatizadas” e “pouco dinâmicas”, que rejeitam as benesses do livre-comércio. Apesar da crise do capitalismo desregulado, a mídia ainda insinua que o futuro pertenceria à Aliança, ao passo que ao Mercosul caberia o atraso, a estagnação e o isolamento.
Em primeiro lugar, cabe observar que qualquer bloco econômico da América do Sul ou da América Latina que não inclua o Brasil não terá maior relevância regional. O Brasil é a sexta economia mundial. O Mercosul, em seu conjunto, já representa a quarta economia do planeta, à frente de gigantes como Alemanha e Japão.
Do outro lado, o México, a maior economia da Aliança do Pacífico, é a 14ª economia do mundo (dados de 2011) e a Aliança como um todo representaria a 9ª economia do planeta. Além disso, nenhum país desse bloco chega nem perto do peso demográfico, geográfico e geopolítico que o Brasil tem hoje no mundo.
Alguns argumentam que a Aliança exporta mais que o Mercosul. É verdade. Em razão das grandes exportações do México, fruto essencialmente da sua participação no Nafta, o bloco efetivamente exporta mais. Ocorre que a balança comercial do México é deficitária.
Entre 2002 e 2011, segundo dados da Aladi, o México acumulou cerca de US$ 72 bilhões de déficit em sua balança comercial. Não é muito, se for levado em consideração o volume da corrente de comércio mexicana, mas é algo significativo. Em contraste, o Brasil acumulou, no mesmo período, um superávit de US$ 303 bilhões, o que muito contribuiu para a superação da vulnerabilidade externa da economia brasileira.
Em segundo lugar, o Brasil e o Mercosul já têm livre comércio ou comércio bastante facilitado com todos os países da América do Sul que aderiram à Aliança do Pacífico. Em alguns casos, há muito tempo. O Chile, por exemplo, formalizou sua associação à área de livre comércio do Mercosul já em 1996. O Peru, por sua vez, aderiu à zona de livre comércio do Mercosul em 2003. E a Colômbia, junto com Equador e Venezuela, tornou-se membro associado em 2004.
Ou seja, todos esses países da Aliança, e mais todos os demais países da América do Sul (à exceção de Guina e Suriname) já fazem parte, em maior ou menor grau, da zona de livre comércio do Mercosul. A única grande diferença, em relação aos membros plenos do bloco (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela) é que eles não fazem parte da união aduaneira do Mercosul e nem participam de suas instituições políticas.
Como resultado dessa integração, as exportações do Brasil para essas nações aumentaram exponencialmente. Para a Colômbia, as exportações brasileiras aumentaram de US$ 638 milhões, em 2002, para US$ 2,83 bilhões, em 2012. Em relação ao Peru, subiram de US$ 438 milhões para US$ 2,4 bilhões, no mesmo período. No que tange ao Chile, aumentaram de US$ 1,4 bilhão para US$ 5,4 bilhões. E o Brasil tem superávits com todos esses países.
Vale observar que esses países da América do Sul que participam da Aliança do Pacífico já têm, por forças de acordos anteriores, livre comércio entre si. Portanto, a única novidade da Aliança é a proposta de livre comércio entre esses países e o México. Nesse sentido, a Aliança do Pacífico nada mais é, pelo menos por enquanto, do que um acordo de livre comércio entre o México e alguns países remanescentes da Comunidade Andina, já que Equador, Bolívia e Venezuela não pretendem aderir.
Não se pense, aliás, que a Aliança do Pacífico vai conseguir acesso facilitado ao mercado norte-americano. Qualquer acordo com os EUA terá de passar pelo crivo draconiano do Congresso daquele país, que exigirá, dos países da Aliança, bem mais do que livre comércio.
A Aliança do Pacífico não tem nenhum impacto significativo sobre a realidade econômico-comercial da América do Sul e da América Latina. Nem sobre o Brasil e o Mercosul. A não ser que os demais países da região abandonem o Mercosul, coisa altamente improvável, ela não representa ameaça real ao Brasil e ao seu autêntico processo de integração.
O impacto maior dela seria apenas político-ideológico, por representar simbolicamente uma aposta estratégica e incondicional no livre-cambismo, como solução mágica para os problemas econômicos e sociais da região. Com a crise do capitalismo desregulado, essa pauta já deveria estar definitivamente enterrada, mas, como a fênix, ela ressurge teimosamente das suas próprias cinzas para enganar os incautos.
Relativamente a esse assunto, é interessante confrontar a experiência recente do México com a do Brasil.
O México, além de aderir ao acordo inteiramente assimétrico do Nafta, já em 1992, firmou nada menos que 32 acordos de livre comércio. Trata-se do país campeão em livre comércio, o que mais celebrou acordos desse tipo em todo o mundo.
Se os teóricos do livre-cambismo estivessem certos, o México seria a economia mais dinâmica e inovadora do mundo. Contudo, os resultados efetivos são, para dizer o mínimo, duvidosos.
Após um período inicial de euforia com os novos investimentos norte-americanos e com o grande aumento do seu comércio internacional, principalmente com a criação de empresas “maquiladoras” na fronteira com os EUA, os inevitáveis efeitos negativos da integração tão assimétrica com a maior economia do planeta se tornaram cada vez mais evidentes.
No campo industrial, houve grande esfacelamento da estrutura produtiva nacional. Muitas empresas mexicanas não conseguiram sobreviver à concorrência da produção industrial dos EUA. E as que conseguiram foram, em boa parte, compradas a baixos preços por grupos econômicos norte-americanos. Isso aconteceu de modo especialmente intenso na outrora pujante indústria têxtil mexicana, que passou a orbitar a cadeia produtiva dos EUA.
Na área agrícola, houve a geração de notável insegurança alimentar. O México, que era exportador de grãos, no período pré-Nafta, passou a importá-los dos EUA em sua quase de totalidade. Tal processo de destruição das culturas agrícolas se deu inclusive no que tange ao milho, base da alimentação e culinária mexicanas. Hoje em dia, o milho utilizado no México é quase todo colhido nos EUA, que subsidia fortemente a sua produção. Embora a agricultura mais moderna e irrigada tenha sobrevivido, a agricultura familiar foi muito afetada.
Houve ainda a fragilização da proteção jurídica ao meio ambiente e a precarização das relações trabalhistas, em virtude dos privilégios concedidos aos investidores norte-americanos, no capítulo sobre investimentos do Nafta.
A consequência mais relevante foi, contudo, o aumento das desigualdades regionais e sociais no México. Houve poucos “ganhadores” mexicanos com a integração aos EUA e com os demais acordos de livre comércio, concentrados principalmente no Norte do país.
As demais regiões, principalmente a região Sul do México, e a grande massa dos trabalhadores urbanos e rurais mexicanos não se beneficiaram na mesma medida, como se esperava. Na realidade, ocorreu significativo incremento das assimetrias regionais e sociais, impulsionado pelos efeitos econômicos desagregadores e destruidores da integração aos EUA.
Um estudo feito pelo Banco Mundial, em 2007, intitulado “Lessons from Nafta for Latin America and the Caribbean Countries: A Summary of Research Findings” (Lições do Nafta para os países da América Latina e do Caribe: resumo das conclusões da pesquisa), mostrou cabalmente que os efeitos da inserção internacional do México, ao longo do Nafta, foram significativamente regressivos.
A economia mexicana tornou-se ainda mais dependente da economia dos EUA, dependência que não foi revertida com assinatura dos demais acordos de livre comércio. Com a crise mundial, que afetou profundamente a economia norte-americana, o México praticamente não cresceu em 2008. E em 2009 seu PIB caiu quase 7%.
Nos primeiros dez anos deste século, o PIB per capita (PPP) do México cresceu apenas 12%, bem abaixo que o do Brasil (28%). Na realidade, o México só superou, nesse cômputo, a frágil Guatemala, o país que menos cresceu em toda a América Latina, com base nesse parâmetro específico. O recente crescimento do México, obtido graças, essencialmente, ao afluxo de capitais especulativos, não muda esse quadro estrutural.
Quanto aos imensos investimentos que o México esperava receber, em razão de suas concessões incondicionais ao livre-comércio, eles se dirigiram em volume incomensuravelmente maior para a China, uma economia bastante “estatizada”, porém extremamente dinâmica.
No que se refere à inovação tecnológica, o México, como reconhece a própria Academia Mexicana de Ciências (AMC), é um dos países mais atrasados do mundo. Para se ter uma ideia, as universidades chinesas conseguiram, em 2011, o reconhecimento de cerca de 35 mil patentes. As universidades mexicanas requereram apenas 70 e, desse total, somente 35 foram reconhecidas. Para quem pensava que a abertura da economia levaria automaticamente ao desenvolvimento tecnológico, o México é um gritante contraexemplo. Maquiladoras não geram inovação.
No Brasil, em contraste, a estratégia de inserção econômica no cenário mundial produziu resultados altamente progressivos. De fato, o Brasil adotou uma estratégia de inserção inversa à do México e de outros países da região.
A partir do governo Lula, o país rejeitou claramente a proposta da Alca ampla norte-americana, que continha cláusulas idênticas às do Nafta, e apostou na integração regional, via Mercosul e Unasul, na grande diversificação de suas parcerias estratégicas, especialmente com os demais BRICs, e na articulação geopolítica Sul-Sul, sem descuidar, porém, de suas boas relações com os países mais desenvolvidos.
O grande aumento das exportações e os alentados superávits comerciais que tal estratégia proporcionou foram decisivos para reduzir substancialmente a vulnerabilidade externa, zerar a dívida externa brasileira e criar um quadro econômico propício à redução das taxas de juros e à retomada do crescimento.
Além disso, tal estratégia aumentou significativamente protagonismo internacional do Brasil e a sua autonomia político-diplomática. O resultado mais eloquente dessa inserção internacional, associada ao modelo de desenvolvimento brasileiro, é o fato de que, no Brasil, a maioria da população foi beneficiada.
Assim, ao contrário do México e de outros países da região, o Brasil é hoje ator mundial de primeira linha, que consegue articular exitosamente os interesses regionais e os anseios dos países em desenvolvimento em todos os foros internacionais relevantes.
Nosso país fez a escolha estratégica acertada e soube aproveitar pragmaticamente as mudanças na ordem geoeconômica mundial, que deslocaram o centro dinâmico da economia internacional para os países emergentes.
Já os países que apostaram na integração assimétrica aos EUA e às demais grandes economias internacionais não colheram, em geral, os frutos apregoados pelo ideário paleoliberal. Pior: tornaram mais vulneráveis à crise mundial, que vem afetando mais intensamente as economias da tríade EUA, União Europeia e Japão.
A tendência é de que os países emergentes continuem a apresentar maior dinamismo, o que recomenda o prosseguimento dessa estratégia exitosa, que transformou o Brasil em um autêntico global player, com uma corrente de comércio bastante diversificada.
A Aliança do Pacífico, o novo modismo do livre-cambismo regional, não passa de uma miragem paleoliberal. Uma mistura de ideologia com fatos mal-assimilados. Uma aliança do factoide.
Dr. Rosinha, médico com especialização em Pediatria, Saúde Pública e Medicina do Trabalho, é deputado federal (PT-PR). No twitter: @DrRosinha
Marcelo Zero, sociólogo, é assessor da bancada do PT no Senado Federal.
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quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

