Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista
Mostrando postagens com marcador escravidão. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador escravidão. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 25 de março de 2013

Danuza Leão é o símbolo vivo de uma elite inculta, egoísta e vil


Há um setor da sociedade que simplesmente não consegue enxergar e aceitar o processo civilizatório em que o Brasil mergulhou após os seguidos desastres administrativos, econômicos e sociais que governos medíocres, vendidos e ladrões lhe impuseram até 2002.
Talvez o mais eloquente símbolo do processo civilizatório em curso no Brasil seja estar se tornando raro famílias de classes média e alta terem “empregadas domésticas” que trabalhem de sol a sol por ninharias que não pagam refeição em um bom restaurante.
Agora, após séculos de verdadeira escravidão a que mulheres e até meninas pobres se submeteram trabalhando nessas condições para famílias de classe social superior, o Congresso criou vergonha e estendeu aos trabalhadores domésticos os direitos de todos os outros.
Um dos muitos avanços sociais para a maioria empobrecida do nosso povo que os governos Lula e Dilma vêm proporcionando está na raiz do ódio que a elite tem deles, pois acabou a moleza de madames como a colunista da Folha de São Paulo Danusa Leão terem escravas.
Eis que a socialite-colunista, que já andou vertendo seu ódio de classe devido à conquista dos aeroportos e viagens internacionais pelas classes “inferiores”, agora se revolta com os direitos trabalhistas serem estendidos também às “domésticas”.
Para tanto, como bem anotou o site Brasil 247, a socialite-colunista se valeu dos “argumentos” que há mais de século os escravocratas brasileiros usaram para manter este país como o único em que persistia a escravidão de negros.
Os escravocratas diziam que se os negros fossem libertados, seriam os principais prejudicados porque não conseguiriam se sustentar sem a “proteção” do senhor de escravos.
Agora, uma centena e tanto de anos depois, a colunista da Folha diz que dar direitos trabalhistas a domésticas seria ruim para elas porque, dessa forma, não conseguirão emprego.
Essa mulher é colunista do dito “maior jornal do país”. Espanta como alguém tão desinformada pode ter espaço em um veículo de projeção nacional para provar por escrito sua ignorância desumana.
Danusa é o retrato de uma elitezinha minúscula, iletrada, desinformada, egoísta, racista, sonegadora e pervertida. Leia a sua diarreia mental na Folha deste domingo. Prossigo a seguir.
—–
FOLHA DE SÃO PAULO
24 de março de 2013
A PEC das empregadas
Danusa Leão
Essa Pec das empregadas precisa ser muito discutida; como foi mal concebida, assim será difícil de ser cumprida, e aí todos vão perder.
A intenção de dar as melhores condições à profissional, faz com que seja quase impossível que o empregador tenha meios de cumprir com as novas leis; afinal, quem vai pagar esse salário é uma pessoa física, não uma empresa.
Vou fazer alguns comentários sobre as condições -diferentes- em que trabalham as domésticas aqui e em países mais civilizados.
Vou falar da França e dos Estados Unidos, que são os que mais conheço. Lá, quem mora em apartamento de dois quartos e sala, é considerada privilegiada, mas nenhum deles tem área de serviço nem quarto de empregada (costuma existir uma área comunitária no prédio com várias máquinas de lavar e secar, em que cada morador paga pelo tempo que usa); uma família que vive num apartamento desses tem -quando tem- uma profissional que vem uma vez por semana, por um par de horas.
É claro que cada um faz sua cama e lava seu prato, e a maioria come na rua; nessas cidades existem dezenas de pequenos restaurantes, e por preços mais do que razoáveis.
Apartamentos grandes, de gente rica, têm quarto de empregada no último andar do prédio (as chamadas “chambres de bonne”, que passaram a ser alugadas aos estudantes), ou no térreo, completamente separados e independentes da família para quem trabalham.
Essas domésticas -fixas e raras- têm salario mensal, e sua carga horária é de 8 horas por dia, distribuídas assim: das 8h às 14h (portanto, 6 horas seguidas) arrumam, fazem o almoço, põem a casa em ordem. Aí param, descansam, estudam, vão ao cinema ou namoram; voltam às 19h, cuidam do jantar rapidinho (lá ninguém descasca batata nem rala cenoura nem faz refogado, porque tudo já é comprado praticamente pronto), e às 21h, trabalho encerrado.
Mas no Brasil, muitos apartamentos de quarto e sala têm quarto de empregada, e se a profissional mora no emprego, fica difícil estipular o que é hora extra, fora o “Maria, me traz um copo de água?”. E a ideia de dar auxílio creche e educação para menores de 5 anos dos empregados, é sonho de uma noite de verão, pois se os patrões mal conseguem arcar com as despesas dos próprios filhos, imagine com os da empregada.
Quem vai empregar uma jovem com dois filhos pequenos, se tiver que pagar pela creche e educação dessas crianças? É desemprego na certa.
Outra coisa esquecida: na maior parte das cidades do Brasil uma empregada encara duas, três horas em mais de uma condução para chegar ao trabalho, e mais duas ou três para voltar para casa, o que faz toda a diferença: o transporte público no país é trágico. Atenção: não estou dando soluções, estou mostrando as dificuldades.
Na França, quando um casal normal, em que os dois trabalham, têm um filho, existem creches do governo (de graça) que faz com que uma babá não seja necessária, mas no Brasil? Ou a mãe larga o emprego para cuidar do filho ou tem que ser uma executiva de salário altíssimo para poder pagar uma creche particular ou uma babá em tempo integral, olha a complicação.
Nenhum país tem os benefícios trabalhistas iguais aos do Brasil, mas isso funciona quando as carteiras das empregadas são assinadas, o que não acontece na maioria dos casos; e além da hora extra, por que não regulamentar também o trabalho por hora, fácil de ser regularizado, pois pago a cada vez que é realizado? Se essa PEC não for muito bem discutida, pode acabar em desemprego.
P.S.: É difícil saber quem saiu pior na foto esta semana: se d. Dilma, dizendo em Roma que a culpa pelas tragédias de Petrópolis se deve às vítimas, que não quiseram sair de suas casas, ou se Cristina Kirchner, pedindo ajuda ao papa no assunto das Malvinas.
—-

