Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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sexta-feira, 24 de junho de 2011

Crise: déficit maior é de democracia, não de ajuste fiscal


A dimensão sistêmica da crise não é um atributo apenas da esfera econômica, mas argui a capacidade da esquerda de intervir para mudar o rumo da engrenagem em pane, em vez de se comportar apenas como um dente constitutivo da sua mecânica. O capitalismo não se auto-destrói. Assim como não existe autorregulação dos mercados não há auto-imolação do capital. Se as respostas não vierem da esquerda, a direita fará o serviço, como tem feito na periferia européia com mão-de-obra social-democrata.

Por que uma camareira não teve medo de denunciar o dirigente máximo do FMI, mas os partidos e governos vergam diante do Fundo e das imposições dos mercados financeiros?

A pergunta soa irônica. Mas encerra uma cortante ilustração dos dilemas embutidos numa crise em que os mercados financeiros encontram liberdade para pautar as ‘soluções’ - e explicações - para o colapso que criaram, poupando-se de maiores ônus em detrimento da economia e da sociedade.

A pirueta não seria possível sem a rede de segurança que tem sido estendida pelos governantes e legendas de esquerda, colonizados pela capacidade argumentativa das finanças em repetir à exaustão nos últimas quatro décadas: ‘não há alternativa’.

A indiferenciação entre direita e a esquerda no manejo da crise tem sedimentação histórica. O que se vê hoje é a fotografia de corpo inteiro de uma longa captura da social-democracia pelo cânone neoliberal, o que permitiu às finanças desreguladas tornarem-se o eixo ordenador da economia e de todas as instâncias da sociedade.

A comparação entre a coragem da camareira e a submissão aos ditames dos mercados toma emprestado um raciocínio do economista Robert Kuttner, em seu artigo ‘O paradoxo do progresso social e da reação econômica’, publicado por Carta Maior.

O texto de Kuttner chama a atenção para um aspecto pouco explorado do escândalo envolvendo Dominique Strauss Kahn: a questão do poder real subjacente aos protagonistas.

Afinal, como foi que uma camareira do sofisticado Sofitel da Times Square de Nova Iorque, que cobra diárias de US$ 3 mil, teve a coragem de denunciar o então diretor máximo do FMI por abuso sexual?

A resposta, explica Kuttner , remete em boa parte à organização dos conselhos de base que tornaram os trabalhadores da rede de hotéis e motéis de Nova Iorque uma das categorias mais poderosas do país. ‘O sindicato dela é um dos mais fortes sindicatos da América – não é forte por conta dos dirigentes sindicais, mas porque está imerso no local de trabalho”, detalha o economista cujo texto contrasta os avanços acumulados nas últimas décadas na esfera dos costumes e da tolerância e a regressividade econômica.

"Como é que demos passos tão pesados para trás em questões econômicas?", pergunta Kuttner. "Isso se deve ao poder", responde. “Os proprietários da riqueza financeira se tornaram cada vez mais poderosos politicamente; os movimentos que lhes são contrários se tornaram drasticamente enfraquecidos".

A trinca aberta entre a base da sociedade e aqueles que deveriam vocalizar esse conflito , mas, sobretudo, a desorganização dessas bases e a negligência deliberada de muitos partidos em fortalecê-las redundou no divórcio explícito revelado pela atual crise.

Na Europa, a distância entre o sentimento das ruas e o que decidem e implementam governantes e parlamentos atingiu proporções caricatas.

O fosso é proporcional à virulência do que se busca despejar nos ombros da sociedade como condição para a rolagem de empréstimos de bancos e credores. Quando multidões cercam parlamentos e tem seus anseios rechaçados por eles é porque um ciclo da história se esgotou.

Em recente entrevista à Carta Maior, o filósofo Vladimir Safatle, afasta a interpretação algo ingênua de quem vê nessa clivagem uma saturação ‘da forma partido’, supostamente substituída por ferramentas digitais mais ágeis, como o Twiter e o Facebook na expressão do conflito social.

Safatle ressalta que as principais mobilizações de massa que ocorrem nesse momento acontecem, de fato, à margem dos partidos, não raro, a sua revelia. “O que limita seus resultados”, pontua. “Não creio que podemos ‘mudar o mundo sem conquistar o poder’. Quem gosta de ouvir isto são aqueles que continuam no poder. (...) Só se contrapõe ao domínio do mundo financeiro através de um aprofundamento da democracia plebiscitária”, defende na entrevista.

O déficit de democracia emerge, portanto, como o mais importante desequilíbrio revelado pela crise, em contraposição ao poder capilar, estrutural, midiático e institucional acumulado pelo capital financeiro.

Tal hegemonia, explica o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, em textos inéditos de seu novo livro publicados por Carta Maior (“capítulo V, ‘Sistema de Crédito, Capital Fictício e Crise’), não é um acidente de percurso. Trata-se de um desdobramento estrutural da tendência ao mesmo tempo expansionista e concentradora do capitalismo, o que torna a tarefa de contrastá-la um desafio de reposicionamento estratégico da esquerda. A começar pelo seu conceito de democracia, hoje acomodado aos limites do formalismo parlamentar.