O CONSISTÓRIO DO PÓS-CRISE


* RELIGIÃO, PODER E HEGEMONIA:  leia as análises  de Oscar Guisoni**José Luis Fiori ** Gustavo Gutierrez** Henrique Carneiro**Martín Granovsky (nesta pág.) Leia também: 'Bento XVI: Crise e Exaustão Conservadora (aqui ) 



Passados cinco anos de implosão da ordem neoliberal, o sistema capitalista está longe de dizer  'habemus papam'. Entre a austeridade imposta à Europa e a liquidez contracíclica dos EUA, seus cardeais ora parecem hesitar, ora ganhar tempo. Nesta 4ª feira, os dois lados da crise transatlântica convergiram para um meio fio que os elucida mais que todas as palavras e aparências.A ideia é criar um grande 'nafta' europeu/norte-americano, 'equivalente à metade da produção mundial' (leia a reportagem do correspondente em Londres, Marcelo Justo, nesta pág).O papel reservado a governos e Estados no processo é estrito: desregular; abrir espaços ao livre fluxo dos capitais e negócios. E seja o que Deus quiser. Externalidades como o custo em empregos, pobreza e desigualdade ficam a cargo do poder de ajuste e  convencimento dos respectivos centuriões locais. É uma corrida contra o tempo. E o Brasil não escapa ao tique-taque implacável dos ponteiros. Ou desencadeia um novo ciclo de investimentos com algum grau de racionalidade pública; ou a lógica selvagem das grandes corporações acabará modelando o futuro do país. Asfixiando-o na fumaça que anunciar : 'habemus papam'. (LEIA MAIS AQUI)

Internacional| 13/02/2013 | Copyleft 

EUA e União Europeia negociam livre comércio para enfrentar China

Em uma declaração conjunta, o presidente do Conselho Europeu Herman Van Rompuy, o dos EUA, Barack Obama, e o da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, assinalaram que estão comprometidos a aprofundar uma relação transatlântica “equivalente à metade da produção global e a quase um trilhão de dólares anuais”. Na mira, está a China.

Londres - Os Estados Unidos e a União Europeia (UE) anunciaram o início de negociações para a formação da maior zona de livre comércio do mundo. Em uma declaração conjunta, o presidente Barack Obama, o do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, e o da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, assinalaram que estão comprometidos a aprofundar uma relação transatlântica “equivalente à metade da produção global e a quase um trilhão de dólares anuais”.

O anúncio foi acompanhado por uma solitária frase do discurso do Estado da União, proferido terça-feira à noite por Obama, quando ele anunciou o início das negociações “porque um comércio livre e justo é a base de milhões de postos de trabalho nos Estados Unidos”. Essa frase foi o ponto de partida que estavam esperando na Europa mandatários como a chanceler alemã Angela Merkel e o primeiro ministro britânico David Cameron que se manifestaram em mais de uma oportunidade a favor de um tratado. “Eliminar as barreiras comerciais que restam para assegurar um amplo acordo não será fácil e exigirá valentia de ambas as partes, mas será amplamente benéfico”, disse Cameron, um dos primeiros políticos europeus a reagir ao anúncio.

Com um 2013 incerto à vista e o permanente desafio da Ásia no horizonte, a possibilidade de um Tratado de Livre Comércio é um dos poucos caminhos que os países desenvolvidos têm para sair no médio prazo da areia movediça deixada pelo estouro da crise financeira de 2008. Nos EUA estava claro quem era o principal competidor. “Os Estados Unidos e a União Europeia estão enfrentando o desafio global colocado pela China. Creio que a melhor maneira de combater esse desafio é nos unirmos”, assinalou Bill Reinsch, presidente do National Foreign Trade Council dos Estados Unidos, um grupo que promove o livre comércio.

Um caminho cheio de pedras
O potencial é indiscutivelmente imenso. Segundo algumas estimativas, os intercâmbios comerciais e de serviços chegam a cerca de US$ 3 bilhões diários. As tarifas alfandegárias são baixas – uma média de 3% -, mas sua eliminação em um intercâmbio tão massivo suporia um gigantesco estímulo e uma significativa poupança que poderia ser dirigida para o consumo doméstico, um setor que precisa de estímulo dos dois lados do Atlântico apesar do sobreendividamento ocorrido na década passada do dinheiro fácil.

Não resta dúvida que ambas as partes precisam disso. Enquanto Ásia, América Latina e África tem uma respeitável perspectiva de crescimento para este ano, a União Europeia, com o marasmo da zona do euro, o gigantesco endividamento e os programas de austeridade, está lutando para evitar a recessão, enquanto que os Estados Unidos sofreram uma contração no último trimestre do ano passado e necessitam um crescimento menos esquelético que o atual para recuperar o terreno perdido.

O reiterado fracasso da Rodada de Doha, da Organização Mundial do Comércio (OMC), que começou em 2001 depois dos atentados contra as torres gêmeas e teve uma tentativa de retomada em 2011, é parte do plano de fundo desta busca de acordos bilaterais que se multiplicaram nos últimos anos. Mas os obstáculos para uma zona de livre comércio EUA-UE também são gigantescos. Se o anúncio de Obama foi música da Merkel e Cameron, o som foi um pouco mais dissonante para o presidente da França, François Hollande, sempre preocupado com qualquer ameaça aos subsídios agrícolas que equivalem a quase 40% do orçamento europeu.

O tema agrícola – que atravancou a negociação de um tratado de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia – não é o único obstáculo. Um verdadeiro pesadelo é a harmonização regulatória das indústrias automotriz, farmacêutica, alimentar e de brinquedos em ambos os lados do Atlântico. Esta harmonização é tão complicada que não está inteiramente resolvida no interior dos 27 países que compõem a UE. Outro caso que promete longas batalhas diz respeito aos alimentos geneticamente modificados que enfrentam fortes obstáculos na Europa.

O fantasma do Mercosul-UE
A brevidade do anúncio de Obama – uma única frase com um infinito potencial – pode se dever a que não havia muito mais o que dizer ou a que, segundo a imprensa estadunidense, o grupo da UE e dos EUA que está trabalhando sobre o tema só pode dar a luz verde na própria terça-feira, poucas horas antes do discurso do presidente. Esse grupo discutiu durante mais de um ano para ver se as negociações serão para chegar a um acordo limitado a tarifas alfandegárias ou a um acordo mais amplo, cobrindo meio ambiente, agricultura, indústria farmacêutica e automobilística.

Os pessimistas assinalam que uma negociação de fundo levará anos. O modelo Mercosul-UE é um exemplo das dificuldades. No final de 1995, ambos firmaram um Acordo Marco Interregional (AMI), passagem prévia a um Tratado de Associação, baseado no livre comércio, na cooperação e no diálogo político. Dezoito anos depois está claro que o livre comércio foi a tumba do assunto, apesar do que, na última sessão plenária da Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, em dezembro, a presidenta argentina, Cristina Fernández, apoiou uma aceleração das negociações com a União Europeia, desde que se “fale de igual para igual”.

