Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista
Mostrando postagens com marcador ipea. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador ipea. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Quem quer crescimento de renda como o do Primeiro Mundo?




tela1


O ótimo blog de Fernando Nakagawa, no Estadão, dá hoje  conta de como anda a distribuição de renda nos países mais ricos.
Ele informa que “pobres e ricos perderam dinheiro com a crise que se arrasta há mais de cinco anos”.
Mas também registra que uma pesquisa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostra, para variar, que o castigo foi bem maior para quem tem menos.
A renda média dos 10% mais ricos caiu a um ritmo anual de 0,78% entre 2007 e 2011, a perda da renda dos 10% mais pobres foi o dobro: 1,61% por ano.
O resultado detalhado está no gráfico lá em cima.
Coo eu não sou “economista” nem “jornalista econômico” que não consegue situar o Brasil dentro do mundo – embora todos eles encham a boca para falar em “globalização” –  fui buscar dados que permitissem uma comparação com o nosso país.
Como não achei uma que pegasse o período exato, coloquei dois, com base na Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar, agrupados pelo IPEA, para que os mal-humorados não venham a invalidar a comparação.
Entre 2003 e 2011, os mais 10% mais pobres no Brasil tiveram um incremento de renda de 80,8%, ou média anual de 6,8%. Os 10% mais ricos também cresceram, mas 26,9%, ou média anual de 2,7%.
Na crise, entre 2009 e 2011, o décimo mais pobre cresceu 9,1% e o mais rico, 4%. Na média de taxas anuais, isso dá 2,95% e 1,32%.
Coloquei  estes os números no gráfico do Estadão, lá em cima e aqui embaixo.
Depois de vê-los, diga-me se você quer seguir as receitas que eles vivem nos dando.
Porque os muito ricos continuam ganhando, mas não suportam que não seja tudo, e que os pobres ganhem também.

tela2

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

BOLSA FAMÍLIA É PRODUTO DE EXPORTAÇÃO MADE IN BRAZIL

terça-feira, 15 de outubro de 2013

BOLSA FAMÍLIA VENCE PRÊMIO ISSA, O NOBEL SOCIAL

domingo, 6 de outubro de 2013

Você sabia que ficou mais rico?

 Durante a primeira década do século XXI, centenas de brasileiras e brasileiros de todas as idades e regiões do país criaram páginas na internet para denunciar que os meios tradicionais de comunicação (jornais, revistas, rádios, televisões e grandes portais de internet) tentam ludibriar a sociedade a fim de fazerem prevalecer suas preferências políticas.
Em boa parte, são pessoas como este que escreve – sem vinculações políticas ou corporativas de qualquer espécie, movidas, apenas, pela indignação com uma dita “grande mídia” que mente, distorce informações, inventa acusações e exalta grupos políticos e econômicos com fins unicamente particulares, ou seja, de forma a obter lucro para os seus controladores.
Trata-se, aqui, de grandes meios de comunicação de massa que cresceram e enriqueceram durante a ditadura militar, que os financiou para que defendessem o saque que os ditadores perpetraram sobre o patrimônio público e ocultasse os crimes de lesa-humanidade que cometeram com a finalidade de fazerem prevalecer aqueles interesses inconfessáveis.
Acima de todos os outros oportunistas despidos de qualquer traço de decência e capazes de vender seu país a quem pague mais estão quatro famílias que o regime ditatorial enriqueceu e que a democracia deixou impunes: Marinho, Frias, Civita e Mesquita são os nomes dos que erigiram uma máfia que roubou e continua roubando a nação enquanto acoberta políticos e empresários desonestos.
Na ânsia de defenderem seus interesses particulares – e sabendo que para manterem o poder discricionário que auferiram ilegitimamente dependem do jogo do poder entre os grupos políticos –, essas famílias adotaram a mentira e o logro como ferramentas.
Apesar de todo esse poder – e de forma quase intuitiva –, no limiar do novo século a maioria dos brasileiros passou a desconfiar da pregação política desses megaempresários do setor de comunicações e a votar de forma oposta à que pregavam. Eis que os brasileiros levaram ao poder um grupo político que aqueles veículos de comunicação demonizavam.
Ao longo da década passada e no início desta, as famílias enriquecidas pela ditadura, valendo-se das imensas quantidades de dinheiro público que lhes foram doadas pelos ditadores, vêm trabalhando com fúria incontida para convencer os brasileiros a votar nos políticos com os quais estabeleceram acordos na última década do século passado, os políticos do PSDB.
Contudo, o grupo político que desafiou e derrotou politicamente esses filhotes da ditadura, grupo esse encabeçado pelo Partido dos Trabalhadores e com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à frente, logrou implantar políticas públicas que melhoraram sobremaneira a vida das populações abandonadas pelos preferidos da mídia e, assim, caíram nas boas graças da nação, o que vem lhes permitindo vencer sucessivas eleições.
As quatro famílias midiáticas e seus satélites, então, decidiram que havia que usar métodos artificiais para apear do poder aquele grupo político desafiador.
Primeiro, tentaram transformá-lo em inventor da corrupção no Brasil. Vendo que a maioria não acreditou, de cerca de um ano para cá as famílias midiáticas mitigaram a gritaria moralista e passaram a apostar na distorção da situação econômica e social do país, crente em seu poder “hipnótico”, com o qual fariam uma nação inteira acreditar que aquele grupo político desafiador a estaria levando à ruína.
O imenso preâmbulo acima serviu para contextualizar as informações que vêm a seguir.
Na última terça-feira, este blogueiro (independente, sem vínculos políticos e que sobrevive de trabalho autônomo no setor privado), vendo mais uma de tantas distorções cotidianas das famílias midiáticas, e movido pela indignação, tomou uma iniciativa: telefonou para um dos veículos das famílias supracitadas apenas para desabafar.
Liguei para Suzana Singer, ombudsman do jornal Folha de São Paulo. Conversei com ela durante quase uma hora. Expus minhas críticas e observações. Relatei parte da conversa aqui, neste espaço.  Na última edição dominical da Folha, em sua coluna semanal naquele veículo, Suzana abordou outro tópico da conversa que tivemos.
Liguei para ela, no último dia 1º, logo após assistir, no site do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entrevista do presidente da instituição, o pesquisador Marcelo Néri, que comentara os dados da última PNAD (2012).
Segundo definição do site do IBGE, que empreende a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), aquele estudo visa obter “informações anuais sobre características demográficas e socioeconômicas da população, como sexo, idade, educação, trabalho e rendimento, e características dos domicílios (…)”.
Pois bem, a última PNAD revelou um dado surpreendente. Tão surpreendente que surpreendeu até a Néri, um dos principais coordenadores da pesquisa: no ano passado, apesar do “pibinho” de 0,9%, o brasileiro ficou muito mais rico – a renda média cresceu 8,9%.
No vídeo abaixo, o presidente do IPEA explica melhor. Prossigo em seguida.