A dinâmica que leva à concentração de poder e de capitais em mãos do sistema financeiro --sancionada politicamente pelas medidas desregulatórias da dupla Tatcher /Reagan— gera uma inevitável ‘superprodução’ de capitais fictícios que deu origem à especulação avassaladora seguida da crise atual.

Mais que isso, porém, ela colonizou a agenda política, que cuidou de terceirizar os destinos da economia e da sociedade aos desígnios das finanças, ou à “eficiência ímpar dos mercados autorreguláveis para alocar recursos e gerar resultados, com maior eficiência e menor custo”.

Apenas um governo parece ter entendido a saturação desse processo ao devolver ao poder plebiscitário da sociedade as decisões relativas à superação da crise financeira. “Somos uma democracia, não um sistema financeiro” , disse o presidente da pequena Islândia, Ólafur Grímsson.

Ser uma democracia, não uma subseção do sistema financeiro, ou uma ‘democracia real’ como pedem as multidões em Portugal, Espanha e Grécia, em pleno apogeu do capital financeiro, não é tarefa que se improvise.

O crepúsculo ideológico do neoliberalismo acentuado pelos desdobramentos da crise, ainda não foi suficiente para reduzir a distância entre o poder dos blindados financeiros e os tímidos ensaios de democracia participativa. Imaginar que isso poderá ser feito à margem de estruturas organizativas, a exemplo de partidos políticos enraizados em instâncias democráticas, não parece ser uma escolha acertada à luz do jogo bruto em curso.

Jogá-lo para valer implica a construção de linhas de passagem que exigem direção, coordenação e profunda capilaridade social.

Em entrevista a um programa de televisão brasileira em 2002, o filósofo István Mészàros, de insuspeita radicalidade analítica, antecipava que o desafio enfrentado pela esquerda na atualidade não é ‘simplesmente vencer um bando de capitalistas” e substituí-lo por outro grupo capturado pela mesma lógica dos mercados.

“Sem estratégia não se pode ter tática”, discorreu Mészàros:

“Sem uma perspectiva estratégica desses problemas você não pode ter soluções do dia-a-dia... eles não podem ser simplesmente tratados no nível de um artigo que apenas relata o que está acontecendo(...) No lugar disso, deve ser apresentada uma perspectiva histórica. Marx argumenta que os capitalistas são simplesmente personificações do capital. Não são agentes livres; estão executando imperativos do sistema. Então, o problema da humanidade não é simplesmente vencer um bando de capitalistas. Pôr simplesmente um tipo de personificação do capital no lugar do outro levaria ao mesmo desastre; cedo ou tarde terminaríamos com a restauração do capitalismo. Os problemas que a sociedade está enfrentando não surgiram apenas nos últimos anos. A única solução possível é a reprodução social com base no controle dos produtores. Essa sempre foi a idéia do socialismo”.

“Precisamos”, emenda Vladimir Safatle, na mesma direção, na entrevista à Carta Maior, "(construir) um discurso de esquerda alternativo que esteja em circulação no momento em que as possibilidades de ascensão social (da chamada classe C) baterem no teto”.

Naturalmente, Safatle condensa na palavra ‘discurso’ o sentido amplo da práxis política. O que inclui a mobilização organizativa capaz de revitalizar as fronteiras da democracia e do socialismo para além dos limites embolorados dos nossos dias.

A dimensão sistêmica da crise, portanto, não é um atributo apenas da esfera econômica, mas argui a capacidade da esquerda de intervir para mudar o rumo da engrenagem em pane, em vez de se comportar apenas como um dente constitutivo da sua mecânica.

O que se assiste por enquanto é a degradante marcha em sentido contrário. Cada passo hesitante que governantes supostamente progressistas dão para impedir que a crise se espalhe é mais um passo que pavimenta o seu avanço. O fatalismo construído ao longo de décadas de recuos e concessões aos mercados e a seus dogmas, e o correspondente desarmamento organizativo que se seguiu, explicam a sobrevida de um hegemonia neoliberal em frangalhos.

O capitalismo não se auto-destrói. Assim como não existe autorregulação dos mercados não há auto-imolação do capital. Se as respostas não vierem da esquerda, a direita fará o serviço, como tem feito na periferia européia com mão-de-obra social-democrata.

Na crise de 29, quando a Bolsa de Nova Iorque derreteu e o desemprego atingiu um em cada quatro norte-americanos (em 1933 a taxa de desemprego foi de 24,9%), a relação de forças existente no mundo era bem distinta da atual.

Doze anos antes uma revolução operária havia instalado o primeiro governo revolucionário numa das maiores nações do planeta. A Alemanha atingida pela confluência entre a crise internacional e as reparações da Primeira Guerra, também viu eclodir um poderoso movimento socialista que quase tomou o poder. Seu fracasso levou à ascensão do nazismo.

