Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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quinta-feira, 21 de abril de 2016

PHA: diretas já, já! O papel da Globo foi envenenar a sociedade

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O Moro já cumpriu o seu papel: derrubar a Dilma
No Sul 21:

‘A Globo exerce papel de envenenar a sociedade’, afirma jornalista Paulo Henrique Amorim

Jaqueline Silveira

Em palestra sobre “Mídia e o Estado Democrático de Direito” na manhã desta quarta-feira (20), em Porto Alegre, o jornalista da TV Record Paulo Henrique Amorim defendeu a campanha “Diretas Já” para a convocação de uma nova eleição presidencial pela presidenta Dilma Rousseff (PT), já que ela tem prerrogativa para tal iniciativa. “Voltamos a recorrer ao supremo poder da democracia: o voto”, pregou ele, ao falar, entre outros, para sindicalistas, servidores e jornalistas.

Essa convocação, conforme ele, tem de partir da presidenta e não do senador Paulo Paim (PT), “que passou a vida inteira calado a fugir das questões centrais.” Na última segunda-feira (18), o parlamentar gaúcho com outros senadores anunciaram que será apresentada uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no Senado para novas eleições. Mas, para que um novo pleito aconteça, disse o jornalista, é preciso uma grande mobilização das ruas. “O golpe já houve. O maior derrotado foi o cidadão brasileiro”, afirmou Amorim, sobre a autorização de abertura de processo de impeachment contra a presidenta e as consequências para o país de um governo com Michel Temer.


Para ele, nem o PSDB dará legitimidade “ao Temer e ao Cunha (Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados).” Amorim observou ainda que não se pode pensar como a oposição “do quanto pior, melhor”, diante do governo Temer, de privatizações e de cortes de programas sociais. Isso porque quem sairá mais prejudicado serão os trabalhadores. “Vamos ferrar o povo?”, questionou ele, insistindo em novas eleições como alternativa. Sobre as chances de Marina Silva (Rede Sustentabilidade) vencer o pleito caso corra, o jornalista frisou “que se o povo quiser, ela tem de governar.” Contudo, ele alertou que também há possibilidade de a ex-senadora não vencer a disputa presidencial. “Primeiro, é melhor a Bláblárina eleita pelo povo que o Cunha eleito pelo Temer, ou vice-versa”, alertou ele, referindo-se à Marina de uma forma bem-humorada.

Censura da Rede Globo

Depois de focar em textos com análise do cenário político e projeções para o futuro publicados, na manhã desta quarta-feira, em seu blog Conversa Fiada, o jornalista abordou o conteúdo do livro “O Quarto Poder, uma outra história.” Na publicação, ele cita uma conversa com o ex-presidente Juscelino Kubitschek e relata muitos bastidores de reuniões do então presidente da Rede Globo, Roberto Marinho, com políticos e diretores da emissora. Marinho, nas palavras de Amorim, “governou o Brasil” na gestão de José Sarney (PMDB), e fazia vetos ao Jornal Nacional em relação ao perfil das pessoas exibidas nas imagens. “Não quero preto nem desdentado no Jornal Nacional”, teria dito Marinho, em uma oportunidade, ao diretor de jornalismo da emissora. O palestrante relatou ainda o veto de Marinho a Leonel Brizola nas coberturas da Rede Globo.

“O Globo é o que é mais pelo que não deu do que pelo que deu.” A frase também foi atribuída por Amorim a Marinho, que se referia à Rede Globo como O Globo, em referência ao jornal que herdou da família. Na visão do jornalista, a Globo, emissora na qual trabalhou por vários anos,  exerce o papel “de interditar, bloquear o debate” e teve participação decisiva no resultado da votação do pedido de impeachment, no último domingo (17),  devido à cobertura realizada. “A Globo exerce esse papel de envenenar a sociedade”, afirmou Amorim, criticando os governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma por não terem feito a regulamentação da mídia. Para enfrentar esse bloqueio promovido pela Rede Globo, defendeu ele, o governo teria de investir em uma “TV estatal forte.” A cobertura da mídia tradicional, exemplificou ele, não aborda que há obras de infraestrutura em andamento no Brasil só comparadas em volume às que estão sendo realizadas na China.


Temer, garçom de festa

Amorim enfatizou que, do ponto de vista do capital internacional, a troca de governo no Brasil interessa aos Estados Unidos. “O Temer será o garçom da festa”, ironizou ele. Para concluir, resumiu a função da Operação Lava Jato: “Cumpriu seu papel histórico: derrubar a Dilma.”

O painel com o jornalista Paulo Henrique Amorim ocorreu no Hotel Embaixador e foi promovido pela Central Única dos Trabalhadores (CUT-RS), Sindicato dos Professores do Ensino Privado (Sinpro-RS) e a Federação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Fetee-Sul).

sábado, 16 de agosto de 2014

A Globo e os impostos

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Reproduzimos artigo impecável do Paulo Nogueira.

O ator sueco e a sonegação da Globo

Por Paulo Nogueira, no Diario do Centro do Mundo.


Stellan Skarsgard é um ator sueco.

Aos 63 anos, um dos favoritos do cineasta Lars von Trier, tem uma carreira vitoriosa que lhe trouxe fama e dinheiro. Recentemente, ele concedeu uma entrevista na qual reafirmou seu amor pela Suécia.
“Vivo na Suécia porque o imposto é alto, e assim ninguém passa fome. A saúde é boa e gratuita, assim como as escolas e as universidades”, disse ele. “Você prefere pagar imposto alto?”, lhe perguntaram. “Claro. Se você ganha muito dinheiro, como eu, você tem que pagar taxas maiores. Assim, todo mundo tem a oportunidade de ir para a escola e para a universidade. Todos têm também acesso a uma saúde pública de qualidade.”

Skarsgard nasceu e cresceu numa cultura que valoriza o pagamento de impostos. Por isso a Suécia é tão avançada socialmente. Impostos, como lembrou ele, constroem hospitais, escolas, universidades. Pagam professores e médicos da rede pública, além de tantas outras coisas positivas para qualquer sociedade.

Essa cultura vigora também na Alemanha. Recentemente, o presidente do Bayern foi para a cadeia por sonegar imposto. Quando o caso eclodiu, as autoridades alemãs fizeram questão de puni-lo exemplarmente sob um argumento poderoso: nenhum país funciona quando as pessoas acreditam que podem sonegar impostos impunemente.

Agora, vejamos o Brasil. Há anos, décadas a mídia alimenta uma cultura visceralmente oposta. Imposto, você lê todo dia, é um horror. O Brasil tem uma das maiores cargas tributárias do mundo (o que é mentira). Imposto é uma coisa injusta. Bem, a mensagem é: sonegue, se puder. Parabéns, caso consiga.
Não poderia haver coisa mais danosa para os cidadãos do que esta pregação diuturna da mídia. Você os deforma moralmente. Tira-lhes o senso de solidariedade presente em pessoas como o ator sueco citado neste artigo.