Antes de ligar para a ombudsman da Folha, fiz alguns comentários no Twitter que reproduzo abaixo.
Em seguida a esses tuítes escritos sob indignação extrema, o telefone toca: é Suzana Singer retornando o recado que deixei em seu escritório. Entre muito que lhe disse ao longo da conversa, comentei os dados altamente positivos da PNAD e a contradição de a pesquisa ter sido abordada tanto na Folha como no resto da mídia sob viés diametralmente oposto.
Em sua coluna deste domingo, a ombudsman abordou a questão. Relata como a mídia transformou uma notícia excelente em um amontoado de péssimas notícias.
Antes de reproduzir a coluna dessa jornalista que, com sua matéria sobre o tema em questão – publicada na Folha de São Paulo de 6 de outubro de 2013 –, ganhou meu respeito, quero cumprimenta-la, pois fez uma pesquisa aprofundada sobre a trapaça que tanto o jornal em que trabalha quanto o resto da “grande mídia” praticaram mais uma vez.
Deixo-o, caro leitor, com a belíssima coluna da ombudsman da Folha, Suzana Singer.
—–
FOLHA DE SÃO PAULO
6 de outubro de 2013
OMBUDSMAN
SUZANA SINGER ombudsman@uol.com.br @folha_ombudsman facebook.com/folha.ombudsman
Arauto das más notícias
Folha destaca apenas dados negativos da Pnad, apesar de a pesquisa ter apontado aumento de renda em 2012
A edição que a Folha fez da pesquisa Pnad, que traça anualmente um quadro social do país, é um prato cheio para quem acha que o jornal só publica más notícias. Todos os destaques pinçados no levantamento eram negativos.
O título na capa informava que “Analfabetismo e desigualdade ficam estagnados no país” (28/9). Em “Cotidiano”, havia o aumento da diferença de renda entre homem e mulher, os salários inchados pela falta de mão de obra especializada e o celular como o único tipo de telefone em mais da metade dos lares. A análise dizia que o resultado da pesquisa pode significar “o fim da década inclusiva”.
Outros jornais optaram por manchetes do tipo uma no cravo outra na ferradura: “Renda média sobe, mas desigualdade para de cair” (“O Globo”), “Analfabetismo para de cair no país; emprego e renda sobem” (“Estado”), “Em todas as regiões houve aumento de renda, mas a desigualdade ficou estagnada” (Jornal Nacional).
Com seu característico catastrofismo, a Folha fez uma leitura míope da pesquisa, que é muito importante pela sua abrangência -são 363 mil entrevistados respondendo sobre escolaridade, trabalho, moradia e acesso a bens de consumo.
O dado mais surpreendente era que a renda do brasileiro cresceu em 2012, ano em que o PIB subiu apenas 0,9%. Na Folha, esse fenômeno só foi citado no meio de uma reportagem sobre a desigualdade.
Coube ao colunista Vinicius Torres Freire, no dia seguinte, chamar a atenção para o fato de que o Brasil estava mais rico “e não sabíamos”. “É possível dizer que a taxa de pobreza deve ter caído bem no ano passado”, escreveu Freire.
Pelos cálculos de Marcelo Neri, 50, presidente do Ipea, 3,5 milhões de brasileiros saltaram a linha de pobreza em 2012. “No conjunto das transformações, foi a melhor Pnad dos últimos 20 anos”, diz Neri.
A desigualdade parou mesmo de cair, mas foi porque os muito ricos (1% da população) ficaram ainda mais ricos (a renda subiu 10,8%), num ritmo mais rápido do que os muitos pobres (10% na base da pirâmide) ficaram menos pobres (ganho de renda de 6,4%). É claro que não se deve desprezar o abismo social, mas não dá para ignorar que houve uma melhora geral no ano passado, o que é um mistério a ser explicado pelos economistas.
Se o jornal subestimou o dado da renda, deu espaço demais para o fato de o analfabetismo ter parado de cair. Teve nesse ponto a companhia dos outros jornais e da TV.
Depois de 15 anos de queda contínua, a taxa de analfabetismo variou de 8,6% para 8,7%. A diferença, irrisória, pode ser apenas uma flutuação estatística. Nem o fato de a taxa ter parado de cair é importante, segundo os especialistas.
Os analfabetos brasileiros concentram-se, principalmente, na faixa etária mais alta (60 anos ou mais). Os mais velhos, que não tiveram acesso à escola na infância, são mais difíceis de serem alfabetizados. “Entre os jovens, a proporção de analfabetos continua caindo. A conclusão é que, embora nossa educação tenha muitos problemas, este não é um deles”, explica Simon Schwartzman, 74, presidente do Iets.
O destaque dado à diferença entre a remuneração de homens e mulheres também foi descabido. Em 2011, a brasileira recebia 73,7% do salário de um homem. No ano passado, era 72,9%.
Além de não ser uma variação muito significativa, pode ser um problema amostral. “As mulheres não estão necessariamente ganhando menos do que os homens. Se elas já têm uma renda média menor, basta crescer a participação feminina no mercado de trabalho para aumentar a diferença entre os sexos”, afirma Marcio Salvato, 44, professor de economia do Ibmec.
Entre os bens de consumo, o jornal destacou o celular e as motos. Wasmália Bivar, 53, presidente do IBGE, ressalta a máquina de lavar roupa, presente em 55% das casas. “Para a vida das famílias mais pobres, é um bem de grande significado, porque dá mais tempo livre para as mulheres.”
Não é fácil escolher o que há de mais relevante em uma pesquisa extensa como a Pnad, mas não dá para adotar o critério dos piores números. O jornalismo deve ter como primeira preocupação o que vai mal, apontar os problemas, só que o necessário viés crítico não pode impedir que se destaque o que é de fato o mais importante.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

TAXA DE DESEMPREGO RECUA E FICA EM 10,9%

sexta-feira, 22 de março de 2013

ESTADÃO AGORA SUGERE ARROCHO SALARIAL


:
247 - Na edição de ontem, o jornal Estado de S. Paulo, comandado por Francisco Mesquita Neto, contestou a alta popularidade da presidente Dilma (leia mais aqui). Nesta sexta, o jornal prega o arrocho salarial como forma de combate à inflação. Leia abaixo:
Economia fraca e ajustes salariais generosos
Em 2012, a economia brasileira cresceu apenas 0,9% e a inflação medida pelo INPC foi de 6,2%, mas houve reajustes salariais reais em 94,6% das 704 negociações realizadas entre empresas e trabalhadores, segundo pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). É uma contradição - em tese, uma economia em queda não deveria ser acompanhada de salários em alta -, e não há uma explicação isolada para o fato.
O porcentual de reajustes salariais que superou o INPC foi o mais elevado em 17 anos. Na média, a correção superou a inflação em 1,96%, mas em 4,4% dos acordos o ganho real foi superior a 5%. Em mais de 62% os reajustes reais oscilaram entre 1% e 3%.
Na indústria, o resultado foi ainda mais paradoxal, pois o produto do setor caiu 2,5%, enquanto os reajustes reais foram registrados em 97,5% das negociações e atingiram, em média, 2,04%. Na construção civil, o aumento real médio foi de 3,17%.
Do ponto de vista dos trabalhadores, há motivos para comemorar. E, em alguns setores, onde o comportamento das atividades foi satisfatório, os reajustes não causam surpresa - caso da área automobilística.
Cabe, porém, buscar outras razões para os reajustes, a começar da escassez de mão de obra de qualidade, agravada pela fragilidade da educação formal e a introdução de novos processos produtivos, com tecnologia avançada. É notória a falta de profissionais de exatas, como engenheiros.
Outra é a mudança na composição do Produto Interno Bruto (PIB), cada vez mais dependente do setor de serviços, influenciado pela melhor distribuição de renda e a ascensão de dezenas de milhões de pessoas à classe média. A mobilidade social em curso desafia as empresas e a oferta de mão de obra. Além disso, muitos profissionais dão preferência a trabalhar no Estado e nas estatais, onde a remuneração é elevada e a estabilidade é a regra. O crescimento do aparelho do Estado estimula essa tendência.
Também parece crescer o número de trabalhadores formais que se transformam em pequenos empresários, uma questão ainda em estudos no âmbito do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Salários reais em alta deverão significar um aumento do peso do trabalho na renda nacional e impulsionar o consumo, contribuindo para a atividade econômica. Esses são fatos positivos, mas alguns técnicos enfatizaram que os reajustes reais foram estimulados pela inflação e o salário mínimo. Ocorre que a inflação é doença para a maioria da população.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

