Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A Grécia como um modelo em escala para a Europa



A Grécia não tem peso suficiente para desequilibrar financeiramente a Europa, pois representa apenas algo como 2% da eurozona, mas o que acontece nela é uma espécie de modelo em escala reduzida do cenário europeu e norte-americano que inevitavelmente seguirá o curso que ela tomar. Os neoliberais incrustados no Banco Central Europeu, na Comissão Europeia e no FMI tentam proteger de perda total a finança privada inflada pela maior especulação da história do capitalismo. Dificilmente serão bem sucedidos. O artigo é de J. Carlos de Assis.

A Grécia não tem peso suficiente para desequilibrar financeiramente a Europa, pois representa apenas algo como 2% da eurozona, mas o que acontece nela é uma espécie de modelo em escala reduzida do cenário europeu e norte-americano que inevitavelmente seguirá o curso que ela tomar. Sob o nome um tanto pomposo de consolidação da dívida pública grega, os neoliberais incrustados no Banco Central Europeu, na Comissão Europeia e no FMI tentam proteger de perda total a finança privada inflada pela maior especulação da história do capitalismo. Dificilmente serão bem sucedidos.

No meio de múltiplos dados e estatísticas bilionárias e trilionárias divulgadas diariamente pela imprensa cobrindo praticamente o mundo todo, é muito fácil para o homem comum perder a perspectiva do que de fato está acontecendo na economia planetária. Contudo, em termos conceituais, tudo é muito simples. Especulou-se demais a partir do mercado imobiliário americano e de alguns países da Europa (Espanha, por exemplo). Essa especulação vazou para o mundo todo através dos sistemas financeiros globalmente conectados. Uma enorme bolha financeira, formada por lucros fictícios, descolou-se da economia real. Seu valor efetivo era uma fração do valor de face.

Toda bolha financeira um dia estoura. Às vezes, no mercado acionário. Outras vezes, quando se exagera nos financiamentos externos (crise dos juros no Terceiro Mundo no início dos 80). Em geral, para que a esfera financeira especulativa se reconcilie com a economia real, os detentores dos créditos se defrontam com perdas certas. Isso, contudo, pode ser atenuado no mercado de títulos onde parte das perdas são patrimoniais e recuperáveis: se a pessoa não precisar de vender as ações no curto prazo, pode esperar melhores condições de mercado mesmo que isso leve anos. Já no mercado de dívida bancária a situação é diferente.

A especificidade da crise atual é que ela resultou de especulação no coração do sistema bancário americano e mundial. Os bancos ofereceram créditos, embrulharam os créditos em títulos arriscados, embaralharam títulos com outros títulos, venderam para seguradoras e fundos, recompraram de seguradoras e fundos, e sancionaram a especulação imobiliária na base oferecendo empréstimos para quem não podia pagar. A partir de 2007, os mais espertos já sabiam que isso não ia durar muito. Com efeito, em 2008, a crise estourou quando o Lehman Brothers, o quinto maior banco de investimento dos Estados Unidos, simplesmente quebrou com bilhões de títulos podres em carteira.

Nos Estados Unidos, as autoridades do Tesouro e do Fed imaginaram inicialmente poder deixar que o mercado “liberal” resolvesse a crise. Logo verificaram que, sem interferência oficial, todo o sistema capitalista, a partir do núcleo bancário, colapsaria. O Bank America e o Citigroup, os dois maiores, estavam em pior situação: o Governo teve que estatizá-los parcialmente. Em seguida, foi feito um teste de stress em relação aos outros 17 maiores conglomerados bancários comerciais, constatando-se que o Fed teria que manter suas torneiras de crédito subsiado abertas para garantir o sistema funcionando.

Nos Estados Unidos, porém, depois do custo inicial de US$ 800 bilhões ainda no governo Bush, a sustentação do sistema ficou em sua maior parte a cargo do Fed, sem que isso caracterizasse um subsídio irrecuperável. De qualquer forma, o sistema se beneficiou largamente de condições financeiras que permitiram, e ainda permitem, excelentes condições de arbitragem: os bancos tomam dinheiro a um custo de quase zero por cento do Fed e o aplicam, sem risco, nos títulos do Tesouro rendendo 3,5%. É uma simples operação eletrônica, sem qualquer custo. Com isso, facilitou-se o processo de financiamento requerido pelo pacote fiscal – este, sim, à conta do Tesouro e do cidadão – de US$ 787 bilhões do governo Obama, lançado no início de 2009.

Entretanto, a salvação bancária americana é um fato que está longe de ter sido superado. Giram no mercado cerca de US$ 6 trilhões em hipotecas, estimando-se que algo como US$ 1,5 a US$ 2 trilhões sejam de perda certa quando chegar seu vencimento. Os bancos terão de renegociá-las e, principalmente, fazer lucro a curto prazo ou captar no mercado os recursos necessários para cobrir essas perdas pois, caso contrário, quebram. Como são grandes demais para quebrar, eventualmente terão de ser salvos pelo governo, a despeito do risco moral e da indignação dos cidadãos que se verão espoliados pela especulação privada em mais essa rodada.

Na Europa o comprometimento estatal foi mais longe. Os governos tiveram que salvar seus bancos injetando bilhões de dólares em seus caixas. Alguns, como os ingleses Royal Scotland Bank e o Barclays tiveram de ser estatizados. O mesmo destino tiveram os bancos irlandeses. Neste caso, para evitar sua quebra efetiva, foi o Estado que virtualmente quebrou. Na pequenina Islândia, o governo, pressionado por plebiscitos, foi mais sábio: deixou quebrarem três bancos que, em comparação a seu PIB, eram gigantescos. Até na Alemanha o segundo maior banco, o Commenzbank, teve que ser parcialmente estatizado. Note-se que, na zona do euro, a salvação dos bancos ficou quase totalmente a cargo dos tesouros – portanto, dos cidadãos -, já que o BCE limitou a compra de títulos públicos dos governos.

O circuito da crise financeira é, pois, o seguinte: especulação exagerada no mercado de hipotecas, inadimplência, quebra ou ameaça de quebra dos bancos mais expostos e mais ambiciosos, intervenção dos governos para impedir a quebra dos muito grandes (oito centenas de médios e pequenos foram deixados ir à garra só nos Estados Unidos), programas de ajuste fiscal para reduzir o consequente déficit e a dívida pública dos governos a pretexto de tranquilizar os mercados quanto a seu pagamento, destruição do estado de bem-estar social. Isso funcionará? Claro que não, bastando ver a situação de Irlanda, Portugal e Grécia, todas vítimas dos programas de ajuste, e todas sem saída. E não é preciso esperar muito para surgirem as consequências do desastre não só nas ruas de Atenas; é que se verá, no resto da Europa, que de te fabula narratur.

(*) Economista e professor, coautor, com o matemático Francisco Antônio Doria, de “O universo neoliberal em desencanto”, Ed. Civilização Brasileira. Esta coluna sai às terças também no site Rumos do Brasil e no jornal “Monitor Mercantil”, RJ.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

A Nação Falcão: um guia para o debate sobre o teto da dívida catastrófica


Os Estados Unidos têm muitos problemas no momento: um alto e persistente nível de desemprego, uma catástrofe em execuções patrimoniais, uma economia em desaceleração, que não tem se recuperado e não vai se recuperar da Grande Crise, e os desafios em curso, no quesito infraestrutura, energia e mudança climática. Crise fiscal? A coisa toda é uma ficção, inventada por homens espertos a repetirem suas advertências repetidas e infinitas vezes e as vincularem às projeções de técnicos do Gabinete Orçamentário do Congresso e fora dele. O artigo é de James K. Galbraith.

Novos informes dão conta de que o Presidente Obama obteve uma vitória política ao concordar em pôr o Medicare e o Social Security na guilhotina para obter uma “grandiosa” soma de 4 trilhões em redução de déficit. O porta-voz [da Câmara de Representantes dos EUA, John] Boehner teve de conceder que os republicanos não votarão em pacote algum que inclua aumento de impostos – e a negociação morreu. Assim o ardil operado e o Presidente emergiram com uma imagem sólida como a do Falcão Alfa do déficit, para a qual só se pode dizer: que bom para ele.

