Moniz Bandeira: Bases na Argentina fazem parte do cerco dos EUA ao
Brasil; só militares podem evitar ataques à soberania que visam
submarino nuclear e acordo dos caças
Moniz Bandeira denuncia apoio dos EUA a golpe no Brasil
do PT na Câmara
O cientista político e historiador Luiz Alberto de Vianna Moniz
Bandeira alertou nesta terça-feira (14) que por trás do processo
golpista no Brasil, que levou à ascensão do presidente interino Michel
Temer no lugar da presidenta legítima Dilma Rousseff, há poderosos
interesses dos Estados Unidos, para ampliar sua presença econômica e
geopolítica na América do Sul.
“Esse golpe deve ser compreendido dentro do contexto internacional,
em que os EUA tratam de recompor sua hegemonia sobre a América do Sul,
ao ponto de negociar e estabelecer acordos com o presidente Maurício
Macri para a instalação de duas bases militares em regiões estratégicas
da Argentina. O processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff não
se tratou, portanto, de um ato isolado, por motivos domésticos,
internos do Brasil”, afirmou Moniz Bandeira, em entrevista concedida por
e-mail ao PT na Câmara.
Moniz, que é autor de mais de 20 obras, entre elas
A Segunda Guerra Fria — Geopolítica e dimensão estratégica dos Estados Unidos (2013, Civilização Brasileira) e está lançando agora
A Desordem Internacional,
entende que o processo golpista no Brasil recebeu apoio dos EUA e de
outros setores estrangeiros com interesse nas riquezas do País.
Ele criticou também setores da burocracia do Estado (como
Procuradoria-Geral da República, Polícia Federal e Judiciário) por
atuarem para solapar a democracia brasileira, prejudicar empresas
nacionais e abrir caminho para a consolidação de interesses estrangeiros
no País, em especial dos EUA.
“Muito dinheiro correu na campanha pelo impeachment. E a influência
dos EUA transparece nos vínculos do juiz Sérgio Moro, que conduz o
processo da Lava-Jato. Ele realizou cursos no Departamento de Estado, em
2007”, disse.
Leia a entrevista completa:
Como o senhor avalia o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff?
O fato de que o presidente interino Michel Temer e seus acólitos,
nomeados ministros, atuarem como definitivos, mudando toda a política da
presidenta Dilma Roussefff, evidencia nitidamente a farsa montada para
encobrir o golpe de Estado, um golpe frio contra a democracia,
desfechado sob o manto de impeachment.
Esse golpe, entretanto, deve ser compreendido dentro do contexto
internacional, em que os Estados Unidos tratam de recompor sua hegemonia
sobre a América do Sul, ao ponto de negociar e estabelecer acordos com o
presidente Maurício Macri para a instalação de duas bases militares em
regiões estratégicas da Argentina.
O processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff não se tratou,
portanto, de um ato isolado, por motivos domésticos, internos do
Brasil.
Onde seriam implantadas tais bases?
Uma seria em Ushuaia, na província da Terra do Fogo, cujos limites se
estendem até a Antártida; a outra na Tríplice Fronteira (Argentina,
Brasil e Paraguai), antiga ambição de Washington, a título de combater o
terrorismo e o narcotráfico. Mas o grande interesse, inter alia, é,
provavelmente, o Aquífero Guarani, o maior manancial subterrâneo de água
doce do mundo, com um total de 200.000 km2, um manancial
transfronteiriço, que abrange o Brasil (840.000l Km²), Paraguai (58.500
Km²), Uruguai (58.500 Km²) e Argentina (255.000 Km²).
Aí os grandes bancos dos Estados Unidos e da Europa — Citigroup, UBS,
Deutsche Bank, Credit Suisse, Macquarie Bank, Barclays Bank, the
Blackstone Group, Allianz, e HSBC Bank e outros –compraram vastas
extensões de terra.
A eleição de Maurício Macri significa que a Argentina vai
voltar ao tempo em que o ex-presidente Carlos Menem, com a doutrina do
“realismo periférico”, desejava manter “relações carnais” com os Estados
Unidos?
