Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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quarta-feira, 20 de agosto de 2014

O Império (da alta finança) contra-ataca

Arquivo

O contra-ataque da alta finança se efetua, em plano global, mediante uma série de combates encadeados. Um deles, estratégico, está sendo travado no Brasil.

Sebastião Velasco

 A melhor defesa é o ataque. Certo?  Nem sempre. Mas quando o agente em causa detém posição de força, quando é - ou ainda é - mais poderoso que seus oponentes, a contra-ofensiva pode ser uma estratégia vitoriosa.

Esta, pelo menos, tem sido a aposta do capital financeiro,  e de seus acólitos - no Brasil e por toda parte.

Senão, vejamos. Nos anos 30 do século passado, Keynes chegou a falar em eutanásia do rentista. Dissipadas as cinzas da segunda guerra, assentadas finalmente as bases para um novo – e sob muitos aspectos surpreendente - surto de desenvolvimento capitalista em escala internacional (os “30 anos gloriosos”) , logo se viu que os representantes dessa espécie não foram levados a nada tão drástico.

É verdade, foram submetidos a disciplinas rígidas e a uma dieta parcimoniosa. E quando saíam da linha eram chamados à ordem por vigilantes severos. Mas podiam se dedicar tranquilamente às suas atividades rotineiras  - que eram tidas por socialmente úteis, ainda que nada heróicas.

Foi assim até que as contradições da ordem político-econômica instaurada sob a batuta dos Estados Unidos - que lhe garantiam a proteção e  lhe emprestavam a moeda - estalaram na grande crise da década de 1970, que tem na estagflação o seu traço característico mais notório.

Não há lugar aqui para discutir os movimentos profundos que levaram a esse estado de coisas, nem para inquirir sobre a relação que porventura mantenham com os grandes deslocamentos produzidos simultaneamente no plano da geopolítica mundial. 

Importa é registrar que, no desenrolar da crise - em parte pelas medidas sem precedentes adotadas em reação a ela (a ruptura do regime de Bretton Woods, pela decisão unilateral dos Estados Unidos de por fim à convertibilidade do dólar), em parte pelo reiterado fracasso dos instrumentos de política econômica consagrados  - pouco a pouco a credibilidade das instituições que calçavam a antiga ordem foram sendo minadas. E a disciplina de internato (para meninos ricos, é certo, mas internato quand même) a que foram submetidos os nossos personagens passou a ser cada vez mais fortemente criticada. Contra a “repressão financeira”, a liberdade dos mercados auto-regulados -- esse o adágio.



Liberdade...  o que não se abriga na generosidade dessa idéia? Liberados das regulações administradas por burocratas cinzentos, os gênios das finanças saíram a campo, e logo puseram em prática suas idéias maravilhosas. A cada dia uma nova. As conseqüências são conhecidas. Depois de um longo período de monotonia, a economia mundial passou a conviver novamente com as emoções das crises financeiras, os altos e baixos da bolsa, as disparadas nos mercados de moedas.... É certo, muitos dos financistas ficavam no caminho. Mas outros saíam do turbilhão ainda mais fortes  - o que só lhes aumentava a aura. Super-ricos, distintos, sedutores, heróicos.

Aos poucos, a relação peculiar que os agentes do capital financeiro mantêm com a vida  - a prevalência do cálculo de oportunidades no curto prazo, a auto-referência, a abstração exacerbada  – invade o capital produtivo, e extravasa para outras esferas de atividade, como uma doença viral.  Nesse processo, o capitalismo muda de figura, e ganha traços distintos, que os analistas procuraram sintetizar com a ajuda de fórmulas mais ou menos sugestivas, mais ou menos elegantes, como “capitalismo patrimonial”, “capitalismo financeirizado”, ou simplesmente “capitalismo neoliberal”.