Segundo o professor de Relações Internacionais da Universidade de Nottingham, Andreas Bieler, a crise econômica mundial, que pode complicar a negociação EUA-UE, poderia também acelerá-la, sobretudo quando o fantasma asiático está batendo à porta dos países desenvolvidos. “Este tipo de competição com a China pode empurrar para um acordo, apesar de que em muitas áreas ainda não há uma competição direta com a China que tem muito mais comércio em exportações baratas, enquanto os Estados Unidos e a União Europeia estão mais centrados em produtos mais sofisticados”, disse Bieler à Carta Maior.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer


quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

DILMA EM CADEIA NACIONAL: "ELES ERRARAM FEIO"





**A Krupp quer vender um elefante branco ao Brasil e pressiona o BNDES a financiar a operação. A pioneira da siderurgia alemã  não sobreviveria por dois séculos  se não  encarnasse a própria essência do capitalismo: escrúpulo não é um ingrediente da receita.


" Surpreende que, desde o mês passado, algumas pessoas, por precipitação, desinformação ou algum outro motivo, tenham feito previsões sem fundamento, quando os níveis dos reservatórios baixaram e as térmicas foram normalmente acionadas. Como era de se esperar, essas previsões fracassaram. O Brasil não deixou de produzir um único kilowatt que precisava(...). Cometeram o mesmo erro de previsão os que diziam, primeiro, que o governo não conseguiria baixar a conta de luz. Depois, passaram a dizer que a redução iria tardar. Por último, que ela seria menor do que o índice que havíamos anuciado. Hoje, além de garantir a redução, estamos ampliando seu alcance --e antecipando sua vigência. Isso significa menos despesas para cada um de vocês e para toda a economia do país (...)Todos, sem exceção, vão sair ganhando(...) Espero que, em breve, até mesmo aqueles que foram contrários à redução da tarifa venham a concordar com o que eu estou dizendo.Aliás, neste novo Brasil, aqueles que são sempre do contra estão ficando para trás, pois nosso país avança sem retrocessos, em meio a um mundo cheio de dificuldades.Hoje, podemos ver como erraram feio, no passado, os que não acreditavam que era possível crescer e distribuir renda. Os que pensavam ser impossível que dezenas de milhões de pessoas saíssem da miséria. Os que não acreditavam que o Brasil virasse um país de classe média. Estamos vendo como erraram os que diziam, meses atrás, que não iríamos conseguir baixar os juros". (Presidenta Dilma; 23-01-2013) 

O Nafta espalha a fome no México


Um anos antes de se completarem 20 anos de existência do Nafta, o tratado de livre-comércio da América do Norte, o México possui 51% de sua população de 110 milhões na pobreza, e vê ampliar sua dependência de alimentos produzidos do outro lado da fronteira, nos EUA. É uma situação diferente de outros países latino-americanos, como o Brasil, que felizmente ajudaram a barrar a Alca. O artigo é do jornalista cubano Hedelberto López Blanch




O tempo deu a razão aos presidentes latino-americanos que em 2005, na Cúpula das Américas de Mar del Plata, na Argentina, recusaram integrar a Área de Livre Comércio (Alca) promovida pelos Estados Unidos. Hoje, seus países estariam nas mesmas condições que o México.

O Conselho Nacional de Avaliação da Política de Desenvolvimento Social (Coneval), informou que de uma população próxima aos 110 milhões, 51,3% vive na pobreza, ou seja, 55 milhões de mexicanos carecem dos recursos básicos para cobrir as necessidades básicas.

Segundo Coneval, o número resulta aterrorizante ao aumentar o espiral de pobreza ano após ano sem que existam soluções. Em 2008, o número de pessoas nessas condições era de 50,6 milhões, primcipalmente em Chiapas, Veracruz, Tabasco, Baixa Califórnia, Puebla, Jalisco, Guanajuato, Oaxaca, Guerrero, Morelos, Chihuahua e no Distrito Federal.

Desde que o então presidente Carlos Salinas de Gortari aprovou em dezembro de 1992 o Tratado de Livre Comércio para a América do Norte (Nafta, na sigla em inglês), que entrou em vigor em janeiro de 1994, a fome e a pobreza se tornaram os maiores males dos aztecas, unido à enorme violência dos cartéis de drogas na luta por transportar essa mercadoria ao maior consumidor de entorpecentes no mundo: os Estados Unidos.

Uma das piores consequências do Nafta é a de ter obrigado mais de 2 milhões de camponeses, com seus familiares, a abandonar as terras que arrendavam pelos baixos preços dos produtos e o abandono governamental.

Ao negociar a livre exploração de mercadorias, as empresas transnacionais e os agricultores estadunidenses (com enormes subsídios governamentais e modernas tecnologias de produção) inundaram os mercados mexicanos em detrimento de comerciantes e agricultores nacionais.

Os camponeses emigram em massa para as grandes cidades onde é muito difícil conseguir trabalho e passam a aumentar as filas dos vagos, ou os mais jovens tentam cruzar as custodiadas fronteiras norte-americanas em uma via crucis de imigrantes clandestinos.

As transnacionais de alimentos que operam dentro do país se tornaram as principais produtoras, importadoras, exportadoras e praticamente se dominaram a economia azteca.

Várias fontes de trabalho desaparecem pela compra e concentração de terras por essas companhias, e pela utilização de novas técnicas industriais na agricultura.

Pequenas fazendas foram eliminadas por enormes empórios como Tyson, Smithfield, Pilgrims Pride que se apoderaram da produção de gado ao mesmo tempo que provocam a poluição da água e da terra pelo afã de aumentar as produções sem cuidar do meio ambiente. Como afirmam os empresários, afinal, o país não é deles.

O milho, alimento básico ancestral mexicano cuja produção nacional abastecia toda a população e ficavam excedentes para a exportação, foi praticamente eliminado dos campos desde a entrada em vigor do Nafta, ao quadruplicar as importações desse grão oriundo dos Estados Unidos.

Com o aumento dos preços internacionais dos alimentos, provocado muitas vezes pelas companhias intermediárias (entre as quais se destacam Maseca /Archers, Daniel Midland e Cargill) que brincam com a fome dos pobres para se enriquecer, os preços das tortilhas de milho são quase inalcançáveis para os mexicanos.

Os números não mentem. Se antes do Nafta o país gastava 1,8 bilhões de dólares com importação de alimentos, agora investe em 24 bilhões com a alta dependência de soja, 95%; arroz, 80%; milho, 70 %; trigo, 56 % e feijão, 33 %.

Graças ao Nafta, funcionários do Departamento de Agricultura em Washington afirmam que nos próximos anos o México deverá adquirir 80% dos alimentos em outros países, principalmente nos Estados Unidos.

Sob as rédeas do Tratado de Livre Comércio, muitos analistas consideram a nação azteca uma dependência de Washington, devido às leis neoliberais que permitem às companhias estrangeiras utilizar mão de obra barata para suas produções, explorar os recursos naturais, extrair petróleo a preços preferenciais e exportar os excessos de mercadorias norte-americanas para esse país.

Enquanto esta situação ocorre no México, um recente relatório da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) afirmou que esse flagelo diminuiu na região e atualmente atinge 168 milhões de pessoas, equivalente a 30% da população, embora seja a mais baixa nas últimas três décadas.

Para a Cepal, os níveis de pobreza continuarão diminuindo, a um ritmo menor, até terminar o ano em uma taxa de 28,8%, equivalente a 167 milhões de pessoas, graças ao crescimento econômico e à moderada inflação.

Nos últimos anos, várias nações, entre as que se destacam Venezuela, Bolívia, Equador, Argentina, Nicarágua e Brasil possibilitaram que os índices de pobreza se reduzissem ao realizar políticas sociais a favor dos seus habitantes e tomar medidas para que as transnacionais não roubem suas economias.

O aumento da desigualdade é outro aspecto que afeta a nação azteca já que, enquanto a metade da população não pode ter acesso às necessidades alimentares, educacionais ou de saúde, só oito magnatas nacionais possuem uma fortuna de mais de 90 bilhões de dólares que equivale a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.

O tratado permitiu o enriquecimento de uma minoria nativa, e ao mesmo tempo possibilitou Washington manter um maior controle sobre a economia azteca em detrimento do seu povo.

*Tradução divulgada pela rede Telesur


segunda-feira, 2 de julho de 2012

TEQUILA COM PIMENTA. E PÓLVORA.