Os EUA estão a buscar a recuperação de sua hegemonia na América do
Sul, hegemonia que começaram a perder com o fracasso das políticas
neoliberais na década de 1990. Com a eleição de Maurício Macri, na
Argentina, conseguiram grande vitória.
E, na Venezuela, o Estado encontra-se na iminência do colapso, devido
à conjugação de desastrosas políticas dos governos de Hugo Chávez e
Nicolás Maduro com a queda do preço do petróleo e as operações para a
mudança de regime, implementadas pela CIA, USAID, NED e ONGs financiadas
por essas e outras entidades.
A implantação de bases militares em Ushuaia e na Tríplice Fronteira,
além de ferir a soberania da Argentina, significa séria ameaça à
segurança nacional não só do Brasil como dos demais países da região.
Os EUA possuem bases na Colômbia e alguns contingentes militares no
Peru, a ostentarem sua presença nos Andes e no Pacifico Ocidental. E com
as bases na Argentina completariam um cerco virtual da região, ao norte
e ao sul, ao lado do Pacífico e do Atlântico.
Que implicações teria o estabelecimento de tais bases na Argentina?
Quaisquer que sejam as mais diversas justificativas, inclusive
científicas, a presença militar dos EUA na Argentina implicaria maior
infiltração da OTAN, na América do Sul, penetrada já, sorrateiramente,
pela Grã-Bretanha no arquipélago das Malvinas, e anularia de facto e
definitivamente a resolução 41/11 da Assembleia Geral das Nações Unidas,
que, em 1986, estabeleceu o Atlântico Sul como Zona de Paz e Cooperação
(ZPCAS).
E o Brasil jamais aceitou que a OTAN estendesse ao Atlântico Sul sua área de influência e atuação.
Em 2011, durante o governo da presidente Dilma Rousseff, o então
ministro da Defesa do Brasil, Nelson Jobim (do PMDB, o mesmo partido do
presidente provisório Temer), atacou a estratégia de ampliar a área de
ingerência da OTAN ao Atlântico Sul, afirmando que nem o Brasil nem a
América do Sul podem aceitar que os Estados Unidos “se arvorem” o
direito de intervir em “qualquer teatro de operação” sob “os mais
variados pretextos”, com a OTAN “a servir de instrumento para o avanço
dos interesses de seu membro exponencial, os Estados Unidos da América,
e, subsidiariamente, dos aliados europeus”.
Mas estabelecer uma base militar na região da Antártida não é uma antiga pretensão dos EUA?
Sim. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial esse é um objetivo
estratégico do Pentágono a fim de dominar a entrada no Atlântico Sul. E,
possivelmente, tal pretensão agora ainda mais se acentuou devido ao
fato de que a China, que está a construir em Paraje de Quintuco, na
província de Neuquén, coração da Patagônia, a mais moderna estação
interplanetária e a primeira fora de seu próprio território, com
poderosa antena de 35 metros para pesquisas do “espaço profundo”, como
parte do Programa Nacional de Exploração da Lua e Marte.
A previsão é de que comece a operar em fins de 2016. Mas a fim de
recuperar a hegemonia sobre toda a América do Sul, na disputa cada vez
mais acirrada com a China era necessário controlar, sobretudo, o Brasil,
e acabar o Mercosul, a Unasul e outros órgãos criados juntamente com a
Argentina, seu principal sócio e parceiro estratégico, a envolver os
demais países da América do Sul.
A derrubada da presidente Dilma Rousseff poderia permitir a Washington colocar um preposto para substituí-la.
A mudança na situação econômica e política tanto da Argentina como do
Brasil afigura-se, entretanto, muito difícil para os EUA. A China
tornou-se o principal parceiro comercial do Brasil, com investimentos
previstos superiores a US$54 bilhões, e o segundo maior parceiro
comercial da Argentina, depois do Brasil.