Sabemos todos onde vai dar a história (ou melhor, esse capítulo da história, porque essa é uma história sem fim,  pelo menos até o momento em que a humanidade consiga colocar em prática uma  forma de organização sócio-econômica alternativa ao capitalismo,  em escala global). O estouro da bolha hipotecária nos Estados Unidos, a descoberta aterradora de que - dada a opacidade dos instrumentos gerados pela imaginação criadora dos financistas (os chamados ativos tóxicos) - ninguém sabia ao certo em que posição encontrava-se na cadeia de débito e crédito; a corrida aos bancos  que se segue, em setembro de 2008, à falência do Lehman  Brothers.

No auge da crise, quando o Tesouro americano montava às pressas um plano de salvamento dos grandes bancos e enfrentava uma verdadeira tempestade para fazê-lo aprovar no Congresso parecia que a festa do  capital financeiro estava acabada. Nesse momento, com milhões de famílias descobrindo, atônitas, que suas poupanças tinham se esfumado, vozes das mais autorizadas anteviam o colapso do fundamentalismo de mercado e poucos discordavam de George Soros, segundo o qual se estava a viver o fim de uma era.

Então, economistas aclamados - como Paul Krugman e Joseph Stiglitz, ambos detentores do Prêmio Nobel - defenderam a estatização dos bancos semi-falidos  - para saneá-los e devolve-los mais tarde à iniciativa privada, sem dúvida, mas estatização ainda assim, com tudo que nessa medida havia de chocante para o consenso ideológico prévio. 

Esse período, em que o governo americano transforma um conclave sonolento de ministros de economia em palco de negociações das finanças globais, ficará marcado por essas imagens emblemáticas: na primeira reunião do novo G20, realizada na sede do FMI, em Washington, Bush aparece inopinadamente, e toma acento ao lado de Guido Mantega, que continua a dirigir a reunião como se nada acontecera, tudo isso diante das câmaras de TV, que transmitem para o mundo inteiro a cena quase inacreditável. 

Nas duas esferas – na política doméstica, e nas relações internacionais  -  o capital financeiro estava na berlinda, e os ventos pareciam soprar a favor das propostas de mudanças acentuadas.

De fato, por quase dois anos, o debate sobre programas de reformas financeiras tomou conta do noticiário. Mas, em ambos níveis  - no plano doméstico e na arena internacional  - o resultado alcançado foi pífio.  

Nos Estados Unidos, o Congresso aprovou, em julho de 2010, um projeto de lei que alterava a regulação do sistema financeiro e criava novos mecanismos de defesa do consumidor (a lei Frank-Dodd). Mas apenas depois de renhida batalha, da qual a proposta de reforma saiu com muitos dentes quebrados. Não foram impostos limites ao tamanho dos bancos; a regulação dos derivativos não se tornou mais rigorosa.

Na arena internacional, também, as mudanças foram cosméticas. No início, houve muito alarde a respeito de reformas que poriam  fim ao predomínio absoluto do modelo anglo-saxão de finanças, impondo regras de conduta mais rigorosas aos bancos,  disciplinando a atuação dos hedge funds e das agências de avaliação de risco, justamente suspeitas de cumplicidade com as instituições que deveriam monitorar. Mas, cinco anos depois, as taxas de capital próprio requeridas dos bancos continuavam muito baixas, os fundos especulativos seguiam agindo sem maiores restrições, e as agências de avaliação de risco ainda davam suas notas (a empresas e países) imbuídas de inconteste autoridade. 

Se o que define uma crise (uma grande crise) são os seus efeitos sobre as formas institucionais, não caberia falar, nesse caso, em crise, salvo se apelarmos a um oxímoro e nos referirmos a ela como uma crise normal [1].

Não há como entender esse resultado se não levarmos em conta, além do poder dos banqueiros, o significado estratégico que o controle sobre as engrenagens do mercado financeiro em escala mundial adquire para os Estados Unidos. Se quiserem levantar uma ponta do véu que cobre o fenômeno, reparem na maneira como as sanções unilaterais contra o Irã e, agora, a Rússia operam.

