Em 26 de março passado, o escritório de advocacia Alonso, Freire e Chryssocheris protocolou no Supremo Tribunal Federal petição contendo pedido de interpelação do ministro Gilmar Mendes por ter afirmado, publicamente, que os cidadãos que fizeram doações em dinheiro aos petistas José Genoino, José Dirceu, Delúbio Soares e João Paulo Cunha para fazerem frente às multas que lhes foram impostas pela Ação Penal 470, vulgo julgamento do mensalão, seriam suspeitos de “lavagem de dinheiro”.
Por orientação do escritório de advocacia, este Blog, onde foi feita a campanha para que doadores dos petistas ingressassem na Justiça contra acusação dessa monta, deixou de publicar a petição inicial interposta no STF a fim de só dar informações após a conclusão do primeiro passo do que é, simplesmente, uma luta por Justiça, pois a acusação que os interpelantes sofreram do interpelado lhes causou graves constrangimentos morais e, em alguns casos, até danos materiais, pois sobre eles foi levantada uma grave suspeita diante de parentes, amigos, empregadores, sócios, clientes etc.
Diante de tal gravidade da situação, os signatários da interpelação do ministro Gilmar Mendes somaram-se em 205 pessoas físicas com nome, RG, CPF, profissão, endereço, telefone e procuração assinada para os advogados ingressarem com a ação no STF.
Abaixo, a petição inicial firmada por 205 cidadãos. A fim de preservar os dados dessas pessoas, as 13 páginas em que o nome de cada um deles figura será publicada em formato minimizado. O post prossegue após a petição.
- Número Único: 99580497320141000000
- Identificação da Petição: PI 14008/2014
- Processo AC 3598.
- PET 5.159.
- Relator: Ministro Luiz Fux.
Essas mais de duas centenas de pessoas não foram as primeiras a ingressar com a ação. Logo após as declarações de Gilmar Mendes que motivam toda a questão, o Partido dos Trabalhadores ingressou com pedido de interpelação no STF, mas o ministro-relator sorteado, o ministro Luiz Fux, recusou o recebimento da medida por entender que o PT não seria a vítima das supostas declarações difamatórias do interpelado; as vítimas seriam os doadores.
Semanas depois, uma pessoa de Minas Gerais que doou aos condenados do julgamento do mensalão também interpelou Mendes e, mais uma vez, o ministro Fux negou prosseguimento da ação, agora por entender que, mesmo sendo uma das vítimas, aquela pessoa não teria o que perguntar ao seu acusador, pois suas acusações foram inequívocas e, assim, segundo a interpretação da lei feita por aquele relator, haveria que ingressar diretamente com processo contra Mendes com base no artigo 144 do Código Penal, que trata de crimes contra a honra.
Sorteado pela primeira vez para analisar a interpelação do PT, o ministro Fux ficou com o assunto sob seu escrutínio monocrático, ou seja, tornou-se o “dono” da ação assim como o ministro Joaquim Barbosa tornou-se o “dono” da execução penal exclusivamente dos petistas condenados pelo julgamento do mensalão. Foi Fux, portanto, quem também analisou a interpelação das 205 pessoas que este Blog organizou para interpelarem Mendes.
Parece desnecessário dizer que a sentença de Fux sobre também esse pedido de interpelação foi a mesma dos pedidos anteriores. Confira, abaixo, a decisão de Fux.
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SENTENÇA DO MINISTRO RELATOR LUIZ FUX
PEDIDO DE EXPLICAÇÕES EM JUÍZO (ART. 144 DO CÓDIGO PENAL). AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS AUTORIZADORES PARA A INTERPELAÇÃO JUDICIAL. INEXISTÊNCIA DE DÚVIDAS A SEREM SANADAS POR MEIO DESTE PROCESSO CAUTELAR. PETIÇÃO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.
Decisão: Cuida-se de pedido de explicações em juízo promovido por Airton Miguel de Grande e outros em face de Sua Excelência o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Ferreira Mendes.
O pedido tem por objeto o esclarecimento de declarações realizadas à imprensa no dia 04 de fevereiro de 2014, oportunidade em que o Requerido, segundo os Autores, teria sugerido a prática de suposto crime de lavagem de dinheiro pelo Partido dos Trabalhadores por meio das milionárias doações feitas em favor de diversos réus condenados na AP 470.
Aduzem que o presente pedido de explicações visam esclarecer o exato alcance das declarações do Requerido e a quem se destinou.
Acrescentam, outrossim, que os esclarecimentos poderiam servir de preparação para o ajuizamento de ação penal privada por crimes contra a honra praticados pelo Requerido.
É o relatório. Passo a decidir.