No Brasil, com a revolução social da década passada – desencadeada a partir de 2004 – há cada vez menos pessoas dispostas a realizar trabalhos domésticos, sobretudo devido à falta de direitos trabalhistas e aos salários de miséria que gente como Danusa quer pagar para ser servida 24 horas por dia em troca de alguns trocados, um prato de comida e uma cama.
Se a elite que Danusa simboliza não fosse tão desinformada, iletrada, delirante e egoísta, saberia que o IBGE vem detectando que é cada vez menor o número de pessoas dispostas a atuar em tarefas domésticas.
No ano passado, por exemplo, segundo a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do IBGE, apenas 6,6% dos brasileiros atuaram em serviços domésticos. Foi o resultado mais baixo desde 2003.
Danusa tenta preservar a escravidão no Brasil usando um argumento vazio, como se vivesse na época de seu ídolo Fernando Henrique Cardoso. Ela não sabe que a escassez de trabalhadores domésticos elevou o poder de barganha deles
Os salários dos empregados domésticos crescem sem parar desde 2003 e o nível de formalização (carteira assinada) é hoje o mais alto da história.
Nos últimos 12 meses, o salário médio de uma empregada doméstica aumentou 11,83%, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), índice oficial de inflação do País, também apurado pelo IBGE.
Segundo o coordenador da pesquisa do IBGE, “Por causa da oferta baixa e da demanda crescente o preço das empregadas domésticas chegou num patamar em que muitas famílias estão abrindo mão do serviço todos os dias e optando por ter uma empregada duas vezes por semana, por exemplo, para não configurar um vínculo”.
Segundo o estudo, “A mudança na situação do mercado de trabalho doméstico foi sustentada por dois motivos: aquecimento na criação de postos de trabalho e melhora na educação do trabalhador. Esses fatores fizeram com que os trabalhadores domésticos conseguissem migrar para outros ramos de atividades”.
Mais dados da PME, do IBGE: “Entre 2003 e 2012, o porcentual de trabalhadores analfabetos ou com até oito anos de estudo recuou 15,5%. Já a quantidade de profissionais com 8 a 10 anos de estudo aumentou 27,7%, enquanto a parcela dos profissionais cresceu 139,4% no período”
A quantidade de trabalhadores domésticos, por conta disso, vem caindo, em média, 2,7% ao ano.
O coordenador da pesquisa do IBGE ainda explica que “Com a melhoria da educação e oportunidade de trabalhar em outros nichos, as trabalhadoras estão conseguindo se inserir principalmente nos serviços prestados a empresas, uma parte mais voltada para terceirização”.
Já o economista Fernando de Holanda Barbosa Filho explica que “Em geral as pessoas não gostam de ser empregadas domesticas. Sempre que possível elas deixam essa profissão”. E as razões disso, a diarreia escrita de Danusa explica.
E o pior do texto dessa senhora é quando tenta fazer uma analogia entre os serviços domésticos no Brasil e nos países ricos.
A pesquisa do IBGE mostra que a mudança na estrutura do emprego doméstico no Brasil o tornará mais europeizado e americanizado. Segundo os pesquisadores do IBGE, “Em países de economia mais madura ter um trabalhador doméstico todos os dias da semana é considerado luxo. Quem trabalha no setor, por sua vez, se especializa e, obviamente, cobra mais”.
Minha filha Gabriela (26) vive há quatro anos em Sydney, na Austrália. Para pagar os estudos trabalhou como babá, ganhando o equivalente a 7 mil reais por mês, viajando ao exterior toda hora, comprando carro e trabalhando apenas seis horas por dia.
Nos países civilizados, empregados domésticos fazem muitas exigências e recusam vários serviços, como recolher roupas íntimas usadas e imundas que socialites deixam no box do banheiro e outras humilhações.
“A tendência é haver pessoas especializadas em serviços domésticos. Não vamos ter analfabeto fazendo esse trabalho, como era no passado. Teremos pessoas com mais escolaridade nessa função com uma remuneração mais elevada”, diz o economista Barbosa Filho.
Danusa, que como toda madame fútil quer se mostrar uma “expert” nas condições sociais e econômicas de países ricos, viaja a eles e não consegue entender o que vê. Assim, escreve as cretinices desinformadoras que escreveu naquele que se diz “maior jornal do Brasil”.
*
PS: a socialite que escreve na Folha deveria ler  a Folha, que mostra que Dilma não saiu “mal na foto” na semana passada coisa nenhuma, bastando ler a pesquisa Datafolha, que o jornal publicou, para entender isso. Mas acho que Danusa se referiu ao seu clube de desocupadas fúteis, iletradas e desinformadas, não ao povo brasileiro.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

O Brasil e a escravidão mercantil: nossa dívida com a África


Após a promulgação da lei de 1831, que proibia o tráfico de africanos para o Brasil e a escravização de africanos após esta data, o Brasil permitiu a continuidade do tráfico por navios negreiros portando bandeira brasileira e o desembarque e escravização de 760 mil africanos, e assegurou a impunidade de traficantes e senhores de escravos durante décadas, que continuaram a subjugar ilegalmente gerações de escravos até 1888. Esta impunidade fundadora das elites imperiais tem reflexos na estrutura social e em formas de dominação política que prevalecem até hoje. O artigo é de Luiz Carlos Fabbri e Matilde Ribeiro.

1. O escravismo na formação do Brasil
O presente artigo tem por objetivo chamar a atenção sobre a atualidade política do regime escravista no Brasil e sobre a responsabilidade histórica do Estado brasileiro no tráfico transatlântico de escravos e na escravização de africanos ao arrepio da lei durante o Império. Com efeito, após a promulgação da lei de 1831, que proibia o tráfico de africanos para o Brasil e a escravização de africanos após esta data, o Brasil independente permitiu a continuidade do tráfico por navios negreiros portando bandeira brasileira e o desembarque e escravização de 760 mil africanos, segundo a estimativa de Alencastro (2010), e assegurou a impunidade de traficantes e senhores de escravos durante décadas, que continuaram a subjugar ilegalmente gerações de escravos até 1888.

Esta impunidade fundadora das elites imperiais tem reflexos na estrutura social e em formas de dominação política que prevalecem até os dias atuais. Assim como a ―invisibilidade‖ dos negros e das comunidades quilombolas constituiu um traço histórico marcante da realidade racial no Brasil, a invisibilidade do crime de lesa-humanidade praticado por traficantes brasileiros permanece grandemente ignorada até o presente. Nesses tempos em que se reconhece e se discute o direito à memória e à verdade acerca das violações de direitos humanos nos períodos ditatoriais recentes, a nação brasileira precisa tornar-se ciente de que o tráfico abjeto e o regime escravista foram em larga medida obra de nossos conterrâneos.

Hoje, esse salto evolutivo em nossa memória histórica é não somente necessário, mas emergente, graças à amplitude e lucidez da nova política africana desencadeada pelo Governo Lula, o ―mais africano dos presidentes, no dizer do ex-Ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim. No ano de 2011, comemoram-se dez anos da Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as Formas Conexas de Intolerância, que teve lugar em Durban, na nova África do Sul, em agosto/setembro de 2001.

Em sua memorável resolução final, a Conferência reconheceu ―que a escravidão e o tráfico de escravos, incluindo o tráfico transatlântico de escravos, foram tragédias terríveis na história da humanidade, não apenas por sua barbárie abominável, mas também em termos de sua magnitude, natureza de organização e, especialmente, pela negação da essência das vítimas‖; reconheceu ainda que ―a escravidão e o tráfico de escravos são crimes contra a humanidade e assim devem sempre ser considerados, especialmente o tráfico transatlântico de escravos, estando entre as maiores manifestações e fontes de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata...

Durban foi um marco que galvanizou em todo mundo novos entendimentos e posturas, bem como movimentos sociais e políticas públicas sobre a problemática racial, particularmente com respeito aos afrodescendentes, como bem o ilustra, a declaração de 2011 como o Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes, em 2011 pela Assembleia Geral das Nações Unidas.