Além de tudo, a cultura da sonegação acaba chancelando os truques praticados pelas grandes companhias de mídia para escapar dos impostos. Considere o caso célebre da sonegação da Globo na compra dos direitos de transmissão da Copa de 2002.

Nestes dias, vazou toda a documentação relativa ao caso. Uma amostra já tinha vindo à luz – na internet, naturalmente – algum tempo atrás, num furo do site Cafezinho. Só a cultura da sonegação pode explicar o silêncio sinistro que cerca este escândalo fiscal.

Até aqui, a Globo não deu uma única satisfação à sociedade. Não se desculpou, não se justificou. É como se nada houvesse ocorrido. Também a Receita Federal, até aqui, não disse nada. Mais uma vez, é como se nada houvesse ocorrido no âmbito da receita. Nenhuma autoridade econômica, igualmente, se pronunciou. De novo, é como se nada houvesse ocorrido numa área tão vital para a economia como a arrecadação de tributos.

E a mídia?

Bem, a mídia finge que não está acontecendo nada. Contei já: quando o Cafezinho publicou os documentos, falei com o editor executivo da Folha, Sérgio Dávila. Ponderei que era um caso importante, e ele aparentemente concordou porque logo a Folha fez uma reportagem sobre o assunto. Uma e apenas uma.

Em seguida, a sonegação da Globo sumiu da Folha para nunca mais retornar.

Se conheço as coisas como funcionam nas redações, um telefonema de um Marinho para um Frias – as famílias são sócias no Valor — pôs fim à cobertura. Volto a Stellan Skarsgard. Em todo país socialmente desenvolvido, pagar impostos é uma coisa sagrada. E sonegá-los é um ato de lesa sociedade, passível de punição exemplar.

O Brasil sofreu uma lavagem cerebral da mídia. Uma das tarefas prementes de uma administração sábia é desfazer essa lavagem. Quando as palavras do ator sueco encontrarem eco no Brasil, seremos uma sociedade desenvolvida.

domingo, 16 de dezembro de 2012

"Mass Murder" nas escolas: aconteceu...mais uma vez!



A teimosia dos políticos, e dos especialistas americanos, em não discutir a livre venda de armas, a segurança nas escolas e programas de educação que valorizem o trabalho social, os objetivos de equipe e que diminuam as “guerras” entre grupos de “losers” e de “populars” nas escolas é, claramente, parte causal dos massacres. O recuo, durante a campanha eleitoral de 2012, do Presidente Obama em colocar com clareza a questão da livre venda e porte de armas automáticas mostra uma indesculpável rendição perante os mitos da direita conservadora e reacionária norte-americana. O artigo é de Francisco Carlos Teixeira.


As notícias chegadas nas últimas horas ( 14/12/12) nos dão conta de mais um ataque massivo – “mass murder” - de um atirador contra civis inocentes nos Estados Unidos. Desta feita o massacre, atingindo crianças, foi em Sandy Hook, Connecticut. A imprensa norte-americana, notável por seus meios e equipamentos, transmitiu do local desde cedo e assinalou, com um traço vermelho, que era hora de oferecer solidariedade aos familiares e evitar quaisquer debates políticos sobre. A polícia prometeu, por sua vez, “esclarecer todos os fatos”. Será isso mesmo?

Caso de Polícia, saúde mental e fenômeno social
O mais notável no massacre de Sandy Hook, e tristemente notável, é a repetição dos acontecimentos narrados pelas agências internacionais. No caso atual um atirador mata um familiar, possivelmente em casa, e então busca a escola em que ela trabalha – ainda falta apurar detalhes - , e ele mesmo estudara, e inicia um ataque em massa contra os pequenos alunos. O saldo ainda não confirmado aponta para possivelmente mais de trinta pessoas mortas, a maioria crianças. Sandy Hook é uma “elementary school”, sendo seus alunos crianças e pré-adolescentes. O atirador, Adam Lanza, morto no local, tinha 20 anos e estava pesadamente armado com armas automáticas compradas por sua própria mãe.

Os ataques desse tipo, em especial contra escolas, são repetitivos no caso americano, a ponto de contarmos 177 ataques contra “High Schools” (a partir de 1853) e 111 outros contra “Elementary schools”, incluindo o atual ataque contra Sandy Hook. Alguns destes ataques, como Sandy Hook ou Bath School, em 1927, foram verdadeiros banhos de sangue. Outras, poucos, infelizmente, foram frustrados, deixando feridos e mereceram pouco destaque na mídia. Um bom número atingiu apenas um aluno ou um professor, sendo tratado com forte indiferença. A maioria absoluta deles foi cometida por alunos (e/ou funcionários) que estudavam/trabalhavam na mesma escola atacada e, ainda uma vez, a maioria dos atacantes, bem como de suas vítimas, tinha entre 14-18 anos de idade. Grande parte dos perpetradores deixou relatos – como no caso brasileiro da escola de Realengo (RJ) em 2011-, ou colegas relataram, um perfil solitário, inteligência média-alta, dedicação aos estudos e grande dificuldade de estabelecer e/ou manter relacionamentos. A grande maioria dos adolescentes e jovens sofreu alguma forma de assédio e de exclusão social, algumas vezes publicamente e de forma violenta (ainda uma vez como no caso da escola em Realengo, RJ).

Neste contexto – como também dos assassinatos de massa na Noruega e na Alemanha – os “especialistas” trataram de construir, rapidamente, análises e perfis “pessoais”, buscando descobrir o que, na personalidade do perpetrador, originou os ataques. Assim, uma “cliniquização” ( ou uma explicação psicologizante ) do atacante – família desfeita, distúrbios mentais, uso de drogas – é imediatamente aventada. Embora, paradoxalmente, os próprios colegas digam que eram “excêntricos” talvez, mas não mais do que boa parte do alunado – e que não mata colegas! 

Assim, a sociedade e suas instituições, em especial as escolas, seriam poupadas de quaisquer responsabilidades na irrupção de um surto psicótico na pessoa do atacante. Em suma, estaríamos verdadeiramente buscando as respostas certas no lugar/pessoas certas? Ou, num movimento rápido de ocultamente do massacre que se passa nas escolas, estaríamos ocultando a dimensão social dos “mass murder” e de seus íntimos imbricamentos com o clima mental e emocional existente nas escolas?

É comum ouvirmos, e depois de 38 anos de magistério pude, eu mesmo, vivenciar e acompanhar casos seguidos de stress coletivo, cólera, mágoas e ira entre alunos e seus colegas, professores e alunos, bem como professores e seus colegas, funcionários e, até mesmo, pais e professores. Algumas vezes, incluindo o Brasil, com desdobramentos de violência física.