Pois é de mãos dadas com o Estado - não apenas desse Estado – que, vencido o susto e contida a onda, o Império da alta finança contra-ataca. 

A ofensiva se faz em inúmeras frentes, mas vou me ater aqui a uma delas. Refiro-me à negociação do acordo secreto sobre comércio de serviços financeiros, lançada em fevereiro do ano passado, cujos termos vieram à tona recentemente, a partir de um documento vazado pelo Wikileaks.

Como soe acontecer em textos dessa natureza, ele é lacunar e vem repleto de colchetes, com redações alternativas sobre tal ou qual item, acompanhadas de indicações sobre a origem de cada uma delas.

O documento divulgado é parte de uma negociação muito mais ampla (TISA, na sigla em inglês), que envolve uma lista não exaustiva de mais de uma dezena de temas, e 27 países, capitaneados pelos Estados Unidos e pela União Européia. Salta aos olhos a presença, na lista de participantes, de vários países próximos a nós  --  como o Chile, o Paraguai, o Peru, a Colômbia, e o México --  e a ausência de alguns atores de peso: o Brasil, a Índia, a Rússia, a China e a África do Sul (vale dizer, os BRICS), além de um rol de países – da Argentina à Venezuela – que a internacional financeira define como companhias pouco recomendáveis.

Os analistas que se debruçaram sobre esse documento salientam o caráter preliminar de seus comentários, que só poderão ganhar maior solidez quando todo o material relativo à negociação puder ser examinado. A depender da vontade dos governos envolvidos, porém, esse momento não acontecerá tão cedo, pois a regra de estrito sigilo que rege suas tratativas estende-se pelos cinco anos subseqüentes à adoção do acordo negociado.

Mesmo assim, algumas das características do projeto são bastante claras:

Ele procura fazer, em ambiente de clube, o que as partes interessadas não conseguem em fóruns multilaterais.

Contrariando o princípio da não-discriminação, essencial ao regime multilateral de comércio, esse acordo prevê que as regras por ele estabelecidas valerão apenas para os países signatários.  Trata-se, portanto, de um acordo discriminatório, ou, se quiserem, preferencial.

O objetivo geral buscado com ele é o de criar normas internacionais que consagrem a liberalização financeira e dotem os agentes privados de instrumentos hábeis para contestar juridicamente qualquer iniciativa do poder público (nacional ou subnacional) suspeitas de violar as regras acordadas.
 
 Há muitas outras coisas que poderiam ser  - e têm sido - ditas sobre esse acordo, com base no pouco que transpirou a seu respeito até o presente. Mas neste final de artigo, devo limitar-me a este registro sumário, e chamar a atenção do leitor para dois pontos sem conexão aparente com a matéria: a disposição expressa no programa de governo da oposição demo-tucana de aderir à negociação do pacote de serviços (que inclui os “serviços financeiros”), e o enorme contraste entre a ambição que o embala e os móveis dos BRICS, ao criar o seu banco de desenvolvimento e seu fundo de estabilização, na cúpula de Fortaleza, em julho próximo passado.

A convergência desses três movimentos  -  o acordo sobre serviços financeiros, o programa da oposição, e o último lance dos BRICS  -  sugere a conclusão que o tamanho desse artigo já pede: o contra-ataque da alta finança se efetua, em plano global, mediante uma série de combates encadeados. Um deles, de alcance estratégico, está sendo travado aqui no Brasil, exatamente agora.

[1] É o que faz Eric Helleiner, em seu último livro, The Status Quo Crisis. Global financial governance after the 2008 meltdown



quinta-feira, 14 de agosto de 2014

A escalada do ódio político no Brasil




“Cinquenta (…) anos atrás [1957], um jovem fotógrafo do Arkansas Democrat (…) foi cobrir o primeiro dia de aula de um grupo de estudantes negros na maior e melhor escola média de Little Rock [Arkansas, EUA]. Esse pedaço de história ficou gravado no negativo de número 15.