Tudo isso é imensamente relevante em nosso país. Com efeito, segundo projeções do IPEA, devido à diferença nas taxas de fecundidade entre população branca e não branca, projeta-se para 2050 que ¾ da população brasileira estará constituída por negros e pardos. O Brasil, este povo majoritariamente afrodescendente, tem o direito de conhecer toda a verdade sobre sua história. Ao fazê-lo, deverá reconhecer sua dívida com respeito à África, independentemente do colonialismo europeu, do qual os dois continentes foram vítimas, mas devido à participação direta do Estado brasileiro, pós-Independência, na pilhagem da África.

2. A longa abolição da escravatura
Como é sabido, o Brasil foi o último país das Américas a libertar efetivamente seus escravos. No entanto, após a firma do tratado anglo-brasileiro de 1826, em troca do reconhecimento pelo Reino Unido da independência do Brasil, havia sido aprovada pela Câmara de Deputados do Império e promulgada em 1831, durante a Regência, uma lei que abolia o tráfico de escravos e criminalizava a escravização de africanos desembarcados no Brasil.

Apesar desta lei, que está na origem de expressão popular ―para inglês ver, os chamados negreiros brasileiros prosseguiram com o tráfico, servindo-se de uma rede de agentes instalados ao longo de toda a costa ocidental da África. Na verdade, com a abolição do trabalho escravo nos Estados Unidos, após a guerra da independência, o tráfico negreiro brasileiro ganhou inclusive um novo impulso, sem a concorrência de seus congêneres do norte.

Além do tráfico, a lei de 1831 proibia a própria escravização, não somente assegurando plena liberdade aos africanos introduzidos no país após esta data como considerando seqüestradores seus eventuais proprietários, sujeitos a sanções penais. Por reduzir à escravidão a pessoa livre que se achar em posse de sua liberdade, o Código em vigor à época impunha aos infratores uma pena pecuniária e o reembolso das despesas com o reenvio do africano seqüestrado para qualquer porto da África.

Pouco depois, em 1845, o governo britânico decretou o Bill Aberdeen, que proibia o tráfico de escravos entre a Europa e as Américas e autorizava a Marinha a aprisionar navios negreiros, mesmo, no caso, quando navegassem em águas territoriais brasileiras, provocando pânico, segundo se diz, em traficantes e proprietários de escravos e de terras no Brasil. Para a Grã Bretanha, potência hegemônica no período, o tráfico tinha deixado de ser rentável, tornando-se um obstáculo às suas necessidades de expansão imperialista e de conquista de novos mercados, embora suas reais motivações se ocultassem sob o véu de razões filosóficas e humanitárias.

Apesar do forte sentimento anti-britânico gerado na alta sociedade imperial, o governo brasileiro viu-se obrigado a aprovar uma nova lei em 1850, dita lei Euzébio de Queiroz, que extinguia o tráfico transatlântico para o Brasil e autorizava a apreensão dos negros ― boçais, que assim chamavam aos escravos recém-chegados que não dominavam o português. Mas, em contrapartida, a lei ignorava os escravos que haviam chegado ao país desde o tratado de 1826 e a lei de 1831, concedendo, de certa forma, um indulto aos seus infratores.

Com este gesto inaugural de impunidade, que viria a se incrustar a posteriori na sociedade brasileira, o governo brasileiro ―anistiava, a partir de 1850, os culpados pelo crime de seqüestro de africanos, fazendo vistas grossas ao crime correlato de escravização de pessoas livres. Com isso, os quase 800 mil africanos desembarcados até 1856 — e a totalidade de seus descendentes — continuaram sendo mantidos ilegalmente na escravidão até 1888, ao mesmo tempo em que aumentava o tráfico interno em direção ao Sudeste e ao Sul, que ganhavam novo dinamismo econômico em detrimento do Nordeste. Assim, boa parte das últimas gerações de seres humanos escravizados no Brasil não era escrava de jure.

Ou seja, o tráfico de escravos e a escravização de africanos durante o Império não eram somente condenáveis no plano ético: eram atos ilegais cometidos pelas elites brasileiras, que permaneceram ocultos e impunes nas dobras da história dos vencedores. Paralelamente, a elevada concentração fundiária ganhava por esta via uma sobrevida e se consolidava, ao mesmo tempo em que se reforçavam os fundamentos da desigualdade racial no Brasil.

3. O Brasil e o tráfico negreiro
O tráfico negreiro com destino ao Brasil sempre teve uma dinâmica própria. Já desde o século XVII, era gerido a partir de portos brasileiros, isto é, os grandes traficantes que garantiam a reprodução do sistema escravista no país estavam sediados em Recife, Salvador e Rio de Janeiro, e não em Lisboa. A partir de 1831, o tráfico passou integralmente ao controle de traficantes brasileiros e seus agentes em portos da África Ocidental. Os escravos eram trazidos da África, acorrentados em navios negreiros, com a bandeira brasileira hasteada em seus mastros, causando profunda dor em patriotas como Castro Alves, que em seu poema Navio Negreiro, de 1868, dezoito anos após a lei Euzébio de Queiroz, bradava enfurecido:

“Existe um povo que a bandeira empresta P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!... E deixa-a transformar-se nessa festa Em manto impuro de bacante fria!... Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta, Que impudente na gávea tripudia? Silêncio. Musa... chora, e chora tanto Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...

Auriverde pendão de minha terra, Que a brisa do Brasil beija e balança, Estandarte que a luz do sol encerra E as promessas divinas da esperança... Tu que, da liberdade após a guerra, Foste hasteado dos heróis na lança Antes te houvessem roto na batalha, Que servires a um povo de mortalha!...”

No Império, os traficantes brasileiros eram considerados empresários de sucesso e possuíam um status social elevado, armando embarcações com destino à África, servindo-se de uma rede de fornecedores e agentes comerciais em vários países e empregando muitas pessoas. Até 1831 estiveram entre os homens mais ricos do Império, com ligações estreitas com a Corte e representantes na Câmara de Deputados, além de contar com a conivência da polícia e das autoridades locais.

Somente após 1850, com a Lei Euzébio de Queiroz, eles começaram a ser qualificados como ―piratas, tendo muitas vezes que fugir para o exterior. No entanto, sob a proteção dos latifundiários, que como compradores de escravos jamais foram punidos, foram autorizados a voltar a viver no país já nos anos 1860 e incentivados a aplicar suas fortunas em outros negócios, como a agricultura. De certa forma, portanto, a participação de brasileiros no tráfico negreiro e as benesses que receberam fazem parte de um processo que ajudou a plasmar as elites brasileiras nas entranhas da sociedade escravocrata brasileira.

Segundo Alencastro, ―do total de cerca de 11 milhões de africanos deportados e chegados vivos nas Américas, 44% (perto de cinco milhões) vieram para o território brasileiro num período de três séculos (1550-1856). Somente após 1808, com a chegada da família real ao Brasil, teriam desembarcado mais de 1,4 milhões de escravos, aproximadamente ⅓ do total de africanos escravizados que aportaram em terras brasileiras.