Estamos num verão que só Salvador Dalí poderia pintar uma realidade tão distorcida que quase se pode desejar a simples verdade a respeito da Guerra ao Terror ou até da invasão do Iraque. Assim como hoje, para ser sério, deve-se ser um “falcão”. (A pomba é uma fraca, uma perdedora, e a coruja, para fins práticos, não existe). Então vamos rever algumas das estranhas e misteriosas faces deste pássaro feio e cruel.

O primeiro teto da dívida foi decretado em 1917. Por que? A data nos diz tudo: estávamos às portas da Primeira Grande Guerra. Para financiar esse esforço, o governo Wilson precisava emitir os Títulos da Liberdade. Foi uma medida controversa, e o teto da dívida foi coberto, aprovado para assegurar aos caipiras de que o Congresso seria “responsável” até mesmo quando o país estava indo para a guerra. Era, desde o começo, um exercício de má fé e assim perseverou, em cada segundo até hoje.

Hoje, essa lei de má fé é levada ao seu extremo absurdo, para forçar cortes massivos nas políticas públicas, como o preço a pagar por não denegar a dívida pública dos Estados Unidos. Não importa que forçar o default nas obrigações públicas dos Estados Unidos seja flagrantemente inconstitucional. A seção 4 da 14° emenda diz em linguagem simples que obrigações públicas devidamente autorizadas por lei e inclusive pensões, a propósito, “não devem ser questionadas”. O propósito dessa linguagem foi o de tornar efetivo o direito, para além de questões políticas, de modo a impedir qualquer possibilidade de que os fundos de pensão e sindicatos saíssem impunes, caso denegassem suas obrigações em pensões e benefícios. Mas a sua aplicação é muito geral e as cortes têm decidido que o princípio permanece em vigor até os dias que correm.

O que está em curso no Congresso dos EUA neste momento é já uma violação ao que manda este dispositivo legal. Trata-se de um esforço para subverter a autoridade do governo de encontrar e, portanto, gerar obrigações de qualquer natureza possível. É um ataque ao conceito mesmo de governo – como o próprio “Tea Party“ até em seu nome mesmo concorda, sem duvidar. Isso, portanto, pinta esses falcões do déficit, que estão usando o debate sobre o teto do déficit para operar sequestros orçamentários, como inimigos da Constituição dos Estados Unidos.

O presidente, embora seja supostamente um expert constitucional e tenha jurado “preservar, proteger e defender” a Constituição, não dirá tal coisa. Em vez disso, ele parece tratar a Constituição como uma matéria opcional, a qual não apelará, na esperança de que, negociando com os sequestradores poderá obter algum resultado razoável que preservará o bom nome de todos. (o grande acadêmico de Harvard, Laurence Tribe, argumentou recentemente que o Presidente não pode enfrentar o aumento do déficit sozinho. Este é um ponto discutível). É como se Lincoln, em 1861, diante do Forte Sumter sitiado, tivesse se rendido aos comissários Confederados para ver o que poderia ser arranjado.

Em Washington parece que esse ataque ao governo tem uma larga medida de apoio da elite e da mídia, não de modo grosseiro ou em personalidades vulgares, mas porque possivelmente forçaria os partidos a fazer “o que deveriam, em todo caso” – a saber, chegar a um acordo da dívida e do déficit de longo prazo. Um acordo como esse cortaria gastos, aumentaria alguns impostos, poria a relação dívida/PIB em razão decrescente e resolveria “a crise fiscal do governo”.

Que crise fiscal? A grande questão não respondida neste verão de som e fúria é “por que?”. Os Estados Unidos têm muitos problemas no momento: um alto e persistente nível de desemprego, uma catástrofe em execuções patrimoniais, uma economia em desaceleração, que não tem se recuperado e não vai se recuperar da Grande Crise, e os desafios em curso, no quesito infraestrutura, energia e mudança climática. Crise fiscal? A coisa toda é uma ficção, inventada por homens espertos a repetirem suas advertências repetidas e infinitas vezes e as vincularem às projeções de técnicos do Gabinete Orçamentário do Congresso e fora dele.

As projeções, eu andei escrevendo [aqui], são traçadas com base em dois argumentos economicamente impossíveis. Um é o de que haverá uma grande recuperação econômica, próxima de uma situação de pleno emprego, por volta de 2013. Nós já estaríamos fora desse caminho, como alguns de nós disse [http://www.washingtonmonthly.com/features/2009/0903.galbraith.html] desde o começo. É claro, uma recuperação reduziria o déficit, mesmo que nada fosse feito. Mas aí o Gabinete Orçamentário do Congresso recria a explosão da dívida por hipóteses, as quais incluem crescimento sólido e baixa inflação, mas custos bruscamente mais altos na assistência em saúde e muito mais altas taxas de juros de curto prazo. Isso leva o déficit projetado às alturas, superando no curto prazo todos os recordes em relação ao PIB.

Isso é possível? Não, não é. O Banco Central estadunidense [Federal Reserve] jamais aumentaria as taxas de juros no curto prazo, como projeta o GOC [CBO, na sigla em inglês], sem que antes haja um aumento da inflação, coisa que o GOC reconhece não ocorrerá. Caso ocorresse, a economia colapsaria! E, se não, o déficit não ficaria fora de controle. Tenho apresentado esses simples números [aqui]. Pois, o que vale, se você acredita que o mercado de capitais sinaliza para alguma coisa, eles o fazem é para a sua descrença nas previsões do juízo final, nas taxas de juros de longo prazo, nos títulos do governo americano, diariamente [every single day].

É possível que o corte no governo seja, por algum outro caminho, a maneira de recuperar a economia?

Há muita gente que acredita com fervor na resiliência do setor privado e para quem o governo não passa de um fardo. Algumas dessas pessoas são puros predadores: magnatas da finança, magnatas da mídia, magnatas banqueiros. Outros tem fechado os olhos para o papel real que o governo joga na sustentação das redes de comunicação, nos sistemas de proteção social que organizam nossas vidas e imaginam que se pode voltar ao tempo das fazendas de subsistência, caridade religiosa e crédito com caderninho no mercado da esquina; só que havia um número muito menor de gente nesse mundo, essas pessoas não faziam o que nós fazemos e não vivam tanto como nós.

Em termos gerais, o governo hoje faz quatro coisas maiores:

. Provê a defesa nacional

. Fornece bens e serviços à economia privada para um vasto leque de propósitos públicos, a maior parte deles em escala bastante pequena em relação ao PIB.

. Regula um vasto setor privado de atividades ligadas a segurança, saúde, meio ambiente e outros propósitos, inclusive a estabilidade financeira – ou assim se espera que o faça.

. Administra os programas sociais como Social Security, Medicare e Medicaid, assim como outros programas de benefícios em saúde e aposentadoria.

Em que alguma dessas funções é ampla demais? Como economista comprometido com as questões de segurança e paz [http://www.epsusa.org/], eu realmente acredito que faríamos melhor se terminássemos a guerra no Iraque e no Afeganistão rapidamente, que poderíamos dispensar os custos financeiros de tantas bases militares no exterior, com porta-aviões, aviões e submarinos e armas nucleares deixados pela Guerra Fria. Mas esses são juízos relativos à segurança, não econômicos. Em outras palavras, eu não cortaria um centavo dos gastos do Pentágono que fossem verdadeiramente necessários para defender os Estados Unidos, caso isso baixasse as taxas de juros e a dívida pública.

