
Na tarde da última terça-feira, uma notícia estarreceu São Paulo.
Entre outros grandes portais de internet, o do jornal O Estado de São
Paulo veiculou matéria dando conta de que uma inserção publicitária
sobre o Metrô de São Paulo na Rádio Transamérica afirmou que trem lotado
seria “Bom para xavecar [seduzir] a mulherada”
A matéria do Estadão sobre o caso informou que esse texto
inacreditável foi lido pelo personagem “Gavião”, do programa humorístico
Papo de Craque, daquela rádio. O texto foi lido como se esse personagem
estivesse confidenciando sua própria história ao ouvinte.
A propaganda, segundo o jornal, destacou obras em execução na rede do
metrô paulistano e informou que o personagem “Gavião”, propositalmente,
cometeu sete erros de concordância como “os trem” e “as estação” ao
dizer que a superlotação do sistema sobre trilhos seria “normal” em
metrôs de “grandes metrópoles” do mundo inteiro.
Aliás, vale comentar que os erros de português do usuário fictício do
metrô fazem uma suposição muito clara sobre o nível do público real que
utiliza essa modalidade de transporte público.
Abaixo, o texto da propaganda.
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“
Nos horários de pico, é normal trem e metrô ficar lotado. É
assim também nas grandes metrópole espalhada pelo mundo. Pra falar a
verdade, até gosto do trem lotado, é bom pra xavecar a mulherada, né,
mano? Foi assim que eu conheci a Giscreuza. Muito já foi feito, e o
governo sabe que ainda tem muito pra fazer”
—–
E prossegue a matéria do Estadão:
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“(…)
Desde o começo do ano 23 pessoas foram presas por abuso sexual no metrô e nos trens da CPTM de São Paulo.
O spot [da rádio Transamérica] levou passageiros
inconformados com o material a questionar o Metrô pelo Twitter. Em sua
conta oficial no microblog, a empresa, que é controlada pelo governo
estadual, informou que, ‘assim que tomou conhecimento do referido
comercial, totalmente inapropriado, o Metrô consultou a agência
responsável pela publicidade e foi informado de que seu conteúdo não só
estava em desacordo com o briefing (resumo) passado como também não fora
aprovado – nem pela agência e tampouco pelo Metrô’.
Segundo a companhia, a Rádio Transamérica FM, cuja ‘produção
desse infeliz comercial é de sua inteira responsabilidade’, foi
advertida e retirou o comercial do ar.
O Metrô nega a autorização para veiculação da mensagem
publicitária. Em uma segunda nota enviada ao Estado, a empresa disse que
‘o briefing transmitido à rádio era (para) mostrar a modernidade do
Metrô de São Paulo e explicar que a lotação nos horários de pico
acontece em todas as grandes cidades do mundo. Além disso, deveriam ser
anunciadas as obras de expansão em andamento’
No começo da tarde, a Assessoria de Imprensa da Rádio
Transamérica FM informou, por telefone, que ‘toda propaganda que a rádio
veicula é aprovada pelo contratante’ (…)”
—–
Em uma segunda matéria sobre o caso, agora publicada no fim da noite
do mesmo dia, o Estadão informou que o Metrô negou que tenha autorizado a
rádio Transamérica a veicular o anúncio. A rádio, por sua vez, reiterou
ao Estadão que a inserção teria autorização prévia do Metrô.
Nos últimos anos, as falhas no Metrô de São Paulo vêm se agravando.
Tem sido comum os telejornais mostrarem passageiros caminhando pelos
trilhos. Em todas as vezes que isso aconteceu o governador Geraldo
Alckmin e certa imprensa que o defende atribuem as falhas a
“sabotagens”.
A ex-subprefeita de São Paulo Soninha Francine, blogueiros da Veja e
outros tucanos avulsos chegam acusar frontalmente o PT de “sabotar” o
metrô paulistano para indispor o governo Alckmin com a população. Até
hoje, Alckmin e seus bate-paus jamais reconheceram que as constantes
falhas são decorrentes do nível de sobrecarga da rede metroviária.
Com essa propaganda inacreditável supracitada, o Metrô paulistano passa a ter um novo tipo de “acidente”.
A propaganda procura, claramente, fazer crer ao usuário que o nível
de superlotação do Metrô de São Paulo seria “normal” em qualquer grande
metrópole, mas é mentira. Recentemente, a Comissão de Metrôs da América
Latina (Capot) considerou o metrô da capital paulista como o mais lotado
do mundo.
O conceito internacional sobre lotação aceitável – porém não ideal –
de trens de metrô e de subúrbio é de seis passageiros por metro
quadrado; o metrô de São Paulo tem hoje entre 7 e 8 passageiros por
metro quadrado. E nos trens de subúrbio (CPTM) a situação é bem pior.
Não existe outra linha de metrô tão lotada no planeta Terra.
Em um quadro como esse, normal mesmo é que acidentes aconteçam.
Aliás, chega a ser surpreendente que com tal nível de sobrecarga em seus
pouco mais de 70 km de linhas o Metrô paulistano ainda não tenha tido
uma grande tragédia, pois como o intervalo entre os trens que aportam
nas plataformas teve que ser muito reduzido o tráfego já se aproxima,
perigosamente, de situação em que choques entre as composições possam
ocorrer.
Ainda assim, o governo Alckmin teima em chamar de “sabotagem”
qualquer problema que ocorra no caótico sistema metroviário que
administra. Aliás, um sistema sobre o qual denúncias de corrupção
explicam muito melhor a causa dessa situação.
Agora, porém, a prática de tentar culpar terceiros pela inépcia do
Metrô atingiu o impensável. O governo tucano parece querer fazer as
vítimas do sistema de transporte que administra acreditarem que a rádio
Transamérica decidiu sabotar seu maravilhoso governo.
Seria hilário, se não fosse trágico. Como pode uma empresa do porte
do Metrô, ainda mais sendo pública, pagar para que sejam veiculadas
propagandas sem vê-las e aprová-las previamente? Se fosse verdade,
haveria, aí, uma incompetência ainda maior dos que administram essa
empresa.
A versão de que a rádio Transamérica inventaria e veicularia uma peça
publicitária tão absurda, concebida exclusivamente para certo tipo de
homem que se dá a “xavecar” mulheres no transporte público ou para
mulheres que “adoram” ser molestadas enquanto estão indo para ou
voltando do batente, é para lá de fantástica.
Aliás, se essa rádio é tão repleta de pessoas com tão graves
problemas mentais e de gosto tão inacreditavelmente duvidoso, por que,
diabos, o Metrô enfia dinheiro público nela?
A cada ano, a cada mês, a cada semana, a cada dia, a cada ano – e, em
breve, talvez a cada hora – vai ficando mais claro por que o Metrô e os
trens de subúrbio de São Paulo são esse inferno que tanto maltrata a
população. Não se trata apenas de corrupção, mas de um nível de
incompetência que chega a flertar com a ficção.
Para completar, só falta Alckmin ou seus bate-paus na imprensa e na
internet dizerem que o PT “aparelhou” a rádio Transamérica para que
praticasse o que só poderia ser sabotagem deliberada, pois nenhuma
empresa de comunicação conhecida veicula propaganda para um cliente tão
importante sem que ele saiba muito bem o que será veiculado.
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Se você ainda não ouviu essa propaganda para lá de “criativa”, eis, abaixo, a sua chance.