Grande parte da decantada prosperidade econômica do Brasil imperial se baseou nesses enormes contingentes de escravos desembarcados durante o século XIX. Para citar um único exemplo, à persistência da escravatura se deveu o arranque da cafeicultura no Vale do Ribeira em São Paulo, que converteu o Brasil no maior produtor mundial do produto e viabilizou ulteriormente a industrialização do país.

O tráfico negreiro e o trabalho escravo no Brasil contribuíram poderosamente para a acumulação mundial de capital e a expansão econômica européia, tornando rentável a colonização da África. Em contrapartida, a África ficou estagnada, com grande parte de sua população dizimada ou deportada e com suas sociedades desestruturadas, ao mesmo em que se acentuavam os conflitos internos e as migrações massivas.

O caso de Luanda, bem documentado, ilustra as mudanças provocadas pelo tráfico nas sociedades africanas. De 1770 a 1840, seu porto permaneceu como o mais importante exportador de escravos da África Ocidental, mantendo-se nesta posição com respeito ao Brasil, mesmo após a primeira lei de abolição em 1831. Ao longo deste período, a população não só declinou fortemente como sofreu perdas significativas em sua mão de obra produtiva, para atender à demanda brasileira. Este processo, no entanto, jamais ocorreu sem resistências, sendo freqüentes as fugas e revoltas de grupos de população vulnerável para o interior e a criação em meados do século XIX de ―quilombos ou ―motolos, que costumavam se armar e atacar a cidade de Luanda.

Esta rapina abjeta de seres humanos reduziu o potencial de desenvolvimento e maculou o ethos civilizatório do qual a África era portadora. Visto da perspectiva do continente africano, o tráfico de escravos não foi, portanto, uma empresa exclusiva de colonizadores europeus, mas também, e diretamente, de traficantes brasileiros atuando com o beneplácito do Estado brasileiro, quando o país já havia se tornado independente.

4. A dimensão política de nossa dívida com a África
Quando falamos da dívida brasileira com respeito à África, não devemos restringi-la ao incomensurável aporte dos africanos à construção da nação brasileira ou, muito menos, igualar o Brasil à potência colonizadora. A colonização africana resultou do expansionismo europeu e, desta perspectiva, tanto Brasil como África padecemos solidariamente dos seus males. Mais precisamente: o Brasil não colonizou a África e nós não temos porque assumir uma responsabilidade histórica que não nos cabe diretamente.

A verdadeira dívida brasileira está espelhada no tráfico negreiro realizado por traficantes brasileiros, principalmente ao longo do Império, atuando ilegal e impunemente, sob a égide do Estado brasileiro, ou seja, refere-se a um período histórico de pouco mais de meio século, num contexto em que o Brasil e outros países do continente americano já haviam deixado de ser colônias, tornando-se independentes.

Com efeito, foram traficantes brasileiros, em associação com grandes latifundiários, ou seja, as elites econômicas imperiais, que tomaram as rédeas do tráfico para o Brasil. Embora o país tenha evoluído desde então, os herdeiros dessas elites, e em alguns casos inclusive seus descendentes diretos, continuam tendo um enorme peso na vida política e na economia do país. A atualidade do tráfico negreiro reside, contudo, mais além das chagas sociais que nos legou, no desafio que nos coloca sobre o imperativo de ampliar continuamente nossos horizontes democráticos e construir uma sociedade que respeite a dignidade humana.

A discriminação e o racismo contra o negro no Brasil têm na escravatura sua matriz principal e fundadora. O tráfico necessitava uma justificativa no plano ideológico, que reduzisse o "homem de cor" a um ser inferior, degradado, próprio a ser tratado como uma coisa, uma mercadoria. O racismo cresceu à medida que se expandiu o tráfico negreiro e se incrustou nas instituições brasileiras principalmente a partir do Império. Mesmo depois de abolida a escravidão, o racismo prosseguiu e prosperou, como parte de uma cultura dominante abraçada pelo Brasil independente, a mesma que tornou possível e aceitável o saque colonial, o imperialismo e, nos dias atuais, o neocolonialismo. No caso do Brasil, esta cultura ainda dominante se traduz na submissão, com freqüência servil, aos interesses das classes dominantes do mundo dito civilizado.

O governo Lula inaugurou uma reviravolta nesta triste herança histórica, ao assumir a dívida histórica do Brasil com respeito à África, e ao reafirmar, a um só tempo, o peso da África e dos afrodescendentes na formação social brasileira. Contrariando as pretensões primeiro-mundistas das elites tradicionais, pediu publicamente perdão aos africanos e fez da África uma prioridade para a nova inserção internacional do Brasil, mediante uma visão de largo prazo dos interesses nacionais. Conferiu assim uma nova legitimidade e um cunho popular à política externa brasileira, valorizando o componente africano de nossa sociedade e a sua contribuição decisiva para a afirmação da nossa cultura. Para a África, o Brasil de governo Lula tornou-se um poderoso aliado na conquista de maior autonomia e integração, ajudando-a a superar a situação de dependência e marginalização em que se encontra.

No plano interno, contudo, nesses tempos em que se discute o direito à verdade e à memória na perspectiva dos oprimidos, cabe ainda desvendar o quanto a forma que assumiu o escravismo no Brasil determinou seu desenvolvimento ulterior e, em particular, porque o Brasil permanece até hoje como a única grande economia agro-exportadora que não realizou uma extensa reforma agrária.

O ocultamento da verdade com respeito ao papel de brasileiros no tráfico negreiro contribui também, certamente, à perpetuação do trabalho escravo no Brasil até o presente, esse crime de lesa-humanidade, considerado imprescritível pela Constituição de 1988.

Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, de 1995 até agosto de 2010, foram resgatados quase 38 mil escravos. Por sua vez, a Comissão Pastoral da Terra estima que cerca de 25 mil brasileiros se tornam escravos a cada ano, passando a viver em barracões de chão batido, separados de suas famílias e subjugados por dívidas impagáveis e crescentes. Segundo Monteiro Filho da ONG Repórter Brasil, que se especializou no trabalho escravo contemporâneo, ―os empregadores que utilizam mão de obra escrava são, na maioria das vezes, grandes latifundiários [...] quando não são congressistas, membros dos Legislativos estaduais ou do Poder Judiciário‖. Segundo este autor, ―a maioria dos casos de utilização de mão de obra escrava é registrada... nas fazendas de gado‖. O Brasil, como maior produtor e exportador de carne bovina do mundo, e grande produtor agrícola, tem no poderoso agronegócio a marca do trabalho escravo contemporâneo.

Assumir a responsabilidade histórica pela enorme dívida que temos com a África não é, portanto, uma atitude passadista, porém tem um claro rebatimento em componentes estruturais de nossa realidade como nação e em alguns de nossos principais desafios atuais. Esclarecer e discutir este tema representa um direito da sociedade brasileira e de sua maioria afrodescendente em especial. A política externa e a de cooperação com a África precisam incorporar continuamente esta dimensão como fundamento incontornável de enfoques inovadores e emancipatórios, baseados no respeito à dignidade e à liberdade humana.