Desempregados e veteranos da Primeira Guerra Mundial ergueram uma favela na principal avenida de Washington. Enfrentaram o Exército quando o governo tentou removê-los. Famílias famintas, desempregados rurais e urbanos entraram em conflito com as forças da ordem em vários outros pontos do país. Entre 1929 e 1933, o PIB dos EUA recuou 27%. Nove mil bancos quebraram. A taxa de desemprego só retornaria a um dígito com o esforço de mobilização provocado pela Segunda Guerra, em 1941. Foi um tempo de miséria e desmonte econômico. Mas simultaneamente havia um vigoroso movimento de organização social , com expansão do sindicalismo e das idéias socialistas no mundo.

Foi essa relação de forças que impôs uma solução heterodoxa para a crise de 29, que hoje assumiria ares de uma revolução. O New Deal estabeleceu uma dura regulação estatal dos mercados financeiros, abriu frentes de trabalho, multiplicou direitos operários, incentivou a sindicalização em massa, criou bônus de alimentos, financiamento de moradias e investimento público maciço em infra-estrutura. É a ausência dessa mesma correlação de forças e de estrutura organizativas correspondentes que fazem de Obama um simulacro risível do democrata Franklin Roosevelt que governou o país nos anos 30. Em contrapartida, é a existência desse contraponto organizativo que, segundo o perspicaz ponto de vista de Robert Kuttner, explica por que uma camareira do Sofitel de Nova Iorque não teve medo de denunciar o dirigente máximo do FMI, enquanto partidos e governantes servem obsequiosamente às imposições dos mercados financeiros. O jogo, portanto, é muito claro. Trata-se de saber se os partidos de esquerda pretendem jogá-lo ou perder por WO.

A crise da "sociedade de mercado"


A ficção da “sociedade de mercado” autorregulada que desmorona agora na Grécia, na Espanha e em outros países europeus, é resultado de um processo que vem de vários anos. Talvez suas primeiras manifestações tenham surgido nas periferias do sistema capitalista. Neste sentido, o ciclo de protestos sociais latino-americanos que deu lugar a um conjunto de governos progressistas já indicava esse desmoronamento. Não é causalidade, então, que seja no Chile – na contramão destes governos e dos processos que os forjaram – onde também se repete o descontentamento que se vê na Europa, a partir de um rígido esquema universitário exclusivamente orientado à figura de um consumidor privilegiado. O artigo é de Amílcar Salas Oroño.

I

A particularidade da “sociedade de mercado” que se difundiu com extrema rapidez do século XIX em diante, dos centros às periferias, recebe um novo embate, variado, inconcluso, popular, desde regiões muito distintas. Há algo da “promessa” do ideário liberal que, como ocorreu na Segunda Guerra Mundial, parece estar desvanecendo-se no ar: suas instituições fundamentais atravessam uma fase de muito desprestígio, o que antecipa um próximo período de rearranjos organizacionais, culturais e ideológicos de diversas magnitudes, sem que possa especular-se ainda sobre seus tempos de desenvolvimento nem sobre suas direções. Mas pela cadeia de respostas e “indignações” que se manifestam diariamente neste novo ciclo de crise capitalista pode afirmar-se, retomando K. Polanyi, que uma (nova) Grande Transformação está ocorrendo de maneira cada vez mais explícita: a pretensão da autorregulação pressuposta em uma “sociedade de mercado” perdeu novamente sua força retórica moralizante e estruturadora dos comportamentos. O que está se reclamando de diferentes formas é, no fundo, que a sociedade não fique como refém exclusivo do mercado, ou seja, que exista alguma forma de “intervenção social” sobre o mesmo, de regulação, com a variedade de opções e contradições que supõe um pedido desta natureza; em resumo, a sociedade antes que o mercado, e não o contrário.

II

O fim da primeira versão do padrão ouro internacional constituiu um momento chave na história do capitalismo, distinguindo duas épocas: representou um freio ao liberalismo (econômico) como modelo civilizatório, com sua variada edificação conceitual de ideologias conexas e instituições, dando lugar a uma transformação radical nas ideias sobre os destinos coletivos, inclusive deixando espaço de atuação para aquelas opções que terminaram por constituir um dos capítulos mais dolorosos da história do homem em sociedade.

No entanto, por processos históricos superpostos e derivados daquelas mudanças, após as modificações nos padrões de transação monetária dos anos 70 e a internacionalização das forças produtivas, acoplados à gravitação crescente dos circuitos de valorização financeira, um (novo) liberalismo conseguiu se reposicionar como modelo de sociedade, em paralelo com a hegemonia estadunidense. Agora, esse mesmo (neo)liberalismo que foi se desenvolvendo desde então como discurso e prática econômica se desenhou ideologicamente sobre uma similar pretensão de “sociedade de mercado” autorregulada, com o acréscimo de que, pelas complexidades das circunstâncias, essa mesma pretensão devia ser equalizada por meio de alguns organismos supranacionais chave – FMI, Banco Mundial, Banco Central Europeu, entre outros – que dariam curso e projeção ao próprio “equilíbrio natural”.