Não seria o caso de pensarmos a instituição escolar em seu conjunto? E isso seria muito especialmente verdadeiro para o caso norte-americano.

UM MASSACRE OCULTO
Desde o ataque de Columbine High School (que não foi nem o primeiro e nem o mais letal dos ataques) até o atual ataque em Sandy Hook, as escolas são palco, alvo e/ou causação de súbitas explosões de raiva e ira. Sabemos todos – e isso não é um apanágio dos Estados Unidos – a escola, mesmo com escolas de ensino básico, e particularmente nas escolas para adolescentes – como as chamadas “High school” norte-americnas – são lugares onde o assédio moral, social (e mesmo sexual) pode ser intenso, cruel e, mesmo, levar a uma aniquilação do próprio eu de indivíduos mais fragilizados por sua aparência física, opção de gênero, timidez ou qualquer outro atributo pessoal correlacionado com uma vaga e cruel categoria de “losers”, os perdedores na “corrida” social pelo sucesso. 

Nem sempre os professores e os profissionais de apoio e orientação – como pedagogos e psicólogos – tem a chance de acompanhar alunos – ou seus parentes – de forma adequada para prever ataques de “mass murder” como os ocorridos. Da mesma forma, não é possível “cliniquizar” todas a sociedade e manter um psicólogo de plantão dentro de cada sala de aula. Assim, tais ataques – malgrado suas particularidades e do seu desenho – não são, e dificilmente poderiam ser, previstos e, logo, prevenidos. Mas, por outro lado, a determinação da polícia de Newtown, Connecticut, em explicar a razão do ataque seja inútil. Poderão explicar, em detalhes, como seu “deu” o ataque. Mas, sua “explicação” escapa a Sandy Hook, em Newtown, Connectcut – há uma razão maior, mas ampla, insidiosa, que paira sobre todo o sistema educacional norte-americano.

Da mesma forma, nem só escolas são alvos de ataques. Cinemas e shoppings foram alvo de atos de assassinos de massa, tanto nos Estados Unidos quanto em outros países. No entanto, mesmo nestes casos há um claro elo de ligação: escola, cinema e shopping são locais de reunião de jovens ou, ao menos, há sempre uma maioria de jovens. De certa forma, são continuidades dos grupos de companheirismo que se formam nas escolas. Os ataques representam, mais uma vez reconhecidas as especificidades, um notável acúmulo de frustrações, mágoas e perda que se expressam, então, em violência cega e bruta – em pleno local socialização e entretenimento dos jovens, que o perpetrador pode sentir como recusado a ele mesmo.

Da mesma forma os ataques na Noruega, em 2011, organizado em detalhes por um supremacista branco ou o ataque contra as crianças judias em Toulouse, em 2012, foram atos de terrorismo ideologicamente motivados. Cruéis e brutos tinham uma direção e mostram a face da intolerância de tipo racista e religioso. Os ataques como de Sandy Hook são cruéis e cegos, não visam uma pessoa ou um conjunto de pessoas realmente existentes, concretas. Visam “uma situação” que exaspera, por motivações diversas, o perpetrador.

O GRANDE MASSACRE DOS INOCENTES
Também devemos reconhecer que os Estados Unidos não possuem o monopólio do “mass murder” (cabe diferenciar de “serial killer”, que, em regra, agem durante longo tempo escolhendo vítimas a partir de critérios diversos, conforme cada caso). Nos últimos anos assistimos, como já destacamos, a assassinatos em massa na pacata Noruega e na organizada e politicamente correta França. Mesmo no Brasil tivemos tristes episódios de ataques em cinema (São Paulo) e em uma escola (Rio de Janeiro), com um perfil muito próximo dos casos norte-americanos. Nos últimos anos a autoritária China Popular, com seus critérios draconianos de justiça, tem assistido, para perplexidade de suas autoridades, a vários ataques em escolas, com uso de armas brancas ou utensílios de trabalho transformados em armas.

No entanto, no caso dos Estados Unidos as estatísticas compilados pela Secretaria de Estado de Justiça, reunindo dados completos e pormenorizados dos ataques é, simplesmente, estupeficante. A mais antiga referência a um ataque em escolas norte-americanas data de 1764, antes mesmo da independência do país em 1776. Daí em diante as ocorrências são quase epidêmicas, com o século XIX marcado por ataques sucessivos em 1867, 1868, 1871, 1889, 1891 e 1898, perfazendo neste período pelo menos 19 vítimas infantis. A precisão das armas ainda precária e sua natureza obrigando o recarregamento davam, então, chances aos administradores de deter o atacante.

Com a chegada das armas automáticas e aquelas de fácil, e rápido, recarregamento, os ataques, e número de vítimas, cresceram. No século XX tais ataques tornaram-se, então, verdadeiramente epidêmicos, ocorrendo massacres nas “Elementary School” nos anos de 1902, 1906, 1907, 1909, 1912, 1919 e culminado no terrível massacre de 1927, quando Andrew Kehoe, após matar a esposa, ataca, com bombas caseiras, a Bath Elementary School, causando 45 mortes, no maior massacre escolar da história dos Estados Unidos. Andrew Keohoe era funcionário da escola de longa data.

Os anos seguintes assistiram a continuidade dos ataques: 1933, 1940, 1944, 1959, 1960 e 1961, com pelo menos 16 crianças mortas – lembremo-nos que em média a “Elementary school” americana abriga crianças entre 4 e 11 anos de idade. Mas, se juntarmos às estatísticas de ataques às “Elementary school” os ataques havidos contra as “High school”, que recebem adolescentes na faixa de 12-18 anos, em média, os ataques crescem de forma exponencial: são 24 ataques entre 1903 e 1968, com a morte de 27 adolescentes. Ainda uma vez a qualidade das armas e a prontidão de inspetores e funcionários faz com que a maioria dos ataques tenha em média 1-2 mortos, evitando o caráter cataclísmico do “bombardeamento” de Bath School em 1927.

A MASSIFICAÇÃO DO “SCHOOL MASS MURDER”
A partir dos anos de 1970, contudo, os ataques se multiplicam e as “high school” substituem, apenas parcialmente as “elementary scholl”, como cenário principal dos ataques. Nestes anos temos 7 ataques, com 7 mortes; nos anos de 1980 são 13 ataques, com 15 mortes; nos anos de 1990 já são 60 ataques, com exatos 93 mortes de adolescentes. Entre os ataques da década de 1990 inscreve-se o tristemente célebre ataque de 1999 contra a Columbine High School, no Colorado, matando 15 alunos e professores. Os atiradores, que ensaiaram o massacre repetidas vezes, estavam envoltos – além das condições de frustração e mágoas acumuladas – numa espécie de cultura “dark”, valorizando a morte falsamente “heroica” muito comum nos vídeos games que eles assistiam e verdadeiramente cultuavam, tais como “Dom” e “Wolfstein 3D”. Eric Harris tinha 18 anos e Dylan Klebold 17 anos e relataram, em seus documentos deixados como “memorial” do massacre, casos de “bullying” e exclusão.

