Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Globo se arrependeu e cortou a PF do caso Chevron?

Edição cortada na internet

E o trecho que foi eliminado do original

Cada vez mais acontecem coisas estranhas neste caso do vazamento de petróleo no poço da Chevron no Campo de Frade, ao largo do litoral do Rio de Janeiro.
Ontem à noite o Jornal Nacional da Rede Globo publicou uma extensa matéria sobre o assunto.
Ouviu o delegado Fabio Scliar, titular da Delegacia de Meio Ambiente da Polícia Federal, dizendo que investiga a possibilidade de que tenha havido erro na perfuração.
Ouviu o geógrafo John Amos, da SkyTruth, que revelou – como antecipou anteontem este Tijolaço – que o vazamento podia ser dez vezes maior que o anunciado, e cobria uma área maior que o município do Rio de Janeiro.
Contava que a empresa responsável pela perfuração da Chevron, a Transocean, era a mesma que perfurava o poço que causou o acidente no Golfo do México.
A matéria terminava com um sobrevôo da área, em um avião da Chevron, na companhia do diretor de meio-ambiente da empresa, que não quis gravar entrevista, mas disse ao reporter que a quantidade de óleo que vazava “era muito pequena”.
Corretamente, ao final, a apresentadora registrava que o vôo era uma cortesia da Chevron com a emissora.
Estranhamente, porém, a matéria que foi colocada no site do Jornal Nacional foi cortada.
Na verdade, decepada.
Dos quatro minutos originais, ficaram dois.
O delegado, o ambientalista, a foto de satélite com a mancha e a comparação com a área do Rio de Janeiro foram para o lixo.
Não dá para entender o que aconteceu. Não pode ser o tamanho do vídeo, porque a reportagem sobre o depoimento de Lupi teve quatro minutos e está lá, na íntegra.
Será que  “alguém” se distraiu e só viu a matéria depois de ir ao ar? E aí, furioso, mandou cortar os hereges que ousaram colocar um delegado e um ambientalista dizendo que uma petroleira americana pode ter culpa no cartório por um grande desastre ambiental.
Por sorte, a gente estava gravando o JN com uma camêra manual, e coloca aí em cima os dois vídeos. O “decepado” e o trecho que foi retirado dele na página do Jornal Nacional.
Confesso que depois destes  oitodias de loucura, tentando aprurar informações não saíam em lugar nenhum e que agora se confirmaram, já tinha pensado em descansar depois da edição do JN, achando que, agora, o jornalismo ia fazer o seu papel. Como o nosso vídeo tinha qualidade infereior, por ter sido gravado numa câmera domestica, sem tripé e de uma tv, resolvi esperar o “oficial”.
E aí o “oficial” era uma versãomutilada, onde ficava só a versão da petroleira.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Santayana celebra derrota de Berlusconi


O Conversa Afiada publica artigo de Mauro Santayana, extraído do JB online:


A Itália disse não a Berlusconi



Mauro Santayana

A derrota de Berlusconi, na consulta plebiscitária desta semana, apesar da crescente impopularidade do primeiro ministro, trouxe duas surpresas. A primeira delas foi o comparecimento que, superando o patamar constitucional de 50%, validou a consulta, e a segunda, a derrota das decisões do governo pela inédita maioria de 95% em média, nas quatro questões propostas. Como se sabe, há 16 anos não se obtinha o quorum mínimo para anular uma lei ou decisão governamental.


Ainda que, do ponto de vista da atualidade política, a massacrante vitória da oposição seja a da não imunidade (melhor, não impunidade) de Berlusconi e de seus ministros, os outros pontos da consulta golpeiam fundo os postulados do neoliberalismo, sobre os quais Berlusconi estabeleceu o seu poder. O povo disse não à apressada privatização da água, manifestando-se contra a exploração dos recursos hídricos pelas sociedades capitalistas, algumas delas provavelmente estrangeiras, da mesma forma que se manifestou contra a energia nuclear.