*Indústria desacelera nos EUA e tem 12ª queda na Europa, onde o desemprego atinge mais de 17,5 milhões de pessoas (11% da população)** candidato conservador do PRI, Peña Nieto, vence López Obrador  por uma diferença da ordem de cinco pontos: é a metade do que previam institutos de pesquisas suspeitos de  participação ativa na campanha de um candidato apoiado e produzido pela mídia**na capital a vitória da esquerda foi arrasadora: a vantagem do PRD , de Obrador, na Cidade do México, chega a 40 pontos 


O México tem o homem mais rico do mundo (Carlos Slim) e 42% da população na pobreza; o salário mínimo atual é  28% menor, em termos reais, do que há 17 anos, quando sua economia se fundiu a dos EUA com o Nafta; nesse caldo de cultura feito de desigualdade e desesperança o narcotráfico deita e rola; já fez mais de 50 mil cadáveres desde 2006. O conjunto será administrado nos próximos seis anos por um engomadinho que, na forma, no conteúdo e no patrocínio midiático lembra muito Fernando Collor de Mello. Peña Nieto é mais o cadeado de um modelo falido --com design renovado-- do que um candidato de carne e osso. A mistura de tequila com pimenta e pólvora ganhou um sopro de ar fresco nestas eleições,com a inesperada rebelião da juventude mexicana contra a manipulação midiática. Direto do México, Eduardo Febbro, ouviu  integrantes dessa nova  voz no viciado sistema político local. O movimento YoSoy 132 criou um canal próprio de TV para cobrir o pleito e discutir temas da campanha com os candidatos e com os eleitores, o canal 131. "O problema central no México não está no fato de que os meios de comunicação e o poder político sejam cúmplices, mas sim que são a mesma coisa", dizem eles.(leia a reportagem nesta pág)


A Rio+20 e a submissão ao poder financeiro

O documento final da conferência das Nações Unidas não menciona nem uma única vez a crise econômica e financeira global. Pouco importa que a crise já tenha se convertido na Segunda Grade Depressão. De alguma maneira, os funcionários do Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (PNUMA) consideraram que esse assunto não era relevante em uma conferência sobre sustentabilidade. Tentaram tapar o sol com um dedo, ignorando o fato de que o setor financeiro é o epicentro da crise global. O artigo é de Alejandro Nadal.

A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (CNSD), mais conhecida como Rio+20, veio e foi embora. Poderia ter sido um ato importante, em vez disso, estabeleceu um novo padrão de como tornar-se irrelevante. A receita é simples: basta fazer de conta que nunca ouviu falar da crise global.

O documento final da UNCSD não menciona nem uma única vez a crise econômica e financeira global. Pouco importa que a crise já tenha se convertido na Segunda Grade Depressão. De alguma maneira, os funcionários do Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (PNUMA) consideraram que esse assunto não era relevante em uma conferência sobre sustentabilidade.

O PNUMA procurou levar adiante sua iniciativa sobre a economia verde. No relatório apresentado no Rio ela é definida como uma economia que aumenta o bem-estar, diminui a pobreza e melhora o meio ambiente. Tratar-se-ia de uma economia socialmente inclusiva, com baixas emissões de gases do efeito estufa e grade eficiência no uso e manejo de recursos.

Para transitar a uma economia verde é necessário investir 2% do PIB mundial (anualmente entre 2010-2050) em 10 setores chave. É uma quantidade importante. Onde se podem encontrar esses recursos? O PNUMA responde sem rubor: no setor financeiro. Segundo esta agência, o setor financeiro tem a sua disposição uma montanha de recursos e cada vez está mais interessado em uma carteira de investimentos que minimiza o custo ambiental e social, ao mesmo tempo em que capitaliza com tecnologias verdes.

A amizade do PNUMA com o setor financeiro é confirmada quando se mencionam os mercados e instrumentos que agora estariam do lado da justiça e da saúde ambiental: bônus verdes, bônus de carbono, REDD+, e ativos de propriedade verde, etc. Aí está: a financeirização da natureza. Nunca ocorreu aos funcionários do PNUMA que o desenvolvimento destes mercados novos provém da busca de espaços de rentabilidade em um mundo no qual a economia real permanece estancada.

O PNUMA no Rio tentou tapar o sol com um dedo. Quis ignorar o fato de que o setor financeiro é o epicentro da crise global. O colapso da economia mundial se mantém em aumento porque a opacidade das operações financeiras acelerou o contágio ao princípio e agora impede a reativação do mercado interbancário.

O PNUMA tem razão: o setor financeiro cresceu muito nos últimos vinte anos. Mas não lhes ocorre que isso é precisamente um sinal da patologia da economia global? O estancamento dos salários há três décadas explica o crescente endividamento das famílias. A demanda agregada foi impulsionada pelo endividamento e isso, por sua vez, explica como se levou a cabo um processo de redistribuição da riqueza dos mais pobres aos mais ricos. Instrumentos como os cartões de crédito, os empréstimos para estudantes ou para automóveis foram verdadeiros aspiradores para sugar recursos dos lares e levá-los aos bancos.

Um dos fatores que explica a expansão do setor financeiro é sua inclinação para introduzir inovações que fizeram as operações do setor mais opacas, disfarçaram riscos, aumentaram a propensão à volatilidade e incrementaram os níveis de influência. A financeirização converteu muitas operações em zona vedada para os reguladores e agências de supervisão. A autorregulação só proporcionou a ilusão de que se estava fazendo algo para frear os abusos.

Um ponto fundamental que o PNUMA não pode entender: uma proporção significativa da montanha de recursos em mãos do setor financeiro é riqueza contábil. Provém de um típico processo de inflação de ativos, ou seja, de uma bolha. A crise é a forma de destruir esse patrimônio que só existe na contabilidade. Para analistas como Nouriel Roubini ou Dean Baker, ainda falta muito para o processo deflacionário completar sua tarefa.
Além disso, uma parte desses recursos financeiros provém das operações de criação monetária dos bancos. Por exemplo: com seus empréstimos, os bancos da União Europeia criaram bilhões de euros do nada ou, como dizem, ex nihilo. E só uma fração minúscula desses créditos esteve respaldada por depósitos. O balão gigante ainda está esvaziando.

O PNUMA deveria estudar com seriedade a relação entre os setores financeiros e a realidade da economia. Os canais de transmissão entre estes setores são críticos para a manutenção da estabilidade macroeconômica. Em nossos tempos, as operações no setor financeiro propagaram e amplificaram a turbulência e puseram de joelhos a economia real. Caramba, até uma organização tão conservadora como o Comitê de Supervisão de bancos da Basileia (dependente do Banco Internacional de Compensações) se preocupa com estes temas. Por que os funcionários do PNUMA não podem fazer o mesmo?

(*) Alejandro Nadal é membro do Conselho Editorial de Sin Permiso.

Tradução: Libório Junior

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Como o capital financeiro privatizou o Estado nos EUA

 

O ex-economista chefe do Fundo Monetário Internacional, Simon Johnson, escreveu, em 2009, sobre o golpe silencioso que levou à “reemergência de uma oligarquia financeira americana”. Johnson deixou claro que não tinha a intenção de usar “golpe” como um floreio retórico nem como uma metáfora. O capital financeiro tinha efetivamente privatizado o Estado. O neoliberalismo havia sido bem sucedido não só em permanentemente garantir um governo reacionário, mas tinha capturado o próprio Estado. O artigo é de Alan Nasser.

O desempenho da economia norte-americana desde meados da década de 1970 até o presente não se iguala com a sua relativa robustez durante o período que economistas chamam de Idade de Ouro – 1949-1973. Este foi o mais longo período de crescimento sustentado na história dos EUA, quando a maioria dos trabalhadores (brancos) conseguiram alcançar um grau de segurança material que não se conhecia até então, e que se tornou inalcançável desde então. Mas a partir do fim da década de 1960 e pelos anos 1970 o mal-estar econômico se tornava cada vez mais evidente, dando sinais de que algo pior viria: Não se pensava ser possível ter altas porcentagens de inflação e desemprego – estagflação – em um mundo keynesiano (1), mas havia, e era aparentemente incurável. Ao mesmo tempo, a produtividade dos trabalhadores diminuiu drasticamente. As margens de lucro foram continuamente caindo por mais de dez anos na medida em que concorrentes econômicos japoneses e europeus pegavam um pedaço cada vez maior da porção da produção norteamericana tanto doméstica quanto internacional.

As elites corporativas e políticas responderam com um tratamento de banho frio. “O padrão de vida do americano médio”, pronunciou Paul Volker, presidente do Banco Central dos Estados Unidos, em 17 outubro de 1979, “tem que cair. Eu não acho que podemos escapar disso.” A taxa de juros foi às alturas. A parcimônia era a ordem do dia, e ainda é.

Em 1983 uma análise do declínio dos EUA e a subsequente ascensão do Thatcher-Reaganismo apareceu no livro Beyond the Waste Land, escrito pelos economistas radicais baseados em Harvard Sam Bowles, David M. Gordon e Thomas Weisskopf. O livro recebeu várias resenhas positivas, como no The New York Times e no The New York Review of Books. Entre os revisores estavam os conhecidos economistas americanos John Kenneth Galbraith, James Tobin e Kenneth Arrow.

Os autores argumentavam que um fator sócio-político de grande importância era crucial no declínio da hegemonia dos Estados Unidos: os trabalhadores tinham se tornado mais seguros e mais encorajados pelos benefícios do New-Deal Keynesiano, como a previdência social e o seguro desemprego, e também por programas sociais favoráveis aos trabalhadores da Great Society feitos por Lyndon Johnson.