Nos anos 2000 até 2012 foram 68 ataques contra High School, com 74 mortes de estudantes. Nesta lista dolorosa encontramos o massacre de 2005 contra a Red Lake High School, em Minissota, atacada pelo jovem Jeffrey Weise, de 17 anos, que após matar os avós, ataca os colegas na escola. Também está nesta relação o ataque do estudante aos colegas da Virgínia Tech, universidade no estado da Virgínia, e formalmente uma faculdade e não uma “escola”, daí o expurgo dos seus 33 mortos das estatísticas do Departamento de Justiça dos Estados Unidos no âmbito de “school´s mass murder”.

Infelizmente os ataques centrados nas “High School” não afastaram o risco das “Elementary school” e no ano de 2010 deram-se 10 ataques, com 31 mortes; em 2011, foram 5 ataques e 16 mortes e em 2012, antes do ataque contra a escola de Sandy Hook (em 14/12/2012), já haviam ocorrido dois ataques, felizmente frustrados.

Embora este quadro seja verdadeiramente assustador, a mídia americana e influentes políticos – e mesmo especialistas universitários – insistiram, no dia de ontem (quando se deu o ataque, 14/12/2012) que não se deveriam “fazer política com o sofrimento das famílias”. Ora, há alguma coisa muito errada aqui.

MASS MURDER E POLÍTICA
Um dos mais importantes, e progressistas, sociólogos dos Estados Unidos –especializado na análise das contradições, projetos e frustrações do homem comum na sociedade de massas americana – Charles Wright Mills (1916-1962), num pequeno manual de sociologia, tornado um clássico introdutório da disciplina – “A Imaginação Sociológica” -, advertia os colegas sobre a diferença entre um “problema social” e uma “questão social”. 

Wright Mills, num linguagem precisa, insistia que processos que se repetem no conjunto da sociedade e causam enorme dano e dor, mesmo mal-estar social, não podem, de forma alguma, ser atribuídos a motivos ou causas pessoais do tipo preguiça, baixo esforço ou baixa estima, ausência de talento ou incapacidade social ou distúrbios mentais. Bem ao contrário, o quanto de tais “distúrbios” tem origem em processos sociais cruéis e excludentes? Ao seu tempo, Wright Mills combatia o brutal individualismo liberal e o darwinismo social que explicava sucessos e insucessos das pessoas, num a sociedade altamente competitiva, exclusivamente através da “garra” e vontade de vencer de cada um. Colocando-se na contramão dos mitos americanos do “self made men” e da ideia de que todos vencem, se trabalham o suficiente para isso, na América, Mills vislumbrava uma sociedade já atingida por frustrações e pelo mal-estar que podia rapidamente expressar-se em repentinas explosões de ira.

A divisão popular da sociedade entre “pessoas de sucesso” e “losers”, os perdedores, já se expressa, assim, nos primeiros anos de vida e nas primeiras escolhas de jovens adolescentes, em especial num clima de competição – muitas vezes, vezes demais, desleal e cruel – no interior da própria escola. Eleições e concursos frequentes, mobilizações em torno de competições e torneios, o incentivo a mostrar um perfil de vencedor e de celebridade “popular” criam, no conjunto da sociedade, mas em especial na escola, um clima de verdadeira guerra social. O romance, de terror note-se bem, de Stephen King, chamado “Carrie, a estranha”, ambientado numa “high school”, de 1974, consagrou, de forma alegórica, o clima exacerbado e cruel de exclusão das diferenças no sistema educacional norte-americano, a cegueira de mestres e funcionários e o clima de linchamento moral. Quando tais pessoas tem acesso fácil e livre – como Adam Lanza – a um arsenal de armas automáticas são dadas as condições básicas para o desastre.

Mills, com sua delicadeza incisava – bem ao contrário de Stephen King - afirmava: aquilo que se repete e atinge amplas camadas sociais não é um problema “pessoal” e, sim, uma questão social.

A teimosia dos políticos, e dos especialistas americanos, em não discutir a livre venda de armas, a segurança nas escolas e programas de educação que valorizem o trabalho social, os objetivos de equipe e que diminuam as “guerras” entre grupos de “losers” e de “populars” nas escolas é, claramente, parte causal dos massacres.

O recuo, durante a campanha eleitoral de 2012, do Presidente Obama em colocar com clareza a questão da livre venda e porte de armas automáticas – algumas com capacidade de luta em campos de guerra total -mostra uma tremenda e indesculpável rendição perante os mitos da direita conservadora e reacionária norte-americana. Além, é claro, do lucrativo negócio de armas.

LOBBIES E MITOS DA DIREITA
Para a direita mais reacionária norte-americana, como se expressa, por exemplo, no grupo denominado “Tea Party” – núcleo duro do reacionarismo republicano – as armas, sua livre venda e posse, são uma garantia de liberdade. Voltam-se, todo o tempo, e de forma totalmente inadequada, para uma apropriação ideológica das guerras de Independência dos Estados Unidos, quando milícias de fazendeiros pegavam suas armas, atacavam repentinamente os britânicos – os “Minutmen” – e então retornavam às suas atividades rotineiras de bons fazendeiros. Assim, manter suas armas, treinar pré-adolescentes em tiro – incluindo a caça – seria manter, pura e simplesmente, a tradição dos “Pais Fundadores” da Nação.

Nem a história foi assim – já que George Washington montou exército profissional regular e os colonos americanos receberam forte auxílio do exército real francês – como, é claro, os Estados Unidos de 2012 não são as Treze Colônias de 1776. Talvez resida aqui a melhor definição de fundamentalismo: apegar-se, de forma peremptória, a um traço, narrativa ou fato do passado como uma verdade imutável. Além disso, numa cultura fortemente dividida entre noções de o que é bom e justo e aquilo que é o mal, a frustração e fragilidade identitária apegam-se em armas como muletas psicológicas. Para muitos jovens a arma é um prolongamento, capacitante e potente, de suas próprias fraquezas, substituindo sentimentos de impotência pelo poder absoluto de vida e morte.

Cabe agora às autoridades norte-americanas olhar em perspectiva: examinar esta imensa lista de mortes – em especial de crianças e adolescentes – e se perguntar se estamos, verdadeiramente, em face de atiradores “com problemas pessoais” ou em face de uma “questão social”.