População não está dando bola à urubologia econômica da mídia


Foi divulgado índice do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que mensura o otimismo das famílias brasileiras com o presente e o futuro da economia. Os números divulgados não podem passar batidos pelo que revelam até de surpreendente, ainda que nem tanto: o brasileiro está dando mais uma banana para o PIG.
A divulgação “seca” da notícia de que em junho subiu o otimismo das famílias com a economia (de 67 pontos para 68,5) está sendo a tônica na mídia. Todavia, faltam análises sobre como é possível que os brasileiros estejam otimistas em relação à economia em um momento em que a essa mesma mídia despeja sua urubologia sobre eles dia e noite.
A presidente Dilma Rousseff até que tentou explicar, recentemente, que não se mede a administração de um país apenas pelo PIB, mas foi em vão. A mídia caiu em cima dela, acusando-a de dizer isso só porque o PIB deverá ser “fraco” neste ano – estima-se que o Brasil crescerá cerca de 2% em 2012.
A mídia ainda não aprendeu a respeitar a inteligência e a capacidade administrativa da presidente da República. Em certos momentos, aliás, Dilma dá um banho de estratégia em Lula, que, ao estilo de que gosta este blogueiro, metia a boca no PIG quando este praticava a sua urubologia em 2008.
O “poste” que a mídia criou em 2010 – e no qual ainda acredita – sabia, por óbvio, do estudo do Ipea que mostra, aliás, que as famílias brasileiras estão sabendo analisar muito bem o contexto conjuntural da economia e as perspectivas do país. E – repito – que estão dando mais crédito ao governo do que à urubologia midiática.
O seguinte trecho de matéria da Agência Brasil sobre o estudo em questão corrobora o que está sendo dito acima:
—–
A pesquisa [ do Ipea] mostra, entretanto, que as famílias estão um pouco menos otimistas quanto à situação econômica para os próximos 12 meses. O índice passou de 66,8% em maio para 65% em junho. (…) Contudo, para os próximos cinco anos, as famílias aumentaram o grau de otimismo: o índice ficou em 63% no mês passado, contra 62% em maio.
—–
Sim, as famílias estão entendendo que o país passa por um momento de transição após um freio de arrumação em um crescimento desordenado da economia que estava gerando aumentos de preços que poderiam solapar o ganho de renda proporcionado pela forte atividade econômica de 2010, quando o PIB subiu quase 8%.
O resultado do crescimento desordenado desencadeado após a estagnação em 2008/2009, então gerada pelo primeiro arreganho da crise, fez a boa e velha lei da oferta e da procura colocar nos píncaros do absurdo os aluguéis, o preço dos imóveis, os alimentos e tudo mais.
O recrudescimento no Brasil neste ano de uma crise internacional que nos países ricos se mantém desde 2008 vem sendo apontado pela mídia como um problema particular do país e não como o que é: mera conseqüência de uma situação na economia mundial que, soube-se há pouco, deprimiu, fortemente, o crescimento até da China, que deve crescer “só” 7%.
Para a China, explica-se, o patamar de 7% é baixíssimo, acostumada que esteve, durante décadas, a crescer acima de dois dígitos.
A urubóloga mor da República, a jornalista econômica global Miriam Leitão, porém, vem atribuindo o crescimento modesto que o Brasil deve experimentar em 2012 a problemas internos. Ela e o resto do PIG vêm dizendo que estaria “esgotado” o modelo de crescimento da economia baseado no consumo das famílias.
Colocam o endividamento das famílias e a inadimplência (que, de fato, subiu um pouco) como sinais sérios de que o país está na rota errada. O país não está na rota errada. Medidas foram tomadas para mitigar o endividamento e a inadimplência: os juros estão caindo para os novos negócios, ainda que estejam tentando mantê-los altos.
O crescimento do endividamento e da inadimplência se deve não à atividade econômica mais lenta, mas aos juros altos. As medidas do governo para combater os juros, para estimular a indústria, para melhorar a taxa de câmbio para os exportadores, tudo isso deve reativar a indústria e alavancar o nível de investimento no médio prazo, daí a visão das famílias de que os próximos 12 meses serão difíceis, mas que os próximos cinco anos serão melhores.
O brasileiro está aprendendo que não é preciso adotar medidas recessivas e penosas para a população, que os neoliberais demo-tucano-midiáticos chamam de medidas de “austeridade” para enfrentar crises – no tempo em que o PSDB e a mídia governavam o Brasil, adotavam-se fórmulas recessivas e diminuição de gastos públicos. Todos se lembram do resultado disso.
As políticas públicas de contrapeso à baixa atividade econômica estão gerando recordes na criação de empregos, apesar de a economia estar crescendo devagar. E cresce devagar até porque o PIB cresceu muito.
Há uma chuva de análises críticas relativas ao “baixo” crescimento do Brasil no ano passado. O país cresceu 2,7% sobre 2010, chegando o PIB a impressionantes 2,4 trilhões de dólares. Para que se possa mensurar com serenidade e de forma realista o salto que a economia brasileira experimentou na última década, portanto, há que fazer algumas comparações.
Em 2002, o PIB do Brasil somava R$ 1,4 trilhões. No primeiro semestre daquele ano, a cotação média do dólar foi de R$ 2,44. Com o início do processo eleitoral, a cotação disparou até alcançar R$ 3,81 no segundo semestre. Se considerarmos uma taxa média de R$ 3,12 por dólar, portanto, o PIB brasileiro, há dez anos, foi de US$ 448 bilhões.
Enquanto o PIB brasileiro triplicou (em reais) em nove anos (2002-2011), o dos Estados Unidos passou de US$ 11, 2 trilhões em 2002 para US$ 13,3 trilhões em 2011. O PIB nacional, que em 2002 equivalia a 4% do PIB americano, hoje equivale a 18%.
Nada disso é relevado pela mídia. Diz o absurdo de que estaria “esgotado” o modelo de crescimento da economia baseado no consumo das famílias. Isso em um país em que ainda metade da população nem tem acesso ao crédito.
Na última segunda-feira, aliás, participei de programa da revista Fórum veiculado via streaming no qual fui um dos entrevistadores do ex-presidente do Ipea e candidato do PT a prefeito de Campinas, Marcio Pochmann.   O economista deu um dado que poucos conhecem: há apenas 170 bancos no país enquanto que, nos EUA, esse número pode chegar a 4 mil (!).
Esse fenômeno decorre de que, ainda, resta uma parcela imensa, descomunal dos brasileiros que consome só o básico e que nem mesmo tem conta em banco – crédito, então, nem pensar.
Ainda assim, o crédito cresceu muito. A renda do trabalhador, idem. Dessa forma, o consumo não poderia deixar de crescer. Crescendo o consumo, obviamente que cresce o endividamento e, claro, a inadimplência acaba sofrendo algum aumento. Contudo, ainda é baixíssima em um país em que a principal fonte de inadimplência são, justamente, os juros altos.
As medidas do governo Dilma para baixar os juros certamente surtirão efeitos no endividamento e na inadimplência, mas isso demora um pouco. Dívidas antigas serão repactuadas e as novas terão custo financeiro menor…
Sim, a queda nos juros não está ocorrendo tão rapidamente, mas está ocorrendo. Dizem que não, mas está e todos verão isso. É nisso, ao menos, que acreditam as famílias brasileiras, o povão, segundo o Ipea. E essa é uma má, uma péssima, uma tenebrosa notícia para a direita demo-tucano-midiática, pois mostra que sua urubologia não cola mais.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