A coragem dos trabalhadores foi especialmente marcante nos anos 1960 e no começo dos anos 1970. Houve um aumento notável em ações dos trabalhadores, desde greves até sabotagem industrial. Com menos trabalhadores se preocupando de onde sairia a sua próxima refeição, viu-se um aumento do relaxamento no trabalho, atrasos, troca de empregos, pressão para a melhora na segurança do local de trabalho e demanda por salários mais altos e mais benefícios. O resultado foi um declínio na produtividade (output por unidade de input de trabalho) uma diminuição do lucro pressionada pelo aumento dos salários.

Mais importante ainda, o legado do New Deal e da Great Society resultou em um deslocamento na distribuição de renda do capital em direção ao trabalho.

Bowles, Gordon e Weisskopf argumentavam que com uniões de trabalhadores eficazes e uma segurança de trabalho sem precedentes, o trabalho tinha alcançado um grau de poder sobre o capital até então nunca visto. Esta análise foi desenvolvida mais recentemente pelos economistas Jonathan Goldstein e David Kotz, que mostram que toda recessão da Idade de Ouro foi gerada por uma redução nas margens de lucro pressionada pelo aumento de salários na expansão econômica que a antecedeu. De acordo com Bowles, Gordon e Weisskopf, o capital não aceitou isso passivamente. A América corporativa iniciou uma contraofensiva que os autores chamaram de Grande Repressão. E podemos dizer que o contra-ataque do capital persiste até hoje.

Pensamento liberal sobre a política da elite
Muitos dos mais proeminentes revisores de Beyond the Waste Land ficaram escandalizados pela asserção dos autores de que o capital deliberadamente organizava resistência política ativa contra os avanços da classe dos trabalhadores. No New York Times (31 Julho, 1983) Peter Passell, que na época escrevia editoriais sobre economia para o Times, reclamou que o livro mostrava uma “ênfase em teorias da conspiração.” John Kenneth Galbraith compreendia melhor e era mais desdenhoso da ortodoxia do que liberais do tipo Paul Krugman ou Robert Reich. Mesmo assim ele também não conseguia imaginar que aqueles interessados pudessem deliberadamente reunir forças contra os interesses da classe dos trabalhadores.

Em sua generosa aclamação do livro no New York Review of Books (2 Julho, 1983) Galbraith registrou uma “séria queixa contra a posição dos autores sobre o poder político... Eles veem o atual comportamento deplorável da economia como sendo o resultado de um exercício pensado e deliberado do poder corporativo.” Galbraith repudiou a convicção dos autores “de que o desastre atual foi planejado – que ele reflete de um modo deliberado o interesse das corporações. Nisso eu não acredito. Eu atribuiria [esse desastre] muito mais à aderência do mundo corporativo a uma ideologia irrelevante e ultrapassada, e aos lideres políticos, sem exclusão do presidente, que não veem os danos que estão causando.”

É como se reconhecer o ativismo politico das elites desse crédito à analise de classes, que é considerada muito marxista para nosso próprio bem. A fala sobre o domínio corporativo do Estado abre as portas para reconceptualizações inaceitavelmente subversivas sobre questões que fomos treinados a entender em termos mais seguros e menos sediciosos. Ver uma recessão como um ataque do capital, por exemplo, nos força a fazer os ajustes apropriados em uma gama de conceitos políticos e econômicos.

Na verdade, como Galbraith reconheceu, Beyond the Waste Land demanda que pensemos e agimos de modo diferente em relação ao que consideramos ser poder político. É menos inquietante imaginar que “ideologia irrelevante” e ignorância política estão no centro do enfrentamento econômico atual do que ver a depressão econômica como o resultado de um ataque deliberado dos oligarcas nos trabalhadores.

Estas objeções liberais são muito menos críveis agora do que eram 28 anos atrás. A elite é como um filósofo tentando se guiar pela teoria intelectualmente mais cogente. O poder politico não é uma questão de defender esta ou aquela ideologia; é uma questão de legislar de acordo com o interesse deste ou aquele grupo. O poder político é exercitado com mais sucesso quando aqueles cujos interesses são mais consistentemente preenchidos pelo exercício do poder do Estado. Cui bono? permanece sendo o melhor teste para saber quem é que interessa para os administradores do Estado. Os últimos governam, os primeiros guiam o Estado.

Por este teste só os mais cegos não conseguem ver que Wall Street agora coordena o show. Os cegos abundam entre os intelectuais liberais. Em sua coluna no New York Times de 23 novembro de 2009, Paul Krugmann confessa que “levei um tempo para entender isso. Mas as preocupações expressas do Sr. Obama se tornam compreensíveis se supomos que ele está recebendo as suas ideias, direta ou indiretamente, de Wall Street.” Não diga.

A epifania de Krugman já estava disponível antes de Obama ser eleito. Em setembro de 2008, o capital financeiro avançou e aberta e desenvergonhadamente deixou de lado seus representantes políticos e começou a ditar diretamente politicas para o Congresso e a Casa Branca. Hank Paulson demandou $700 bilhões para os banksters, sem compromissos: não haveria restrições em como o dinheiro seria gasto, sem audiências, sem debate no Congresso, sem avaliações de especialistas e nenhuma responsabilidade recairia sobre Paulson. Obama suspendeu sua campanha por um dia para pedir que os congressistas democratas obedecessem as ordens de Paulson. Seus melhores conselheiros econômicos, seu ministro da Fazenda, o presidente de seu Banco Central revelaram-se ser na sua maioria desreguladores ligados a Wall Street.

Passou-se mais de um ano até que Krugman se desse conta de que Obama pudesse ser o Charley McCarthy para o Edgar Bergen de Wall Street.

A resposta da elite à crise
O ativismo politico da elite fica evidente em tempos de crise, quando ele toma a forma ou de uma contração econômica forte ou de militância da classe dos trabalhadores, ou ambos. Vamos dar uma olhada mais de perto.

A classe dominante tentou lidar diretamente com situações de crise em cada um dos três períodos de retração econômica desde 1823. Eu lido com o capitalismo americano do século dezenove (1823 -1899) como um único período de depressão, já que ao curso de mais de sessenta anos ele apresentou três fortes depressões, 1837-1843, 1873-1878 e 1893-1897. Na verdade, em todo o período de 1823-1898, com exclusão da Guerra Civil, a nação esteve em depressão mais frequentemente do que não. A Grande Depressão dos anos 1930 foi, claro, o segundo período, e os anos desde o final de 2007 até o presente compõem o terceiro período.

A oligarquia corporativa também respondeu à Idade de Ouro do New Deal/Great Society como outro período de crise, mas nesta instância como um tipo especial de crise. Neste caso, a crise não foi percebida pela elite como sendo puramente de origem econômica, mas também politica, que envolvia uma transferência tanto de renda como de poder dos mais ricos para o resto das pessoas. O resultado foi a mobilização da classe dominante. Os plutocratas abertamente resolveram assumir o comando da política. O neoliberalismo começou a tomar forma.

Depois de uma breve revisão das respostas dos plutocratas aos períodos de depressão e à Idade de Ouro, irei analisar mais profundamente o período entre meados da década de 1970 e o final do século vinte como representando uma insurgência prolongada dos interesses estabelecidos contra um capitalismo americano regulado e relativamente amistoso aos trabalhadores, e como escalando para a atual bagunça.

Comecemos com a primeira tentativa histórica da classe corporativa em tentar coordenar o seu poder como uma classe. Essa foi uma tentativa confinada inicialmente à esfera econômica. Uma vez que a elite tivesse estabelecido um regime privado de colaboração no mercado, tornou-se claro que as subsequente ameaças aos seus interesses requereria mobilização política. O que encaramos hoje é uma classe governante politicamente organizada como nunca antes, com um aperto firme no poder do Estado.

Século 19: A depressão abre as portas para a organização corporativa

Foram as ferrovias e o aço que serviram de exemplo para a instabilidade econômica crônica do capitalismo americano do século dezenove. Em todos casos as empresas repetidamente diminuíam seus lucros para competir até falir ou serem liquidadas. O capital financeiro respondeu colocando pressão em sua contraparte industrial para que ela se consolidasse, para então poder evitar a perpetuação do que estava muito perto de ser quase três quartos de século de depressão continuada.

Em famosa descrição, Keynes mostrou um caso claro de competição irracional: “Duas missas para os mortos, duas pirâmides são melhor do que uma; mas não duas ferrovias de Londres a York.” Na verdade, no Reino Unido e nos Estados Unidos os magnatas das ferrovias tinham mais de uma vez construído duas ou mais ferrovias de A a B, com consequências previsíveis: bancarrotas proliferaram. Ao final do século dezenove as grandes malhas ferroviárias eram as maiores empresas de negócios do mundo, no entanto, até 1900 metade delas tinham sido liquidadas.

O magnata das finanças J. P. Morgan estava a par da contribuição da concorrência fratricida às recorrentes recessões econômicas e não acidentalmente à consequente ameça ao lucro dos bancos. Ele convenceu os maiores barões das ferrovias a se organizarem. Ele fez com que eles formassem “comunidades de interesse” para reduzir a concorrência destrutiva, fixando tarifas e/ou alocando tráfego entre ferrovias rivais. A maior parte deste esforço falhou; invariavelmente pelo menos uma das companhias quebraria sua promessa para tentar tirar vantagem das outras.