Eram apenas nove os jovens negros selecionados pela direção do principal colégio da cidade, o Central High School, para cumprir a ordem judicial de integração racial no país. Segundo David Margolick, autor do recém-publicado Elizabeth and Hazel: Two Women of Little Rock (ainda inédito no Brasil), a peneira foi cautelosa. A busca se concentrou em colegiais que moravam perto da escola, tinham rendimento acadêmico ótimo, eram fortes o bastante para sobreviver à provação, dóceis o bastante para não chamar a atenção e estoicos o suficiente para não revidar a agressões. Como conjunto, também deveria ser esquálido, para minimizar a objeção dos 2 mil estudantes brancos que os afrontariam.

Assim nasceu o grupo que entraria na história dos direitos civis americanos como ‘Os Nove de Little Rock’. Eram todos adolescentes bem-comportados, com sólidos laços familiares, filhos de funcionários públicos e integrantes da ainda incipiente classe média negra sulista. Entre eles, a reservada Elizabeth Eckford, de 15 anos.

Os pais dos nove pioneiros foram instruídos a não acompanharem os filhos naquele 4 de setembro de 1957, pois as autoridades temiam que a presença de negros adultos inflamasse ainda mais os ânimos. Por isso, os escolhidos agruparam-se na casa de uma ativista dos direitos civis e de lá seguiram juntos para o grande teste de suas vidas. Menos Elizabeth, que não recebera o aviso para se encontrar com os demais e partiu sozinha rumo a seu destino.

De longe ela avistou a massa de alunos brancos passando desimpedidos pelo cordão de isolamento montado pela Guarda Nacional do Arkansas. Ao tentar fazer o mesmo, foi barrada por três soldados que ergueram seus rifles. Elizabeth recuou, procurou passar pela barreira de soldados em outro lugar da caminhada e a cena se repetiu. Alguém, de longe, gritou ‘Não a deixem entrar’ e uma pequena multidão começou a se formar às suas costas. Foi quando Elizabeth se lembra de ter começado a tremer. Com a majestosa fachada da escola à sua frente, ela ainda fez uma terceira tentativa de atravessar o bloqueio em outro ponto do cordão de isolamento.

Como pano de fundo, começou a ouvir invectivas de ‘Vamos linchá-la!’, ‘Dá o fora, macaca’, ‘Volta pro teu lugar’, frases proferidas por vozes adultas e jovens. Atordoada, dirigiu-se a uma senhorinha branca – a mãe lhe ensinara que em caso de apuro era melhor procurar ajuda entre idosos. A senhorinha, porém, lhe cuspiu no rosto.

Como não conseguisse chegar à escola, a adolescente então tomou duas decisões: não correr (temeu cair se o fizesse) e andar um quarteirão até o ponto de ônibus mais próximo. Um aglomerado de cidadãos brancos passou a seguir cada passo seu. Imediatamente às suas costas vinha um trio de adolescentes, alunas do colégio. Entre elas, Hazel Bryan: “Vai pra casa, negona! Volta para a África!’.

 Segundo o autor do livro centrado no episódio, foi este o instante em que a câmera de Will Counts captou a imagem que se tornaria histórica [vide foto no alto da página]. Hazel, de quinze anos e meio, não carregava qualquer livro escolar. Apenas uma bolsa e um inexplicável jornal. Ela não planejara nada para aquela manhã. Vestira-se com o esmero que era sua marca – roupas e maquiagem ousadas para uma adolescente daquela época – e arvorou-se de audácia ao ver tantos fotógrafos e soldados da Guarda Nacional. Nada além disso. O resto pode ser debitado à formação que recebera em casa – família de origem rural, ideário fundamentalista cristão, atitude racial aprendida com o pai (…)”

O relato acima foi escrito pela jornalista brasileira Dorrit Harazim, que já trabalhou na Veja, no Jornal do

Brasil e na revista Piauí, que, em sua edição 62, publicou o artigo “Ódio Revisitado”, do qual você acaba de ler um trecho.
Em princípio, pode-se dizer que um artigo sobre ódio “racial” contra negros em um país de maioria branca não nos diz respeito. Contudo, a causa do ódio nunca é o mais importante. O ódio precisa de uma causa, qualquer causa…

Porém, basta que o leitor substitua ódio “racial” por ódio religioso, de classe social, político ou ideológico para ver que o mecanismo é sempre o mesmo. Começa com a formação de turbas incomodadas com portadores de diferença de “raça”, religião, classe social, naturalidade ou nacionalidade, opinião política ou ideologia.