* O BRASIL E A CRISE: HORA DE OUSAR --leia a entrevista exclusiva de Marcio Pochman a André Barrocal, nesta pág ; leia também a análise de Amir Khair** Mario Monti e Lucas Papademos consolidam hoje seus governos de intervenção em Roma e Madrid ** espera-se um alento nos ataques contra o euro; a ver** Síria: mortes e conflitos isolam o regime de Asad** Nos EUA, a repressão policial agride e prende indignados em todo o país** a situação no Parque Zucotti, em NY: http://occupystreams.org/item/occupy-nyc-liberty-plaza

EURO: MERCADOS TEMEM A PRÓPRIA GANÂNCIA
Não adiantou a ortodoxia queimar as caravelas e obedecer aos desígnios dos mercados financeiros. A Itália mandou embora Berlusconi, que outrora encantara o conservadorismo, mas hesitava em cumprir ordens. Entre elas, a demissão de 300 mil funcionários públicos até 2014. Troca feita, e daí? A Mario Monti não se concede nem 24 horas de graça: o Tesouro romano continua a pagar  juros de pré-insolvente. O mesmo ocorre na Grécia: Lucas Papademos assegura que fará 'tudo'. Não basta. A canga rentista espreme o pescoço de Atenas. Na Espanha, Zapatero será  esmagado nas urnas pelo extremismo conservador do PP, de Aznar. Nem por isso os bancos aliviam para Madrid: nesta 3ª feira,  impuseram um novo degrau de juro ao Tesouro espanhol, superior ao recorde de 2ª. E assim, sucessivamente. O mesmo se dá com Lisboa, Dublin, Viena e outros, somando-se agora 12, dos 17 países do euro, sob o ataque dos mercados. Insaciáveis, os rentistas não perdoam nem a França, de Sarkozy. Os mercados parecem não acreditar mais na sobrevivência do euro nos moldes atuais, sob o julgo irrestrito das finanças. E tratam de desfrutar a raspa do tacho, antes que a vassalagem institucional venha a ser trocada por alguma forma de soberania que reunifique poder político e comando da economia. Ninguém quer  apagar a luz. O financiamento se retrai. Os juros sobem. O crédito seca. A economia despenca. As receitas fiscais minguam agravando o desequilíbro dos Tesouros. A peste da desconfiança se auto-alimenta.
(Carta Maior; 4ª feira, 16/11/ 2011)

'Governo poderia ser um pouco mais ousado na crise', diz Pochmann

Em entrevista à Carta Maior, presidente do Ipea, Marcio Pochmann, defende que país use fundo soberano para comprar ações de multinacionais e que, para salvar PIB, Banco Central acelere corte do juro. Para ele, economias ricas tornaram-se 'ocas' e, com piora da situação global, arrocho fiscal ficou exagerado e deveria diminuir. Juro real no Brasil deveria ser de 2%, afirma.

BRASÍLIA – Marcio Pochmann tem a voz mansa, baixa e o costume de abotoar a camisa social no pescoço sem usar gravata que fazem pensar que se está diante de um padre. Há quatro de seus 49 anos à frente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o gaúcho é uma hipótese na cabeça do autor de sua nomeação, o ex-presidente Lula, para disputar a prefeitura de Campinas, onde se doutorou em Ciência Econômica em 1993.

Em 18 anos de doutor, Pochmann viu o apogeu do neoliberalismo liderado pelo sistema financeiro e, hoje, assiste à (palavra dele) decadência do mundo rico. Pela primeira vez desde a crise de 1929, quem puxa a economia global são os países em desenvolvimento. O Brasil está na nova locomotiva. Mas, diz Pochmann, deveria ser mais ousado, para encurtar mais a mais depressa a diferença que separa o país do velho “primeiro mundo”.

Por que não aproveita que algumas ações em bolsas mundo afora custam pouco e vira acionista de multinacionais? Participar da tomada de decisões que repercurtem no país é sempre benéfico. Por que não acelera o corte da taxa de juro do Banco Central e reduz o pagamento de juros da dívida pública? Se protegeria melhor dos efeitos de um cenário externo para lá de desalentador.

Nesta entrevista à Carta Maior, além de defender ousadia, Pochmann diz que há uma disputa no governo sobre o tipo de crescimento do país (primário exportador versus tecnológico-industrial), analisa a mudança geográfica no dinamismo econômico global, defende juro real de 2%, faz um balanço do primeiro ano de Dilma Rousseff e aponta os principais desafios do país para 2012. A seguir, a íntegra da entrevista.

Um estudo recente do Ipea diz que desde a crise de 2008 os países em desenvolvimento contribuem mais para o crescimento mundial do que os ricos. Essa é uma situação que veio para ficar ou tem prazo de validade?

Marcio Pochmann: A economia europeia, os Estados Unidos e mesmo o Japão estão se transformando cada vez mais em economias ocas, devido ao deslocamento do seu setor produtivo para outras áreas geográficas do mundo, especialmente a Ásia. É a primeira vez, desde a crise de 1929, que o dinamismo econômico vem sendo protagonizado por países não desenvolvidos. As medidas tomadas pelos países ricos em 2008 foram muito importantes para evitar uma depressão e resolveram, de certa forma, a solvabilidade do setor financeiro. Mas não foram suficientes para dinamizar a economia porque o setor produtivo estava muito comprometido. O que não se verificou nos BRICS [Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul]. Brasil, China e a Índia tomaram medidas que fortaleceram o mercado interno e saíram muito mais fortes. E não tenho dúvida de que continuarão se fortalecendo. A não ser que tenhamos um conflito. Historicamente, o deslocamento do centro dinâmico sempre foi acompanhado ou sucedido de conflitos armados. Até quando Estados Unidos e Europa aceitarão tranquilamente seu esvaziamento econômico, o crescimento do desemprego, a desigualdade de renda?

O senhor acredita em hipótese real de o mundo passar por uma guerra?


Pochmann: Espero que não. Os países desenvolvidos estão diante da seguinte escolha: a decadência ou o declínio. Decadência é a desorganização, a ruptura política. Um dos sinais de decadência é o que ocorreu recentemente nos Estados Unidos na disputa política dos pela ampliação do limite de endividamento. O governo Obama tinha sido autorizado três vezes e de repente não foi. Isso é um constrangimento inimaginável. Decadência é a incapacidade de construir maiorias políticas. É o que estamos vendo na Europa. Crise política aberta, quase uma volta ao colonialismo, a impossibilidade de ter decisões nacionais. A Grécia foi fortemente afetada pelos países da União Europeia porque quis se submeter ao vaticínio popular. Declínio seria aceitar que o padrão de vida do país não vai mais crescer como vinha crescendo. E essa acomodação pode ser feita em termos civilizados. Claro que a decadência dos países ricos contamina os BRICS também, mas o cenário que está aberto para nós não é de decadência nem de declínio, é de crescimento. Não sabemos, no caso brasileiro, para aonde vai esse crescimento. Eu costumo lembrar que o crescimento é possível no vaco ou na fama. Fama é muita fazenda, muita mineração, muita maquiladora, quer dizer, o Brasil vai crescer como cresceu nos quatro séculos passados, como produtor e exportador de produtos primários.

O senhor acha que o Brasil hoje sofre esse problema? Há uma qualidade insuficiente do crescimento? Cresce errado?

Pochmann: Já te respondo. A outra alternativa é o Brasil do vaco, do valor agregado e do conhecimento. Acredito que a novidade do Brasil nessa primeira década do século XXI é a construção de maioria política que tem clareza que o país não pode mais continuar com voo de galinha. O voo de galinha nos fez mal nos anos 80 e 90 e levou a uma regressão econômica e social. Em 1980, o Brasil era a oitava economia do mundo, no ano 2000 era a 13ª, até o México nos superou. No meu modo de ver, há uma maioria em torno de que o Brasil não pode mais repetir os anos 80 e 90. Isso nos deu a possibilidade de construir políticas de compromisso com o crescimento. O que não está claro, é objeto de disputa dentro do governo, é um governo muito amplo, é: qual crescimento? Quando olhamos a taxa de juros e a taxa de câmbio, isso aí é aplauso para o país da fama. Agora, quando você olha o Brasil Maior, uma tentativa de organizar uma política industrial, o Brasil Sem Miséria, a ênfase na educação, a elevação dos gastos na educação, a expansão das bolsas para o exterior, a constituição da Embrapi [Empresa Brasileira de Pesquisa Industrial], essas ações são para o Brasil do vaco.