Embora tenha perdido, por duas vezes, a chefia do governo para a esquerda, é inegável que a vida política italiana se desenvolveu em torno de Berlusconi, desde 1994, quando o poderoso e suspeitíssimo empresário ganhou sua primeira eleição: não se discutiam os projetos de governo, nem os fundamentos ideológicos da democracia.  E Berlusconi conciliava os interesses mafiosos do Sul com os altos interesses empresariais do Norte, reunidos em torno da Lega Lombarda, de inspiração separatista e neofascista.


O fascismo de Mussolini foi um desses movimentos de direita, mais grave pelas condições históricas que favoreciam a ascensão do totalitarismo e também pela formação intelectual e ideológica do duce, filho de um trabalhador socialista e de algumas letras, que lhe deu o nome de Benito em homenagem a Juarez, o revolucionário mexicano. Benito Juarez morrera onze anos antes do nascimento do líder italiano e levou o pai a homenageá-lo com o nome do heróico mestiço. É imensa a distância entre Mussolini e Berlusconi, o que dá razão a Marx: as coisas ocorrem primeiro como tragédia e, mais tarde, como farsa. Ainda que para Croce, Mussolini não tenha passado de um “palhaço”, a quem o rei da Itália entregara o poder, o duce era discreto em seu comportamento pessoal, protegido pelo sistema totalitário que, com a censura à imprensa e o terror policial, preservava a sua privacidade.  


A derrota de Berlusconi é uma oportunidade para que os democratas de esquerda encontrem um projeto comum de poder. Eles devem partir da dura realidade de que não foi o comportamento debochado de Berlusconi que promoveu a sua queda de popularidade, nem, provavelmente, o expila do governo daqui a uma semana. O seu desprestígio é resultante da terrível situação econômica do país, que, por sua vez, se deve ao neoliberalismo, hoje em dramática decadência nos paises que o inventaram e nos quais os governos o sustentaram, a partir dos Estados Unidos e da Inglaterra, passando pela França de Sarkozy, a Espanha de Aznar e Zapatero, a Itália do trêfego Berlusconi. A Itália e os seus vizinhos só terão estabilidade política se adotarem medidas de bom senso restaurador,  algumas delas sinalizadas pelo referendum recentíssimo. A esmagadora maioria dos italianos optou por mais estado e menos mercado, por mais empregos e menos lucros das empresas privadas.


Ainda Battisti


Apenas por curiosidade, transcrevo, aqui, dois artigos da Constituição Italiana de 1947.


O artigo 10, linha 4, determina:


“Nom è ammessa l’estradizione dello straniero per reati polici”.


O artigo 26, confirma:


“L’estradizione del cittadino puó essere consentita soltanto ove sia espressamente prevista dalle convenzioni internazionale. Non puó in alcun caso essere ammessa per reati politici”.


Sem comentário

quarta-feira, 8 de junho de 2011

A crise européia e o “moinho satânico” do capitalismo global


A crise européia é não apenas uma crise da economia e da política nos países europeus, mas também – e principalmente - uma crise ideológica que decorre não apenas da falência política dos partidos socialistas em resistir à lógica dos mercados financeiros, mas também da incapacidade das pessoas comuns e dos movimentos sociais de jovens e adultos, homens e mulheres explorados e numa situação de deriva pessoal por conta dos desmonte do Estado social e espoliação de direitos pelo capital financeiro, em perceberem a natureza essencial da ofensiva do capital nas condições do capitalismo global. O artigo é de Giovanni Alves.

A crise financeira de 2008 expõe com candência inédita, por um lado, a profunda crise do capitalismo global e, por outro, a débâcle político-ideológico da esquerda socialista européia intimada a aplicar, em revezamento com a direita ideológica, os programas de ajustes ortodoxos do FMI na Grécia, Espanha e Portugal, países europeus que constituem os “elos mais fracos” da União Européia avassalada pelos mercados financeiros.

Aos poucos, o capital financeiro corrói o Estado social europeu, uma das mais proeminentes construções civilizatórias do capitalismo em sua fase de ascensão histórica. Com a crise estrutural do capital, a partir de meados da década de 1970, e a débâcle da URSS e o término da ameaça comunista no Continente Europeu, no começo da década de 1990, o “capitalismo social” e seu Welfare State, tão festejado pela social-democracia européia, torna-se um anacronismo histórico para o capital. Na verdade, a União Européia nasce, sob o signo paradoxal da ameaça global aos direitos da cidadania laboral. É o que percebemos nos últimos 10 anos, quando se ampliou a mancha cinzenta do desemprego de longa duração e a precariedade laboral, principalmente nos “elos mais fracos” do projeto social europeu. Com certeza, a situação do trabalho e dos direitos da cidadania laboral na Grécia, Espanha e Portugal deve piorar com a crise da dívida soberana nestes países e o programa de austeridade do FMI.