5. Referências bibliográficas
Alencastro, L., O trato dos viventes. Formação do Brasil no Atlântico Sul. Companhia das Letras, São Paulo, 2000.

Alencastro, L., O pecado original da sociedade e da ordem jurídica brasileira, NOVOS ESTUDOS CEBRAP 87, julho 2010

Alencastro, L., L´Afrique nous est plus proche que certains pays d´Amérique Latine, in Le Monde, Hors Série, Brésil, un géant s´impose, 2010.Alonso A., O Abolicionista Cosmopolita. Joaquim Nabuco e a rede abolicionista transnacional; NOVOS ESTUDOS CEBRAP 88, novembro 2010

Amorim, C. A África tem sede de Brasil. Revista Carta Capital : 1o de Junho de 2011.

Bittar, E. e Almeida, G., Mini Código de Direitos Humanos. Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2010, Brasília, 2010.

Curto, J. e Gervais, R., A dinâmica demográfica de Luanda
no contexto do tráfico de escravos do Atlântico Sul, 1781-1844, Topoi, Rio de Janeiro, mar. 2002, pp. 85-138

Davidson, B. Mãe Negra. África: Os Anos de Provação. Sá da Costa, Lisboa, 1978

Eltis, D. , Behrendt, S. e Richardson, D. A Participação dos Países da Europa e das Américas no Tráfico Transatlântico de Escravos: Novas evidências, Afro-Ásia , 24 (2000), pp. 9-50

Ferreira. R., Escravidão e Revoltas de Escravos em Angola (1830-1860), Afro-Ásia, 21-2 (1998-1999), pp. 9-44

Ki-Zerbo,J., História da África Negra. Europa-América, Lisboa, 1972.

Lovejoy, P., The Volume of the Atlantic Slave Trade: A Synthesis, The Journal of African History, Vol. 23, No. 4. (1982), pp. 473-501.

Lovejoy, P., Identidade e a Miragem da Etnicidade. A Jornada de Mahommah Gardo Baquaqua para as Américas, Afro-Ásia, 27 (2002), pp. 9-39

Lula da Silva, L., Discurso: 17ª Cúpula da União Africana. Malabo, Guiné Equatorial. 30.06.2011

Maestri, M. O escravismo no Brasil. Atual – Coleção: Discutindo a Historia do Brasil, São Paulo, 1994

Marquese, R., A Dinâmica da Escravidão no Brasil. Resistência, tráfico negreiro e alforrias, séculos XVII a XIX; NOVOS ESTUDOS CEBRAP 74, março 2006

Mbaye, S. El Ethos esclavista y la economía africana. 2010, www.project-syndicate.org

Nkrumah, K., A África deve unir-se. Ulmeiro, Lisboa, 1977.

Pétré-Grenouilleau,O. A história da escravidão. Boitempo Editorial, São Paulo, 2009.

Raminelli, R. A história sob o monotrilho, 2001, Teoria e Debate nº 46, Fundação Perseu Abramo, São Paulo, 2001.

Repórter Brasil. http://www.reporterbrasil.org.br
Vários autores, Dossiê Escravidão, Revista História Viva, ano VIII, nº 88, 2011, pp. 26-49, Ediouro Duetto Editorial Ltda.

Vários autores, Especial “A abolição em revista”, Revista de História da Biblioteca Nacional, Ano 3, nº 32, 2008, pp. 14-27, Sociedade de Amigos da Biblioteca Nacional.


(*) Luiz Carlos Fabbri é integrante da Comissão de Justiça e Paz de São Paulo. Matilde Ribeiro foi ministra-chefe da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial no Governo Lula.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Cotas raciais: Supremo desmoraliza fraude do PiG


A coisa já esteve melhor para a seleção brasileira, não é Galvão ?


A histórica decisão do Supremo de legalizar o sistema de cotas raciais na Universidade de Brasília – e, portanto, em todo o país – dá uma dimensão da fraude que o PiG (*) impõe.

Os votos no Supremo refletem uma posição clara e majoritária da sociedade brasileira: ela quer as cotas.

Como disse o ministro Marco Aurelio (Collor de) Melo, democracia não combina com desigualdade, nem com discriminação.

O Supremo seguiu o irretocável voto do relator Lewandowski, que, num gesto de rara sabedoria, convocou audiências prévias, de que participaram Luiz Felipe de Alencastro, Fabio Konder Comparato e, do lado de lá, da Globo e do PFL, Demóstenes Torres, quando ainda era o Catão do PiG.

O resultado no STF reforça  esse formidável processo de inclusão social com ascensão econômica, que se tornou um exemplo do Brasil para o mundo – clique aqui para ver o que disse o Prêmio Nobel Amartya Sen, citado pela Presidenta .

Porém, não era o que se via no PiG.

Ao longo de uma década, os jenios do PiG pareciam demonstrar que a sociedade brasileira não queria nem precisava das cotas.

Primeiro, porque no Brasil não há negros, mas pardos e pardos não precisam de ajuda – virem-se.

Segundo, porque as cotas iam criar um apartheid – os beneficiados seriam cruelmente discriminados  pelos prejudicados.

É a mesma tese pós- fascista das Organizações Globo, ao criticar o Brizolão, no Rio – as crianças do Brizolão, instruídas e bem nutridas,  seriam mal vistas na favela.

Agora, quando os dados estavam irremediavelmente lançados – os paralelepípedos da rua Augusta podiam antecipar a vitoria -  colonistas (**) da Globo aderiram à corrente vencedora.

Foi o caso do colonista (**) dos múltiplos chapeus e da Urubóloga que, derrotada no campo da Economia, parece reconciliar-se com as bandeiras dos Direitos Humanos.

Quando as nuvens eram carregadas, porém, predominavam no Globo o Ali Kamel , autor de uma Antologia da Treva, um pseudo antropólogo (leia o Em tempo sobre uma carta que chegou à casa de Gilberto Freyre).

Resplandecia na Globo e no Esradão um obscuro geógrafo que se transformou no sabidão da Globo News – vai da receita de bolo a tratamento de frieiras.

No Brasil e no Butão.

Mas, sempre contra as cotas.

A posição contra cotas no PiG predominava.

Não se tem notícia de um jornalista da Globo que tenha usado seu púlpito para defendê-las.

Seja branco, negro ou pardo.

Ler os jornais brasileiros e revistas era como se vivessemos num laboratório de Eugenia Social.

E parecia que a opinião pública referendava essa distorção.

Do contrário, como explicar que os colonistas(**) do Brasil não defendessem as cotas raciais ?

Porque a imprensa fala pelo país – diria a presidente da ANJ.

O Supremo ouviu a “turba”.

Que beleza !

Quem não tem ouvidos para a “turba” é o PiG.

Sem esquecer – como diz o Mino Carta – que os jornalistas são piores que os patrões.

Em tempo: conta-se que D Madalena, em Apipucos, aproximou-se do Mestre e disse: Gilberto, essa carta está em cima da tua mesa há um tempão e você não abre … O Mestre respondeu: Madalena, não posso abrir.  É para um Gilberto Freire, com “i”.  Não sou eu. Ali Kamel é o Gilberto Freire com  “i” da Globo.