Pelo mesmo raciocínio, por que deveríamos cortar gastos em transporte, saúde pública ou proteção ambiental, ou pesquisa científica, ou fiscalização da atividade bancária ou de fundos de pensão que financiam escolas públicas? Pode-se argumentar dessa maneira com base em cada um dos programas sociais – e se deve fazê-lo. (Eu cortaria alegremente os subsídios para o etanol e poria fim aos benefícios fiscais das empresas de petróleo, para começo de conversa). Mas não é o caso de a economia impor limites amplos, e é óbvio que os 500 mil trabalhadores do setor público – inclusive muitos professores, policiais, bombeiros e guardas-florestais, bibliotecários – que perderam seus empregos desde 2009[ http://thinkprogress.org/yglesias/2011/07/08/263588/the-conservative-recovery-continues-2/], estariam fazendo coisas boas e úteis que hoje fazem falta. Se cuidar deles tivesse sido bom para a economia, estaríamos tendo uma recuperação mais forte do que estamos tendo.

Finalmente, há o Social Security, o Medicare e o Medicaid. Diferentemente dos programas militares ou de transporte, o Social Security não é um programa de aquisição pelo governo. Ele portanto não requer nada diretamente do setor privado. O que ele faz? Provê previdência: protege os trabalhadores da pobreza da velhice, caso suas famílias não queiram ou não possam cuidar deles. E taxa todos os trabalhadores, para que eles não sejam sobrecarregados com o cuidado dos pais, ou de sobreviventes, ou dos portadores de necessidades especiais, que teriam de ser sustentados. Junto ao Medicare e ao Medicaid, o Social Security é um poderoso instrumento de proteção para toda a população – jovem e idosa. Ele redistribui o poder de compra, que decai em relação a ganhos passados, de modo que conduz à convergência de necessidades básicas para um grande número de americanos que, de outra forma, em muitos milhões de casos, seriam destituídos de recursos ou ficariam sem assistência em saúde.

A que serviria o propósito de cortar esses programas? Fazer isso iria redistribuir renda de novo. Muitos dos futuros idosos estarão em situação muito pior e é claro que muitos morrerão mais jovens do que do contrário iriam. Sobreviventes e portadores de necessidades especiais também iriam sofrer. Em troca, o que o governo federal e o país ganham? Uma liberação de recursos reais para o setor privado? O Social Security não retira recursos reais do setor privado! Taxas de juros menores? A ideia é absurda, e não apenas porque hoje as taxas de juros estão baixas. A noção de que o corte do Social Security ajudaria a manter as taxas de juros baixas é absurda porque as taxas de juros são dispostas de maneira tal que não têm relação alguma com o Social Security, o Medicare ou o Medicaid (*).

Esse argumento não tem coisa alguma a ver com a metáfora várias vezes repetida e perfeitamente verdadeira de que o sistema do Social Security não contribui com o déficit. Não importaria se contribuísse. A questão que importa é: os benefícios são muito elevados? Obviamente não. E quanto à taxação da folha de pagamentos, também é baixa? Não é o caso para isso, tampouco. Uma das muito poucas luzes na política recente foi a decisão de reduzir a taxação sobre a folha de pagamentos para os empregados temporariamente, enquanto se deixa o Social Security a salvo.

Se você quiser acumular recursos em cima disso, os passos certos seriam baixar ][http://www.foreignpolicy.com/articles/2011/01/02/unconventional_wisdom?page=0,7] – e não subir – a idade mínima de aposentadoria com o Social Security, permitindo por alguns poucos anos que trabalhadores mais velhos saiam do mercado de trabalho permanentemente em termos melhores do que os disponíveis para eles hoje. Isso, junto à baixa idade para ingressar no Medicare trabalharia rapidamente para reequilibrar a força de trabalho, reduzindo o desemprego e o trabalho precário dentre os trabalhadores mais velhos, enquanto aumentaria a oferta de trabalho para os jovens. Trata-se da aplicação pura e simples do senso comum. E, diferentemente das pressões para que operem cortes de longo prazo nesses programas, isso ajudaria a resolver um dos maiores problemas que se tem a seguir.

Em vez disso, o que nós temos, de um presidente que se diz membro do Partido Democrata? Em primeiro lugar, há a afirmação de que estamos numa crise fiscal, o que é uma grande inverdade. Segundo, uma concessão em princípio de que deveríamos lidar com essa crise ao permitir o corte massivo nos gastos dos serviços públicos, por um lado e, por outro, nos programas de seguridade social. Essa é uma arbitrariedade cruel. Terceiro, uma recusa de se manter firme ao lado da Constituição, contra aqueles cujo propósito aberto e declarado é rasgar esse documento e espatifar o crédito público.

No diário da besta aos domingos [In the Daily Beast on Sunday], Howard Kurtz escreveu em termos otimistas a respeito dos prognósticos para um acordo sobre o déficit. “Mas, longe das câmeras, até os políticos de língua afiada reconhecem o imperativo de impedir o destino da Grécia. É um sinal dos tempos que os atores de teatro kabuki de Washington irão aplaudir por terem advertido da catástrofe”.

Kurtz não disse que o grande Kabuki aqui é sua própria noção de que de algum modo os EUA estão diante do destino da Grécia – um pequeno e constrangido membro de uma zona monetária que não pode controlar. Ele não disse que a catástrofe que teme – um default do governo estadunidense frente a suas obrigações – foi inteiramente produto de uma política de má fé, aprovada por um presidente irresoluto, que parece não perceber o perigo de permitir que a Constituição fracasse.

E ele não disse que aplaudiria o acordo com cortes no Social Security, no Medicare, no Medicaid e todas as funções legítimas e necessárias do governo – que seriam para milhões de americanos a própria catástrofe.

(*) Taxas de Juros de curto prazo são o que o Comitê Federal de Mercado Aberto dita o que elas devam ser. E se o Tesouro quer pagar baixas taxas de juros da dívida, podem sempre emitir títulos da dívida de curto prazo – ou pode emitir títulos de longo prazo e o Federal Reserve pode compra-los de volta, mantendo o padrão de taxa de juros que preferir. Não há risco de default no mercado, nem ameaça à “solvência” por uma “perda de confiança” - nada que o setor privado possa fazer para que o governo dos EUA pague mais do que quer – um ponto que deveria ser óbvio, dado o fato de que as decisões sobre taxas do Federal Reserve nunca são sobrepujadas pelo mercado. A única maneira de o governo dos EUA vir a declarar default é se tomar uma decisão de assim proceder – que é o que os apologistas do déficit e sequestradores do orçamento ameaçam e o que a Constituição proíbe.

Tradução: Katarina Peixoto

Fonte:
http://www.newdeal20.org/2011/07/11/hawk-nation-a-guide-to-the-catastrophic-debt-ceiling-debate-51211/

quarta-feira, 8 de junho de 2011

A crise européia e o “moinho satânico” do capitalismo global


A crise européia é não apenas uma crise da economia e da política nos países europeus, mas também – e principalmente - uma crise ideológica que decorre não apenas da falência política dos partidos socialistas em resistir à lógica dos mercados financeiros, mas também da incapacidade das pessoas comuns e dos movimentos sociais de jovens e adultos, homens e mulheres explorados e numa situação de deriva pessoal por conta dos desmonte do Estado social e espoliação de direitos pelo capital financeiro, em perceberem a natureza essencial da ofensiva do capital nas condições do capitalismo global. O artigo é de Giovanni Alves.

A crise financeira de 2008 expõe com candência inédita, por um lado, a profunda crise do capitalismo global e, por outro, a débâcle político-ideológico da esquerda socialista européia intimada a aplicar, em revezamento com a direita ideológica, os programas de ajustes ortodoxos do FMI na Grécia, Espanha e Portugal, países europeus que constituem os “elos mais fracos” da União Européia avassalada pelos mercados financeiros.