Vivemos o paradoxo glorioso do capital como contradição viva: nunca o capitalismo mundial esteve tão a vontade para aumentar a extração de mais-valia dos trabalhadores assalariados nos países capitalistas centrais, articulando, por um lado, aceleração de inovações tecnológicas e organizacionais sob o espírito do toyotismo; e por outro lado, a proliferação na produção, consumo e política, de sofisticados dispositivos de “captura” da subjetividade do homem que trabalha, capazes de exacerbar à exaustão, o poder da ideologia, com reflexos na capacidade de percepção e consciência de classe de milhões e milhões de homens e mulheres imersos na condição de proletariedade.

Deste modo, a crise européia é não apenas uma crise da economia e da política nos países europeus, mas também – e principalmente - uma crise ideológica que decorre não apenas da falência política dos partidos socialistas em resistir à lógica dos mercados financeiros, mas também da incapacidade das pessoas comuns e dos movimentos sociais de jovens e adultos, homens e mulheres explorados e numa situação de deriva pessoal por conta dos desmonte do Estado social e espoliação de direitos pelo capital financeiro, em perceberem a natureza essencial da ofensiva do capital nas condições do capitalismo global.

Ora, uma parcela considerável de intelectuais e publicistas europeus têm uma parcela de responsabilidade pela “cegueira ideológica” que crassa hoje na União Européia. Eles renunciaram há tempos, a uma visão critica do mundo, adotando como único horizonte possível, o capitalismo e a Democracia – inclusive aqueles que se dizem socialistas. Durante décadas, educaram a sociedade e a si mesmos, na crença de que a democracia e os direitos sociais seriam compatíveis com a ordem burguesa. O pavor do comunismo soviético e a rendição à máquina ideológica do pós-modernismo os levaram a renunciar a uma visão radical do mundo. Por exemplo, na academia européia – que tanto influencia o Brasil – mesmo em plena crise financeira, com aumento da desigualdade social e desmonte do Welfare State, abandonaram-se os conceitos de Trabalho, Capitalismo, Classes Sociais e Exploração. Na melhor das hipóteses, discutem desigualdades sociais e cidadania...

Há tempos o léxico de critica radical do capitalismo deixou de ser utilizado pela nata da renomada intelectualidade européia, a maior parte dela, socialista, satisfeita com os conceitos perenes de Cidadania, Direitos, Sociedade Contemporânea, Democracia, Gênero, Etnia, etc – isto é, conceitos e categoriais tão inócuas quanto estéreis para apreender a natureza essencial da ordem burguesa em processo e elaborar com rigor a crítica do capitalismo atual. Na verdade, para os pesquisadores da “classe média” intelectualizada européia, muitos deles socialistas “cor-de-rosa”, a esterilização da linguagem crítica permite-lhes pleno acesso aos fundos públicos (e privados) de pesquisa institucional.

É claro que esta “cegueira ideológica” que assola o Velho Continente decorre de um complexo processo histórico de derrota do movimento operário nas últimas décadas, nos seus vários flancos – político, ideológico e social: o esclerosamento dos partidos comunistas, ainda sob a “herança maldita” do stalinismo; a “direitização” orgânica dos partidos socialistas e sociais-democratas, que renunciaram efetivamente ao socialismo como projeto social e adotaram a idéia obtusa de “capitalismo social”; o débâcle da União Soviética e a crise do socialismo real, com a intensa campanha ideológica que celebrou a vitória do capitalismo liberal e do ideal de Democracia. A própria União Européia nasce sob o signo da celebração da globalização e suas promessas de desenvolvimento e cidadania. Last, but not least, a vigência da indústria cultural e das redes sociais de informação e comunicação que contribuíram – apesar de suas positividades no plano da mobilização social – para a intensificação da manipulação no consumo e na política visando reduzir o horizonte cognitivo de jovens e adultos, homens e mulheres à lógica do establishment, e, portanto, à lógica neoliberal do mercado, empregabilidade e competitividade.