Discutir a política de venda e posse de armas, melhorar a segurança das escolas – como os mesmos conservadores não duvidam em “securitizar” os bancos onde guardam seus bens – e, acima de tudo, rever os parâmetros pedagógicos que criaram uma escola competitivamente extremada, individualista e voltada para a geração contínua de “celebridades” é uma ação que se impõe com urgência.

E que as tragédias alheias, que já nos tocaram, sirvam também de lição para nós brasileiros.

(*) Professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

A praga da liderança Prozac


Do inevitável Bergman ao movimento Dogma 95, e além… O cinema escandinavo sempre ofereceu alternativas aos interessados em fugir do entediante escapismo hollywoodiano. A Arte do Pensamento Negativo é uma comédia de humor negro norueguesa, realizada em 2006. O filme, escrito e dirigido por Bård Breien, foi apresentado na 34ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 2010. A história gira em torno de Geirr, um homem de 33 anos que ficou paraplégico após um acidente de automóvel. O protagonista vive em uma casa de campo, na companhia de sua bela e dedicada esposa, Ingvild. Passa o tempo bebendo, fumando maconha e assistindo a filmes sobre a Guerra do Vietnã.

Preocupada com o marido, Ingvild o inscreve em um grupo de autoajuda, formado por pessoas com diferentes deficiências. O grupo é liderado por Tori, uma entusiasta da autoajuda. Ela, que não tem nenhuma deficiência, proíbe os membros do grupo de dizer qualquer coisa negativa sobre seus problemas e os estimula com clichês e frases de efeito. “Focar em nossas fraquezas nos apequena, mas, se focarmos em nosso potencial, nós podemos nos tornar gigantes”, proclama Tori em uma reunião para deleite do grupo.
O choque entre Tori e Geirr é inevitável. Tori tenta estimular Geirr a pensar positivamente e “concentrar-se nas soluções, não nos problemas”. Geirr, iconoclasta e irreverente, rebela-se contra a visão idílica de Tori e, de crise em crise, conquista o grupo para sua visão crítica e niilista da realidade. Aos poucos, o faz de conta induzido por Tori perde força, os membros do grupo vão se abrindo para seus próprios problemas e encontram algum consolo na honestidade e na solidariedade que começam a surgir.
O filme norueguês trata cinicamente da “cultura de autoajuda”, praga contemporânea que cruzou fronteiras nas últimas décadas e avança sobre os mais diversos domínios da sociedade, da Escandinávia aos trópicos. Sintomaticamente, a mídia popular brasileira está hoje impregnada pela lógica e pelo discurso da autoajuda. Em muitos países, a autoajuda se transformou em uma indústria milionária: palestras, livros, revistas, vídeos, treinamento, consultoria etc.
O mundo corporativo foi domínio no qual a autoajuda encontrou terreno propício, com as portas escancaradas pelas deslumbradas áreas de recursos humanos. Nas empresas, o culto do pensamento positivo fomenta o otimismo, encoraja o estabelecimento de metas ambiciosas e celebra o sucesso. Contudo, sob os efeitos especiais de powerpoints apresentados em reuniões, as metas são manipuladas, o sucesso tem pés de barro.
David Collinson, professor da Escola de Negócios da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, publicou recentemente um texto no jornal britânico Financial Times, com o sugestivo título “O lado negativo da liderança positiva”. Segundo Collinson, no coração da crise em muitas nações ocidentais, encontra-se uma abordagem específica de liderança, da qual foi extirpado o pensamento crítico em favor do pensamento positivo e da propensão ao risco. O autor denomina o fenômeno de “liderança Prozac”, mal que afeta a sociedade e as empresas e causa vício em uma positividade excessiva e artificial.
Os líderes Prozac fazem discursos delirantes, acreditam em suas próprias palavras e desencorajam visões alternativas e críticas. Alguns são carismáticos e nutrem fiéis seguidores: eles ignoram problemas e tornam suas organizações menos preparadas para enfrentar crises. Quando encontram terreno propício, criam uma “cultura positiva”, que pune ou aliena funcionários não praticantes.
Candidatos a líderes Prozac são fáceis de identificar. Eles aguardam ansiosamente as palestras promovidas pela HSM, empresa especializada em eventos de autoajuda empresarial, e discutem avidamente as pérolas ouvidas dos “grandes nomes do management”. Circulam entusiasticamente vídeos das conferências TED (Technology, Entertainment and Design), cujo grande objetivo parece ser atrair cientistas e pensadores, misturá-los com caçadores de novidades e transformar todos em celebridades de auditório.
Collinson observa que o pensamento positivo, base da liderança Prozac, pode ter certo poder de transformação, facilitando inovações e processos de mudança. Porém, o otimismo excessivo pode estimular o cinismo, erodir a confiança e provocar o afastamento da realidade. Mais sábio seria combinar doses adequadas de pensamento positivo e pensamento crítico, de forma a enfrentar realidades complexas. O ilusionismo, bem sabemos, é competência essencial nas organizações, públicas e privadas, grandes e pequenas. Porém, convém não exagerar.
Últimos artigos de Thomaz Wood Jr.:
A arte do tempo
Anjo caído