Paulo Henrique Amorim


(*) Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PiG, Partido da Imprensa Golpista.

(**) Não tem nada a ver com cólon. São os colonistas do PiG que combateram na milícia para derrubar o presidente Lula e, depois, a presidenta Dilma. E assim se comportarão sempre que um presidente no Brasil, no mundo e na Galáxia tiver origem no trabalho e, não, no capital. O Mino Carta  costuma dizer que o Brasil é o único lugar do mundo em que jornalista chama patrão de colega. É esse  pessoal aí.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

STF extingue cotas de 100% para brancos nas universidades


Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me Vós, Senhor Deus
Se é loucura, se é verdade
Tanto horror perante os céus
(…)
Quem são estes desgraçados
Que não encontram em Vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz
Quem são?
Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa…
(…)
São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus…
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão. . .
Navio Negreiro, de Castro Alves
*
Assusta viver em um país em que é preciso apresentar números sobre a situação da maioria negra de seu povo apesar de que todos a encontram em cada rua, a cada esquina, a todo tempo.
É o vizinho que habita a calçada
Com mulher, filhos e humilhação
Oriunda de mera decisão
Da sociedade, do patrão e da madame
Do jovem rico e de sua indolência infame
Que rouba a vaga do que anseia pela razão
Que para o mancebo rico não faz noção
Eis que brindado com o direito de herança
Que pisoteia do negro a esperança
A pobreza que atinge brancos não é igual à que atinge negros. Desonestidade intelectual devia dar cadeia tanto quanto a material.
A mentira mais hedionda sobre cotas “raciais” que um partido que deveria servir ao povo esgrimiu na Suprema Corte de Justiça foi a de que a política afirmativa cotas não beneficia “pardos”, ainda que centenas de milhares deles já sejam beneficiados.
É mentira que a pobreza que a negros atinge seja a mesma que atinge ao branco. A do negro é muito maior e pior, como IBGE e IPEA comprovam.
97 milhões, entre 190 milhões de brasileiros, declaram ao IBGE que são afrodescendentes. Os negros, pois, somam 51% da população.
O IPEA diz que o salário médio do branco é de R$ 1,8 mil e o do negro, R$ 0,8 mil. Diz também que os que se declaram afrodescendentes são 70% dos pobres, 70% dos indigentes e quase 80% dos jovens que morrem por violência.
A Suprema Corte de Justiça de um país que tem 51% de afrodescendentes, tem 1 único magistrado negro e, no Congresso, só 8 % dos deputados são negros.
Na propaganda, nas novelas, nos bunkers dourados da elite branca, ditos “condomínios”, onde o egoísmo se resguarda da pobreza matizada, erigida pela mais pura vilania, a unanimidade racial de tons rosados e louros com um frio olhar azul ou verde deu o primeiro passo rumo à lata de lixo da história.
Não faltam números para provar que a pobreza, no Brasil, tem cor. Não faltam cenas que comprovam a cor da pobreza, a cor da humilhação, a cor da injustiça. O que falta é vergonha na cara a um setor minoritário e rico da sociedade. Vergonha de mentir impiedosamente e, ainda, afetando indignação.
A Suprema Corte do Brasil marca mais um tento no ranking da pacificação social, da igualdade, da verdade e da Justiça. Que cada voto, de cada magistrado, seja um libelo contra a hipocrisia desumana que pisoteia a imensa maioria deste povo brasileiro. Um libelo acusatório a uma minoria microscópica que tem a audácia de negar uma realidade que lhe lambe as faces a cada passo nas ruas.
Eliminado o produto da hipocrisia e da desonestidade intelectual, resta descobrir como instilar ética e sinceridade nessa parcela diminuta da nação que tanto mal vem produzindo à sua quase totalidade ano após ano, década após década, século após século.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

STF pode pôr fim às aspirações racistas de DEMóstenes e cia.