Como aquele, agora é este neoliberalismo que está sob suspeita, sobretudo a partir da crise do capital financeiro (2008) que colocou a maioria dos países centrais diante da impossibilidade de, por um lado, reestabelecer uma dinâmica de acumulação que reverta a situação de default generalizado e, por outro controlar as derivas da própria especulação financeira que, longe de ter se moderado, espalha-se para múltiplos segmentos – como as commodities alimentares, questão que pode tornar o panorama global ainda menos auspicioso.

III

O que hoje se ativa em distintas partes do mundo é, como nos anos 30 do século XX, uma crítica profunda ao liberalismo, agora neoliberalismo. Evidentemente não se expressa de uma forma orgânica nem homogênea, o que debilita em certa medida a ressonância de questionamentos comuns feitos em diferentes tempos, espaços e idiomas. Mas no centro das críticas populares, massivas, desordenadas, estão quase os mesmos elementos de antanho, com suas novas roupagens: em grandes traços e segundo as idiossincrasias de cada território, os protestos se dirigem contra as limitações das fórmulas representativas do Estado – ao fim das contas, a garantia de que as engrenagens sociais mantenham os privilégios – e as incapacidades derivadas para exercer a administração, e também contra a vacuidade na qual caiu a ficção liberal do consumo e do progresso individual, que espatifou contra a materialidade das realidades.

Uma crise econômica e substantivamente ideológica, de sentido, que não anula o sistema de um instante para outro, muito pelo contrário, mas que afeta a legitimidade e a autoridade de suas instituições no médio e longo prazo, questão não menor no que diz respeito à reprodução de uma determinada ordem social. Se agora, esta ficção da “sociedade de mercado” autorregulada se fratura na Grécia e na Espanha, esse movimento é resultado de um processo que vem de vários anos e de outros países. Talvez suas primeiras manifestações tenham surgido nas periferias; neste sentido, o ciclo de protestos sociais latino-americanos que deu lugar a certos governos progressistas deve somar-se a essa lista. Não é causalidade, então, que seja no Chile – na contramão destes governos e dos processos que os forjaram – onde também se replica o atual descontentamento, a partir de um rígido esquema universitário exclusivamente orientado à figura de um consumidor privilegiado.

IV

Como socialização política, o liberalismo/neoliberalismo volta a colapsar; como modelo organizador da sociedade volta a evidenciar sua incapacidade de modo contundente. Nisso consiste, a atual crise do capitalismo: a sucessão de “indignados” não faz mais do que exibir o fracasso de sua proposta civilizatória, a inconsistência de seus princípios, a contradição de suas instituições. A pretensão autorregulatória neoliberal se desmancha dia após dia, do mesmo modo que suas “promessas”. Resulta fundamental que as demandas de intervenção e regulação desta crise não se resolvam autoritariamente como no século passado, uma tendência latente se se leva em conta os triunfos das direitas políticas em boa parte dos países europeus.

Neste sentido, certas medidas políticas definidas por alguns governos latino-americanos parecem estar à altura das circunstâncias, o que é inclusive, admitido por acadêmicos estadunidenses e europeus. Não é pouco, levando em conta o tradicional lugar que foi outorgado à região.

(*) Professor do Instituto de Estudos da América Latina e Caribe, da Universidade de Buenos Aires.

Tradução: Katarina Peixoto

FMI: MISÉRIA INTELECTUAL DA ORTODOXIA


Um conjunto de documentos recém-publicados por uma auditoria independente ajuda a entender por que o FMI falhou na sua missão de alertar com antecedência para os desequilíbrios que levaram à recente crise mundial. O problema não é apenas que o FMI defendeu políticas inadequadas, como a desregulamentação financeira indiscriminada e a abertura das contas de capitais a qualquer custo, mas principalmente a falta de capacidade para refletir sobre realidades econômicas que fogem do manual. O Escritório de Avaliação Independente (IEO, na sigla e inglês) chegou a essa conclusão depois de analisar 6,5 mil trabalhos de pesquisa econômica publicados pelo FMI nos últimos dez anos, justamente a ante-sala da crise mundial. Pior: 62% dos economistas do Fundo afirmaram que se sentem pressionados a alinhar as conclusões de suas pesquisas econômicas ao pensamento dominante no FMI. Hoje, 60% dos cargos de chefia no FMI são ocupados por profissionais de países anglo-saxões. Nada menos de 63% dos economistas obtiveram doutorado em universidades americanas.  Entre as grandes economias emergentes, 57% consideram que as pesquisas são feitas para reiterar um conjunto pré-definido de prescrições, sem espaço para visões alternativas ( com informações Valor; 24-06) 

(Carta Maior; 6º feira,24/06/ 2011)

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Presidenta se fortalece com lei da mídia