quinta-feira, 29 de março de 2012

Ativista americano vem ao Brasil e aprende ativismo político

Stephen Lerner, mentor intelectual do movimento “Ocupe Wall Street”, está no Brasil. Ontem, deu uma palestra no Sindicato dos Bancários de São Paulo sobre a luta dos estadunidenses contra o poder e a ganância do sistema financeiro em seu país. Mas penso que não foi só essa a razão que o trouxe ao nosso país.
Estive ontem no Sindicato entrevistando-o junto a mais uns dez jornalistas da mídia alternativa – porque, incrivelmente, a velha mídia nem tomou conhecimento de presença tão ilustre no Brasil.
Aliás, vale dizer que se tivéssemos imprensa de verdade, por aqui, deveria haver uma fila de jornalistas dos grandes meios querendo entrevistá-lo.
Menos mal, porém, que há uma mídia alternativa. E, para quem quiser se animar, tenho uma boa novidade. Lerner aproveitará sua estada aqui também para coletar o know how brasileiro em termos de ativismo político, apesar de que o nosso país não chega a ser o que tem o ativismo mais intenso.
Todavia, o Brasil é o país latino-americano mais parecido com os Estados Unidos, tanto do ponto de vista institucional quanto econômico e social. Desta maneira, compreende-se o interesse do mentor de um movimento que está abalando a visão da sociedade americana sobre o seu país.
Minhas perguntas a Lerner foram sobre se acredita que a sociedade americana finalmente acordou e sobre como é possível que após o país ter sido afundado pelos neoliberais o povo ainda cogite votar no Partido Republicano, ainda que o Democrata não seja muito melhor, e sobre se ele não acha que o movimento Ocupe Wall Street precisa de uma liderança.
As respostas foram vagas. Na verdade, nem ele sabe essas respostas. Mas o que vale relatar neste post é o que ele não disse e que os companheiros do Sindicato disseram. Antes, porém, uma frase de Lerner para introduzir o tema: ele disse que os americanos elegeram Obama e foram dormir.
Sabem o que isso quer dizer? Eles fizeram lá o que fizemos aqui. Elegemos Dilma e fomos dormir, ou seja, acreditamos, americanos e brasileiros, que bastaria eleger Obama ou Dilma que tudo estaria resolvido, achando que, no presidencialismo americano ou no brasileiro, um presidente manda alguma coisa.
Lerner relatou como o seu país se acomodou com a sociedade de consumo artificial que construiu e como essa sociedade se esqueceu de como lutar. Por isso, com a visita dele os ativistas americanos aprenderão com os brasileiros a enfrentar o grande capital que por décadas incontáveis dominou aquela nação sem que ninguém oferecesse resistência.
Com o inverno, os americanos nova-iorquinos tiveram que abandonar o Ocupe Wall Street, pois não dava para fazer ativismo sob temperaturas muito abaixo de zero grau. Com a chegada da primavera, porém, estão voltando. E planejando ações que coincidirão com assembléias de grandes grupos econômicos, ao longo deste ano.
Haverá nos EUA, nos próximos meses, reuniões de grandes grupos como Wells Fargo ou Bank of America, entre muitos outros, e os  ativistas do Ocupe Wall Street usarão táticas que o Brasil já usa há muito e que parecem inspiradas em nós.
Por exemplo: para poderem participar das reuniões dessas corporações a fim de protestar, estão adquirindo uma só ação de cada grande grupo por ativista de forma a terem direito legal de participar das assembléias a fim de “meterem o bedelho”, ou seja, de protestarem e darem os seus recados.
É o Brasil exportando um know how que um povo que pôs o homem na Lua desaprendeu.
Lerner, nas respostas que deu às minhas questões, fez questão de ressaltar que, pela primeira vez em décadas incontáveis, os jovens americanos estão mais pobres do que os ascendentes, ou seja, do que pais e avós. E informa que essa realidade, aos poucos, irá mudar a face – e a mentalidade obtusa – de seu pais.
Talvez, leitor, você goste de saber que o Brasil está exportando “tecnologia” para perturbar o grande capital. Aqui está dando muito certo. Apesar de este país ser mais injusto, se os americanos conseguirem diminuir a injustiça social como estamos diminuindo, o choque de igualdade que será gerado poderá varrer o mundo.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Dogmas moralistas que atrasam o Brasil e intimidam políticos

Posted by eduguim



Em um momento de recrudescimento da crise econômica internacional o Brasil experimenta uma virtual imunidade a ela. Fica até estranho, pois, dizer que este país também está em crise. A crise brasileira, no entanto, não atinge só o bolso do povo, mas a sua razão, levando-o a comportamentos irracionais ou virtualmente autodestrutivos.
A economia viceja, os empregos se reproduzem, o salário do trabalhador aumenta acima de uma taxa de inflação sob estrito controle, mas não está tudo bem.
Greves de policiais militares, milhares de famílias sendo atiradas na miséria em benefício de  ricaços picaretas, cidadãos sendo espancados e até assassinados por sua natureza íntima, ruas infestadas de crianças que se drogam, prostituem-se e roubam, sistemas de Educação e Saúde falidos…
Pode parecer estranho, inicialmente, mas tudo isso faz parte de uma mesma equação.
O Brasil é um país socialmente conflagrado. Os números de mortes violentas que produz equiparam-se ou superam até os de países em guerra. E o mais impressionante é que essa tragédia social se desenrola justamente em um momento em que esse país mais está distribuindo renda e oportunidades em toda a sua história.
Todavia, ainda é insuficiente. Este pais é superpovoado onde não tem espaço e subpovoado onde tem. Mas é na superpopulação nos centros urbanos que reside problema que nos esgota os recursos e que produz tensões sociais como as supracitadas.
Recentemente, em serviço voluntário prestado no rescaldo da tragédia humanitária em São José dos Campos que entrou para a história como O Massacre do Pinheirinho, o blogueiro depara com uma jovem mulher de menos de trinta anos em um dos abrigos visitados.
Ao começar a entrevistá-la para lhe tomar queixa que seria encaminhada à Defensoria Pública, crianças começam a acorrer para junto de si – uma escadinha etária de 8, 6, 5, 3 e 2 anos. Eram todos seus filhos.
A mulher se destaca de outras que se amontoam com os filhos naqueles depósitos de seres humanos que a prefeitura de São José dos Campos diz “abrigos”. É loira de olhos claros em meio a congêneres de desgraça em maioria negras ou mestiças. Como a quase totalidade das outras, não tem profissão e quase nenhuma instrução. Mas, à semelhança da maioria, tem religião.
Descobre-se que é paranaense, do interior do Estado, e que fugiu de casa quando engravidou pela primeira vez, antes dos 18 anos.
Mesmo com a forte queda de sua taxa de natalidade, o Brasil ainda sofre os efeitos da gravidez precoce e irresponsável. As mulheres de estratos sociais mais altos têm cada vez menos filhos, mas as dos estratos mais baixos entre os mais baixos continuam gerando proles enormes – imagine você, de classe média, tendo que sustentar CINCO filhos.
Se a reflexão for puramente racional, não se consegue entender essa loucura social que faz um país não oferecer a mulheres pobres e sem qualquer instrução um meio seguro de interromper gravidezes que lhes destruirão as vidas e as daqueles que irão pôr no mundo, se forem levadas a termo.
A sociedade brasileira praticamente obriga pessoas sem qualquer condição de procriação a gerarem legiões de crianças que irão crescer largadas ao léu, sem educação, sem saúde, sem orientação de qualquer espécie. Crianças para as quais a criminalidade acaba sendo o caminho mais fácil e atraente.
Não é à toa que temos presídios para crianças e adolescentes abarrotados daqueles que dogmas moralistas fizeram vir ao mundo, mas que após sua chegada se esqueceram deles.
Essa maioria esmagadora dos brasileiros que é contra a política de saúde pública adotada por praticamente todos os países de melhor qualidade de vida e desenvolvimento, o aborto, acha que interromper uma gestação quando a mulher tem dentro de si uma semente do tamanho de uma ervilha, se tanto, seria “crime contra a vida”, mas não dá a mínima para o que irá se tornar aquela criança.
Para controlar uma população que produz muito mais gente do que os sistemas de Educação, de Saúde e até o mercado de trabalho podem absorver, há que constituir um exercito, pois são pessoas que nascem e crescem sem qualquer estrutura familiar e que em parte significativa acabam caindo na marginalidade.
Chega-se, pois, a outro elemento da equação: até a criminalidade convencional seria insuficiente para abrigar a tantos que a maternidade irresponsável produz se não fosse outro dogma moralista. Só a proibição do consumo de drogas oferece “mercado” para tantos “trabalhadores” do crime.
Nenhuma outra atividade ilegal é tão difícil de combater e requer tanta “mão-de-obra” quanto o tráfico. Se legalizássemos as drogas, centenas de milhares de pequenos criminosos não teriam mais serventia para organizações criminosas que exploram o mercado que o proibicionismo gera.
A suspensão da criminalização do uso de drogas e o tratamento clínico – em vez de policial – ao usuário vêm fazendo várias sociedades reduzirem custos com efeitos do tráfico e do consumo, o que lhes deixa recursos para investir na formação de sua juventude e na segurança pública.
Sem um mercado inesgotável para criminosos como é o tráfico de drogas e sem uma superpopulação forjada na obrigatoriedade de jovens imberbes e miseráveis levarem gravidezes até o fim, um país pode ter menos policiais, o que lhe permite pagar a eles melhores salários e lhes dar melhor formação.
Sem superpopulação e com educação de qualidade seria possível evitar que a população acalentasse tantos preconceitos. Estudos recentes mostram que o baixo nível de instrução é fator determinante da homofobia e do racismo, por exemplo.
Os que governam sabem de tudo isso. Pouco importa se são de direita ou de esquerda. No Brasil, quem vence eleições são políticos que sabem que é preciso legalizar o aborto e descriminalizar as drogas, mas ou se aproveitam da ignorância popular e exploram o preconceito ou ao menos não têm coragem de ficar publicamente do lado certo.
Não há dúvida de que um político que saísse em defesa do aborto ou da descriminalização das drogas jamais conseguiria se eleger para cargos no Poder Executivo que, para serem alcançados, requerem apoio da maioria de um eleitorado conservador nessas questões.
Por trás de tudo isso, as religiões. Só se sustentam com absoluto controle não só das mentes, mas dos corações e da própria alma dos “fiéis”. Manipular conceitos e valores intrínsecos permite às igrejas influírem em decisões eleitorais e, assim, tornam-se beneficiárias de uma bajulação de políticos que se traduz em isenções fiscais, financiamentos e favores análogos.
O grande dilema de um país como o Brasil, portanto, é descobrir como combater os dogmas moralistas que o atrasam. A falta dessa descoberta impõe obstáculos econômicos e sociais que acabam sendo intransponíveis. Chega a ser assustadora a descoberta de que a sociedade brasileira cria os seus próprios problemas.