Se tudo correr bem, o Supremo Tribunal Federal deve confirmar hoje uma tendência libertária que vem marcando as decisões da Corte nos últimos tempos, como nos casos das sentenças proferidas em favor da união civil entre homossexuais e da interrupção de gravidezes de fetos anencéfalos. Só que será uma decisão mais fácil por razões que passo a expor.
Antes, porém, vale dizer que tais decisões progressistas do STF mostram a importância de o país eleger governos progressistas em um país em que vige a insanidade de ser dado ao Poder Executivo a prerrogativa de organizar a Justiça de acordo com a sua ideologia e os seus interesses.
A Corte julgará a constitucionalidade das cotas “raciais”, um questionamento que só foi possível devido a um partido de meliantes como o Democratas, com seus Arrudas e Demóstenes, reflexos de uma agremiação que simboliza e congrega o que há de pior na política brasileira.
Quem não se lembra da verborragia meliante de Demóstenes contra as cotas em 2010, em audiência no Supremo em que lhe coube proferir um dos discursos racistas mais repugnantes de que tive conhecimento.
Naquela ocasião, o serviçal do chefão Carlinhos Cachoeira, travestido de parlamentar, culpou os negros pela própria escravidão e caricaturou uma medida libertária que, se perdurar, poderá minimizar uma das anomalias mais gritantes do racismo à brasileira, a quase inexistência de médicos afrodescendentes neste país.
Sempre que encontro um racista que mascara seus demônios interiores com o discurso abjeto de que seria racista uma medida destinada a libertar os negros da barreira que os impede de chegar ao ensino superior, o vestibular, pergunto quantos médicos negros brasileiros aquela pessoa conheceu na vida.
A reação é sempre a mesma. A pessoa para por alguns segundos para refletir e, invariavelmente, conclui que não se lembra de ter conhecido algum – ou, no máximo, diz que, alguma vez, conheceu um, como se tivesse tido o privilégio de ter visto um espécime raro.
Muita falácia foi tecida contra as cotas, sempre por elaboração da imprensa, que, como bem disse o colunista Elio Gaspari em artigo publicado nesta quarta-feira em O Globo e na Folha de São Paulo, “No século 21, como no 19, todos os grandes órgãos de imprensa posicionaram-se contra as cotas”.
Como bem lembrou o colunista, a imprensa brasileira tentou impedir a libertação física dos escravos assim como hoje tenta impedir a libertação intelectual dos descendentes deles, que só ocorrerá através da educação.
O governo Lula teve a coragem de trazer para o Brasil uma política pública oriunda dos Estados Unidos, conhecida como ação afirmativa (as cotas “raciais”), que permitiu que, hoje, já existam alguns médicos negros.
A imprensa, em reação, erigiu uma série de “argumentos” absurdos para impedir que os afrodescendentes chegassem ao ensino superior, tirando dos brancos ricos a primazia de estudarem em boas universidades públicas, uma barbaridade social que em Estados reacionários como São Paulo ainda obriga negros pobres a custearem o estudo deles.
Primeiro, inventaram a tese de que negros pobres chegarem à universidade reduziria o “padrão acadêmico” e de que, por serem estudantes inferiores, os negros seriam discriminados no mercado de trabalho ao se formarem.
Esse “argumento” virou pó. Os estudantes cotistas mostraram seu valor e superaram os não-cotistas brancos em todos os aspectos, seja nas notas ou na permanência nos cursos, pois os filhinhos de papai que ingressam no ensino superior via vestibular abandonam muito mais as vagas, talvez até por não darem valor àquilo que, para os pobres, é um tesouro.
A confirmar a afirmação de Gaspari sobre o racismo midiático que fez toda a grande mídia estabelecer uma cruzada contra as cotas, editorial de O Globo desta quarta-feira esgrime com o pouco que restou de argumentos contra a política afirmativa.
O editorial se vale de uma mentira inquestionável. Afirma que a política de cotas é só para negros e não, também, para pardos. Não é verdade. A política afirmativa serve para afrodescendentes e se baseia, inclusive, também em critérios econômicos.
O texto também diz que, no Brasil, seria “difícil” distinguir negros de brancos. Outra falácia que pode ser facilmente desmontada com uma mera visita aos salões das elites como os clubes de classe média alta de São Paulo, onde os examinadores raciais conseguem distinguir muito bem quem é descendente de negro de quem não é.
Na hora de discriminar, os redutos da elite branca não têm a menor dificuldade para distinguir brancos de não-brancos.
Conheço uma das poucas famílias mestiças que venceu na vida em São Paulo e que reside em um dos bairros mais elegantes da cidade. O casal e seus filhos têm pele cor de jambo, mas mantêm os cabelos e os traços faciais característicos dos afrodescendentes.
Apesar da excelente condição financeira, jamais conseguiram se associar a um dos clubes paulistanos mais caros.
Certa vez, perguntei ao amigo por que não denunciou o racismo de que ele e sua família eram vítimas e a resposta foi a de que, se empreendesse uma cruzada como essa, até o seu excelente emprego seria posto em risco.
Esse cidadão, por conta de sua condição social e da sustentabilidade de seu ganha-pão, confidenciou-me  que precisa se apresentar como um “negro de alma branca” em um estrato social em que negro bom é aquele que combate as cotas e nega que exista racismo no país.
A questão das cotas “raciais”, portanto, simboliza quanto racismo ainda há no Brasil. E mostra que a política afirmativa pode começar a miná-lo, ensejando um futuro em que a propaganda ou as novelas, por exemplo, deixarão de mostrar um país artificialmente branqueado como o que detectou recentemente a romancista moçambicana Paulina Chiziane
Segundo Paulina, o povo de Moçambique tem medo do Brasil. Sua declaração foi feita durante o seminário “A Literatura Africana Contemporânea”, que integrou a programação da 1ª Bienal do Livro e da Leitura em Brasília.
Ela abordou a presença brasileira em Moçambique via templos religiosos e telenovelas que, em sua opinião, transmitem uma falsa imagem do país. Suas palavras resumem o fenômeno que explica por que a mídia brasileira é tão visceralmente contra as cotas.
—–
Para nós, moçambicanos, a imagem do Brasil é a de um país branco ou, no máximo, mestiço. O único negro brasileiro bem-sucedido que reconhecemos como tal é o Pelé. Na grande maioria das telenovelas, no topo da representação social estão os brancos. Esta é a imagem que o Brasil está vendendo ao mundo (…)
—–
Fatalmente aparecerá algum racista para lembrar que alguma novela permitiu que algum negro fosse representado de forma diferente, fingindo ignorar que foi uma exceção à regra e que era um personagem isolado, o tal “negro de alma branca” idealizado pela mídia.
Com efeito, a propaganda e as novelas brasileiras são um escândalo. Sempre digo que, se tirarmos o som e as legendas da televisão e mostrarmos apenas as imagens a um estrangeiro pedindo a ele que diga em que país se passam aquelas cenas, certamente dirá que pertencem a algum país nórdico.
O mais doloroso em tudo isso são alguns raros negros ou afrodescendentes bem-sucedidos que se dispõem a atacar iniciativas como as cotas. São os tais “negros de alma branca” aos quais os brancos racistas se referem quando querem apontar aquele negro como merecedor de uma oportunidade por concordar em não denunciar o racismo no Brasil.
Isso tudo ocorre em um país em que a maioria da população descende de negros, o que explica pesquisa Datafolha que detectou que 65% dos brasileiros são a favor das cotas. Aliás, essa pesquisa explica por que o ex-presidente Lula desfruta de popularidade tão grande.
Essa maioria de nosso povo que apóia as cotas, vale explicar, é composta pela quase totalidade dos afrodescendentes e por um contingente reduzido de brancos, segundo as pesquisas.
Os brancos que apoiam as cotas “raciais” se equiparam aos abolicionistas do século XIX que combateram a imprensa e as elites racistas e, assim, conseguiram fazer com que o Brasil deixasse de ser o único grande país em que vigia a escravidão. O mais doloroso de tudo isso é que mais de um século se passou e a guerra ao racismo ainda está longe do fim.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Juiz federal discute política de cotas no Brasil.“Antes das cotas, Brasil tinha menos negros nas universidades do que a África do Sul no Apartheid”

Na próxima segunda-feira (28), a política de cotas estará em debate na Procuradoria Geral do Rio Grande do Sul. Um dos palestrantes será o juiz federal Roger Raupp Rios, atuante na área dos direitos sexuais e “antidiscriminatórios”. Segundo ele, apesar de gerar polêmica na sociedade, as cotas não são novidade. “Existe cotas desde a década de 20 do século passado. No Brasil, depois da Constituição de 88 previu-se cotas, principalmente para pessoas com deficiência”, fala.
 “Antes das cotas, Brasil tinha menos negros nas universidades do que a África do Sul no Apartheid”
O juiz federal defende que especialmente para o público homossexual, não há necessidade de cotas, uma vez que não se tratam de pessoas sem acesso e sim, na maioria das vezes, discriminadas moralmente. “Tem um estudo da Unesco que mostra que antes da reserva de vagas tínhamos menos negros do que a África do Sul em tempos de Apartheid na universidade”, disse.
No Sul21

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Referendo cria Ley de Medios e critério para nomear juiz


Vai lá, garoto, faz uma Ley de Medios. Se não, te derrubam
Saiu na Folha (*), pág A15:
O referendo consultou a população sobre dez itens.

Entre eles, o endurecimento das penas para crimes de enriquecimento ilícito.

O sistema de nomeação de juízes.

E criação de uma Comissão para regular a mídia, a Ley de Medios.

A oposição estrebucha, mas reconhece a derrota: o Governo ganhou com mais de 60% dos votos.

Acorda, amigo navegante: isso aconteceu no Equador.

O Equador, a Argentina, a Bolívia, os Estados Unidos, a Inglaterra, a Itália, a França, o Canadá, Portugal, a Alemanha – todos esses países têm Ley de Medios.

Pelo jeito, o Brasil vai acabar como na Escravidão: será o último a libertar os que não têm liberdade.