Em retrospecto, a resposta de Morgan foi marcante. Ele implorou para que suas contrapartidas da economia se consolidassem como uma questão de política. A consolidação, ele incitou, era o antídoto mais efetivo contra depressão e a queda dos lucros dos bancos induzidos pela concorrência feroz. Tal consolidação era do interesse do capital. Praticando o que ele tinha pregado, Morgan tomou controle de um sexto das maiores ferrovias dos EUA.

A indústria do aço mostrava uma dinâmica parecida. O superinovador Andrew Carnegie introduziu avanços tecnológicos que aumentavam a produtividade com uma frequência incomum. Sua taxa alta de renovação de capital acabava por diminuir seu custo unitário, aumentava os custos da concorrência e desvalorizava seu capital obsoleto, permitindo a ele levar muitos deles à falência através da concorrência de preços.

Isso fez com que grandes banqueiros como J. P. Morgan tivessem em suas mãos grande devedores incapacitados de pagar seus empréstimos. A concorrência feroz foi de novo corretamente vista por Morgan como contrária aos interesses do capital.

Carnegie era um incômodo em especial para Morgan, que repetidamente pedia a ele desacelerar suas inovações. Quando Carnegie resistiu, Morgan simplesmente o comprou e consolidou a Carnegie Steel Company com alguns de seus concorrentes mais fracos. Em 1901 o monstro do aço criado por Morgan se tornou a US Steel. Isso criou um precedente e também um ímpeto para a oligopolização de grandes indústrias, que se tornaria a marca característica do capitalismo do século vinte. A concorrência feroz foi substituída pela concorrência “correspectiva”, efetivada principalmente por meio de propaganda, novos produtos, tecnologia melhorada e mudança organizacional.

Morgan tornou-se o primeiro crítico ativo proeminente da concorrência feroz. Seu esforço consciente de tentar limitar a concorrência foi a primeira tentativa histórica de um grande ativista da classe dominante de deliberadamente intervir na dinâmica da economia em resposta a falências e depressão econômica.

As lições de Morgan são implicitamente subversivas. Ele mostrou aos seus irmãos da indústria que seus interesses individuais eram melhor alcançados através de ação conjunta. Morgan entendeu que o agente capitalista de maior sucesso não é o indivíduo, mas a classe. O mesmo, claro, se aplica ao sucesso anti-capitalista. Isto Morgan não endereçou.

O capitalismo organizado era muito diferente do seu antecessor do século dezenove, com apenas uma exceção. Em ambas as épocas o liberalismo econômico se mantinha; a regulação do mercado pelo governo era praticamente inexistente. A falta de regulação foi um fator importante na formação tanto da Grande Depressão quando da atual recessão grave.

A Grande Depressão: Golpe de Estado como resposta à politização do Estado criada pelo New Deal.

A resposta de J. P. Morgan à crise foi recomendar à sua classe formar uma nova organização industrial. A reconfiguração resultante da economia privada foi alcançada sem praticamente nenhuma participação aberta do Estado, de acordo com a ideologia predominante do laissez faire. A ideia de que o Estado pudesse dar uma resposta aos problemas econômicos através de uma intervenção ativa ainda não era parte do pensamento oficial.

Durante a crise dos anos 1930 a ortodoxia dominante foi severamente desafiada. O precedente gerado por Morgan para lidar com o colapso econômico resultante da concorrência desenfreada era o de que eles poderiam se juntar para colocar a sua casa em ordem. Em contraste, o capital dos anos 1930 não tinha controle privado e nem estrategias adequadas para controlar a Grande Depressão.

As sementes da Depressão haviam sido plantadas nos anos 1920, quando a cena econômica era muito parecida como que precipitou a atual recessão. A produção, o investimento e os lucros cresceram muito mais rápido do que os salários. As uniões de trabalhadores eram fracas e a desigualdade cresceu – em 1928 foi o ano recorde de desigualdade de renda de então – e os trabalhadores dependiam muito na criação de dívidas para poder comprar a avalanche dos novos produtos de consumo. Durante a segunda metade da década o crescimento econômico era devido em grande parte ao consumo bancado pelo crédito financeiro.

A desigualdade sem precedentes resultante dessa configuração aumentou ainda mais a distância entre a capacidade produtiva e a demanda, e foi causa, a partir do começo de 1926, do arrefecimento das vendas dos bens de consumo duráveis – rádios, refrigeradores, torradeiras, carros – das quais a saúde da economia de produção era dependente. A taxa de crescimento da produção recuou drasticamente, o que causou a fuga do capital de investimento para mercados financeiros, ultimamente induzindo a quebra de 1929. Você já ouviu isso antes?

Refletindo sobre esses acontecimentos, os Keynesianos em volta de Roosevelt propuseram a idéia de que a economia tinha alcançado “maturidade” durante o estágio final da industrialização dos anos 1920. Todas a expansões precedentes que se seguiram das recessões tinham sido impulsionadas por investimentos feitos nos meios de produção e nos lugares de trabalho; a nação ainda estava se industrializando. Desta vez, e pela primeira vez, era diferente. A capacidade de produção em excesso era muito grande ao final da década, mas isso não ocorrera do mesmo modo que no final do século dezenove, cuja causa foram as falências em série. O flagelo tríplice de desigualdade, excesso de investimento e baixo consumo foram os culpados. Com a base da infraestrutura no lugar, e as instalações produtivas obviamente supérfluas, o único modo da economia se recuperar era se o consumo fosse ressuscitado. Mas o estado da economia privada não permitia que isso ocorresse, isto era o que Keynes tinha entendido. A sua prescrição foi feita para a recuperação de uma economia industrial madura que se encontrava em uma recessão autoperpetuante grave e contínua.

O cenário histórico estava agora pronto para o aparecimento da resposta Keynesiana de que somente um agente de fora do mercado, que não seja impulsionado pela busca do lucro, pode restabelecer uma economia capitalista madura que se encontra em depressão profunda. Muitos dos conselheiros econômicos de Roosevelt eram Keynesianos, e a combinação de sua tutela com a crescente mobilização dos trabalhadores convenceu o presidente a inciar uma importante ruptura com o precedente do mercado livre. Roosevelt iniciou um grande plano de investimento público e de empregos oferecidos pelo governo que não só reverteu a recessão de 1929-1933, mas que também gerou a maior expansão cíclica dos EUA até aquele momento, em 1934-1938.

Para a classe de negócios essa parecia ser uma guinada revolucionária exagerada. A forte denúncia dos banksters feita por Roosevelt no mesmo momento em que ele politizava o Estado em nome dos interesses da classe dos trabalhadores foi vista como uma ação terrível e sem precedentes, como se fosse um ataque popular feito pelo Estado ao poder da Grande Fortuna. A resposta óbvia da classe de negócios não foi tentar reconfigurar o setor privado como Morgan tinha feito, mas foi tentar capturar o Estado, que eles viam como sendo um perigo maior para o seu domínio do que a própria Depressão. Morgan tinha lidado com questões econômicas. Mas o surgimento de uma forma madura de organização econômica oligopolizada demandou dos líderes uma resposta política.

A elite dominante organizou em 1933 um golpe para tentar retirar a administração de Roosevelt do poder e tentar substituí-la com um governo nos moldes dos de Adolf Hitler e Benito Mussolini. (Um Comite do Congresso de 1934 determinou que Prescott Bush, avô de George W. Bush, estava em contato com Hitler.) Entre os conspiradores estavam alguns dos mais proeminentes membros da classe de negócios, muitos deles nomes familiares da época. Entre eles estavam Rockefeller, Mellon, Pew, Morgan e Dupont, assim como empresas como Remington, Anaconda, Bethlehem e Goodyear, e os donos de Bird's Eye, Maxwell House e Heinz. Cerca de vinte dos maiores homens de negócios e de finanças de Wall Street planejavam juntar um exército de quinhentos mil homens, formado em sua maioria por veteranos desempregados. Essas tropas constituiriam as forças armadas por trás do golpe e serviriam para combater qualquer resistência gerada pela revolução.

Os revolucionários escolheram o general Smedley Butler, que havia recebido a Medalha de Honra, para organizar as suar forças armadas. Butler ficou chocado com o plano e o contou para jornalistas e para o Congresso. Roosevelt rapidamente acabou com o plano.

A tentativa de efetivar um golpe foi um evento marcante na história dos EUA, mostrando claramente o que pensavam os americanos ricos. (Não há menção desse evento nos livros de história dos EUA. Ela não é considerada adequada para ser vista impressa.) Não temos motivo para pensar que os instintos fascistas foram purgados do caráter da classe dos que guiam o Estado. Também notável, o escândalo nos alerta para o Leninismo da elite, a sua identificação com o Estado como sendo o maior prêmio político alcançável, o lugar do poder de classe.