sexta-feira, 11 de março de 2011

A ditadura está bem viva


As reações de chefes militares à instalação da Comissão Nacional da Verdade por meio de projeto de lei que o Poder Executivo promete enviar ao Congresso Nacional são apenas a ponta do iceberg que torna imperativa tal Comissão, ainda que os otimistas perguntem por que devemos revolver um passado que é mais confortável olvidar.
O resgate histórico do período de sombras que vai de 1964 a 1985, com a eleição (indireta) do primeiro civil após 21 anos de ditadura militar, não objetiva tão-somente preservar a memória do passado para evitar que se repita no futuro. Objetiva, sobretudo, combater ameaças contemporâneas.
Por doloroso que seja, é preciso constatar que a ditadura não está morta. Ela vive e paira sobre a nação.
A ditadura vive nas notas ameaçadoras que chefes militares publicam reiteradamente em desafio a presidentes como Lula e, agora, Dilma, comandantes-em-chefe das Forças Armadas. Durante a eleição do ano passado, militares cansaram de fazer ameaças diante da possibilidade de eleição da ex-guerrilheira Dilma Rousseff, por exemplo.
Mas não é só nos delírios de militares de pijama – e de outros paramentados com fardas sujas de sangue – que a ditadura subsiste.
A ditadura vive nos jovens riquinhos que espancam e discriminam homossexuais na avenida Paulista ou em qualquer outra parte do país.
A ditadura vive nos brancos de classe alta que espancam e discriminam nordestinos negros no Sul e no Sudeste.
A ditadura vive em Mayara Petruzo, a patricinha do interior de São Paulo que pregou que nordestinos e negros não tivessem direito a voto e que fossem assassinados, e nas dezenas de jovens que a apoiaram em redes sociais da internet.
A ditadura vive nos jovens que, através do Twitter, pregaram que a presidenta da República fosse assassinada por um franco-atirador no dia de sua posse.
A ditadura vive nos comentaristas da Globo como Luiz Carlos Prates, que não se conforma com a distribuição de renda que permite que “qualquer miserável” tenha um carro.
A ditadura vive nos que mantém sites de extrema-direita que exaltam  torturadores, estupradores e assassinos e que, não contentes em criar sites como o Ternuma, ainda saem fazendo ameaças contra os que execram o golpe de 1964.
Vejam só, logo abaixo, ameaça que um tal de “General Azevedo”, que se diz ligado ao site de extrema-direitaTernuma (Terrorismo Nunca Mais), postou ontem neste blog. Vale refletir sobre suas palavras.
—–
General Azevedo
ternuma.com.br/

gazevedo@hotmail.com

189.0.16.176
Enviado em 10/03/2011 às 18:47
Os comunistóides de bosta deste blogezinho de quinta categoria estão bastante alegres e agitadinhos.
O que tenho pra dizer é que continuamos bem alertas. Não duvidem do que somos capazes. Em 1964 quanto tentaram transformar esse país numa imensa Cuba tivemos que mostrar nossa força.
Vão brincado. Uma hora a palhaçada pode acabar mal para toda cambada de energúmenos adoradores das múmias soviéticas e dos dinossauros de Cuba. Não perdem por esperar.
—–
Então: quem continua achando que a ditadura está morta? Mortos não editam blogs e não fazem ameaças, não espancam negros e homossexuais, não fazem comentários fascistas na televisão, meus caros leitores.
A ditadura vive, respira e age. Nas sombras, no mais das vezes. Mas, de quando em quando, sai à luz do sol nas notas de chefes militares, nos atos de violência e em nosso próprio cotidiano, quando em nosso meio social lhes ouvimos ou lemos as idéias hediondas até em grandes meios de comunicação.
Desde o  fim da ditadura que os sucessivos presidentes da República fazem de conta que não vêem militares da ativa e da reserva –  e até parlamentares representantes da extrema direita, como o tal de Jair Bolsonaro – esbofeteando a nação que torturaram por duas décadas e tripudiando de suas vítimas.
A Comissão da Verdade, pois, é imperativa. Só a verdade sobre aquele período de horror permitirá que seja desmascarado em sua completude. Essa Comissão é imperativa para combater a ameaça que seus agentes fazem reiteradamente não só à democracia, mas a mentes jovens que passam a crer em suas mentiras.
O preço da acomodação é vivermos sob liberdade condicional. A própria democracia ainda é mera concessão dos golpistas sobreviventes e dos adeptos dos criminosos de 1964, que continuam envenenando mentes suscetíveis com a “solução” golpista para barrar a justiça social que o povo brasileiro tenta fazer prevalecer através do voto.
Como blogueiro e ativista político, assumo o compromisso de não tergiversar nessa questão. A ditabranda não será reinstalada neste país enquanto pessoas como eu e como os que prestigiam esta página com sua leitura permanecermos vigilantes e dispostos até a ir às ruas em defesa da democracia e do Estado de Direito.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Qual cultura?