E quem está ganhado essa disputa dentro do governo, na sua avaliação?

Pochmann: Não temos um balanço, porque o que aconteceu nesse período de expansão não se deu apenas por determinações endógenas, nacionais. Claro que são elas as mais importantes, no entanto, o Brasil se reposiciona no mundo frente a uma perda de influência dos Estados Unidos e um crescimento da China. Em 2000, as exportações brasileiras para a China representavam 2% das nossas. Hoje, se aproximam dos 20%. Os Estados Unidos eram 25%, agora são menos de 15%. Essa inversão, da forma com que foi feita, trouxe impactos do ponto de vista produtivo. Com os Estados Unidos, nossa pauta de exportação era mais rica do que é com a China. Hoje, 50% das exportações são produtos primários para a China. Não é porque a China impõe, foi a maneira que o Brasil encontrou, dentro dos seus constrangimentos, de exportar mais. Nós podemos alterar isso, não dependemos da China.

Aproveitando que senhor falou em balanço. Estamos terminando o primeiro ano do governo Dilma. Do ponto de vista macroeconômico, o que se destaca na sua opinião? Qual é o balanço?


Pochmann: Em primeiro lugar, a busca de uma convergência na condução da política macroeconômica. É uma avaliação da presidenta em relação ao conflito entre a política monetária e fiscal que ocorreu nos dois governos do presidente Lula. Eu percebo uma convergência. Não houve um vencedor, as duas partes reconsideraram, digamos assim. Vejo um ano vitorioso nessa condução, que não contou com o apoio do mercado financeiro, especialmente no período mais recente, em que se alterou a trajetória da taxa de juros. Um segundo aspecto é uma busca de maior racionalidade na gestão do governo. Isso se iniciou com um corte orçamentário, buscando ampliar a eficiência a partir de um orçamento menor e maior interlocução entre os ministérios. Isso não é ainda perceptível e generalizado, mas é possível observar em algumas ações. A principal delas é a integração do governo para reduzir a miséria.

Não houve nenhum ponto negativo?

Pochmann: Numa avaliação ex-post, isso é mais fácil fazer, as medidas tomadas no início do ano se mostraram muito fortes, diante do aprofundamento da crise internacional. No início do ano, era quase um consenso que o Brasil não poderia continuar crescendo ao ritmo de 7,5%, tendo em vista deficiências de investimento. Precisava desacelerar. No entanto, essa medida tomada internamente se associou a um quadro internacional de agravamento e por isso levou a uma mudança nas expecativas de investimentos internos. E isso acelerou a queda da atividade. As medidas do início do ano eram para fazer com que saíssemos de 7,5% para 4,5%, 5% de crescimento. Só que, com a combinação de resultados negativos da crise, a desaceleração foi mais rápida. Se não houvesse alteração no comportamento do juro, se o governo não toma medidas necessárias, acho inclusive que poderia avança algumas mais, nós poderíamos correr o risco de ter um PIB crescendo 2%, 3% este ano e talvez uma estagnação no ano que vem.

O que seria avançar mais?


Pochmann: Do ponto de vista da política fiscal.

Como?


Pochmann: Uma revisão do superávit fiscal para baixo. E na política monetária, poderíamos ter uma desaceleração mais acentuada da taxa de juros.

Até quando o Brasil terá de conviver com superávit primário? Qual seria um patamar razoável de estabilização da dívida a partir do qual o Brasil não precisaria mais fazer superávit primário?


Pochmann: O tamanho da nossa dívida relativamente ao PIB não é um problema, especialmente quando olhamos países ricos muito mais fragilizados. Uma das nossas dificuldades é o perfil da dívida. Um esforço de alongamento dos títulos certamente nos ajudaria muito mais do que o tamanho da dívida. Eu acredito que o superávit fiscal passa a perder importância na medida em que o país tenha um crescimento acima de 5%.

O senhor defendeu reduzir o superávit mas no plano do governo para trazer a taxa de juros para baixo, o superávit tem de ser robusto. Seria então um cálculo exagerado?


Pochmann: Isso é do ponto de vista do discurso, da retórica. Nós fizemos um corte de R$ 50 bilhões no orçamento no inicio do ano, enquanto que a elevação da taxa de juros nos levou a um aumento do gasto financeiro de R$ 35 bi. Cortou-se o gasto operacional de um lado, e de outro se elevou o gasto financeiro com a taxa de juros.

Esses R$ 35 bi são um gasto adicional considerando que recorte de tempo?

Pochmann: Era para o ano todo, se continuasse a trajetória de alta da taxa de juros. Mas vai ser menor, porque o juro está em queda.

Qual seria o nível adequado do juro real no Brasil? Essa é uma discussão que já se impõe, não?


Pochmann: É difícil justificar num país de estabilidade monetária, de contas fiscais relativamente equilibradas, uma taxa de juros real acima de 2% ao ano.

Por que 2% e não 1% ou 3%?

Pochmann: É algo arbitrário, evidentemente. Mas se olharmos um pouco o comportamento da taxa de lucro do setor produtivo brasileiro, as empresas que conseguem ter acima de 2% de lucro real... Na verdade, é um parâmetro. Para que todo setor produtivo possa ter uma rentabilidade superior ao que seria oferecido pela taxa de juros, 2% é um parâmetro razoável. Taxa de lucro acima disso já é muito bem satisfatório.

É um patamar que não desestimula a produção...

Pochmann: É claro que as grandes empresas têm taxas de lucros maiores, mas se você olhar os pequenos...

Esse é um debate que não existe hoje. No último relatório de inflação divulgado pelo Banco Central, o diretor discretamente colocou a questão. Acredita que não há debate porque o 'mercado' não quer? Ou falta o próprio governo colocá-lo?

Pochmann: Evidente que um segmento que convive um longo período com taxas de juros muito altas não tem interesse em uma rentabilidade menor, embora o setor financeiro tenha feito esforços de ampliação de suas taxas de lucros com atividades operacionais, está investindo em tecnologia, já tem clareza também que essse cenário de voo de galinha não pode ser reproduzido. Eu acredito que eles trabalham do ponto de vista interno, mas publicamente não é interessante dizer: “nós aceitamos taxas de juros de tanto”. Porque a taxa de juros não é o resultado de uma decisão técnica-econômica. Evidentemente que os setores que ganham com a taxa de juros pressionam de várias modalidades, assim como o setor produtivo também pressiona.

É uma decisão política...

Pochmann: Existe também uma correlação de forças, de interesse. Alguns criticam que o governo do presidente Lula e mesmo a Dilma poderiam ter reduzido a taxa de juros mais rapidamente... Se você tivesse uma redução dramática, quando o Brasil não podia crescer suficientemente depois de duas décadas de semiestagnação, o que poderia ocorrer? Aquele montão de dinheiro do sistema financeiro vai para onde? Comprar ativos? Aumentariam os preços, teria inflação. Outra alternativa seria esses recursos saírem do Brasil. A escolha do presidente Lula, continuada pela Dilma, foi fazer um movimento coordenado. Você reduz a taxa de juros para limitar os ganhos financeiros e, simultaneamente, cria condições para a transição da liquidez financeira para o setor produtivo. No segundo governo Lula, o governo assumiu o compromisso político com o setor produtivo de fazer o país crescer 5% ao ano. E, com o PAC, disse ao empresário que ele ia ter os elementos necessários para a produção ocorrer, energia, estradas. Esse foi um movimento coordenado.