Infelizmente, a notícia não é sobre a presidenta brasileira, mas sobre a argentina. Cristina Fernández de Kirchner disparou nas pesquisas eleitorais para presidente da República Argentina. A eleição será em 23 de outubro próximo.
Segundo as sondagens, Cristina tem entre 45% e 55% das intenções de voto contra médias de 15% do deputado oposicionista Ricardo Alfonsín, filho do ex-presidente Raul Alfonsín, e de 7% do ex-presidente Eduardo Duhalde.
Quem acreditou nos noticiários brasileiro e argentino emitidos até o ano passado, certamente não entendeu esses números. O que vinha sendo dito por aqui era que Cristina estava desmoralizada politicamente por divergir da Santa Mídia.
A organização patronal brasileira ANJ recentemente premiou o grupo argentino Clárin em cerimônia pomposa em território nacional. Um ato político em que o monopólio argentino nas comunicações foi tratado como grande líder na luta que a direita latino-americana diz travar pela “liberdade de imprensa”.
Após a crise entre Cristina e o agronegócio em 2008, o grupo Clarín – que, com a nova “ley de médios”, se vê ameaçado de perder um controle sobre as comunicações que pode chegar a 70% do mercado – criou um clima político amplamente desfavorável para o governismo.
A máquina de comunicação da família De Noble passou a agir em relação a Cristina de forma ainda mais virulenta do que aquela com que a Globo agiu em relação a Lula durante os oito anos do seu mandato.
Este blogueiro mesmo, durante a viagem a Buenos Aires no fim do ano passado ficou impressionado com o clima político na Argentina e com o descontrole da inflação. Aquele país, porém, antecipava o que ocorreria aqui.
Montado em um crescimento econômico da ordem de 9% ao ano, em média, o país vizinho sofreu uma explosão de consumo tão ou mais intensa do que a que se vê no Brasil, o que levou a uma escalada de preços que, agora, com medidas econômicas análogas às brasileiras começa a refluir.
Todavia, não se pode desprezar o papel da “ley de médios” no fortalecimento político de Cristina. A desconcentração do monopólio do Grupo Clarín é um dos fatores que contribuíram para a popularidade da presidenta argentina.
O governo da Argentina já abriu licitação para 12 emissoras de televisão em Buenos Aires e várias outras no interior. A administração federal utiliza a polêmica Lei de Mídia, aprovada no final de 2009, que tem princípios básicos no que diz respeito à produção e veiculação audiovisual.
Com o fim de impedir a formação de monopólios e oligopólios, a lei põe limites à concentração de canais de rádio e televisão, estabelecendo tetos para a quantidade de licenças e por tipo de meio de comunicação.
Um mesmo concessionário só pode ter uma licença de comunicação audiovisual por satélite, até 10 sinais de televisão aberta ou por cabo e até 24 licenças de radiodifusão por assinatura. E a nenhum operador se permitirá que tenha mais do que 35% de audiência.
Quem tiver uma tevê aberta numa cidade, não poderá ter ali também uma tevê a cabo. Além disso, as companhias de telefonia estão proibidas de oferecer serviços de tevê a cabo ou aberta.
Outro ponto importante da lei determina que os proprietários de meios de comunicação terão que ser oriundos do setor e não poderão ter sido integrantes de governos dos níveis federal, estadual e municipal ou mesmo do poder legislativo.
Finalmente, o capital estrangeiro não pode ter mais de 30% das ações de nenhum meio de comunicação argentino e as licenças dos concessionários de tevês e rádios expiram dez anos após a concessão, e o processo de renovação da licença se tornou mais exigente.
Há muito mais. A lei argentina para o setor de comunicação foi amplamente fundamentada na legislação internacional e conta com amplo apoio até das Nações Unidas, via Unesco. E a prova de que está obedecendo ao Estado de Direito está nos questionamentos que o grupo Clarín está fazendo na Justiça.
Aliás, vale dizer que o grupo de comunicação da família De Noble vem obtendo vitórias em instâncias inferiores da Justiça, usando seu poder de pressão sobre essas instâncias similar ao que a direita midiática detém no Judiciário paulista, por exemplo. Todavia, nas instâncias superiores isso será revertido…
As direitas midiáticas brasileira e argentina andam dizendo que Cristina, de repente, tornou-se popular em seu país exclusivamente por conta da morte de seu marido. Foi de repente porque, até há pouco, diziam que ela era odiada por seu povo.
O fato é que a lei de mídia ajudou muito Cristina a enfrentar o bombardeio midiático. Mas a presidenta argentina também se ajudou. Jamais se calou diante dos escândalos pré-fabricados. Mas foi a lei do setor de comunicações que mais agradou aos argentinos.
Cristina está licitando uma dúzia de canais de televisão e, agora, o povo não tem mais que comprar assinaturas de tevê a cabo para assistir ao próprio campeonato de futebol, comprado pelo governo e difundido de graça na rede pública de televisão.
O apoio à lei da mídia, na Argentina, chega a 80% da população. A lei foi implementada através de ampla campanha publicitária no rádio e na tevê que explicou didaticamente os malefícios de a propriedade de meios de comunicação ser concentrada nas mãos de uma única família.
Se Cristina tivesse se acovardado, sobretudo depois da morte do marido, a Argentina não estaria dando a volta por cima na economia e a própria presidenta não teria se fortalecido tanto politicamente. Para lograr tudo isso, porém, foi preciso muita coragem.
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O vídeo abaixo pode dar uma idéia ao leitor do amplo debate que a Argentina travou durante o processo que desembocou na aprovação da lei de regulação das comunicações no país. Apesar de estar em espanhol, vale a pena assistir. Qualquer semelhança com o debate brasileiro não é mera coincidência.