“Não me falem em anos de chumbo, aquilo foi piquenique de freiras, os anos de chumbo são hoje, aqui, agora, esta noite. Retire-se a possibilidade de sobrevivência e a vivência – e seu produto que é a cultura - rapidamente desaparece”

Como é que se pode perguntar onde foram parar os intelectuais nos últimos vinte anos, se de lá para cá destruiu-se a base material, logo a humana e ideológica, que produzia cultura?
Se não há projeto de nação? Se não há projeto de vida?
Se não há trabalho nem emprego nem futuro nem esperança?
Se não há estabilidade, apenas precarização?

Salvo, é claro, no caso do digníssimo secretário municipal de cultura, Carlos Augusto Calil, 59, servidor público há cerca de dez anos – já quase recebendo dois qüinqüênios, meus queridos!(situação inusitada para um secretário municipal, qualquer um!) Pela atual situação – que se eterniza – do secretário cultural de Sampa, pode-se avaliar a ABSOLUTA IRRELEVÂNCIA DA CULTURA na sociedade contemporânea.

Vejamos: Calil entrou em 2001, nomeado diretor do Centro Cultural São Paulo na gestão PT de Marta Suplicy por indicação de Marco Aurélio Garcia, então secretário (que logo se mandou pra Brasília); em 2005, aderiu entusiasticamente à gestão Serra do PSDB (botando abaixo muitos Céus que ele mesmo havia erguido, numa real demonstração da mais pura convicção cultural!): em 2006, o Santinho se manda, sendo substituído pelo vice Kassab (e Calil firme como uma rocha!) e, desde então, o nosso amigo atende obsequiosamente o extraordinário Kassab do inefável DEM – edil festejadíssimo: 1) Pelo esplendor incomparável da sua Parada Gay, a maior do Mundo!(já deve ter entrado para o Guiness); 2) Inventar o IPTU progressivo; 3) E mandar fazer silêncio na feira.

Como vêem as realizações abundam.

Pobre Calil, talvez eu esteja sendo um tanto injusta com ele, mas o que quero dizer é que tanto faz ser este ou aquele: é a cultura que não tem mais NENHUMA importância, percebem? Que adianta demitir cerca de 40 funcionários só entre 2008 e 2009 (através dum diretorzinho, que deve ter caído da kombi da Apae, pois confundia Centro Cultural com Playground) para botar outros no lugar, unicamente para piorar MUITO. Possivelmente ele já esteja “preparando o terreno” para a SMC se tornar outra ONG ou OS ou Assemelhada, devidamente privatizada e com dinheiro público, porque afinal de contas “o estado não funciona mesmo!”. O mecanismo é evidente: ele deixa apodrecer o espaço público e utiliza tal pretexto para privatizá-lo!

Calil também será eternizado pelas mágicas “viradas culturais”: virou a Secretaria de Cultura do Município de São Paulo – a mesma fundada por Mário de Andrade – em ONG!(ou OS ou Assemelhada).

O fato é que, hoje, nenhum servidor público precisa ser competente, apenas conveniente. E um pouquinho “festeiro” – vejam o extraordinário Kassab, por exemplo.

Voltando: o resto é aviltamento e negação do real e mais terror para todos indistintamente. Mas é claro. Não há nenhuma possibilidade de florescimento cultural legítimo, pois tudo o que “floresce” é o que vegeta à sombra do vulcão privatizado.

Porque a presente conjuntura histórico-mercantilista destrói a cultura.
Porque uma época de verdadeiro brilho cultural é muito diferente disso.
Eu sei. Eu estava lá. E o fato de desenvolver eternamente uma crítica pelo negativo vai fodendo a nossa vida, a vida ela própria se tornando um exercício de vacuidade moral.

Mas esta é apenas uma das razões pelas quais a cultura (ergo a literatura, a cerâmica, a botânica) NÃO PODE DAR PÉ nas atuais circunstâncias, baby.

Maio de 68, MPB, Tom Jobim, CPC, Zé Celso, Doces Bárbaros, Milton Nascimento, Boom Literário/75, Revolução Cubana, Costa Gravas, Celso Furtado e cepalinos, Nouvelle Vague, Fellini – pensem qualquer coisa – foram produto da Pax Americana entre 50 e 80 devido ao temor do Comunismo, donde o keynesianismo, o estado investidor/provedor. Constrangido pela História, o Capital teve que dar uma chance ao homem.

Entre as décadas de 70/80, havia tesão para escrever e publicar, montar peças de teatro, filmar, pintar, fotografar, pesquisar, engendrar teses científicas, sem constrangimentos nem imperativos ideológicos/mercadológicos/institucionais, nem patrulhamento midiático, que hoje cancelam automaticamente a criação. E a crítica. Produzindo unicamente mediocridade.

E não me falem em anos de chumbo, aquilo foi piquenique de freiras, os anos de chumbo são hoje, aqui, agora, esta noite. Retire-se a possibilidade de sobrevivência e a vivência – e seu produto que é a cultura - rapidamente desaparece. Bem como os dividendos decorrentes.

A Sociedade do Espetáculo está morrendo. Por falta de Espetáculo.

E público. Espaço público.

A escritora paulistana Márcia Denser publicou, entre outros, Tango Fantasma (1977), O Animal dos Motéis (1981), Exercícios para o pecado (1984), Diana caçadora (1986), A Ponte das Estrelas (1990), Toda Prosa (2002 - Esgotado), Diana Caçadora/Tango Fantasma (2003,Ateliê Editorial, reedição), Caim (Record, 2006), Toda Prosa II - Obra Escolhida (Record, 2008). É traduzida na Holanda, Bulgária, Hungria, Estados Unidos, Alemanha, Suiça, Argentina e Espanha (catalão e galaico-português). Dois de seus contos - O Vampiro da Alameda Casabranca e Hell's Angel - foram incluídos nos 100 Melhores Contos Brasileiros do Século, sendo que Hell's Angel está também entre os 100 Melhores Contos Eróticos Universais. Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUCSP, é pesquisadora de literatura e jornalista.


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