A presente interpelação judicial, conforme narrado, foi proposta por pessoas naturais que realizaram doações em favor de diversos réus condenados na AP 470.
O requerimento solicitando explicações se afigura como medida processual de cariz eminentemente preparatório, constituindo-se, bem por isso, em providência de caráter cautelar destinada ao oferecimento ulterior de ação penal principal relativa a crimes contra a honra (i.e., calúnia, injúria e difamação). Nela, o Requerido é instado a esclarecer o sentido e, especialmente, as intenções, das opiniões por ele manifestadas.
Com efeito, a formulação de interpelação judicial é, justamente, postular a concessão de provimento cautelar de natureza penal, no intuito de esclarecer situações em que exista dubiedade ou equivocidade. Dito de outro modo, o oferecimento de interpelação judicial reclama que, das referências ou opiniões manifestadas pelo Requerido, seja possível inferir o ultraje à honra, objetiva ou subjetiva, dos Requerentes, de sorte a configurar a calúnia, a injúria ou a difamação. Precisamente por isso, os únicos legitimados são as pessoas naturais atingidas concretamente pelas manifestações proferidas.
Impõe-se, destarte, verificar, inicialmente, se a pretensão veiculada pelos Interpelantes preenche (ou não) os pressupostos legitimadores da utilização do pedido de explicações em juízo. E, ao examinar o pedido, amparado na mais abalizada doutrina e a jurisprudência dos Tribunais, assento ser manifestamente incabível tal pleito. É que a interpelação judicial somente pode ser manejada nas hipóteses em que o Interpelante tenha dúvidas acerca do suposto conteúdo ofensivo das palavras prolatadas pelo Interpelado. Em outras palavras, restam ausentes os pressupostos autorizadores da interpelação judicial sempre que inexistirem dúvidas acerca do conteúdo moralmente ofensivo das afirmações questionadas, bem assim nos casos em que não se vislumbra, por parte do Interpelante, incerteza a propósito dos destinatários de tais declarações, aí não terá pertinência nem cabimento. E é exatamente o que in casu ocorre.
Decerto, os próprios Interpelantes, na petição inicial, não possuem quaisquer dúvidas de que o Interpelado lhe maculou a honra, sobretudo quando afirmou categoricamente que “em 04 de fevereiro de 2014, o interpelado (cidadão Gilmar Ferreira Mendes), após uma sessão no STF, deu uma declaração, com evidente cunho político/opositor, sugerindo a potencial ocorrência de crimes de lavagem de dinheiro sem o mínimo de indício probatório para tanto”. Na sequência, e no mesmo sentido, salientaram que “o interpelado expressou publicamente seus pensamentos, sugerindo potencial ocorrência de crimes de ‘lavagem de dinheiro’ e corrupção (crime antecedente), em desacordo com o basilar princípio da presunção de inocência, carecendo de qualquer análise fática e documental em relação à rede de solidariedade para o pagamento das multas. Por fim, destacaram, ainda, que “a declaração do interpelado, amplamente veiculadas por diversos meios de comunicação, sugere a potencial ocorrência de lavagem de dinheiro na rede de solidariedade que arrecadou dinheiro para o pagamento das multas dos condenados José Genoíno, José Dirceu, Delúbio Soares e João Paulo Cunha. (…) Portanto, a declaração, com evidente cunho político, caso não seja esclarecida, tem potencial atributo para configurar o (s) crime (s) de calúnia e/ou difamação”.
Destarte, falece a admissibilidade da presente interpelação, máxime porque os Interpelantes não demonstram dúvidas, tal como se extrai de sua peça vestibular, de que efetivamente ocorreram as ofensas à sua honra e imagem. Daí por que entendo ser inadmissível a presente interpelação judicial com pedido de explicações, na linha da remansosa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, verbis.
EMENTA: INTERPELAÇÃO JUDICIAL. PROCEDIMENTO DE NATUREZA CAUTELAR. MEDIDA PREPARATÓRIA DE AÇÃO PENAL REFERENTE A DELITOS CONTRA A HONRA (CP, ART. 144). PEDIDO DE EXPLICAÇÕES AJUIZADO CONTRA A SENHORA PRESIDENTE DA REPÚBLICA E CONTRA O SENHOR PRESIDENTE DA COMISSÃO DE ÉTICA PÚBLICA DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL LIMITADA, UNICAMENTE, À SENHORA PRESIDENTE DA REPÚBLICA, POR DISPOR DE PRERROGATIVA DE FORO, “RATIONE MUNERIS”, PERANTE ESTA SUPREMA CORTE, NAS INFRAÇÕES PENAIS COMUNS. EXCLUSÃO DO SENHOR PRESIDENTE DA COMISSÃO DE ÉTICA PÚBLICA DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. IMPUTAÇÕES ALEGADAMENTE OFENSIVAS AO PATRIMÔNIO MORAL DO INTERPELANTE. RECONHECIMENTO, POR ELE PRÓPRIO, DE QUE AS AFIRMAÇÕES QUESTIONADAS OFENDERAM-LHE A DIGNIDADE E O DECORO. AUSÊNCIA, EM TAL CONTEXTO, DE DUBIEDADE, EQUIVOCIDADE OU AMBIGUIDADE. CONSEQUENTE INEXISTÊNCIA DE DÚVIDA QUANTO AO CONTEÚDO DE TAIS AFIRMAÇÕES. INVIABILIDADE JURÍDICA DO AJUIZAMENTO DA INTERPELAÇÃO JUDICIAL, POR FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. PEDIDO DE EXPLICAÇÕES A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.