Aos poucos, o capital financeiro corrói o Estado social europeu, uma das mais proeminentes construções civilizatórias do capitalismo em sua fase de ascensão histórica. Com a crise estrutural do capital, a partir de meados da década de 1970, e a débâcle da URSS e o término da ameaça comunista no Continente Europeu, no começo da década de 1990, o “capitalismo social” e seu Welfare State, tão festejado pela social-democracia européia, torna-se um anacronismo histórico para o capital. Na verdade, a União Européia nasce, sob o signo paradoxal da ameaça global aos direitos da cidadania laboral. É o que percebemos nos últimos 10 anos, quando se ampliou a mancha cinzenta do desemprego de longa duração e a precariedade laboral, principalmente nos “elos mais fracos” do projeto social europeu. Com certeza, a situação do trabalho e dos direitos da cidadania laboral na Grécia, Espanha e Portugal deve piorar com a crise da dívida soberana nestes países e o programa de austeridade do FMI.

Vivemos o paradoxo glorioso do capital como contradição viva: nunca o capitalismo mundial esteve tão a vontade para aumentar a extração de mais-valia dos trabalhadores assalariados nos países capitalistas centrais, articulando, por um lado, aceleração de inovações tecnológicas e organizacionais sob o espírito do toyotismo; e por outro lado, a proliferação na produção, consumo e política, de sofisticados dispositivos de “captura” da subjetividade do homem que trabalha, capazes de exacerbar à exaustão, o poder da ideologia, com reflexos na capacidade de percepção e consciência de classe de milhões e milhões de homens e mulheres imersos na condição de proletariedade.

Deste modo, a crise européia é não apenas uma crise da economia e da política nos países europeus, mas também – e principalmente - uma crise ideológica que decorre não apenas da falência política dos partidos socialistas em resistir à lógica dos mercados financeiros, mas também da incapacidade das pessoas comuns e dos movimentos sociais de jovens e adultos, homens e mulheres explorados e numa situação de deriva pessoal por conta dos desmonte do Estado social e espoliação de direitos pelo capital financeiro, em perceberem a natureza essencial da ofensiva do capital nas condições do capitalismo global.

Ora, uma parcela considerável de intelectuais e publicistas europeus têm uma parcela de responsabilidade pela “cegueira ideológica” que crassa hoje na União Européia. Eles renunciaram há tempos, a uma visão critica do mundo, adotando como único horizonte possível, o capitalismo e a Democracia – inclusive aqueles que se dizem socialistas. Durante décadas, educaram a sociedade e a si mesmos, na crença de que a democracia e os direitos sociais seriam compatíveis com a ordem burguesa. O pavor do comunismo soviético e a rendição à máquina ideológica do pós-modernismo os levaram a renunciar a uma visão radical do mundo. Por exemplo, na academia européia – que tanto influencia o Brasil – mesmo em plena crise financeira, com aumento da desigualdade social e desmonte do Welfare State, abandonaram-se os conceitos de Trabalho, Capitalismo, Classes Sociais e Exploração. Na melhor das hipóteses, discutem desigualdades sociais e cidadania...

Há tempos o léxico de critica radical do capitalismo deixou de ser utilizado pela nata da renomada intelectualidade européia, a maior parte dela, socialista, satisfeita com os conceitos perenes de Cidadania, Direitos, Sociedade Contemporânea, Democracia, Gênero, Etnia, etc – isto é, conceitos e categoriais tão inócuas quanto estéreis para apreender a natureza essencial da ordem burguesa em processo e elaborar com rigor a crítica do capitalismo atual. Na verdade, para os pesquisadores da “classe média” intelectualizada européia, muitos deles socialistas “cor-de-rosa”, a esterilização da linguagem crítica permite-lhes pleno acesso aos fundos públicos (e privados) de pesquisa institucional.

É claro que esta “cegueira ideológica” que assola o Velho Continente decorre de um complexo processo histórico de derrota do movimento operário nas últimas décadas, nos seus vários flancos – político, ideológico e social: o esclerosamento dos partidos comunistas, ainda sob a “herança maldita” do stalinismo; a “direitização” orgânica dos partidos socialistas e sociais-democratas, que renunciaram efetivamente ao socialismo como projeto social e adotaram a idéia obtusa de “capitalismo social”; o débâcle da União Soviética e a crise do socialismo real, com a intensa campanha ideológica que celebrou a vitória do capitalismo liberal e do ideal de Democracia. A própria União Européia nasce sob o signo da celebração da globalização e suas promessas de desenvolvimento e cidadania. Last, but not least, a vigência da indústria cultural e das redes sociais de informação e comunicação que contribuíram – apesar de suas positividades no plano da mobilização social – para a intensificação da manipulação no consumo e na política visando reduzir o horizonte cognitivo de jovens e adultos, homens e mulheres à lógica do establishment, e, portanto, à lógica neoliberal do mercado, empregabilidade e competitividade.

Na medida em que se ampliou o mundo das mercadorias, exacerbou-se o fetichismo social, contribuindo, deste modo, para o “derretimento” de referenciais cognitivos que permitissem apreender o nome da “coisa” que se constituía efetivamente nas últimas décadas: o capitalismo financeiro com seu “moinho satânico” capaz de negar as promessas civilizatórias construídas na fase de ascensão histórica do capital.

Não deixa de ser sintomático que jovens de classe média indignados com a “falsa democracia” e o aumento da precariedade laboral em países como Portugal e Espanha, tenham levantado bandeiras inócuas, vazias de sentido, no plano conceitual, para expressar sua aguda insatisfação com a ordem burguesa. Por exemplo, no dia 5 de junho de 2011, dia de importante eleição parlamentar em Portugal, a faixa na manifestação de jovens acampados diante da célebre catedral de Santa Cruz em Coimbra (Portugal), onde está enterrado o Rei Afonso Henriques, fundador de Portugal, dizia: “Não somos contra o Sistema. O Sistema é que é Contra Nós”. Neste dia, a Direita (PSD-CDS) derrotou o Partido Socialista e elegeu a maioria absoluta do Parlamento, numa eleição com quase 50% de abstenção e votos brancos. Enfim, órfãos da palavra radical, os jovens indignados não conseguem construir, no plano do imaginário político, uma resposta científica e radical, à avassaladora condição de proletariedade que os condena a uma vida vazia de sentido.

Na verdade, o que se coloca como tarefa essencial para a esquerda radical européia - e talvez no mundo em geral - é ir além do mero jogo eleitoral e resgatar a capacidade de formar sujeitos históricos coletivos e individuais capazes da “negação da negação” por meio da democratização radical da sociedade. Esta não é a primeira - e muito menos será a última - crise financeira do capitalismo europeu. Portanto, torna-se urgente construir uma “hegemonia cultural” capaz de impor obstáculos à “captura” da subjetividade de homens e mulheres pelo capital. Para que isso ocorra torna-se necessário que partidos, sindicatos e movimentos sociais comprometidos com o ideal socialista, inovem, isto é, invistam, mais do que nunca, em estratégias criativas e originais de formação da classe e redes de subjetivação de classe, capazes de elaborar – no plano do imaginário social – novos elementos de utopia social ou utopia socialista. Não é fácil. É um processo contra-hegemônico longo que envolve redes sociais, partidos, sindicatos e movimentos sociais. Antes de mais nada, é preciso resgatar (e re-significar) os velhos conceitos e categorias adequadas à critica do capital no século XXI. Enfim, lutar contra a cegueira ideológica e afirmar a lucidez crítica, entendendo a nova dinâmica do capitalismo global com suas crises financeiras.

Ora, cada crise financeira que se manifesta na temporalidade histórica do capitalismo global desde meados da década de 1970 cumpre uma função heurística: expor com intensidade candente a nova dinâmica instável e incerta do capitalismo histórico imerso em candentes contradições orgânicas.

Na verdade, nos últimos trinta anos (1980-2010), apesar da expansão e intensificação da exploração da força de trabalho e o crescimento inédito do capital acumulado, graças à crescente extração de mais-valia relativa, a produção de valor continua irremediavelmente aquém das necessidades de acumulação do sistema produtor de mercadorias. É o que explica a financeirização da riqueza capitalista e a busca voraz dos “lucros fictícios” que conduzem a formação persistente de “bolhas especulativas” e recorrentes crises financeiras.