Ironicamente, foi Keynes que colocou a captura do Estado na agenda nos anos pós-guerra. O Keynesianismo dos anos 1930 testemunhou o Estado legislando de acordo com os interesse dos trabalhadores, e concorrendo com sucesso com as empresas privadas no mercado de trabalho. Este era um Estado funcionando de modo explicitamente politizado, e nos olhos da elite, como sendo um comitê executivo da classe dos trabalhadores.

O capital aprendeu uma lição de grande importância: controlar o poder do Estado deveria figurar como a sua principal agenda politica. Também aprenderam que é mais fácil planejar do que efetivar a tomada do controle do Estado. Nos últimos anos da Era de Ouro os capitães da riqueza estabeleceram uma estratégia politica de longo prazo para desfazer o New Deal e a Great Society, e para colocar no lugar mecanismos que prevenissem o seu reaparecimento. Desta vez era para ser um New Deal para o capital, um Estado descaradamente politizado para a classe que realmente conta. Estes foram os anos de formação do neoliberalismo.

A Idade de Ouro não tão dourada para o Capital
A Idade de Ouro tem como marca característica a incrível taxa de crescimento e a segurança material sem precedentes gozada por um bom número de trabalhadores. Mas as taxas de crescimento não nos dizem nada a respeito de como os frutos do crescimento são distribuídos. O momento atual ilustra esse ponto muito bem. A taxa de crescimento da economia tem sido muito baixa, enquanto que os lucros das corporações e a renda dos 0.01% do topo tem alcançado novos recordes. Junte isto com a deliberada distribuição de renda e riquezas dos resto para os mais ricos. A distribuição é muito importante para os ricos. Se a riqueza e/ou a renda fosse redistribuída para outra classe, então o poder também seria redistribuído. E isso não é benquisto por aqueles que guiam o Estado.

O período do New Deal/Great Society viu uma crescente redistribuição de riquezas do capital em direção ao trabalho. A fatia da renda nacional apropriada pelos 1% do topo declinou gradualmente durante aqueles anos. Em 1928, o ano com maior desigualdade desde 1900, a fatia desses 1% era de mais de 23%; ao final dos anos 1930 ela tinha baixado para 16%. E caiu para 11-15% nos anos 1940, para 9-11% nos anos 1950 e 1960, e finalmente caiu para seu ponto mais baixo de 8-9% nos anos 1970.

Estes foram os primeiros 50 anos de redistribuição de renda dos mais ricos para o resto dos americanos em sua história. Os oligarcas iriam tomar providências para que isso jamais acontecesse novamente.

As elites viram a redistribuição de renda como sendo inerente a qualquer política do Estado, distribuindo para os trabalhadores benefícios que o mercado não providenciaria se deixado por ele mesmo. Se você dá a eles um pouco, então aos poucos eles irão querer tudo. Para aqueles acostumados a estar no comando, Lyndon Johnson parecia estar respondendo à pressão popular para fazer ainda mais do que o New Deal já tinha feito; ele expandiu o programa para incluir pagamentos por incapacidade ou invalidez e mais ainda. Johnson e um Congresso Democrata aprovou novas leis e emendas, em sua maioria em torno de questões ambientais e para o consumidor, que teve como resultado o corte dos lucros das empresas ao forçar as corporações a absorver alguns dos custos que antes eles externalizavam para o resto dos consumidores.

Em menos de quatro anos o Congresso aprovou uma série de leis: a Lei da Verdade no Empréstimo, a Lei do Embalamento e Rotulamento Justo, a Lei Nacional do Trafego e Segurança de Veículos, a Lei Nacional de Segurança de Gasodutos, a Lei Federal de Substâncias Perigosas, a Lei de Tecidos Inflamáveis, a Lei Federal de Inspeção de Carnes e a Lei de Proteção da Criança. Ufa!

As relações entre o governo e os negócios jamais tinham tido tamanha avalanche de legislação que limitasse a liberdade do capital pelos interesses dos trabalhadores.

Entre 1964 e 1968 o Congresso aprovou 226 das 256 leis favoráveis aos trabalhadores. Os recursos federais transferidos para os pobres aumentou de U$9.9 bilhões em 1960 para U$30 bilhões em 1968. Um milhão de trabalhadores receberam treinamento para o trabalho por causa dessas leis e dois milhões de crianças foram matriculadas em programas de pré-escola até 1968.

O que fez tudo isso especialmente assustador nos olhos dos grandes ricos era que os Republicanos pareciam ter aceitado a idéia de redistribuição de renda. Em 1971 Richard Nixon anunciou: “Agora sou um Keynesiano no que concerne a economia” (e não “Somos todos Keynesianos agora”, como a sentença é no geral erroneamente citada). Na verdade Nixon era um gastador não-militar doméstico maior do que Johnson fora. Durante seu primeiro mandato ele aprovou uma lei de reforma fiscal muito importante, criou a Agência de Proteção Ambiental junto com quatro leis ambientais, a Administração de Segurança e Saúde Ocupacional, e a Comissão de Segurança dos Bens de Consumo.

A combinação de regulamentação e redistribuição de renda deixou a classe dos trabalhadores materialmente segura de um modo que jamais tinha sido, e também a deixou mais inclinada a se sentir importante. Quando a economia começou se aproximar do pleno emprego, perto do pico da expansão da Idade de Ouro, em geral aumentaram os atrasos, relaxamento, troca de empregos e a militância por parte dos trabalhadores. Os EUA alcançaram o topo das tabelas da OCDE de greves por trabalhadores em 1954, 1955, 1959, 1960, 1967 e 1970.

Logo as empresas notaram esse dado. Comentando sobre as causas da recessão de 1970-1971 que se seguiu depois da expansão dos anos 1960, um artigo de primeira página do Wall Street Journal (26 Janeiro, 1972) notou que:

'Muitos executivos de fábricas reclamaram abertamente que nos últimos anos muito controle tinha passado da administração para os trabalhadores. Com as vendas se arrastando e a concorrência aumentando, eles se sentem mais seguros para tentar restabelecer o que eles chamam de “balanço”.'

É difícil subestimar o impacto dos novos regulamentos, da redistribuição de renda e da militância dos trabalhadores nos negócios. Os regulamentos dizem respeito à classe, e veremos como eles inspiraram aqueles que estavam sendo regulados a responder como uma classe para poder se defenderem. Nós podemos começar contrastando o anti-Keynesianismo neoliberal com as tentativas padrões das empresas de tentar influenciar o governo no período pós-guerra.

Na mesma medida em que as empresas tentaram se mobilizar antes do neoliberalismo, as suas táticas eram fragmentadas e limitadas em alcance. A indústria aérea pressionaria o Conselho de Aviação Civil e/ou subornaria um senador (e.g. O senador de Washington Scoop Jackson, conhecido como “O Senador da Boeing”), empresas siderúrgicas se aproximariam do Congresso para tentar obter leis protecionistas, produtores de energia ganhariam descontos nos impostos devidos por influência de seus congressistas favoritos, e as empresas atacariam as uniões de trabalhadores. Muito disso era feito através de contato pessoal. Empresas individuais e indústrias específicas tinham estratégias próprias; não havia nenhum meio de resistência trans-setorial às ameaças das empresas como um todo. Mas é da natureza da regulação impor esse tipo de ameaça ao afetar muitas indústrias ao mesmo tempo. Não é de se surpreender que as empresas iriam responder a isso com uma nova forma de mobilização, uma tentativa das empresas de tentar tomar conta do poder do Estado através de meios políticos, uma tentativa menos dramática, mas não menos efetiva do que um golpe de Estado.

A Contrarevolta do Capital: O Legado do Relatório Powel
Ao final do século dezenove, Morgan havia incitado os donos de indústrias a se organizarem dentro do setor privado. Durante a Grande Depressão o grande capital reuniu politicamente as suas energias na tentativa de tomar o poder do Estado em um golpe. A próxima tentativa notável das empresas de coordenação e mobilização também foi através de uma ação política, novamente com o intuito de tomar controle do Estado, somente desta vez a estratégia seria uma guerra de classes metódica e a longo prazo.

Em 1971 o futuro juiz da Corte Suprema Lewis Powell distribuiu em um círculo de empresários um relatório cuja intenção era politizar os capitães da indústria como forma de resistência ao legado do New Deal e da Great Society. O relatório fora escrito como um manual neoliberal.

“o sistema econômico Americano está sendo atacado. As empresas devem aprender a lição … de que o poder político é necessário; e que tal poder deve ser cultivado de modo assíduo; e que quando for necessário ele deve ser usado agressivamente e com determinação – sem vergonha e sem a relutância que tem sido tão característica das empresas Americanas … A força está na organização, no planejamento cuidadoso e na implementação a longo prazo, em ações consistentes ao longo de um período indefinido de tempo, e em uma escala financeira que só está disponível através da ação conjunta, e no poder político que só está disponível através da ação conjunta e de organizações nacionais.”