Na medida em que se ampliou o mundo das mercadorias, exacerbou-se o fetichismo social, contribuindo, deste modo, para o “derretimento” de referenciais cognitivos que permitissem apreender o nome da “coisa” que se constituía efetivamente nas últimas décadas: o capitalismo financeiro com seu “moinho satânico” capaz de negar as promessas civilizatórias construídas na fase de ascensão histórica do capital.

Não deixa de ser sintomático que jovens de classe média indignados com a “falsa democracia” e o aumento da precariedade laboral em países como Portugal e Espanha, tenham levantado bandeiras inócuas, vazias de sentido, no plano conceitual, para expressar sua aguda insatisfação com a ordem burguesa. Por exemplo, no dia 5 de junho de 2011, dia de importante eleição parlamentar em Portugal, a faixa na manifestação de jovens acampados diante da célebre catedral de Santa Cruz em Coimbra (Portugal), onde está enterrado o Rei Afonso Henriques, fundador de Portugal, dizia: “Não somos contra o Sistema. O Sistema é que é Contra Nós”. Neste dia, a Direita (PSD-CDS) derrotou o Partido Socialista e elegeu a maioria absoluta do Parlamento, numa eleição com quase 50% de abstenção e votos brancos. Enfim, órfãos da palavra radical, os jovens indignados não conseguem construir, no plano do imaginário político, uma resposta científica e radical, à avassaladora condição de proletariedade que os condena a uma vida vazia de sentido.

Na verdade, o que se coloca como tarefa essencial para a esquerda radical européia - e talvez no mundo em geral - é ir além do mero jogo eleitoral e resgatar a capacidade de formar sujeitos históricos coletivos e individuais capazes da “negação da negação” por meio da democratização radical da sociedade. Esta não é a primeira - e muito menos será a última - crise financeira do capitalismo europeu. Portanto, torna-se urgente construir uma “hegemonia cultural” capaz de impor obstáculos à “captura” da subjetividade de homens e mulheres pelo capital. Para que isso ocorra torna-se necessário que partidos, sindicatos e movimentos sociais comprometidos com o ideal socialista, inovem, isto é, invistam, mais do que nunca, em estratégias criativas e originais de formação da classe e redes de subjetivação de classe, capazes de elaborar – no plano do imaginário social – novos elementos de utopia social ou utopia socialista. Não é fácil. É um processo contra-hegemônico longo que envolve redes sociais, partidos, sindicatos e movimentos sociais. Antes de mais nada, é preciso resgatar (e re-significar) os velhos conceitos e categorias adequadas à critica do capital no século XXI. Enfim, lutar contra a cegueira ideológica e afirmar a lucidez crítica, entendendo a nova dinâmica do capitalismo global com suas crises financeiras.

Ora, cada crise financeira que se manifesta na temporalidade histórica do capitalismo global desde meados da década de 1970 cumpre uma função heurística: expor com intensidade candente a nova dinâmica instável e incerta do capitalismo histórico imerso em candentes contradições orgânicas.

Na verdade, nos últimos trinta anos (1980-2010), apesar da expansão e intensificação da exploração da força de trabalho e o crescimento inédito do capital acumulado, graças à crescente extração de mais-valia relativa, a produção de valor continua irremediavelmente aquém das necessidades de acumulação do sistema produtor de mercadorias. É o que explica a financeirização da riqueza capitalista e a busca voraz dos “lucros fictícios” que conduzem a formação persistente de “bolhas especulativas” e recorrentes crises financeiras.

Apesar do crescimento exacerbado do capital acumulado, surgem cada vez mais, menos possibilidades de investimento produtivo de valor que conduza a uma rentabilidade adequada às necessidades do capital em sua etapa planetária. Talvez a voracidade das políticas de privatização e a expansão da lógica mercantil na vida social sejam estratégias cruciais de abertura de novos campos de produção e realização do valor num cenário de crise estrutural de valorização do capital.