Apesar do crescimento exacerbado do capital acumulado, surgem cada vez mais, menos possibilidades de investimento produtivo de valor que conduza a uma rentabilidade adequada às necessidades do capital em sua etapa planetária. Talvez a voracidade das políticas de privatização e a expansão da lógica mercantil na vida social sejam estratégias cruciais de abertura de novos campos de produção e realização do valor num cenário de crise estrutural de valorização do capital.

Ora, esta é a dimensão paradoxal da crise estrutural de valorização. Mesmo com a intensificação da precarização do trabalho em escala global nas últimas décadas, com o crescimento absoluto da taxa de exploração da força de trabalho, a massa exacerbada de capital-dinheiro acumulada pelo sistema de capital concentrado, não encontra um nível de valorização – produção e realização - adequado ao patamar histórico de desenvolvimento do capitalismo tardio.

Deste modo, podemos caracterizar a crise estrutural do capitalismo como sendo (1) crise de formação (produção/realização) de valor, onde a crise capitalista aparece, cada vez mais, como sendo crise de abundância exacerbada de riqueza abstrata. Entretanto, além de ser crise de formação (produção/realização) de valor, ela é (2) crise de (de)formação do sujeito histórico de classe. A crise de (de)formação do sujeito de classe é uma determinação tendencial do processo de precarização estrutural do trabalho que, nesse caso, aparece como precarização do homem que trabalha.

Ora, a precarização do trabalho não se resume a mera precarização social do trabalho ou precarização dos direitos sociais e direitos do trabalho de homens e mulheres proletários, mas implica também a precarização-do-homem-que-trabalha como ser humano-genérico. A manipulação – ou “captura” da subjetividade do trabalho pelo capital – assume proporções inéditas, inclusive na corrosão político-organizativa dos intelectuais orgânicos da classe do proletariado. Com a disseminação intensa e ampliada de formas derivadas de valor na sociedade burguesa hipertardia, agudiza-se o fetichismo da mercadoria e as múltiplas formas de fetichismo social, que tendem a impregnar as relações humano-sociais, colocando obstáculos efetivos à formação da consciência de classe necessária e, portanto, à formação da classe social do proletariado.

Deste modo, o capitalismo global como capitalismo manipulatório nas condições da vigência plena do fetichismo da mercadoria, expõe uma contradição crucial entre, por um lado, a universalização da condição de proletariedade e, por outro lado, a obstaculização efetiva – social, política e ideológica - da consciência de classe de homens e mulheres que vivem da venda de sua força de trabalho.

Imerso em candentes contradições sociais, diante de uma dinâmica de acumulação de riqueza abstrata tão volátil, quanto incerta e insustentável, o capitalismo global explicita cada vez mais a sua incapacidade em realizar as promessas de bem-estar social e emprego decente para bilhões de homens e mulheres assalariados. Pelo contrário, diante da crise, o capital, em sua forma financeira e com sua personificação tecnoburocrática global (o FMI), como o deus Moloch, exige hoje sacrifícios perpétuos e irresgatáveis das gerações futuras.

Entretanto, ao invés de prenunciar a catástrofe final do capitalismo mundial, a crise estrutural do capital prenuncia, pelo contrário, uma nova dinâmica sócio-reprodutiva do sistema produtor de mercadorias baseado na produção critica de valor.

Apesar da crise estrutural, o sistema se expande, imerso em contradições candentes, conduzido hoje pelos pólos mais ativos e dinâmicos de acumulação de valor: os ditos “países emergentes”, como a China, Índia e Brasil, meras “fronteiras de expansão” da produção de valor à deriva. Enquanto o centro dinâmico capitalista – União Européia, EUA e Japão - “apodrece” com sua tara financeirizada (como atesta a crise financeira de 2008 que atingiu de modo voraz os EUA, Japão e União Européia), a periferia industrializada “emergente” alimenta a última esperança (ou ilusão) da acumulação de riqueza abstrata sob as condições de uma valorização problemática do capital em escala mundial (eis o segredo do milagre chinês).

Portanto, crise estrutural do capital não significa estagnação e colapso da economia capitalista mundial, mas sim, incapacidade do sistema produtor de mercadorias realizar suas promessas civilizatórias. Tornou-se lugar comum identificar crise com estagnação, mas, sob a ótica do capital, “crise” significa tão-somente riscos e oportunidades históricas para reestruturações sistêmicas visando a expansão alucinada da forma-valor. Ao mesmo tempo, “crise” significa riscos e oportunidades históricas para a formação da consciência de classe e, portanto, para a emergência da classe social de homens e mulheres que vivem da venda de sua força de trabalho e estão imersos na condição de proletariedade. Como diria Marx, Hic Rhodus, hic salta!

(*) Giovanni Alves é professor da UNESP, pesquisador do CNPq, atualmente fazendo pós-doutorado na Universidade de Coimbra/Portugal e autor do livro “Trabalho e Subjetividade – O “espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório” (Editora Boitempo, 2011). Site: http://www.giovannialves.org/ /e-mail: giovanni.alves@uol.com.br

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Jobim e os segredos de Estado

Os ‘arcana imperii’ e a ribanceira da História

Por Mauro Santayana

É grave a revelação, entre tantas outras dos papéis do Departamento de Estado, da versão de um diálogo entre o embaixador Clifford Sobel e o ministro Nelson Jobim. De acordo com o documento, Jobim disse ao representante de Washington que o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães “odeia” os Estados Unidos e que o Itamaraty é um obstáculo a uma aproximação maior do Brasil com Washington. Se realmente houve a conversa, nos termos da informação do embaixador ao Departamento de Estado, estamos diante de um fato muito sério. É conveniente duvidar de que Jobim, como ministro de Estado, possa se ter referido ao Itamaraty como se noticia.

Ele é ministro da Defesa de um país soberano, e deveria seguir as regras da Realpolitik, entre elas a de que, em princípio, todos os países devem ser tratados como amigos, mas, conforme as cautelas históricas, também como eventuais inimigos – sobretudo os mais poderosos. Se ele continuar no governo de Dilma Rousseff, como se dá por certo, como poderá reunir-se com os demais ministros da Defesa dos países da América do Sul, depois dessa revelação? Todos os países da América Latina já sofreram os golpes promovidos por Washington.

O político gaúcho é personalidade controvertida. Não é a primeira vez que se destaca no noticiário, pelo açodamento e incontinência verbal. Sua incursão em assuntos estranhos à alçada é conhecida. Mas, com toda a gravidade – que deve ser avaliada pela nova chefe de Estado – o episódio Jobim é apenas um detalhe nas revelações do WikiLeaks.

Os Estados Unidos, depois dos papéis do Pentágono, no caso do Vietnã, e dos documentos relativos à guerra no Iraque, sofrem golpe ainda mais severo em sua credibilidade política no mundo. Entre as informações já divulgadas, há algumas que irritam pelo desaforo, como a de solicitar aos diplomatas que busquem a imagem da íris, a identidade genética (DNA) e as impressões digitais de líderes estrangeiros.

Acossados pela rejeição do mundo, com a China em seus calcanhares; desconfiando de aliados que lhes pareciam firmes, como o Paquistão; dominados pelo capital financeiro, que arrosta as leis e faz e desfaz os poderes republicanos, a grande nação de Jefferson e Payne resvala pela ribanceira da História.

Os comunicados diplomáticos divulgados revelam um país amedrontado, que tenta defender-se amedrontando. Faz tempo que vêm caindo os seus arcana imperii, a que aludia Tácito e, com os segredos revelados, seu poder se desfaz. As mentiras do governo Bush, com relação ao Iraque e suas “armas de destruição em massa”, foram logo desmascaradas. É com lastro em seu poderio bélico, embora desmentido no Vietnã, como se desmente agora no Iraque e no Afeganistão, que eles ainda insistem em mostrar-se como senhores do mundo, ao dar ordens aos chefes de Estado para que atuem como vassalos de Washington. Mao disse, certa vez, que os Estados Unidos são um tigre de papel. Com as revelações do WikiLeaks, a metáfora parece confirmar-se.