O segundo passo das escaladas de ódio consiste na generalização contra portadores de diferenças como as exemplificadas acima. Todo negro, judeu, cristão, muçulmano, espírita, pobre, rico, nordestino, petista ou comunista passa a ser previamente definido com base em estereótipos.

O terceiro passo começa com a segregação voluntária dessas tribos conflitantes, que se distanciam conforme vão apurando a “razão” para não coexistir com quem não divide crenças, características físicas, estrato social ou posição geográfica.

O quarto passo do crescimento do ódio entre grupos é sua chegada aos meios de comunicação – antes impressos e depois eletrônicos. Provocações surgem entre grupos que controlam os grandes meios e os que não têm mídia – ou que, hoje, têm pequenas mídias graças à internet.

O quarto passo é o transbordamento para o mundo real do ódio virtual que se espalhou pelos meios de comunicação com a ascensão de líderes e figuras-símbolo a encarnar centenas, milhares, muitas vezes milhões ou dezenas de milhões de contrários. Esse ódio passa a se traduzir em trocas públicas de insultos.

O quinto passo começa tímido e, se não for interrompido, pode chegar ao sexto. Insultos e provocações já produzem agressões físicas aqui e ali. Incialmente tidas como fatos isolados, muitas vezes adquirem proporções epidêmicas, como vem ocorrendo há mais de uma década na Venezuela, onde, mais recentemente, dezenas perderam a vida em confrontos entre grupos políticos pró e contra o governo.

Abaixo, um dos exemplos dessa exacerbação do ódio que o Blog colheu no Facebook horas antes de publicar este post.







No Brasil, a escalada do ódio cresce há 500 anos por conta da assimetria de renda em um país consumista ao extremo, no qual, sem dinheiro, o cidadão torna-se um pária, um símbolo de fracasso pessoal premeditado. Mas como tudo que é ruim pode – ou tende a –   piorar, eis que o ódio passa a decorrer da mais perigosa das divisões, a divisão político-religiosa-ideológica, origem majoritária das guerras.

O grande problema do brasileiro, neste momento, é assumirmos, cada um, nosso quinhão de responsabilidade por uma escalada do ódio que, para alguns, em lugar de ameaça representa prova de seu poder de contaminação da sociedade, a ser comemorado.

Outro jornalista brasileiro que deixou a revista Veja é Fred Di Giacomo, que hoje toca um site chamado Gluck Project. Di Giacomo, recentemente, escreveu “A história do Ódio no Brasil”. Trecho do texto ilustra a tese deste post.

‘Achamos que somos um bando de gente pacífica cercados por pessoas violentas’. A frase que bem define o brasileiro e o ódio no qual estamos imersos é do historiador Leandro Karnal. A ideia de que nós, nossas famílias ou nossa cidade são um poço de civilidade em meio a um país bárbaro é comum no Brasil (…)”

Poucos de nós são responsáveis pelo ódio político que tanto cresceu no país, mas boa parte de nossa sociedade é responsável por ter aderido a ele. Vale para o que espalha provocações na internet, vale para o que se deixa contaminar por elas e responde à altura.
Nos ambientes minimamente adequados ao debate político, vá lá que as coisas acabem esquentando. O problema é quando o ódio político ultrapassa qualquer limite aceitável e passa a ser espargido onde é, no mínimo, inaceitável que exista.
Mais de uma dezena de horas antes de compor o texto abaixo, seu autor teve uma experiência pessoal – e assustadora – com o crescimento do ódio político que fatores variados – e mais adiante elencados – produziram no país. O texto a seguir foi publicado por este que escreve em sua página no Facebook.