O insensato coração de madame


Chega a ser difícil eleger o adjetivo mais adequado para a forma como a grande imprensa trata a blogosfera em detrimento das demais redes sociais. Pode-se discordar dos blogs, mas não há mais quem lhes subestime a importância. Sobretudo depois do último fim de semana…
Esse setor da imprensa – que não é só a corporativa –, porém, trata os blogueiros com um misto de arrogância, desconfiança e medo, sem falar nos golpes baixos como, por exemplo, o de lhes fazer acusações veladas indiscriminadamente e sem maiores detalhes.
Poderia ser qualquer um desses colunistas da grande imprensa de São Paulo e do Rio, a ilustrar este texto. Neste caso, trata-se de alguém que sofreu impressionante metamorfose após a chegada de Lula ao poder. A personagem é Eliane Cantanhêde, da Folha de São Paulo.
Este blogueiro tem um computador velho e quebrado que guarda dentro de si trocas de e-mails que manteve com Eliane entre 2000 e 2001 e que mostram que a colunista da Folha pensava bem diferente sobre a imprensa. Um dia desses, essas mensagens serão recuperadas.
Enquanto isso, é importante abordar ataque que os blogueiros que se reuniram em Brasília com o ex-presidente Lula no último fim de semana sofreram dessa colunista na edição da Folha desta terça-feira. Abaixo, o texto:
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FOLHA DE SÃO PAULO
21 de junho de 2011
ELIANE CANTANHÊDE
Não fosse a imprensa…
BRASÍLIA - Quem descobriu que o poderoso Palocci havia multiplicado seu patrimônio por 20 em quatro anos e acabara de comprar um apartamento pela bagatela de R$ 6,6 milhões foi a imprensa: os repórteres Andreza Matais e José Ernesto Credendio, da Folha.
Quem acrescentou que Palocci ganhara R$ 20 milhões no ano eleitoral e que metade disso foi quando já era chefe da transição e virtual homem forte do governo Dilma foi a imprensa: a repórter Catia Seabra, da mesma Folha.
Quem alertou para os riscos de libertinagem orçamentária com o tal RDC (Regime Diferenciado de Contratações) para a Copa e a Olimpíada foi a imprensa.
Quem também identificou um contrabando que vincula a transparência dos contratos à “conveniência do Executivo” foi a… imprensa. Ou seja: estão afrouxando as regras das licitações e do fluxo do dinheiro público para a iniciativa privada e mantendo tudo bem escondidinho do distinto público pagante.
De Sarney, sobre o RDC: “Nós devemos encontrar uma maneira de retirar esse artigo, uma vez que ele dá margem inevitavelmente a que se levante muitas dúvidas sobre os orçamentos da Copa”. Palavras dele, hein, gente?!
E, enfim, quem mostrou o recuo na questão do sigilo eterno de documentos públicos foi a imprensa, o que colocou o governo numa gangorra, para cima e para baixo, sem encontrar o equilíbrio entre o que a pessoa física Dilma pensa e o que a pessoa pública Dilma precisa fazer.
É por isso que Lula se encontra com os tais “blogueiros independentes” (sic, porque muitos são, mas nem todos…) e desanda a falar em controle da imprensa. Nem se tocou aqui em mensalão…
Some-se o silêncio da imprensa ao sigilo do patrimônio de autoridades, ao sigilo dos documentos oficiais e ao sigilo dos contratos e gastos da Copa e da Olimpíada e tem-se o ambiente perfeito para… ah! você sabe. É como o diabo gosta.
elianec@uol.com.br
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Abstenhamo-nos de considerações sobre a pessoa Eliane Cantanhêde. Ela não importa. O que importa é o que diz, pois integra um mantra que seus colegas de Folhas, Vejas, Estadões e Globos repetem em uníssono e que mostra a importância da blogosfera progressista.
Em primeiro lugar, há que ter em mente que ninguém chuta cachorro morto. Os ataques ao II Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas só mostram que a blogosfera vai sendo levada cada vez mais a sério pela imprensa corporativa e conservadora.
A autocongratulação do texto de Eliane mostra como essa imprensa perdeu a conexão com a realidade a um ponto em que já confessa abertamente o seu partidarismo político enquanto distribui acusações veladas e sem dar nomes aos bois.
Ao enumerar os feitos denuncistas da imprensa em que trabalha, Eliane não teve o cuidado de elencar ao menos um que atingisse a oposição onde ela é situação, ou seja, nos Estados. Provavelmente, porque não existe.
No caso da Folha, a omissão em fiscalizar o governo do Estado em que está sediada é mais escandalosa. Uma centena de CPIs paradas na Assembléia Legislativa paulista, escândalos e mais escândalos sendo investigados na Justiça e esse jornal dificilmente noticia alguma coisa.
Talvez o maior escândalo na administração paulista, atualmente, seja o das obras de desassoreamento do Rio Tietê, que o grupo Folha até chegou a divulgar rapidamente na internet – durou um dia, o noticiário –, mas omitiu em sua edição impressa.
Eliane não quer que Lula prestigie os blogueiros porque “a imprensa” em que trabalha levanta escândalos só contra o lado do ex-presidente? É isso o que essa senhora cobra em sua coluna supra reproduzida?
Que tipo de jornalismo faz insinuação tão barata de que alguns blogueiros dependem do governo Dilma? Quem são os “dependentes”? Ela se referiu à Comissão Organizadora do Encontro dos blogueiros ou às centenas deles que integram o movimento?
A imprensa de Eliane precisa aprender com os blogueiros a aceitar críticas. Aliás, já que tantos jornalistas da Folha acessam este blog, poderiam tentar aprender com o seu signatário a encarar as críticas com naturalidade.
Nos comentários deste blog há ataques ferozes a ele. No Encontro de Blogueiros do fim de semana, alguém que não gostou do que leu aqui levou cartazes detratando este blogueiro, que, como parte da Comissão Organizadora do evento, defendeu que não fossem retirados.
A imprensa que Eliane representa não consegue conviver com críticas. Qualquer objeção que se faça ao seu trabalho é tratada como ímpeto censor, apesar de que o que se quer é o direito de ocupar espaços para dar ao público o lado da moeda que essa imprensa esconde.
O que o leitor está vendo nesta crônica, pois, é o insensato coração de madame imprensa.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Estudo diz que Lula superou FHC e reconhece herança maldita