Ora, esta é a dimensão paradoxal da crise estrutural de valorização. Mesmo com a intensificação da precarização do trabalho em escala global nas últimas décadas, com o crescimento absoluto da taxa de exploração da força de trabalho, a massa exacerbada de capital-dinheiro acumulada pelo sistema de capital concentrado, não encontra um nível de valorização – produção e realização - adequado ao patamar histórico de desenvolvimento do capitalismo tardio.

Deste modo, podemos caracterizar a crise estrutural do capitalismo como sendo (1) crise de formação (produção/realização) de valor, onde a crise capitalista aparece, cada vez mais, como sendo crise de abundância exacerbada de riqueza abstrata. Entretanto, além de ser crise de formação (produção/realização) de valor, ela é (2) crise de (de)formação do sujeito histórico de classe. A crise de (de)formação do sujeito de classe é uma determinação tendencial do processo de precarização estrutural do trabalho que, nesse caso, aparece como precarização do homem que trabalha.

Ora, a precarização do trabalho não se resume a mera precarização social do trabalho ou precarização dos direitos sociais e direitos do trabalho de homens e mulheres proletários, mas implica também a precarização-do-homem-que-trabalha como ser humano-genérico. A manipulação – ou “captura” da subjetividade do trabalho pelo capital – assume proporções inéditas, inclusive na corrosão político-organizativa dos intelectuais orgânicos da classe do proletariado. Com a disseminação intensa e ampliada de formas derivadas de valor na sociedade burguesa hipertardia, agudiza-se o fetichismo da mercadoria e as múltiplas formas de fetichismo social, que tendem a impregnar as relações humano-sociais, colocando obstáculos efetivos à formação da consciência de classe necessária e, portanto, à formação da classe social do proletariado.

Deste modo, o capitalismo global como capitalismo manipulatório nas condições da vigência plena do fetichismo da mercadoria, expõe uma contradição crucial entre, por um lado, a universalização da condição de proletariedade e, por outro lado, a obstaculização efetiva – social, política e ideológica - da consciência de classe de homens e mulheres que vivem da venda de sua força de trabalho.

Imerso em candentes contradições sociais, diante de uma dinâmica de acumulação de riqueza abstrata tão volátil, quanto incerta e insustentável, o capitalismo global explicita cada vez mais a sua incapacidade em realizar as promessas de bem-estar social e emprego decente para bilhões de homens e mulheres assalariados. Pelo contrário, diante da crise, o capital, em sua forma financeira e com sua personificação tecnoburocrática global (o FMI), como o deus Moloch, exige hoje sacrifícios perpétuos e irresgatáveis das gerações futuras.

Entretanto, ao invés de prenunciar a catástrofe final do capitalismo mundial, a crise estrutural do capital prenuncia, pelo contrário, uma nova dinâmica sócio-reprodutiva do sistema produtor de mercadorias baseado na produção critica de valor.

Apesar da crise estrutural, o sistema se expande, imerso em contradições candentes, conduzido hoje pelos pólos mais ativos e dinâmicos de acumulação de valor: os ditos “países emergentes”, como a China, Índia e Brasil, meras “fronteiras de expansão” da produção de valor à deriva. Enquanto o centro dinâmico capitalista – União Européia, EUA e Japão - “apodrece” com sua tara financeirizada (como atesta a crise financeira de 2008 que atingiu de modo voraz os EUA, Japão e União Européia), a periferia industrializada “emergente” alimenta a última esperança (ou ilusão) da acumulação de riqueza abstrata sob as condições de uma valorização problemática do capital em escala mundial (eis o segredo do milagre chinês).

Portanto, crise estrutural do capital não significa estagnação e colapso da economia capitalista mundial, mas sim, incapacidade do sistema produtor de mercadorias realizar suas promessas civilizatórias. Tornou-se lugar comum identificar crise com estagnação, mas, sob a ótica do capital, “crise” significa tão-somente riscos e oportunidades históricas para reestruturações sistêmicas visando a expansão alucinada da forma-valor. Ao mesmo tempo, “crise” significa riscos e oportunidades históricas para a formação da consciência de classe e, portanto, para a emergência da classe social de homens e mulheres que vivem da venda de sua força de trabalho e estão imersos na condição de proletariedade. Como diria Marx, Hic Rhodus, hic salta!