Nunca vou parar de me surpreender com o potencial desolador da ignorância. Minha mulher participava de uma “comunidade” virtual de mães de meninas com síndrome de Rett (doença de [minha filha] Victoria) e essas mulheres começaram a postar sem parar acusações ao PT de ser responsável pela morte de Eduardo Campos por o partido ter o número 13 e o falecimento ter ocorrido num dia 13.

Minha mulher protestou contra esse absurdo e recebeu de volta uma saraivada de insultos. Mas o que é mais impressionante é que mães de meninas com doença igual à de minha filha começaram a atacar a menina perguntando se ela também “é petista” e dizendo que até imaginam que “tipo de mãe” minha mulher deve ser, sendo “petista”.

A que ponto chegamos? Conseguiram envenenar este país ao impensável. Essas mesmas mulheres xingavam Dilma furiosamente e apelando para insultos que são sempre usados contra mulheres usando a própria condição femina – puta, vaca, vadia, vagabunda, prostituta, sapatão etc., etc., etc.

Ver mães de crianças especiais atacando crianças especiais por política, ver mulheres usando o mais vil recurso do machismo contra mulheres, tudo por causa de política, dá vontade de chutar tudo pro alto e fugir pro outro lado do mundo, bem longe dessa loucura que essa direita assassina, que jogou o país em 20 anos de ditadura, trouxe de volta para a nação

O desabafo (justificável pelo que relata), porém, não deixa de ser uma pitada de combustível na escalada do ódio ao debitar a um grupo ideológico (a direita) o comportamento espantoso de seus personagens. Mesmo sendo verdade, poderia ter feito o desabafo sem aumentar o potencial de conflagração que encerra naturalmente? Reflito que poderia, sim…

Para não acusar a terceiros, o blogueiro acusa a si mesmo na esperança de que cada um faça o mesmo, caso enxergue o crescimento do ódio no país.

Alguns dirão, com propriedade, que a grande imprensa, ao tomar partido político, levou a situação a esse ponto. Não há dúvida de que é culpada por exacerbar o ódio político no Brasil desde o advento da

República, mas não se constrói uma casa sem tijolos. Se a mídia é construtora, quem são os tijolos dessa

escadaria do ódio que estão edificando?

Em outras palavras, a mídia não poderia edificar essa escalada do ódio no Brasil se não tivesse farta matéria-prima. O mais dramático é que há tanta dessa matéria-prima espalhada por aí que não se sabe mais como recolhê-la em quantidade suficiente para que falte aos entusiasmados construtores do ódio. Nesse aspecto, sugestões serão mais do que bem-vindas.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Antibrasileiro profissional

O surgimento de cidadãos dedicados, 24 hs por dia, a torcer para o Brasil dar errado

-O Senhor é patriota?
-Amador.
-Amador?
-É, porque profissional é o Senhor, que é pago para isso.

Esse teria sido o diálogo travado entre o grande advogado Sobral Pinto e o coronel que o prendeu em Goiânia, durante a ditadura militar. Na realidade, as palavras devem ter sido diferentes, mas o sentido geral foi esse.

Sobral sentiu-se extremamente ofendido pela pergunta e retrucou à altura. O grande advogado, católico fervoroso e conservador, detestava a ditadura e suas violências, mas amava profundamente o seu país. O mesmo acontecia com outros opositores do regime militar. Os jovens que aderiram à luta armada contra a ditadura, como Dilma Rousseff, também tinham grande amor pelo Brasil e profunda fé em seu enorme potencial. Na realidade, eles queriam, a sua maneira, libertar o Brasil do “imperialismo” e das amarras que o prendiam ao atraso e às injustiças. Eles achavam que, uma vez liberto, o Brasil e seu povo encontrariam a sua real grandeza.