Colunistas da grande imprensa andaram compondo odes ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (18 de junho de 1931) por conta da comemoração dos seus bem vividos oitenta anos. Alguns textos foram constrangedoramente bajuladores. Esses mesmos colunistas, porém, tratam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com desdém e ironia.
É hora de colocar os pingos nos is. Os colunistas da imprensa ubilicalmente ligada ao projeto de poder do PSDB – ou de seus caciques de cocares mais empenados – podem fazer as suas escolhas políticas, mas precisam parar de mentir ao negarem que o governo Lula foi melhor do que o de FHC e que este legou àquele uma herança maldita.
Para comprovar o que digo, valer-me-ei de fonte desses colunistas. No caso, a fonte é de uso do colunista de O Globo – e mais novo “imortal” da Academia Brasileira de Letras – Merval Pereira, que assina hoje (22/6), naquele jornal, artigo em que dá conta de Estudo institulado “Redução da desigualdade da renda no governo Lula — Análise comparativa”, do professor Reinaldo Gonçalves, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Como faz, ininterruptamente, há anos, o colunista de O Globo se vale de parte daquele estudo para induzir o leitor a acreditar em premissas de um dos dois estudos de que trata este artigo que mostrariam que não houve nenhuma grande distribuição de renda durante o governo Lula e que a que ocorreu teria feito parte de um processo mundial em que o governo anterior “surfou”.
Eis o que interessa do artigo “Desigualdade persiste”, de Merval Pereira:
(…) O Brasil experimenta melhora apenas marginal na sua posição no ranking mundial dos países com maior grau de desigualdade, entre meados da última década do século XX e meados da primeira década do século XXI, já que sai da 4ª posição no ranking mundial dos países mais desiguais para a 5ª posição.
No conjunto dos países que mostram melhores resultados quanto à redução da desigualdade, o Brasil ocupa a 3ª posição, atrás da Venezuela (projeto de orientação socialista) e do Peru (projeto liberal), o que demonstra que os programas sociais não encontraram barreiras ideológicas à sua execução (…)
Merval, como de costume, conta parte da história. Para julgar por si mesmo, o leitor que se sentir preparado para julgar um texto acadêmico complexo, poderá lê-lo clicando aqui. O texto, porém, incorre em um erro básico: ignora os resultados sociais obtidos pelo governo Lula, apesar de reconhecer que a comparação dos resultados tem que obedecer às condições objetivas de cada governo.
Mas, de fato, a conclusão do estudo usado por Merval Pereira é a de que tanto o governo FHC quanto o governo Lula foram fracos em termos de crescimento econômico, o que fez com que a redução da concentração de renda tenha tido desempenho insuficiente nos governos dos dois ex-presidentes, ainda que com larga vantagem para Lula.
O uso desse estudo por um dos que mais se derramaram em declarações de amor pelo ex-presidente tucano por si só derruba qualquer contestação a outro estudo do mesmo acadêmico da UFRJ que produz algumas conclusões que esses colunistas negam reiteradamente, como as de que o governo Lula foi melhor do que o de FHC e de que este legou àquele uma legítima herança maldita.
O estudo “Análise Comparativa do governo Lula – resultados e metodologia”, de autoria do mesmo professor Reinaldo Gonçalves e divulgado em 28 de abril de 2010, não alivia para governo nenhum. Mas, quando chega na comparação entre os governos FHC e Lula, tem que reconhecer que, apesar dos resultados insuficientes dos dois, o de Lula foi melhor. E que poderia ter sido melhor se não fosse a herança que recebeu.
Eis a comparação pura e simples dos dois governos no ranking dos que melhores resultados obtiveram:
(…) O governo FHC ocupa a 28ª posição e o governo Lula a 23ª posição em um conjunto de 29 governos. Vale notar que o governo FHC é o segundo pior da história republicana (só perde para o governo Collor). No conjunto de 6 indicadores o governo Lula tem melhor desempenho que o governo FHC em 5 indicadores (…)
(…) Em defesa do governo Lula pode-se argumentar que parte expressiva do seufraco desempenho decorre da “herança negativa” do governo FHC derivada, principalmente, do desequilíbrio das finanças públicas (…)
A íntegra do estudo que este blog contrapõe ao estudo usado por Merval Pereira pode ser lida aqui.
Como já disse, nenhum dos dois estudos pega leve com governo nenhum. Aliás, ambos são injustamente duros com o governo Lula porque desconhecem um fator crucial, os resultados tanto da distribuição de renda quanto da redução da pobreza ou do crescimento exponencial da influência do Brasil no cenário internacional são solenemente ignorados.
Contrapondo-se os dois estudos com os dados do IBGE, vê-se que, apesar de a redução da desigualdade ter sido apenas mediana em relação ao mundo, dentro da realidade brasileira foi a maior ocorrida nos últimos cinqüenta anos, conforme pode ser constatado no artigo IBGE explica por que a elite odeia Lula, publicado neste blog no mês passado. Jamais houve distribuição de renda igual no período que vai de 1960 a 2010.
Além disso, há que se levar em conta a conjuntura mundial durante a era Lula. FHC recebeu um país com a economia arrumada, ainda que ele tenha sido o responsável por essa arrumação ao fim do governo Itamar Franco, enquanto que Lula recebeu um país altamente fragilizado, sabotado incessantemente pela grande mídia e pela oposição e que enfrentou a maior crise econômica mundial dos últimos oitenta anos.
De qualquer forma, se a coalizão político-midiática que Merval Pereira integra quer usar os dados do professor Reinaldo Gonçalves, certamente tem que endossar as conclusões dele de que o governo Lula foi melhor do que o de FHC e de que este legou uma herança maldita àquele… Certo?