(*) Giovanni Alves é professor da UNESP, pesquisador do CNPq, atualmente fazendo pós-doutorado na Universidade de Coimbra/Portugal e autor do livro “Trabalho e Subjetividade – O “espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório” (Editora Boitempo, 2011). Site: http://www.giovannialves.org/ /e-mail: giovanni.alves@uol.com.br

quarta-feira, 1 de junho de 2011

A antielitização latino-americana


As elites latino-americanas enfrentam uma crise de identidade e estão vendo encurralada sua capacidade ideológica para transfigurar seus interesses privados em projetos políticos majoritários próprios ou afins. Essas elites perderam seus pontos de referência. Elas sempre se refugiaram e se legitimaram em seus vínculos com os países centrais e na promessa de trazer o exterior para o continente como modelo para a modernização do arcaico e do periférico. Mas olhar “para fora” hoje em dia não é motivo de muito entusiasmo. O artigo é de Amílcar Salas Oroño.

1. Boa parte das forças políticas opositoras latino-americanas evidenciam hoje uma crise de identidade. Encontram-se em um pântano de ideias, uma frustração frente a certas propostas políticas impulsionadas por alguns governos da região. Trata-se de uma situação que não é simplesmente de superfície: no fundo, ocorre que as elites latino-americanas estão vendo encurralada sua capacidade ideológica para transfigurar seus interesses privados em projetos políticos majoritários próprios ou afins. Neste sentido, um processo de antielitização latino-americana parece também estar constituindo a cena contemporânea.

2. O dilema para estas forças opositoras é que elas incorporaram quase como único e relevante princípio de ação aquilo que é indispensável para as elites: reeditar uma possível “harmonia” dos interesses sociais, tornarem-se os garantidores de uma sociedade sem conflitos na qual primem os mecanismos “naturais” de resolução de demandas, junto com as posições de privilégio. Frente às “desmedidas” dos governos, a importância prática do “equilíbrio”. Pode-se dizer que elites e forças opositoras se mimetizam, ou melhor, se complementam: os setores opositores funcionam como descarga discursiva das elites, com o apoio dos meios massivos de comunicação. Mas essa mesma pretensão do “fim dos conflitos” apresenta hoje em dia sérios problemas para relançar-se teoricamente em alguns países.

3. Não é no nível concreto da geração de riqueza ou em fatores de poder que as elites perderam terreno, mas sim em uma dimensão que também resulta fundamental para a dialética social: os imaginários coletivos. As elites não estão conseguindo atravessar e organizar discursivamente há algum tempo os diferentes níveis de linguagem das sociedades. Como dado eloquente, cabe destacar que as manchetes do Clarín e do La Nación, na Argentina, do ABC, no Paraguai, ou do Estadão e da Folha de São Paulo, no Brasil, já não geram a mesma comoção na opinião pública. Neste sentido, a capacidade das elites para promover uma extensão de seus (auto) princípios de legitimação – com seus valores, modelos de relações sociais e metas coletivas – está fortemente afetada; é como se uma brecha tivesse sido aberta entre suas interpretações e os imaginários coletivos.

Esta circunstância se deve, fundamentalmente, ao fato de que as elites periféricas perderam seus pontos de referência. Elas sempre se refugiaram e se legitimaram em seus vínculos com os países centrais e na promessa de trazer o exterior para o continente como modelo para a modernização do arcaico e do periférico. Mas olhar “para fora” hoje em dia não é motivo de muito entusiasmo: crises especulativas com prejuízos na casa dos bilhões, deslocamento forçado de contingentes de imigrantes, perseguições religiosas, modelos de sociedade baseados na redução salarial e no ataque a direitos adquiridos, ou então o avanço de valores como os que impulsionam o Tea Party, nos EUA, ou os partidos de direita na Suécia e na Hungria.