Os grandes países do mundo procuram ignorar a seriedade das revelações. É provável que países como a Inglaterra, a França, a China e a Alemanha temam que os seus papéis secretos também venham a ser divulgados.

No que nos concerne, seja verdadeiro ou não o diálogo entre Jobim e Sobel, confirma-se o acerto da diplomacia independente, determinada por Lula. Os dois grandes executores dessa política de Estado, Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães, cumpriram o seu dever de fidelidade para com o governo Lula, e, com fidelidade ainda maior, ao povo brasileiro que, ao longo da História, nos conflitos externos, nunca perdeu seu brio.


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quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Situação econômica da Irlanda, Grécia e Portugal preocupa europeus


European-Central-Bank

Sugestão: Gérsio Mutti

Tudo indica que Irlanda recorrerá a pacote de resgate da União Europeia. Gregos, por sua vez, cogitam prolongar a duração do pagamento de empréstimos junto à UE e ao FMI, enquanto Portugal recebe oferta de ajuda chinesa.

A situação econômica de Irlanda, Grécia, Portugal continua a ocupar espaço na mídia europeia. No caso da Irlanda, estão cada vez mais evidentes os sinais de que ela receberá ajuda europeia. Isso apesar de tanto Dublin quanto a União Europeia terem negado que estariam em negociações para um pacote de resgate financeiro devido à crise de endividamento irlandesa.
O jornal Die Welt anunciou neste domingo (14/11) que já nesta semana Bruxelas discutirá, concretamente, sobre a ajuda financeira ao endividado país da zona do euro. Segundo o diário alemão, a solicitação de um pacote de resgate para a Irlanda semelhante ao da Grécia parte principalmente de Portugal e da Espanha. Os governos dos dois países estariam temerosos de serem os próximos a caírem na linha de fogo, observou o periódico alemão.
Neste domingo, o presidente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, anunciou à margem da cúpula dos países da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec), na cidade japonesa de Yokohama, que estaria certo de que a Irlanda conseguiria resolver seus problemas, mas “se os irlandeses algum dia precisarem do apoio do FMI, estamos naturalmente prontos para ajudar”.
Endividamento 100%
A Irlanda se encontra em uma situação econômica difícil. O Pacto de Estabilidade do Euro prevê um endividamento orçamentário máximo de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) para os países da zona do euro. Neste ano, este índice alcançou 32% na Irlanda. O país deve um total de 160 bilhões de euros, ou seja, 100% de seu PIB.
Segundo o direto do instituto de pesquisas econômicas de Hamburgo HWWI, Thomas Straubhaar, a Irlanda “não conseguirá sair do aperto por esforço própria”. Ainda segundo o Die Welt, diplomatas europeus esperam que a Irlanda recorra a até 70 bilhões de euros do fundo de resgate europeu.
Na última sexta-feira, o ministro irlandês das Finanças, Brian Lenihan, negou em entrevista à emissora de rádio RTE que seu país esteja inadimplente. Na noite deste sábado, no entanto, a emissora britânica BBC anunciou, sem citar fontes, que a endividada Irlanda já teria iniciado as negociações com diplomatas europeus.
Problemas gregos
Já na Grécia, o semanário Proto Thema relatou que o FMI e a UE terão provavelmente que esperar mais tempo para receber de volta o dinheiro que emprestaram a Atenas. “A questão está sobre a mesa”, declarou ao semanário o primeiro-ministro grego, George Papandreou.
Ele admitiu “a eventualidade” de um prolongamento de duração do pagamento do empréstimo de 110 bilhões à Grécia, acordado em maio com a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional.
“Onde vemos que se podem encontrar soluções alternativas, mudaremos algumas condições do plano UE-FMI, optando por soluções mais justas”, disse o premiê helênico. Papandreou mencionou que o problema do orçamento grego “não se resolve de forma automática”.
George Papandreou disse ainda que “com ou sem o plano [UE-FMI], o déficit e os problemas são os nossos problemas e não de qualquer outro”. O chefe de governo sublinhou que seguirá com rigor o plano de saneamento financeiro traçado em maio pela UE e FMI.
Negócio da China
Portugal, por sua vez, recebeu oferta de ajuda econômica de um forte parceiro. Durante a 3ª conferência ministerial do Fórum de Macau para a Cooperação Econômica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, o primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, manifestou neste sábado a disponibilidade de seu país de ajudar Portugal a ultrapassar as suas atuais “dificuldades” econômicas.
“Portugal, neste momento, atravessa dificuldades causadas pela crise financeira internacional [...] Se Portugal tiver alguma necessidade, a China está disposta a prestar o apoio que estiver ao seu alcance”, disse Wen Jiabao no início de um encontro com o primeiro-ministro português, José Sócrates, após a abertura da conferência.
O primeiro-ministro chinês não se referiu à eventual compra de parte da dívida soberana portuguesa, mas reafirmou que a China “apoia o pacote de medidas de estabilização financeira” adotado pela União Europeia e o Fundo Monetário Internacional. Wen Jiabao evocou, ainda, a visita do presidente chinês, Hu Jintao, a Portugal na semana passada, considerando-a “um êxito”.
Durante o encontro em Macau, o primeiro-ministro chinês anunciou a criação de um fundo de 1 bilhão de dólares para desenvolver as relações entre a China e os países lusófonos. O fundo vai ser criado durante os próximos três anos por bancos de Macau e do interior da China, acrescentou o premiê.
CA/afp/dpa/dapd/rtr/lusa
Revisão: Augusto Valente

Amnésia neoliberal: como o Tigre Celta virou um Haiti financeiro

O país que virou suco

Nos anos 80 e 90, a palavra ‘Irlanda’ era pronunciada com a reverencia reservada aos quitutes finos nos banquetes neoliberais. O ‘ajuste irlandês’, iguaria produzida a partir de uma receita de cortes brutais nos gastos públicos, demissão em massa de funcionalismo e isenções maciças de impostos, era vendido nas praças de alimentação do mundo pobre como o cardápio da hora. A Irlanda era por assim dizer a garota do quarteirão do Consenso de Washington. Ombrear-se a ela era possível, mas exigiria uma aplicação de ferro, explicávamos os ventríloquos nativos que agora demonstram súbita amnésia em relação ao passado desta que é a bola da vez da derrocada européia. Recapitulemos então:

1. em meados dos anos 80, a Irlanda adotou um ‘padrão perene’ de ajuste fiscal, cercado de salvas & vivas da ortodoxia mundial;

2. um serviço à la carte foi providenciado na cozinha irlandesa para atender a freguesia do mercado: a anistia tributária veio junto com cortes de despesas e redução dos investimentos públicos em 1987;

3. 14 mil funcionários públicos foram demitidos ou aderiram a programas de demissão voluntária (isso numa população de 4 milhões de pessoas);

4.o ajuste iniciado em 87 veio para ficar. Até meados dos anos 2000, a Irlanda manteve-se fiel à santíssima trindade neoliberal: controle dos gastos públicos, teto no reajuste dos salários públicos [taxa máxima de 2,5% ao ano entre 1988 e 1990] e incentivos 'amigáveis' aos mercados [leia-se, desonerações e vale-tudo];

5.o arrocho fiscal produziu, naturalmente, uma redução substantiva da dívida interna derrubando a despesa com juros de modo a obter um permanente superávit nominal [outro mantra dos neoliberais];

6. a supremacia dos mercados desregulados cavava, porém, vertedouros subterrâneos que corroíam as bases econômicas do país. O foguetório de superfície permanecia: ‘o Tigre Celta’ crescia a taxas chinesas com macroeconomia de paraíso fiscal [nenhuma empresa pagava imposto acima de 12,5%) Quer coisa melhor que isso? Era o prato da hora. Resquícios dessa receita, agora indigesta, ainda frequentam a agenda do grupo pró-mercados que participa da equipe de transição da presidente-eleita Dilma Rousseff;