O que o Brasil terá como grande desafio em 2012?

Pochmann: Antes de falar de desafios. O governo poderia ser um pouco mais ousado. Utilizar a crise como uma grande oportunidade para aquisição de empresas cujos preços estão muito baratos, dada a queda nas bolsas de valores. A Noruega, a China e a Índia já se aproveitaram em 2008, da própria crise, da queda nas bolsas, para adquirir empresas. O Brasil tem um fundo soberano que poderia ser utilizado ao menos uma parte para aquisição de empresas.

Qual por exemplo? Dar o nome acho complicado, mas vamos falar de setor.


Pochmann: Em primeiro lugar, ao contrário da China, da Índia, o setor produtivo brasileiro é muito internacionalizado, você tem quase todas as grandes empresas em operação no Brasil. Alguns dos setores em que somos deficitários poderiam perfeitamente ter uma política mais agressiva de compra de ações. Empresas de transporte, por exemplo. O Brasil é o quinto maior mercado de consumo automobilístico e não tem uma empresa nacional. Nem sei se é o caso de ter. A General Motors estava de joelhos... Os chineses compram empresas, por que você não pode comprar?

Acho que diriam que a China não é um sistema político como é o brasileiro..
.

Pochmann: Mas a Noruega não tem problema? A Índia não tem problema? Utilizaram os fundos soberanos...

Se tornaram controladores ou acionistas minoritários?

Pochmann: Você tem várias modalidades, acionistas, controladores. Veja uma dificuldade nossa. Quando o governo adota uma política de aumentar as exportações, com subsídios, não necessariamente as empresas transnacionais vão aumentar. A decisão de exportar não é tomada internamente, é na matriz. Você precisa ter empresa nacional.

Sim, e os desafios?

Pochmann: O que nós temos de desafio pela frente é preparar o governo para a transição demográfica que estamos vivendo. Transição de redução muito rápida do número de crianças por mulher, a taxa de fecundidade vem caindo muito drasticamente no Brasil, estamos num processo de envelhecimento, isso tem um impacto muito grande na condução da política pública na área social.

O senhor vai chegar até à reforma da Previdência?


Pochmann: O envelhecimento tem a ver, por exemplo, com a postura da saúde. Uma coisa é o gasto quando um país tem muitas crianças e adolescentes, outra coisa são os gastos com pessoas com mais idade, são mais caros, são mais pesquisas que você tem que ter. Daqui a 10 anos, 15 anos, começarão a sobrar escolas. Mas, ao mesmo tempo, temos uma exigência, tendo em vista a transição para a sociedade do conhecimento, de montarmos escolas para a vida toda. As grandes empresas já gastam 1% do PIB com universidades corporativas, para formação e capacitação dos seus trabalhadores ao longo do tempo. Um desafio aqui é montar uma universidade corporativa no setor público. Nós temos que qualificar melhor os servidores públicos, precisamos de um Estado mais eficiente, isso passa pela qualificação do quadro. A Previdência é um dos aspectos da demografia. Um outro desafio é montar uma indústria de defesa.

Por causa da inserção internacional cada vez maior e do pré-sal?


Pochmann: E das nossas fronteiras. O Brasil é segundo país do mundo com maior quantidade de fronteiras. São 15 mil km de fronteiras secas e 5,5 mil km de fronteira marítima. Não temos um sistema de defesa para isso. A nossa dificuldade está mesmo em setores em que nós somos relativamente avançados, como a indústria da aviação. Somos dependentes de tecnologia. Compramos equipamentos dos Estados Unidos que nos impedem de vender para países que eles não têm interesse que a gente venda.

O governo acabou de lançar um plano sobre isso.

Pochmann: Sim, mas isso é um desafio.

Botar de pé e ampliar.

Pochmann: Sim. Nós já fomos melhor nos anos 70 na indústria de defesa. Outro aspecto, e isso não depende só do Brasil, é construir uma moeda regional. O Brasil é muito pequeno para resistir às forças do dinamismo chinês. Se nós quisermos resistir em melhores condições, precisamos fazer aqui um grande arco com os países do sul do continente. Mais um desafio é elaborar um complexo de difusão tecnológica. O Brasil tem só 14% dos jovens entre 18 e 24 anos no ensino superior. Houve um esforço enorme, dobrou o número de alunos matriculados nos últimos dez anos, parabéns, mas isso é muito pouco. O Brasil tinha que chegar a 70% dos seus jovens matriculados no ensino superior. Isso é um esforço gigantesco.

Como se faz isso?

Pochmann: É um projeto, é alocação de recursos. O pré-sal vai colocar recursos, estamos discutindo se é mais para um estado ou para outro, e não estamos discutindo o que fazer com esses recursos. Nós fizemos um estudo que mostrou que municípios e estados que recebem royalties de petróleo não são os que mais avançam socialmente. Essa discussão que está sendo feita agora tem seu interesse evidentemente, é uma disputa de receitas, mas ela é pobre porque não está possibilitando que nós tenhamos, com o uso desse recurso, um país superior. A China quer ter as 50 maiores universidades do mundo, nós queremos ter quantas? O futuro está no conhecimento, é o principal ativo de um país.

Quando o senhor assumiu, houve uma leitura de que o Ipea estava sendo aparelhado e deixaria de ser uma instituição pública para ser estatal. Acha que essa situação foi superada ou ainda há desconfianças?

Pochmann: O Ipea deixou de ser órgão de assessoria do Poder Executivo. Fez acordos de cooperação com a Câmara e o Senado, com o Poder Judiciário, ampliou seu raio de ação. Uma instituição manipulada não teria essa capacidade. O Ipea se transformou também numa instituição de assessoria da sociedade civil. Temos uma quantidade imensa de acordos de cooperação com universidades, instituições de pesquisa, entidades patronais, entidades de trabalhadores, organismos não-governamentais, instituições internacionais. O Ipea se transformou no principal think tank brasileiro. E nunca foi tão produtivo. Tenho viajado muito o Brasil, e é impressionante como a produção do Ipea se tornou recorrente nas universidades, nos sindicatos, nas empresas.

O senhor vai ser candidato a prefeito de Campinas no ano que vem?

Pochmann: Acho que esse é um assunto para se resolver para o próximo ano. Fui surpreendido pela sugestão do presidente Lula, tem muita água para rolar ainda, estou bem aqui no Ipea, mas não deixa de ser uma oportunidade.
 

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Ipea diz que desigualdade caiu 22% e entra na briga contra IDH


Diferença na renda domiciliar recua 22% de 1980 a 2010, segundo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Presidente do Ipea, Marcio Pochmann, reforça críticas do governo e diz que desenvolvimento humano do país medido pela Pnud sofre de falta de transparência e precisa passar por escrutínio. Credibilidade do IDH estaria ameaçada, e Ipea fala em criar índice próprio.

BRASÍLIA – A desigualdade de renda entre as residências brasileiras diminuiu 22% entre 1980 e 2010. Depois de subir 2% na hiperinflacionária e estagnada década de 80, caiu nas duas seguintes – de forma mais acentuada nos anos 90 (19%), quando os preços foram domados pelo plano real, e menos na seguinte (8%), em que baixou à base de crescimento, emprego e programas sociais.

A melhoria na distribuição da renda per capita entre domicílios do país foi calculada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) a partir de dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado em 2010 e divulgado este ano.

Sem ter certeza de que este tipo de avanço, especialmente o mais recente, tenha sido todo captado pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) apontado para o Brasil, o Ipea começa a botar em cheque a credibilidade do relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). E diz estar pronto para produzir um IDH próprio, caso o Pnud não se mostre convincente.