Ninguém ali tinha complexo de vira-lata.  Ninguém se achava menor por ser brasileiro. Ninguém era pessimista, em relação ao Brasil. A bem da verdade, tratava-se de gente que, por acreditar muito no país, era capaz de dar sua vida por ele, como alguns fizeram. E, na Copa de 1970, todos acabaram torcendo pela Seleção.

Agora, a coisa mudou. Para se fazer oposição ao governo popular e democrático do país, parece que o requisito é ser anti-Brasil. Parece necessário se ter um grande desprezo pelo país, e mais ainda pelo seu povo. É imprescindível ser um pessimista que transmita seu desprezo a tudo que é brasileiro com sincopado abanar de rabo e latidos histéricos.

Pelo menos é o que a mídia conservadora e oligopolizada, nosso maior partido de oposição, vem fazendo com grande afinco. Com efeito, para tentar impedir a reeleição da presidenta instaurou-se um vale-tudo que não se acanha em atropelar a autoestima do brasileiro e prejudicar o país.
Tudo é apresentado sob uma ótica distorcida pelo ódio, o pessimismo e o desprezo. Parece que vivemos no último país do mundo, sempre à beira do colapso e irremediavelmente condenado ao atraso pela incompetência e a ignorância de seu próprio povo.

Faz-se tabula rasa de todos os grandes avanços acontecidos na última década e do fato de que o Brasil é um dos países que melhor enfrenta a crise mundial, para se criar um clima pesado de pessimismo e negatividade, o qual, embora não tenha substrato empírico, tem impacto real na psique coletiva do país. E na imagem do Brasil.

A cobertura da Copa é exemplar, a este respeito. Faz-se uma inversão de tudo o que acontece.  O novo estádio, muitíssimo melhor que o antigo, que caía aos pedaços, afugentando e ameaçando torcedores, não é notícia. O que é notícia, espalhafatosa e histérica, é o “atraso”, a “goteira”, o “tapume”, e os supostos e até agora não comprovados “superfaturamentos”. O novo aeroporto, também muito melhor que o antigo, de que tantos reclamavam, também não é notícia. O que é notícia é a não-instalação (ainda) da Polícia Federal no local e a confusão em torno da saída de um voo internacional.

As grandes obras de mobilidade urbana, tão necessárias à nossa população das grandes cidades, ou são ignoradas ou são apresentadas pelo mesmo viés negativo.

Distorce-se muito o tempo todo. Até mesmo a taxa de desemprego em seu mínimo histórico é apresentada sob uma ótica negativa, sob a desculpa de que a taxa de inatividade cresceu, o que, na realidade, também é uma boa notícia, pois indica que os nossos jovens estão estudando mais, graças ao aumento das rendas das famílias.

Quando não se pode distorcer, chega-se, em alguns casos, à mentira pura e simples. A velha mídia se esmerou em propagar a ideia de que os investimentos na Copa tinham sido feitos a expensas dos investimentos em Saúde e Educação.

Tudo mentira, é óbvio. Os dados mostram que gastos com os estádios, na realidade empréstimos do BNDES que terão de ser pagos, corresponderam, em quatro anos, a cerca de RS$ 8 bilhões, ao passo que os investimentos em Saúde e Educação ultrapassaram R$ 850 bilhões. A manchete correta sobre o tema seria: “Brasil gasta menos de 1% com estádios do que gasta com Saúde e Educação”. No entanto, essa manchete nunca veio, ou, se veio, veio com muito atraso.