4. Esta desorientação habilita, por sua vez, o giro “antielitista”: arraigam-se outros princípios ordenadores nos imaginários latino-americanos. Há novos sentidos comuns e outras dinâmicas – e outras maneiras de descrevê-las – vinculados com as agendas públicas de certos países: se no Brasil, talvez pela primeira vez em sua história, percebe-se coletivamente a possibilidade de uma mobilidade social para os setores subalternos, isso se deve ao impacto de determinadas políticas, como a reversão da primazia do trabalho informal sobre o formal ou os milhões de novos estudantes que tiveram acesso à universidade; na Venezuela, o declarado “anti-imperialismo” cultural e institucional construiu, como mostram alguns estudos, outros tipos de interação e modelos de relações sociais, inclusive domésticas, a respeito do que implica uma sociedade do consumo; o mesmo poderia se dizer sobre o “bem viver” no Equador ou Bolívia, capítulos constitucionais que, burocraticamente, colocam reparos práticos às tentações neoextrativistas e, ao mesmo tempo, reasseguram sua particularidade política histórica: a inclusão de identidade indígena em seus projetos; ou na Argentina, onde a “democratização” de certos aspectos cotidianos, como o matrimônio igualitário ou a pluralidade da informação, reconfigura o caráter do significado do progresso pessoal.

5. Estas fórmulas, que lutam espiritualmente com outras não tão auspiciosas e também creditáveis aos governos em questão, atravessam os imaginários sociais e se incorporam aos universos simbólicos da cidadania, orientam e organizam a absorção das interpretações circulantes: de alguma maneira, constituem-se nas barreiras ideológicas que encontram as elites para impor suas ideias. Não se trata, como diz Beatriz Sarlo, de uma simples “batalha cultural”; deve reconhecer-se como um avanço político o fato de que os modelos societários das elites estejam sem possibilidades de movimento e capilaridade.

Isso não anula a debilidade e a falta de organicidade com as quais se dão as mudanças, ou que apareçam fricções no interior das coalizões governamentais: ocorre no Equador com a Aliança País e os movimentos sociais, com Dilma Rousseff e a bancada parlamentar do PMDB, ou entre o governo e a CGT na Argentina. Mas essas fricções não são em torno de outros mapas conceituais, como gostariam os meios de comunicação conservadores e as elites, mas sim no interior de um mesmo quadro de ideias – assumidos com maior ou menor honestidade pelos atores – precisamente aquele que, posto em movimento, gera uma antielitização das linguagens de baixo para cima.

6. Os imaginários sociais não são realidades secundárias: ali também se colocam questões chave para o futuro. Está claro que não há condições objetivas para uma radical “mudança de época” na América Latina. No entanto, há certas condições subjetivas, no plano dos imaginários, que parecem ter dado um salto otimista, e que são consequência da interação com certas políticas públicas; daí a crise de identidade e de perspectiva de certas elites e forças opositoras. A região apresenta uma diferença em relação a outras latitudes: ao invés de levantar muros entre comunidades, talvez seja o momento para assumir em sua verdadeira dimensão conceitual aquilo que está comprometido socialmente com a originalidade latino-americana; como insistia José Carlos Mariátegui: nem imitação, nem cópia...criação heroica.

(*) Professor do Instituto de Estudos da América Latina e Caribe, da Universidade de Buenos Aires.

Tradução: Katarina Peixoto

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Sader pergunta à Folha (*): “Onde você estava em 1964?”



Conversa Afiada reproduz outro excelente artigo de Emir Sader, publicado em seu blog na Carta Maior:

Onde você estava em 1964?


Há momentos na história de cada país que são definidores de quem é quem, da natureza de cada partido, de cada força social, de cada indivíduo. Há governos em relação aos quais se pode divergir pela esquerda ou pela direita, conforme o ponto de vista de cada um. Acontecia isso com governos como os do Getúlio, do JK, do Jango, criticado tanto pela direita – com enfoques liberais ou diretamente fascistas – e pela esquerda – por setores marxistas.

Mas há governos que, pela clareza de sua ação, não permitem essas nuances, que definem os rumos da história futura de um país. Foi assim com o nazismo na Alemanha, com o fascismo na Itália, com o franquismo na Espanha, com o salazarismo em Portugal, com a ocupação e o governo de Vichy na França, entre outros exemplos.