O Brasil, ao desenvolver uma política exterior com maior autonomia,
fora da órbita de Washington, e de não intervenção nos países vizinhos e
de integração da América do Sul, conforme a Constituição de 1988,
constituía um obstáculo aos desígnios hegemônicos dos EUA, que pretendem
impor a todos os países da América tratados de livre comércio similares
aos firmados com as repúblicas do Pacífico.
Os EUA não se conformam com o fato de o Brasil integrar o bloco
conhecido como BRICs e seja um dos membros do banco em Shangai, que visa
a concorrer com o FMI e o Banco Mundial.
Como o senhor vê a degradação da democracia no Brasil, com a
atuação de setores da burocracia do Estado (Ministério Público, Polícia
Federal e Judiciário) que agem de modo a rasgar a Constituição,
achicanando o país?
A campanha contra a corrupção, nos termos em que o procurador-geral
Rodrigo Janot e o juiz Sérgio Moro executam, visou, objetivamente, a
desmoralizar a Petrobras e as grandes construtoras nacionais, tanto que
nem sequer as empresas estrangeiras foram investigadas, e elas estão, de
certo, envolvidas também na corrupção de políticos brasileiros.
Ao mesmo tempo se criou o clima para o golpe frio contra o governo da
presidente Dilma Rousseff, adensado pelas demonstrações de junho de
2013 e as vaias contra ela na Copa do Mundo.
A estratégia inspirou-se no manual do professor Gene Sharp, intitulado
Da Ditadura à Democracia,
para treinamento de agitadores, ativistas, em universidades americanas e
até mesmo nas embaixadas dos Estados Unidos, para liderar ONGs, entre
as quais Estudantes pela Liberdade e o Movimento Brasil Livre,
financiadas com recursos dos bilionários David e Charles Koch,
sustentáculo do Tea Party, bem como pelos bilionários Warren Buffett e
Jorge Paulo Lemann, proprietários dos grupos Heinz Ketchup, Budweiser e
Burger King, e sócios de Verônica Allende Serra, filha do ex-governador
de São Paulo José Serra, na sorveteria Diletto.
Outras ONGs são sustentadas pelo especulador George Soros, que igualmente financiou a campanha “Venha para as ruas”.
Os pedidos de prisão de próceres do PMDB e do presidente do
Senado, encaminhados pelo procurador-geral da República, podem
desestabilizar o Estado brasileiro?
Os motivos alegados, que vazaram para a mídia, não justificariam
medida tão radical, a atingir toda linha sucessória do governo
brasileiro.
O objetivo do PGR poderia ser de promoção pessoal, porém tanto ele
como o juiz Sérgio Moro atuam, praticamente, para desmoralizar ainda
mais todo o Estado brasileiro, como se estivessem a serviço de
interesses estrangeiros.
E não só desmoralizar o Estado brasileiro. Vão muito mais longe nos seus objetivos antinacionais.
As suspeitas levantadas contra a fábrica de submarinos, onde se
constrói, inclusive, o submarino nuclear, todos com transferência para o
Brasil de tecnologia francesa, permitem perceber o intuito de desmontar
o programa de rearmamento das Forças Armadas, reiniciado pelo
presidente Lula e continuado pela presidente Dilma Rousseff.
E é muito possível que, em seguida, o alvo seja a fabricação de
jatos, com transferência de tecnologia da Suécia, o que os EUA não
fazem, como no caso do submarino nuclear.
É preciso lembrar que, desde o governo de Collor de Melo e,
principalmente, durante a gestão do presidente Fernando Henrique
Cardoso, o Brasil foi virtualmente desarmado, o Exército nem recursos
tinha para alimentar os recrutas e foi desmantelada a indústria bélica,
que o governo do general Ernesto Geisel havia incentivado, após romper o
Acordo Militar com os Estados Unidos, na segunda metade dos anos 1970.
O senhor julga que os Estados Unidos estiveram por trás da campanha para derrubar o governo da presidente Dilma Rousseff?