E a distorção sistemática não se refere somente à Copa. Distorcem-se as informações sobre o ENEM, um mecanismo republicano de acesso à universidade, que é atacado sistematicamente por aqueles que ignoravam os grandes problemas e limitações dos nossos vestibulares. Distorcem-se os dados sobre o Bolsa Família, sempre apresentado como um programa que incentiva a preguiça. Inventa-se uma inflação “sem controle”. Em certos meios, mente-se até sobre a Justiça, como no caso da AP 470. A lista é inesgotável.
Claro está que não se deseja que a imprensa oculte problemas e não faça críticas. Mas deveria haver um mínimo de equilíbrio e isenção. Afinal, qual é a contribuição que uma mídia que não disponibiliza informação fidedigna à população presta à democracia?  Claro está também que, se a Copa e todas essas grandes obras tivessem sido feitas nos governos conservadores de antanho, a louvação derretida dessa mesma mídia oligopolizada seria interminável e nauseante.

O curioso é que esse esforço furioso da mídia conservadora não surte o efeito desejado. Os candidatos da oposição não conseguem decolar. O clima de pessimismo e desconforto embalado pela mídia parece atingir, a bem da verdade, a política de um modo geral e todas as instituições democráticas. Ninguém está conseguindo se beneficiar com isso.

Mas, se ninguém se beneficia, o dano causado ao país é real. Quanto turistas deixaram de vir ao Brasil por causa dessa campanha sistemática? Será que não há investimentos que foram cancelados por causa disso? Em todo caso, se a Copa for um grande fracasso, quem pagará o preço, por várias décadas, será o Brasil; não o governante de plantão.

O dano maior, contudo, é o dano à autoestima do brasileiro. Um dano terrível. Já ouvi crianças de nove anos dizerem que torcerão por times estrangeiros, porque o Brasil é um “país feio”. Já vi adultos declararem que não colocaram bandeiras do Brasil em seus carros porque temem “pichações”. Vejam a que ponto chegamos: há pessoas no Brasil que temem declarar o seu amor pelo próprio país. Quem pagará por esse crime?

Deveria ser o antibrasileiro profissional. Aquele que é revelado pelo seguinte diálogo:

-O Senhor é antipatriota?
-Profissional.
-Profissional?
-É, porque eu sou pago para fazer esse servicinho sujo contra o Brasil.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

DECANO CONDENA VEJA: MÍDIA QUIS "SUBJUGAR" O JUIZ

domingo, 26 de maio de 2013

VOLTAMOS Verdade dá calafrios na Folha e no Globo



Postei aí na seção de vídeos a reportagem  veiculada ontem pelo SBT sobre as precauções de segurança tomadas para assegurar a inviolabilidade do túmulo do ex-presidente João Goulart, em São Borja, Rio Grande do Sul.
Tem lógica, pois se aguarda a exumação de seus restos mortais, proposta pela Comissão da Verdade e autorizada pela família, que não acredita estarem plenamente esclarecidas as circunstâncias de sua morte, em dezembro de 1976.
As cartas trocadas naqueles dias entre o general Ernesto Geisel e o recém-ditador argentino – morto esta semana – Jorge Rafael Videla, recém-reveladas, só ampliam as suspeitas.
E as viúvas da ditadura estão em polvorosa com a pretensão da maioria da Comissão da Verdade brasileira representar pela revisão do esdrúxulo julgamento do Supremo que, contrariando os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, aceita a prescrição dos crimes de Estado cometidos aqui, ao contrário do que fizeram os argentinos, após a redemocratização.
Esta semana, O Globo publicou um editorial no qual qualifica como “no mínimo, ilegal” que a comissão encaminhe qualquer nomes – e provas, portanto – ao Ministério Público para levar ao Judiciário assassinos e torturadores. Agentes, aliás, de um regime que cevou e engordou o império Globo.
Hoje é a vez da Folha, que chama a ditadura de “ditabranda”, sair em defesa dos fantasmas da repressão, dizendo em editorial que a ação dos integrantes da Comissão da Verdade “a desconfiança de que os trabalhos em curso se pautem pelo espírito de revanchismo”.
A ambos, pelo seu papel colaboracionista nos tempos de um regime que só pode despertar nojo e revolta em qualquer democrata, falta autoridade moral para falar em revanchismo ou institucionalidade.
Aliás, qualquer coisa que tenha o nome de Verdade parece lhes provocar calafrios.