No caso do Brasil e de outros países latinoamericanos, esse momento foi o golpe militar e a instauração da ditadura militar em 1964. Diante da mobilização golpista dos anos prévios a 1964, da instauração da ditadura e da colocação em prática das suas políticas, não havia ambigüidade possível, nem a favor, nem contra. Tanto assim que praticamente todas as entidades empresariais, todos os partidos da direita, praticamente todos os órgãos da mídia – com exceção da Última Hora – pregavam o golpe, participando e promovendo o clima de desestabilização que levou à intervenção brutal das FAA, que rompeu com a democracia – em nome da defesa da democracia, como sempre -, apoiaram a instauração do regime de terror no Brasil.

Como se pode rever pelas reproduções das primeiras páginas dos jornais que circulam pela internet, todos – FSP, Estadão, O Globo, entre os que existiam naquela época e sobrevivem – se somaram à onda ditatorial, fizeram campanha com a Tradição, Família e Propriedade, com o Ibad, com a Embaixada dos EUA, com os setores mais direitistas do país. Apoiaram o golpe e as medidas repressivas brutais e aquelas que caracterizariam, no plano econômico e social à ditadura: intervenção em todos os sindicatos, arrocho salarial, prisão e condenação das lidreanças populares.

Instauraram a lua-de-mel que o grande empresariado nacional e estrangeiro queria: expansão da acumulação de capital centrada no consumo de luxo e na exportação, com arrocho salarial, propiciando os maiores lucros que tiveram os capitalistas no Brasil. A economia e a sociedade brasileira ganharam um rumo nitidamente conservador, elitistas, de exclusão social, de criminalização dos conflitos e das reivindicações democráticas, no marco da Doutrina de Segurança Nacional.

As famílias Frias, Mesquita, Marinho, entre outras, participaram ativamente, no momento mais determinante da história brasileira, do lado da ditadura e não na defesa da democracia. Acobertaram a repressão, seja publicando as versões mentirosas da ditadura sobre a prisão, a tortura, o assassinato dos opositores, como também – no caso da FSP -, emprestando carros da empresa para acobertar ações criminais os órgãos repressivos da ditadura. (O livro de Beatriz Kushnir, “Os cães de guarda”, da Editora Boitempo, relata com detalhes esse episódio e outros do papel da mídia em conivência e apoio à ditadura militar.)

No momento mais importante da história brasileira, a mídia monopolista esteve do lado da ditadura, contra a democracia. Querem agora usar processos feitos pela ditadura militar como se provassem algo contra os que lutaram contra ela e foram presos e torturados. É como se se usassem dados do nazismo sobre judeus, comunistas e ciganos vitimas dos campos de concentração. É como se se usassem dados do fascismo italiano a respeito dos membros da resistência italiana. É como se se usassem dados do fraquismo sobre o comportamento dos republicanos, como Garcia Lorca, presos e seviciados pelo regime. É como se se usasse os processos do governo de Vichy como testemunha contra os resistentes franceses.

Aqueles que participaram do golpe e da ditadura foram agraciados com a anistia feita pela ditadura, para limpar suas responsabilidades. Assim não houve processo contra o empréstimo de viaturas pela FSP à Operação Bandeirantes. O silêncio da família Frias diante da acusações públicas, apoiadas em provas irrefutáveis, é uma confissão de culpa.

Estamos próximos de termos uma presidente mulher, que participou da resistência à ditadura e que foi torturada pelos agentes do regime de terror instaurado no país, com o apoio da mídia monopolista. Parece-lhes insuportável moralmente e de fato o é. A figura de Dilma é para eles uma acusação permanente, pela dignidade que ela representa, pela sua trajetória, pelos valores que ela representa.

Onde estava cada um em 1964? Essa a questão chave para definir quem é quem na democracia brasileira.


(*) Folha é um jornal que não se deve deixar a avó ler, porque publica palavrões. Além disso, Folha é aquele jornal que entrevista Daniel Dantas DEPOIS de condenado e pergunta o que ele achou da investigação; da “ditabranda”; da ficha falsa da Dilma; que veste FHC com o manto de “bom caráter”, porque, depois de 18 anos, reconheceu um filho; que matou o Tuma e depois o ressuscitou; e que é o que é,  porque o dono é o que é; nos anos militares, a Folha emprestava carros de reportagem aos torturadores.