(…)
- O pedido de explicações, admissível em qualquer das modalidades de crimes contra a honra, constitui típica providência de ordem cautelar, sempre facultativa (RT 602/368 – RT 627/365 – RT 752/611 – RTJ 142/816), destinada a aparelhar ação penal principal tendente a sentença condenatória. O interessado, ao formulá-lo, invoca, em juízo, tutela cautelar penal, visando a que se esclareçam situações revestidas de equivocidade, ambiguidade ou dubiedade, a fim de que se viabilize o exercício eventual de ação penal condenatória.
(…)
- Onde não houver dúvida em torno do conteúdo alegadamente ofensivo das afirmações questionadas ou, então, onde inexistir qualquer incerteza a propósito dos destinatários de tais declarações, aí não terá pertinência nem cabimento a interpelação judicial, pois ausentes, em tais hipóteses (como sucede na espécie), os pressupostos necessários à sua adequada utilização. Doutrina. Precedentes.
(…)
Sendo assim, e em face das razões expostas, tenho por inadmissível a presente “interpelação judicial com pedido de explicações”, motivo pelo qual nego-lhe seguimento nesta Suprema Corte. Arquivem-se os presentes autos. Publique-se. Brasília, 21 de fevereiro de 2014. Ministro CELSO DE MELLO Relator (Pet 5146 / DF – DISTRITO FEDERAL PETIÇÃO Relator(a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 21/02/2014 Publicação PROCESSO ELETRÔNICO DJe-041 DIVULG 26/02/2014 PUBLIC 27/02/2014) (Grifamos):
Ex positis, nego seguimento à presente petição de interpelação judicial, ante a ausência dos pressupostos autorizadores para a sua propositura, nos termos do art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
Publique-se. Int..
Brasília, 22 de abril de 2014.
Ministro Luiz Fux
Relator
Documento assinado digitalmente
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Fux negou três tentativas de interpelação de Gilmar Mendes, o acusador dos doadores antes tão verborrágico, mas que, agora, parou de falar. Inclusive nos autos. Foi à mídia, acusou e, quando interpelado, fecha-se em copas. Meses se passaram, a investigação que Mendes pediu ao Ministério Público contra os doadores não teve seu resultado divulgado, o assunto desapareceu da mídia, mas o dano ficou aos acusados.
Todos os que ingressaram com interpelação contra Gilmar Mendes poderiam simplesmente entrar com a ação pelos crimes previstos no artigo 144 do Código Penal, mas é claro que aí haveria um processo bem mais demorado, sujeito à Pauta do STF que quem estabelece é outro ministro cujas opiniões sobre o julgamento do mensalão são extremamente semelhantes às do ministro Gilmar Mendes.
Antes de prosseguir com o processo, portanto, há que recorrer ao Supremo contra a flagrante disposição do ministro Luiz Fux de não permitir que o acusador dos doadores dos condenados do mensalão explique suas antes tão fartas palavras, agora tão escassas. Assim, o escritório de advocacia supracitado acaba de interpor “agravo regimental” contra a decisão do relator do caso.
O agravo levará ao Plenário do Supremo a decisão sobre a aceitação ou não da interpelação de Mendes. Segundo explicações do escritório de advocacia, a decisão poderá ser submetida a uma das duas turmas, compostas por cinco ministros cada, ou até mesmo a todos os ministros conjuntamente, com exceção do interpelado, Gilmar Mendes. O advogado prevê que em uns 60 dias o caso poderá ir a votação no STF.
Se a decisão do colegiado for a mesma de Fux, só restará ingressar com a ação penal contra o ministro, para que prove sua acusação ou se retrate publicamente. Essa decisão, porém, não faz sentido ser tomada agora. Quando chegar a hora, se o Plenário do STF também recusar a aceitação da interpelação, os autores da interpelação terão que decidir se prosseguem com o processo. A opinião deste que escreve é a de que o processo deve ir até o fim.