7. o desfecho irlandês recomendaria maior prudência na transposição de seus fundamentos aos ares tropicais. Os números indicam que o banquete redundou em um atordoante desarranjo gastrointestinal que transformou o ‘Tigre Celta’ numa espécie de Haiti financeiro. A saber:

a) a economia irlandesa degringola desde a explosão da bolha financeira em 2008: de lá para cá o país acumula uma queda de apreciáveis 11,6% do PIB, taxa que o coloca algumas cabeças à frente do que se poderia chamar de recessão. Depressão talvez seja um termo mais apropriado para a convalescença de sangue, suor e lágrimas que pode durar até 15 anos;

b) a Irlanda quebrou quando os fluxos de capitais deixaram de alimentar a ciranda doméstica ancorada em desonerações atraentes aos fundos especulativos, cuja maior obra foi a bolha a imobiliária, agora em estado terminal.

c) os preços dos imóveis já perderam 50% do valor; a inadimplência grassa junto com o desemprego, a fuga de capitais e o arrocho salarial. Há milhares de imóveis vazios e os bancos estão virtualmente falidos: para salvá-los, o país negocia um empréstimo de 100 bilhões de euros com o FMI, sujeito às condicionalidades conhecidas.

d) O que a frivolidade midiática esquece, porém, é que o ‘Tigre Celta’ quebrou, sobretudo, porque não dispunha mais de políticas públicas, de aparato público e, sobretudo, de ideologia do interesse público para contrastar a derrocada dos mercados especulativos com ações anticíclicas em defesa do emprego e da sociedade.

e) O ajuste irlandês’ cantado em prosa e verso pelos bardos da mídia nativa havia reduzido o país a uma extensão direta dos mercados. Não havia como reagir a seus próprios instintos suicidas. A crise fulminou a Irlanda porque o modelo neoliberal irlandês era a própria essência da crise. Que sirva de alerta aos discípulos da 'agenda das reformas' que participam ativamente da equipe de transição da presidente eleita Dilma Rousseff.

Postado por Saul Leblon às 06:29


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quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O ASSOALHO DA CRISE RANGE E RUGE



Bolsas de valores asiáticas fecharam em baixa nesta quarta-feira, por preocupações de que a China eleve juros e após reuniões de autoridades europeias não conseguirem dar uma solução clara para combater a crise de dívida da Irlanda. Dublin resiste à pressão para pedir ajuda financeira, embora os ministros tenham concordado em enviar uma missão conjunta da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional (FMI) para impedir que a crise contagie outros países (Reuters; 17-11)

HORA DE REFORÇAR O MERCADO INTERNO

Problemas fervem em várias das bocas do fogão da economia mundial: EUA (deflação ou inflação, desemprego); Europa (crise da dívida, crise fiscal, crescimento pífio);China (talvez superaquecimento); comércio mundial (encrencado por questões cambiais, protecionismos e desânimo geral sobre novos acordos de liberalização). Uma dessas fervuras pode entornar. No mínimo, causa turbulências problemáticas. (Vinicius T. Freire; Folha, 17-11)

DIVISOR DE ÁGUAS: SALÁRIO MÍNIMO

"...A CUT defende que a política de valorização do salário mínimo, de eficiência já comprovada, seja mantida. E que para o valor que vai vigorar a partir de janeiro de 2011 seja encontrada uma alternativa que garanta aumento acima da inflação, a despeito da queda do PIB registrada em 2009 [...] não é justo que quem ganha salário mínimo seja punido pelos efeitos da crise financeira internacional que derrubou nosso PIB no ano passado..."[Artur Henrique, da CUT, em editorial no site da entidade]

CONTRA A CIRANDA ESPECULATIVA: CONTROLE DE CAPITAIS

Por pressão da comitiva brasileira, o documento final da cúpula [do G-20]de Seul incluiu em um de seus 74 pontos o sinal verde para o controle de capitais, com a bênção do Fundo Monetário Internacional (FMI).[...] O ponto seis também autoriza países emergentes com reservas adequadas e câmbio flexível, mas crescentemente apreciado, a recorrer a medidas macroprudenciais - codinome para controles de capital - [...] para evitar a desindustrialização do país[...] [decorrente de] políticas monetárias expansionistas utilizadas pelos governos dos mercados mais desenvolvidos para tentar superar a crise. O exemplo mais acabado dessa estratégia são os Estados Unidos, que já injetaram US$ 1,75 trilhão [no mercado mundial] e preparam-se para despejar mais US$ 900 bilhões ... Parte desses recursos buscam retorno melhor nos mercados emergentes.[Valor;17-11]
(Carta Maior, 17-11)

A decadência do império Empregos perdidos nos EUA: Perdidos para sempre


As “privatizações” e a globalização voltam, para bater no lombo de quem as inventou

Counterpunch

Agora, quando alguns Democratas e o que restou da AFL-CIO [principal união sindical nos EUA, composta de 54 federações nacionais e internacionais de sindicatos] começam a acordar para o impacto destrutivo da exportação de postos de trabalho sobre a economia dos EUA e sobre a vida de milhões de norte-americanos, os defensores da globalização ressuscitaram um artigo de Matthew Slaughter, economista de Dartmouth, que já foi ridicularizado há alguns anos. O artigo demonstrava que a globalização, com exportação de postos de trabalho, seria fator que faria aumentar o emprego e os salários nos EUA.


Quando o artigo apareceu, dediquei-me a expor os erros de Slaughter. Mas economistas dependentes dos grandes salários das grandes transnacionais entenderam que seria mais lucrativo divulgar aqueles erros do que discutir números e fatos. Recentemente, a Câmara de Comércio dos EUA requentou o falso argumento de Slaughter, usado como arma contra os deputados Democratas Sandy Levin e Tim Ryan; e o Wall Street Journal mandou William S. Cohen, secretário da Defesa de Bill Clinton, regurgitar as ideias de Slaughter em sua coluna no jornal, dia 12/10.

Escrevi ao Wall Street Journal, mas os editores não se interessaram por o que tivesse a dizer um de seus ex-diretores e colunistas, e secretário-assistente do Tesouro para questões de economia política do presidente Reagan. A fachada de mentiras publicadas como fatos tem de ser mantida a qualquer custo. Ninguém questionará, no WSJ, os benefícios da globalização para os EUA.

Cohen disse aos leitores do WSJ que “para cada emprego exportado para Bangalore, criam-se cerca de dois empregos em Buffalo e em outras cidades norte-americanas”. Aposto que Buffalo “e outras cidades norte-americanas” adorariam saber o endereço desses novos empregos que teriam sido recentemente criados. Talvez descubram, se telefonarem a Slaughter, Cohen ou à Câmara de Comércio.

Mês passado estive em St. Louis, e impressionaram-me os quarteirões, quarteirões e quarteirões, de casas abandonadas, fábricas desertas e prédios de escritórios com as lojas de calçada com placas de “aluga-se”.

Detroit está tentando reduzir a área da cidade, abrindo mão de mais de 40 milhas quadradas do próprio território. Dia 25/10, no programa 60 Minutes, tratou-se do desemprego no Vale no Silício, onde viviam profissionais de altíssimos salários que, hoje, estão desempregados há mais de dois anos e já não encontram nem empregos de meio período pagos a $9/hora, na Target.

A ideia de que a exportação de empregos, pelas transnacionais norte-americanas globais, aumentaria o emprego nos EUA é das maiores falácias jamais divulgadas por especialistas e pela mídia. Como já demonstrei em inúmeros artigos e também em meu livro How The Economy Was Lost [Como a economia perdeu o rumo] (2010), Slaughter consegue montar sua conclusão errada, porque conta o crescimento dos empregos nas multinacionais nos EUA, sem corrigir os dados de modo a que reflitam as aquisições e fusões de empresas: empresas norte-americanas compradas por conglomerados globais e empresas que já existiam, mas se converteram em empresas globais pela primeira vez. Não há novos empregos em transnacionais nos EUA. Os empregos simplesmente foram convertidos em empregos multinacionais, porque as empresas empregadoras converteram-se em multinacionais.