Sobre a nomeação de juízes: um dos primeiros atos do corajoso presidente argentino Néstor Kirchner foi mudar os critérios para a nomeação de ministros da Suprema Corte, e poupar o povo argentino das nomeações do antecessor, Carlos Menem, também conhecido como o FHC da Argentina.


Paulo Henrique Amorim


(*) Folha é um jornal que não se deve deixar a avó ler, porque publica palavrões. Além disso, Folha é aquele jornal que entrevista Daniel Dantas DEPOIS de condenado e pergunta o que ele achou da investigação; da “ditabranda”; da ficha falsa da Dilma; que veste FHC com o manto de “bom caráter”, porque, depois de 18 anos, reconheceu um filho; que matou o Tuma e depois o ressuscitou; e que é o que é,  porque o dono é o que é; nos anos militares, a Folha emprestava carros de reportagem aos torturadores.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O Holocausto Foi Aqui Mentiras sobre a escravidão no Brasil




A escravidão é um tema que ganha cada vez mais espaço nas rodinhas de discussão, especialmente as dos chamados intelectuais politicamente corretos, o que é lamentável. Fala-se de tudo. Até que Zumbi dos Palmares tinha seu lote de escravos particular, uma informação que não foi desmentida até agora. Mas, fato é que muito se matou, torturou, humilhou, estuprou nos tempos do Brasil colônia. Os cinco milhões de negros, ou pelo menos aqueles que sobreviviam aos porões doentes dos navios que partiam da África, foram martirizados de todas as formas. 

Agora, chega ao mercado mais um livro que tenta desvendar esse hediondo fenômeno, chamado de escravidão, ou escravismo. Não é exagero chamar de holocausto tropical. De autoria de Herbet S. Klein, professor doutor do Departamento de História da Universidade de Columbia (EUA) e especializado em História Social e da América Latina, e de Francisco Vidal Luna, professor aposentado da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, "Escravismo no Brasil" traça um panorama amplo e aprofundado da sociedade escravista no país. Peraí, doutores. Sociedade? Enfim, o livro não é meu. 

No livro, editado em uma parceria entre a Edusp e a Imprensa Oficial, os autores basearam suas pesquisas no Arquivo Público do Estado de São Paulo e no Mineiro. Por lá, levantaram dados sobre idade, domicílio e estado civil, entre outros dados, dos escravos que aqui viveram. Até o chamado Dia da Abolição, quando, dizem os historiadores mais radicais, os colonizadores portugueses concluíram que seria mais barato libertar os escravos e pagar migalhas por seus serviços domésticos, do que ter que sustentá-los com casa e comida. Princesa Isabel, então, teria sido seduzida para assinar a Abolição. 

Klein e Luna apresentam um relatório cronológico paralelamente a uma análise estrutural, distinguindo a escravidão de outras formas de trabalho servil, analisando a evolução do sistema até o século 19 e ressaltando os aspectos sociais e políticos da vida e da cultura dos escravos.

Luiz Antonio Mello
Direto da Redação

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

O Brasil governado por quem ama HISTÓRIAS BRASILEIRAS CONTADAS POR LUIZ ANTONIO SIMAS O SEGREDO DE LULA


É Muito lindo isso.
Postado por Esquerdopata
http://esquerdopata.blogspot.com/2010/08/o-brasil-governado-por-quem-ama.html

É impressionante como uma parcela significativa da elite letrada brasileira não consegue engolir a presença de Lula na presidência. Mais do que uma oposição fundamentada em razões consistentes para criticar o governo, boa parte da oposição a Lula me parece fruto de preconceito deslavado - menos contra a figura de Lula do que contra a carga simbólica que sua trajetória representa.

Somos um país históricamente marcado pela valorização demasiada da cultura bacharelesca e, ao mesmo tempo, por quatro séculos de escravidão que acabaram por desqualificar completamente o trabalho manual. A primeira constituição brasileira - a carta do Império de 1824 - estabelecia o voto censitário e preservava o escravismo, com o argumento de que libertar escravos atentaria contra o direito à propriedade privada. A primeira constituição da República - a de 1891 - proibia o voto do analfabeto e, ao mesmo tempo, não atribuia ao estado brasileiro o dever de alfabetizar a população. O Brasil, em resumo, foi pensado por sua elite política e econômica a partir da perspectiva da exclusão das massas populares do exercício da cidadania e do acesso ao saber formal

Lula, nesse sentido, foi o presidente que mostrou a essas elites que o Brasil pode, para elas, dar errado. Sim, porque até agora, na perspectiva dos donos do poder, o Brasil vinha dando certo. É simples: a exclusão social brasileira não foi resultado de políticas fracassadas. Ela foi pensada e praticada como um projeto de Estado-Nação. A chegada de Lula ao poder e a aprovação popular ao seu governo tem uma dimensão simbolica única na trajetória brasileira - é o tapa na cara da elite bacharelesca que se sente detentora do saber-poder desde sempre e não admite o sucesso do sujeito sem educação formal que, como homem comum [daí a sua grandeza] que é [somos], ocupa o cargo outrora destinado aos fidalgos do bacharelismo.

O horror de muitos adeptos da cultura bacharelesca - a tal da cultura formal - ao presidente do Brasil é o pânico diante da ameaça ao monopólio do saber instituído que essas elites sempre prezaram e exerceram. O recado que a trajetória de Lula manda aos doutores é a expressão viva da bela meditação de Vinicius de Moraes em seu Canto de Oxalufã:

Você que sabe demais
Meu pai mandou lhe dizer
Que o tempo tudo desfaz
A morte nunca estudou
E a vida não sabe ler

O beabá
Não dá pra ninguém saber
Por que é que há
Quem lê e não sabe amar
Quem ama e não sabe ler?

Você que sabe demais
Mas que não sabe viver
Responda se for capaz:
Da vida, quem sabe lá?
Da morte, quem quer saber?

Oxalufã, o Senhor do pano branco, avisa aos sabichões que o mistério do homem se instaura no tempo que a todos iguala no caminho da Noite Grande - a morte, afinal, nunca estudou e a vida não sabe ler. O conhecimento formal nunca foi sinônimo de conhecimento vital, sabedoria de vida, revela o poeta em sua prece ao grande orixá.

As elites sofisticadas brasileiras, os sabichões intelectuais, as viuvas do príncipe da sociologia FHC, os intelectuais orgânicos da plutocracia paulista, os donos dos bancos acadêmicos que vêem seus tronos doutorais ameaçados pela adoção do sistema de cotas sociais e raciais no Brasil, os conhecedores de verbos certos e letras mortas, não compreendem o sucesso de Lula por um simples motivo: É a eles que o poeta - ridicularizado por membros dessa mesma elite quando se aproxima da Umbanda e do Candomblé - se dirige quando indaga:

Por que é que há
Quem lê e não sabe amar
Quem ama e não sabe ler?

A resposta, senhores, ao mistério da popularidade de Lula está na pergunta que o poeta faz ao orixá que nos acolhe debaixo de seu alá funfun e guarda os segredos do mundo na ponta do Opaxorô, o cajado sagrado. Durante quinhentos anos o Brasil foi governado pelos letrados.