Em seu livro notável Winner-Take-All Politics, os cientistas políticos Jacob Hacker e Paul Pierson descrevem o contra-ataque organizacional das empresas como “sendo uma versão doméstica do Choque e Pavor.” As realizações foram impressionantes:

“O número de corporações com escritórios de assuntos públicos em Washington cresceu de 100 em 1968 para mais de 500 em 1978. Em 1971 somente 175 empresas tinhas lobistas registrados em Washington, mas em 1982 haviam quase 2500. O número de Comitês de Ação Política (PAC) cresceu de menos de 300 em 1976 para mais de 1200 em meados dos anos 1980. Em todas as dimensões de atividade política corporativa os números revelam uma rápida e dramática mobilização dos recursos das empresas em meados dos anos 1970.”

Este período também viu o nascimento de mega-organizações militantes representantes tanto de pequenas quanto de grandes empresas. Em 1972 a Mesa Resonda de Negócios foi formada, e a sua associação incluía os CEOs de 113 das 200 empresas do topo da lista de revista Fortune. O presidente tanto da Mesa Redonda quando da Exxon nos primeiros anos do mandato de Reagan, Clifton Garvin, disse “A Mesa Redonda tenta trabalhar com qualquer partido político que esteja no poder … como um grupo a Mesa Redonda trabalha com todos os governos na medida em que nos deixam.”

A Câmara de Conferência (Conference Board) focou ainda mais o capital ao unir executivos de empresas particularmente bem posicionados para entrar em contato pessoalmente com legisladores-chave. A Câmara desenvolveu uma agenda engenhosa: aprender as táticas dos grupos de interesse público e do trabalho organizado para poder subverter a agenda desses grupos.

A Mesa Redonda e a Câmara de Conferência fizeram lobbies e estabeleceram relações com funcionários do Congresso. As organizações representantes de empresas menores também cresceram rapidamente nos anos 1970. Com o custo unitário mais alto, e sem o poder de estabelecer preços que só os oligopólios têm para poder balancear os custos administrativos da regulamentação, as empresas estavam altamente motivadas a se mobilizar. A Câmara do Comércio e a Federação Nacional das Empresas Independentes dobraram o número de seus membros, tendo a Câmara triplicado o seu orçamento.

Foi durante este período que a presença corporativa em Washington tornou-se manifestamente presente. Enquanto as empresas sempre foram bem representadas na capital federal, as câmaras legislativas jamais tinham visto tamanha corporativação.

Mas a estratégia corporativa não se limitava a somente subornar políticos. As maiores organizações aprenderam a sua lição vendo seus antagonistas, os grupos de interesse público, avançando a demanda popular por mais regulamentação e trabalho organizado. A contrarevolta das empresas imitou a estratégia desses grupos. Os grupos corporativos fizeram uso de seus amplos recursos, incluindo técnicas sofisticadas de propaganda e comunicação para organizar campanhas em massa compostas de um grupo heterogêneo de acionistas, empresas locais, empregados e empresas mutuamente dependentes, como fornecedores e varejistas. Washington iria sofrer uma torrente de ligações, petições e cartas avançando os interesses das empresas.

Em pouco tempo as elites ultrapassaram tanto as organizações de serviços públicas quanto os trabalhadores organizados no que eles faziam de melhor – organização de baixo para cima.

Dentro de dez anos o controle corporativo estava bem estabelecido. Nos anos 1980 os PACs corporativos repassaram cinco vezes mais dinheiro a aqueles que avançavam seus interesses no congresso do que eles tinham feito nos anos 1970.

O programa da infraestrutura política do capital unido iria desfazer as políticas e prioridades do Estado que tinham gerado a redistribuição de renda e o ativismo dos trabalhadores através da limitação do capital e do aumento do poder dos trabalhadores por quase três décadas. Em suma, o legado do New Deal e da Great Society tinha que ser desfeito. Mas estes eram projetos político-econômicos que iriam requer um impulso continuado do Estado para poder continuarem a ter efeito. O capital mobilizado tinha que capturar o Estado e o tornar inoperativo para os fins dos proletários. O Estado tinha que ser reconstituído explicitamente como um Estado capitalista já que a elite o via até então como organizado para os trabalhadores e contra o capital. Para tanto, era requerido o equivalente funcional de um golpe de Estado.

E houve um golpe. O ex economista chefe do Fundo Monetário Internacional, Simon Johnson, escreveu em um dos maiores semanários sobre “a reemergência de uma oligarquia financeira americana” em “O Golpe Silencioso”, The Atlantic (Maio 2009). Johnson deixou claro que não tinha a intenção de usar “golpe” como um floreio retórico nem como uma metáfora. O capital financeiro tinha efetivamente privatizado o Estado. O neoliberalismo havia sido bem sucedido não só em permanentemente garantir um governo reacionário, mas tinha capturado o próprio Estado.

Anteriormente, uma mudança de governo - por exemplo do governo de Eisenhower para o de Kennedy – poderia levar a uma mudança significativa nas políticas domésticas dentro do contexto de um Estado Keynesiano. Já o neoliberalismo procurou mudar as prioridades mais fundamentais do Estado.

Missão Cumprida: O Estado Neoliberal Privatizado
Todos os principais países capitalistas se desindustrializaram nos últimos trinta anos. A capacidade industrial do Ocidente já está demasiadamente madura, a produção de widgets tem explicado a queda na porcentagem do total da produção, do total de empregos e do total de lucros nestes países que uma vez foram democracias. A participação do FIRE tem aumentado, e seus chefes agora dão as cartas. Esses acontecimentos ocorreram concomitantemente com uma sequência de crises financeiras (2) . Esta configuração requer muito mais – ao invés de menos – atuação do governo na vida econômica.

Resgatar ou não resgatar – e quem deve ser resgatado às custas de quem? Como a produção pode prosperar se o clima econômico atual aumentou a concorrência entre os países desenvolvidos desindustrializados, e com os mercados emergentes prontos a entrar na briga? As respostas para estas perguntas são claras. A elite financeira recebe tudo, enquanto que a produção é “reestruturada” como um setor de salários baixos que tem como alvo os mercados que mais crescem no mundo, que não estão nas metrópoles imperiais.

A taxa de desemprego deve ser mantida alta até que os salários baixem o suficiente para fazer com que os EUA se torne um concorrente no mercado global. Nada disso poderia começar a ser feito sem a união do Estado com os interesses corporativos. O resgate financeiro e a resestruturação da indústria automobilística feita por Obama são os exemplos mais claros disto. O novo Estado deve se tornar – ou se tornou? - um Estado capitalista, mas não no sentido trivial de ser um Estado em um país capitalista, e sim como um Estado que é de forma não ambígua a favor das grandes riquezas .

Colocando o caráter de classe do Estado na agenda política
O governo não é o mesmo que o Estado. As alternativas de governo – Republicano ou Democrata – dentro do contexto de um Estado neoliberal anti-Keynesiano devem ser tão limitadas a ponto de não figurarem como alternativas. Já deveríamos esperar que não houvesse nada de diferente entre os partidos, dada a dissolução das funções sociais do Estado no período pós-guerra. Se o que sobrou do New Deal e da Great Society for considerado pelos administradores do Estado como a “religião antiga”, como Obama as caracterizou em A Audácia da Esperança, então as políticas alternativas devem ser uma bagatela, da perspectiva dos interesses da classe dos trabalhadores, e as pseudo-disputas entre os partidos devem ser vistas como não sendo importantes.

O desdobramento histórico do capitalismo norteamericano colocou o caráter de classe do Estado diretamente na agenda política. Isso foi a prioridade número um da plutocracia por um longo período de tempo. Está mais claro do que nunca para muitos americanos que todo o estabelecimento político não está preparado e não quer lidar com a economia e com o Estado a partir dos interesses dos trabalhadores. As preocupações da classe dominante do Estado neoliberal homogeniza as opções de políticas e torna a politica partidária padrão odiosa e obsoleta.

Um programa político de esquerda efetivo deve dar aos seus constituintes uma concepção radicalmente revisada do que significa fazer política. E não menos importante é a formação de uma prática política que encarna de modo atrativo esta reconcepção radical. Um OWS independente é exatamente como tal prática se pareceria em seu estágio embrionário. Muito depende de como tal movimento irá se desenvolver.

Notas
(1) Referências à política Keynesiana requer a lembrança de de Keynes encorajava uma política econômica muito mais radical do que o New Deal e a Great Society ofereciam. Talvez a prescrição Keynesiana mais negligenciada seja a insistência de que a politica fiscal e os empregos criados pelo governo não são ferramentas com uso limitado a recessões. Keynes acreditava que o pleno emprego requeria um estimulo constante do governo, mesmo durante períodos de expansão econômica.

(2) Economias e empréstimos (começo dos anos 1980), a crise da dívida Mexicana (1982), o colapso do peso Mexicano (1994, um ano depois da aprovação da NAFTA), a crise financeira asiática (1997), A desvalorização e calotes Russos (1998), a crise da dívida Argentina (2001), Enron (2001), Worldcom (2002), as bolhas das companhias .com no final dos anos 1990 e a atual turbulência, que não tem precedentes de seu tipo na história do capitalismo.

(*) Alan Nasser é Professor Emeritus de Economia Política no Evergreen State College em Olympia, Washington. Este texto é uma adaptação de seu livro que está sendo escrito, O “Novo Normal”: Austeridade Crônica e o Declínio da Democracia. Ele pode ser contatado em nassera@evergreen.edu