Após a divulgação do IDH 2010, o Ipea procurou o Pnud para dizer que estava desconfiado da nota brasileira, fez críticas metodológicas ao relatório e pediu para conhecer dados e metodologia.

Em resposta, a agência decidiu convidar especialistas para participar de um “grupo de peritos” que acompanharia a preparação do IDH 2011, ao longo do primeiro semestre. O representante brasileiro foi o presidente do Ipea, Marcio Pochmann.

As críticas e desconfianças foram reafirmadas durante o acompanhamento mas, para Pochmann, em vão. Em 2011, o Pnud teria repetido o comportamento merecedor de reparos. O Ipea quer saber com que dados exatamente a ONU trabalha para fechar o IDH - índice que leva em conta expectativa de vida, escolaridade e renda -, como eles são escolhidos e se são consolidados ou projeções.

“Não sabemos se o IDH brasileiro vai melhorar ou piorar, mas precisamos saber como é calculado”, disse Pochmann. “Há uma insatisfação que não é só do Brasil. Há uma preocupação exagerada [do Pnud] com tabelas e não com conteúdo. Do jeito que está, o IDH não pode ser reproduzido por especialistas”, afirmou o economista, que deu entrevista coletiva nesta quinta-feira (10) para apresentar os dados da desigualdade domiciliar e aproveitou para contestar o Pnud.

A ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, que falou em nome do governo sobre o IDH brasileiro – o país está na posição 84, entre 187 países – havia feito as mesmas críticas.

O trabalho do Ipea, sintetizado numa nota técnica, vai subsidiar considerações que outros órgãos federais venham a fazer sobre o assunto, como os ministérios da Saúde e da Educação. Inclusive uma reclamação oficial e por escrito que o ministério das Relações Exteriores, em linguagem diplomática, deve mandar ao escritório central da ONU, em Nova York.

O governo queixa-se do IDH desde a gestão Lula pois acha que as melhorias do país ao longo da última década estariam subdimensionadas no relatório do Pnud. É uma reclamação também de caráter político, já que o resultado pode servir para os adversários do governo criticaram as gestões petistas.

Procurada pela reportagem, a agência da ONU respondeu, por meio de sua assessoria de imprensa no Brasil, que precisa conhecer a nota técnica do Ipea primeiro, antes de se manifestar.

(*) Confira a íntegra da nota técnica "Considerações do IPEA acerca do Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) de 2011, do PNUD"

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Herança neoliberal, políticas recessivas intensificam crise financeira no mundo



Programa neoliberal, que enfraqueceu a capacidade de planejamento dos Estados e fortaleceu o poder dos mercados, cinicamente propõe a sua solução para a crise, baseada em corte de gastos públicos e recessão econômica - apesar de todos os sinais de fracasso dessas políticas. Questão foi discutida no seminário "Neoliberalismo: um colapso inconcluso", promovido pela Carta Maior em São Paulo e que reuniu especialistas para um debate sobre a natureza da crise e como o Brasil poderia agir para ser protagonista de uma nova etapa do concerto de nações.

SÃO PAULO - Dentro do possível, o Brasil está se saindo bem no enfrentamento desta nova etapa da crise financeira global, em 2011. A aposta em uma política econômica anticíclica, novamente empregada agora, é um remédio que já foi testado com sucesso em 2008 e deve evitar uma contaminação mais intensa do ambiente local pelos problemas vividos nos Estados Unidos e na Europa. Mas nada está definido, diante do grau de desconcerto do sistema financeiro e da falta de acordo entre as nações sobre mecanismos de governança global. O disputa ideológica segue intensa. O programa neoliberal, que enfraqueceu a capacidade de planejamento dos Estados e fortaleceu o poder dos mercados, também propõe a sua solução para a crise, baseada em corte de gastos públicos e recessão econômica. É essa a opção da grande mídia brasileira, expressa na opinião de seus colunistas, mas não precisa ser - como não está sendo - a do país.

A análise descrita acima é um dos diagnósticos que podem ser tirados do seminário "Neoliberalismo: um colapso inconcluso", promovido pela Carta Maior nesta segunda-feira (12), em São Paulo, com apoio da PUC-SP. O evento reuniu notórios especialistas em diversas áreas do conhecimento para um debate sobre a natureza da crise atual, os seus desenlaces possíveis, as propostas alternativas para combater o descalabro financeiro e como o Brasil poderia agir para se proteger e se tornar protagonista de uma nova etapa do concerto de nações. O seminário, mediado pelo professor de jornalismo da USP Laurindo Leal Filho, foi transmitido ao vivo pela TV Carta Maior. Participaram:

- Luiz Gonzaga Belluzzo (Unicamp)
- Maryse Farhi (Unicamp)
- Emir Sader (Uerj)
- Samuel Pinheiro Guimarães (Itamaraty)
- Ignacy Sachs (Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais - Paris)
- Ladislau Dowbor (PUC-SP)
- Paulo Kliass (Governo Federal - funcionário de carreira)
- Marcio Pochmann (Ipea)

A singularidade da crise financeira mundial
O primeiro bloco contou com as análises dos economistas Luiz Gonzaga Belluzzo e Maryse Farhi, ambos professores da Unicamp. Em sua intervenção, Belluzzo recuperou o viés liberal que norteou a maior parte da história capitalista. "A regra sempre foi esta, de um capitalismo liberal com desordem financeira e concorrência entre os países. Momentos como aquele após a Segunda Guerra, quando se tentou domesticar o capitalismo, foram exceção", disse ele. O economista lembrou que nas décadas de 50 e 60 a economia dos EUA era bastante regulada, com tabelamento de juro e controle do crédito pela autoridade monetária. Isso garantiu uma "época de ouro", com crescimento econômico e baixa inflação. A história começou a mudar quando as forças políticas que sustentavam esse projeto, entre partidos e sindicatos, perderam força.

A nova conjuntura política avalizou a liberalização econômica e o descontrole sobre a alavancagem das grandes instituições financeiras que geraram a atual crise, sem que a promessa de bonança econômica e mais empregos se concretizasse. Agora, Belluzzo não vê solução para países em crise sem que os bancos assumam parte do prejuízo com um corte da dívida soberana - o que já está sendo discutido no caso da Grécia. O problema é que esses países estão buscando o equilíbrio fiscal e da relação dívida/PIB com políticas recessivas, que intensificam os déficits - mais um item do receituário neoliberal que continua sendo usado.

Diante da persistência da crise, Maryse Farhi acredita que o futuro pode ser ainda pior. Segundo ela, governos europeus já não têm margem para executarem políticas monetária e fiscal a fim de incentivarem suas economias, como o Brasil e outros países em desenvolvimento têm feito. Na verdade, os europeus, desde o início das turbulências, em 2008, já haviam optado por políticas recessivas, com o corte de gastos públicos. "A Alemanha chegou a colocar um teto para a dívida na constituição do país, e Espanha e Inglaterra seguem no mesmo caminho", afirmou. Os EUA, com o presidente Barack Obama, buscaram executar políticas anticíclicas, mas a perda da maioria democrata na Câmara dos Deputados em 2010 dificulta que novos passos sejam dados nessa linha.

Em concordância com Belluzzo, a professora diz que nenhuma das estratégias, nem a norte-americana, nem a européia, deram resultado. "A contração fiscal tem produzido resultados macroeconômicos bastante negativos, porque a arrecadação final caiu, a economia voltou a se desalecerar, os preços dos imóveis continuam em queda e as empresas, apesar de voltarem a lucrar, preferem não investir diante das incertezas", analisou Maryse.