Há fortes indícios de que o capital financeiro internacional, isto é,
de que Wall Street e Washington nutriram a crise política e
institucional, aguçando feroz luta de classes no Brasil.
Ocorreu algo similar ao que o presidente Getúlio Vargas denunciou na
carta-testamento, antes de suicidar-se, em 24 de agosto de 1954: “A
campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos
nacionais revoltados contra o regime de liberdade e garantia do
trabalho”.
Muito dinheiro correu na campanha pelo impeachment. E a influência
dos EUA transparece nos vínculos do juiz Sérgio Moro, que conduz o
processo da Lava-Jato.
Ele realizou cursos no Departamento de Estado, em 2007.
No ano seguinte, em 2008, passou um mês num programa especial de
treinamento na Escola de Direito de Harvard, em conjunto com sua colega
Gisele Lemke. E, em outubro de 2009, participou da conferência regional
sobre “Illicit Financial Crimes”, promovida no Rio de Janeiro pela
Embaixada dos Estados Unidos.
A Agência Nacional de Segurança (NSA), que monitorou as comunicações
da Petrobras, descobriu a ocorrência de irregularidades e corrupção de
alguns militantes do PT e, possivelmente, passou informação sobre o
doleiro Alberto Yousseff a um delegado da Polícia Federal e ao juiz
Sérgio Moro, de Curitiba, já treinado em ação multi-jurisdicional e
práticas de investigação, inclusive com demonstrações reais (como
preparar testemunhas para delatar terceiros).
Não sem motivo o juiz Sérgio Moro foi eleito como um dos dez homens mais influentes do mundo pela revista
Time.
Ele dirigiu a Operação Lava-Jato, coadjuvado pelo procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, como um reality show, sem qualquer discrição,
vazando seletivamente informações para a mídia, com base em delações
obtidas sob ameaças e coerção, e prisões ilegais, com o fito de macular e
incriminar, sobretudo, o ex-presidente Lula. E a campanha continua.
Aonde vai?
Vai longe. Visa a atingir todo o Brasil como Nação.
E daí que se prenuncia uma campanha contra a indústria bélica, a
começar contra a construção dos submarinos, com tecnologia transferida
da França, o único país que concordou em fazê-lo, e vai chegar à
construção dos jatos, com tecnologia da Suécia e outras indústrias.
Essas iniciativas dos presidentes Lula da Silva e Dilma Rousseff
afetaram e afetam os interesses dos Estados Unidos, cuja economia se
sustenta, largamente, com a exportação de armamentos.
Apesar de toda a pressão de Washington, o Brasil não comprou os jatos
F/A-18 Super Hornets da Boeing, o que contribuiu, juntamente com o
cancelamento das encomendas pela Coréia do Sul, para que ela tivesse de
fechar sua planta em Long Beach, na Califórnia.
A decisão da presidente Dilma Rousseff de optar pelos jatos da Suécia
representou duro golpe na divisão de defesa da Boeing, com a perda de
um negócio no valor US$4,5 bilhões.
Esse e outros fatores concorreram para a armação do golpe no Brasil.
E qual a perspectiva?
É sombria. O governo interino de Michel Temer não tem legitimidade, é
impopular e, ao que tudo indica, não há de perdurar até 2018. É fraco.
Não contenta a gregos e troianos.
E, ainda que o presidente interino Michel Temer não consiga o voto de
54 senadores para efetivar o impeachment, será muito difícil a
presidenta Dilma Rousseff governar com um Congresso, em grande parte
corrompido, e o STF comprometido pela desavergonhada atuação,
abertamente político-partidária, de certos ministros.
Novas eleições, portanto, creio que só as Forças Armadas, cujo
comando do Exército, Marinha e Aeronáutica até agora está imune e
isento, podem organizar e presidir o processo.
Também só elas podem impedir que o Estado brasileiro seja
desmantelado, em meio a esse clima de inquisição, criado e mantido no
País, em colaboração com a mídia corporativa, por elementos do
Judiciário, como se estivessem acima de qualquer suspeita. E não estão.
Não são deuses no Olimpo.
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