Se Slaughter (ou Cohen) tivesse consultado as estatísticas do Bureau of Labor e seus dados sobre nonfarm payroll Jobs [1], não conseguiria achar lugar para os supostos 5,5 milhões de empregos que teríamos criado, mas não criamos. Tenho escrito detalhadamente, há quase uma década, sobre a criação de empregos nos EUA que se vê nos dados do BLS e outros, como o economista Charles McMillion, de Washington, que têm feito o mesmo. Na última década, os novos empregos criados nos EUA nada tiveram a ver com as corporações multinacionais. São empregos de garçons e garçonetes, de assistentes médicos (em unidades de atendimento ambulatorial), vendedores em lojas de varejo e – enquanto a bolha se arrastar – na construção civil.

Nada dos empregos high-tech de altos salários, que a “Nova Economia” tanto prometeu, e não são empregos que possam ser associados às empresas globais. Além do quê, também os empregos domésticos já escasseiam.

Mas o que menos se considera são os fatos. Será que Slaughter, Cohen, a Câmara e o Wall Street Journal jamais se perguntaram como seria possível ter, simultaneamente, milhões de novos empregos e bons salários para a classe media, com cada vez maior desigualdade de renda no mundo desenvolvido, e toda renda acumulando-se cada vez mais na faixa dos mega ricos?

Em meados de outubro, o secretário do Tesouro e fantoche de Goldman Sachs, Tim Geithner, discursou na Califórnia no pátio, ou no ex-pátio, de ex-casas dos ex-ricos da classe média do Vale do Silício, vários dos quais vimos no programa 60 Minutes sobre a mesma região. Lá, Geithner disse que a solução é “formar mais engenheiros”.

Os EUA já têm muito mais engenheiros do que empregos para eles. Em pesquisa recente feita por empresa de pesquisa e marketing da Philadelphia, Twentysomething, constata-se que 85% de recém-saídos de universidades terão de voltar a viver na casa dos pais. Ainda que os “filhos do boom” consigam empregos, não conseguirão salários suficientes para manter-se com vida independente dos pais.

A mídia financeira “especializada” nada ajuda a esclarecer. Jornais e jornalistas repetem a mentira de que a taxa de desemprego estaria em 9,6%. Essa é taxa fabricada, especialmente depurada para não contabilizar a maior parte dos desempregados. Os números do governo, mais inclusivos, chegam a 17%. John Williams, especialista em estatística, que calcula desemprego como tem de ser calculado, trabalha já com taxas de 22% de desemprego.

A mídia financeira converte más notícias em boas notícias. Recentemente divulgaram novos 64 mil empregos no setor privado; são empregos que desaparecem, se confrontados aos empregos desaparecidos no setor público. De fato, são necessários cerca de 150 mil novos empregos por mês nos EUA, só para equilibrar o crescimento vegetativo da força de trabalho. Em outras palavras: 100 mil novos empregos por mês são, de fato, déficit mensal de 50 mil empregos.

A estupidez da mídia financeira aparece bem evidente em duas manchetes publicadas dia 19/10, na mesma página Bloomberg:

“Dólar reage bem ao apoio de Geithner ao fortalecimento da moeda” e, adiante: “Mercado vê o dólar fraco de Geithner como caminho para a recuperação da economia norte-americana”.

Por não darem qualquer atenção aos empregos que desapareceram porque foram exportados, os políticos e seus asseclas na imprensa financeira atribuem o desemprego nos EUA a uma suposta manipulação pela China ou à crise financeira. Os Republicanos dizem que a crise financeira, ela mesma, é culpa dos cidadãos de baixa renda que assumiram dívidas hipotecárias que não poderiam saldar.

Em outras palavras, a culpa é da China e da cobiça dos norte-americanos pobres que aspiram a viver acima de suas possibilidades. Se os EUA ‘raciocinam’ desse modo, é fácil ver por que parece não haver solução para os problemas econômicos.

Nenhum governo dos EUA assumirá os próprios erros, se pode culpar algum estrangeiro. A China é o bode expiatório para o fracasso dos EUA. Os empresários acusam a China, mas não são capazes de ver os efeitos de 20 anos de continuada exportação de postos de trabalho – a chamada “globalização” –, nem veem os efeitos, nos EUA, de nove anos de guerras caríssimas e sem sentido algum.

O crime se chama “manipulação da moeda”. Mas a China não está interessada em manipular o dólar norte-americano. Aconteceu, sim, que o governo chinês decidiu converter sua economia comunista quebrada em economia de mercado. Isso, quando o governo entendeu que os investidores teriam de confiar na moeda em que negociassem. Então a China atrelou sua moeda ao dólar, para sinalizar que o dinheiro chinês era tão confiável quanto o dólar. Naquele momento, a China, é claro, não poderia, sem perder a credibilidade, atribuir alto valor em dólar à moeda chinesa.

Mas o tempo passou. As políticas financeiras irresponsáveis e alucinadas dos EUA consumiram o valor do dólar. E, porque a moeda chinesa continua atrelada ao dólar, o valor dela também caiu. Só se fossem doidos, os chineses manipulariam a própria moeda, para que valesse menos.

Bem ao contrário disso. Quando estive na China, em 2006, a taxa corrente era de pouco menos de 8 yuan por 1 dólar. Hoje, é de 6,6 yuan por 1 dólar: o yuan valorizou-se 17,5%.

O governo dos EUA atribui à moeda chinesa desvalorizada a responsabilidade pelo déficit comercial com a China. Nada mais falso. A moeda chinesa valorizou-se 17,5% contra o dólar desde 2006, mas o déficit comercial EUA-China não diminuiu.

A maior causa do déficit comercial EUA-China é a “globalização”, ou a prática, estimulada por Wall Street e Wal-Mart, de as corporações norte-americanas exportarem a produção de seus produtos para o mercado de trabalho chinês, em busca de mão de obra barata. A maioria das tarifas que os idiotas do Congresso querem impor às importações “chinesas” pesarão, portanto, sobre a produção que as multinacionais norte-americanas exportaram para a China! Quando produtos norte-americanos, como computadores Apple, por exemplo, são trazidos para o consumo dos norte-americanos, entram como importações. Assim, as tarifas pesarão, primeiro, sobre a produção que as empresas multinacionais norte-americanas exportaram para a China; em seguida pesarão também sobre os bens lá produzidos e exportados da China de volta aos EUA, quando chegarem aos EUA.

Só se pode concluir que o déficit comercial dos EUA com a China é resultado da “globalização”, sobretudo, dos empregos; não, é claro, de alguma manipulação dos chineses com sua moeda.

Aspecto importante jamais considerado é que, hoje, os EUA são dependentes da China para inúmeros bens manufaturados, inclusive produtos de alta tecnologia, que, há bastante tempo, já não são fabricados nos EUA. Se a China valorizar sua moeda, o preço desses produtos aumentará nos EUA. Quanto mais valorizado o Yuan, maiores os preços nos EUA. Então, sim, o impacto sobre o padrão de vida já declinante nos EUA, seria dramático.

Quando políticos norte-americanos dizem que a solução para os problemas dos EUA seria moeda chinesa mais forte, mais uma vez tentam jogar todo o peso do ajustamento à nova situação de desemprego, sobre a população mais pobre dos EUA, já endividada, desempregada e sem casa onde morar.

Nota:
[1] Número construído por pesquisas do US. Bureau of Labor Statistics, que mostra o número total de trabalhadores norte-americanos pagos em todos os ramos de negócios, excluídos os funcionários públicos em geral, empregados domésticos, empregados de organizações assistenciais e sem finalidades de lucro e empregados rurais. Mais, em: Non-Farm Payroll

Tradução Vila Vudu
O artigo original, em inglês, está aqui: Counterpunch


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