Já a situação brasileira permanece relativamente melhor. Para Belluzzo, o país tem reservas, está numa situação fiscal bem administrada e o mercado interno pode ser mobilizado para evitar a recessão. Além disso, ele acredita que alguns efeitos da crise podem até beneficiar o Brasil, com a estabilização ou até a queda dos preços das commodities e a influência disso no combate à inflação. "A crise pode ser passageira aqui se o governo tiver capacidade de planejamento", disse.

Panorama geopolítico: novos atores e novas agendas
O segundo bloco do seminário teve comentários do professor Ignacy Sachs, da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris, e de Ladislau Dowbor, da PUC-SP, ambos estudiosos do desenvolvimento sustentável. Lembrando que a Rio+20, a conferência da ONU que marcará as duas décadas da ECO-92, ocorrerá no próximo ano, Sachs defendeu que a sociedade contemporânea precisa voltar a "planejar seu futuro", usando dois conceitos, para ele, fundamentais: a pegada ecológica e o trabalho decente. O primeiro, retirado da ecologia, trata-se de um índice que mede o impacto gerado por determinada atividade no ambiente, e o segundo, lançado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), diz respeito à qualificação de vagas de emprego a partir dos direitos que devem ser garantidos ao trabalhador.

"A conferência Rio+20 está chegando e não há tempo hábil para que um grande número de propostas seja construído e negociado, por isso acho que devemos usar essa oportunidade para mapear o caminho, usando aqueles dois conceitos que considero importantes", afirmou Sachs. O professor voltou a apresentar propostas para a superação da crise atual, entre elas a de que o uso de oceanos e do ar por companhias de transporte sejam taxados, um fundo de desenvolvimento seja criado com 1% do PIB dos países ricos e a estrutura global de cooperação técnica passe a ser orientada por biomas, e não pela proximidade geográfica entre as nações.

"Nós temos uma perda sistêmica de governança. Liquidou-se a capacidade de planejamento, não há instrumentos de longo prazo, não há visão sistêmica, não há políticas estruturais", afirmou Ladislau Dowbor, em linha com o pensamento de Sachs. O economista da PUC-SP lembrou que esse "desgoverno global" é responsável pelo caos climático em diversas regiões e a tragédia da fome no globo, que atinge um bilhão de pessoas e 180 milhões de crianças, conforme dados das Nações Unidas.

"Precisamos resgatar a função pública do Estado para que o dinheiro seja utilizado realmente onde há necessidade", criticou. Dowbor lembra que os governos dos países ricos despejaram fortunas de recursos públicos para combater a crise, mas que a "gestão privada desses recursos está gerando um caos". Em defesa da organização local, ele elogiou ações como a da rede Nossa São Paulo e disse que os "5.500 municípios brasileiros" precisam organizar iniciativas próprias com foco na qualidade de vida. "Muitos acham que o poder local é de segunda linha, mas ele é essenciais para resgatar o poder de transformação da sociedade", concluiu.

Desafios e trunfos da América Latina
Diante do cenário de incertezas, caberá aos latino-americanos algum papel protagonista? Essa questão foi apresentada pelos organizadores do seminário ao sociólogo Emir Sader e ao embaixador Samuel Pinheiros Guimarães, alto representante do Mercosul, no terceiro bloco do Seminário Carta Maior.

Apesar de reconhecer que "elementos estruturais do neoliberalismo foram herdados e ainda não superados", Sader aponta que na América Latina há uma "clara tentativa de rompimento com o modelo anterior". Ele cita os governos de Lula no Brasil, Néstor Kirchner e agora, Cristina, na Argentina, José Mujica no Uruguai, Fernando Lugo no Paraguai, Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador e, claro, Hugo Chávez na Venezuela como oportunidades de superação da ditadura financeira no continente.

"A grande dificuldade é que a virada se deu sobre um marco negativo. No caso do Brasil, a herança maldita do governo Fernando Henrique era a fragmentação social, o fim do projeto de desenvolvimento, a desarticulação das condições que permitiram o desenvolvimento anterior, a crise fiscal e a abertura comercial descontrolada", apontou Sader. Tudo isso sustentado por o que o atual presidente do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso) chama de "ditadura da palavra". "É o resultado da concentração da mídia, que, quando baixamos o juro, virou um muro de lamentações", ironizou.

Já o embaixador Guimarães aponta a América Latina como uma tradicional área de influência dos EUA, que continua tentando "incoporar economicamente" os países com tratados bilaterais - casos do Peru e da Colômbia. Esse fator dificultaria o surgimento de projetos autônomos na região. "O que nos salva um pouco é que os governos da América do Sul são de esquerda em sua maioria, preocupados com o desenvolvimento de infra-estrututa, com o desenvolvimento social, com o mercado interno", afirmou. Ele diz que o advento da China como potência hegemômica - "eu não acredito em emergentes, pois só há um, a China" - acrescenta um outro fator de pressão aos latino-americanos, que vendem commodities e compram produtos industrializados dos chineses.

Para o embaixador, a China, mais do que a atual crise financeira, deve se tornar a principal influência externa para os países da região. "E como somos competidores na venda de produtos, como a soja, precisamos de políticas de Estado razoavelmente coordenadas", opinou. Sobre a possibilidade de coordenação financeira regional, tema questionado no seminário, o embaixador vê dificuldades. ¨Todos são latino-americanos, mas a orientação sobre a política monetária é muito diferente em cada país", disse.

O Brasil e os canais de transmissão da crise
O quarto bloco do seminário contou com a presença de Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e do economista Paulo Kliass, funcionário de carreira da administração federal, para uma análise sobre os canais de transmissão da crise global em direção ao Brasil. Crítico do receituário neoliberal, Kliass lembrou que a atual conjuntura revela "que o livre jogo da oferta e da demanda não se mostra como solução para alocar recursos e resolver a crise". Segundo ele, mais regulação é necessária, inclusive com estratégias de controle de capitais.

Para o economista, a partir do segundo mandato do presidente Lula o país passou a usar mecanismos importantes para enfrentar a crise e estimular sua economia, como os aportes do BNDES, medidas de desoneração fiscal e estímulo ao crédito às famílias. "Mas poderia ter avançado mais, como foi o caso da China e da Índia", afirmou. Para Kliass, o Brasil ainda precisa reduzir muito suas taxas de juro, "para estimular a geração de emprego, evitar a entrada de capital financeiro e permitir a recuperação da taxa de câmbio". "A classe média deixará de passar duas férias por ano em Miami, mas é preciso lembrar que por conta dos juros altos o governo transferiu R$ 1,4 trilhão em dez anos para o setor financeiro, quase um PIB brasileiro", criticou.

Em sua exposição, Marcio Pochmann também elogiou o fato de o governo brasileiro estar agindo à crise de modo diferente ao que fazia nas décadas de 80 e 90, "quando o receituário pregava aumento do juro, mais imposto, o não reajuste do salário mínimo, corte de gastos sociais e de investimentos, e privatizações". "A partir de 2008 a proposta foi diferente, com desonerações fiscais importantes, aposta no salário mínimo, o programa de construções habitacionais, os programas sociais, as ações do BNDES", disse ele, com concordância com Kliass.

Apesar disso, Pochmann afirma que projetos ultrapassados, como o que defende que o Brasil se torne uma plataforma global de exportação de produtos primários, ainda encontram eco na sociedade. "É um projeto que aposta na expansão desses setores, mas sem se preocupar com a geração de empregos de qualidade e o atendimento das maiores mazelas do país", disse. Porém, a maioria que defende "o fortalecimento de cadeias produtivas de alto valor agregado e a geração de conhecimento" está no comando e deu sinais de que não aceitará "vôo de galinha", com o recente corte na taxa Selic. "Como em outros momentos da história brasileira, a crise é uma oportunidade para o Brasil mudar suas políticas", analisou o presidente do Ipea.