O “nacionalismo” naval da Folha está furado

Quando a gente fala que a mídia manipula a informação, não está dizendo que ela mente.
Está dizendo que distorce, aumentando um lado, reduzindo o outro.
Vejam o caso da manchete – e mais quase toda uma página  interna da edição de hoje da Folha de S. Paulo.
“90% das plataformas de petróleo são compradas no exterior”
Aí vem a conta marota.
Como foram compradas 22 plataformas e, destas, só três foram integralmente construídas aqui, tem-se que 3/22 é igual a  13,6%. E então, 87% dão estrangeiras. Arredondando, 90%, não é?
Aí você, pacientemente, lê toda a matéria. A repórter Leila Coimbra jamais escreve a expressão 90%, senão uma vez, para dizer que das  48 plataformas da petroleira privada OSX, 90% serão construídas no Brasil, no estaleiro que o grupo empresarial de Eike Batista está começando a construir no Porto do Açu, em sociedade com a sul-coreana Hyundai Heavy Industries, e que será, segundo os planos, o maior estaleiro das Américas.
Como a empresa já achou e extrai petróleo, é óbvio que ela não iria esperar ficar pronto o estaleiro e que o estaleiro produzisse as plataformas, não é? Até porque, é evidente, um estaleiro não é simples como “fazer um puxadinho” e construir uma plataforma não é fazer um toldo de varanda. Portanto, nada mais natural que, na fase inicial, ela comprasse quatro plataformas em estaleiros que fazem uma atrás da outra.
Mas vá lá, é uma empresa privada e, se a Folha não se incomoda em que a Vale – segundo ela, empresa privada também, embora o estado tenha a maioria das ações do consórcio controlador – faça navios lá fora, é estranho que se incomode com o fato de a OSX fazê-lo. E, como se viu, nem é o caso.
Bom, sobram então, dos 15 equipamentos utilizados no gráfico que ilustra a matéria, 11 equipamentos pertencentes à Petrobras, e só três deles  feitos no exterior: a TLP-61 e os navios-plataforma (FPSO) Santos e Angra dos Reis.
E por que? Os dois FPSO foram comprados porque se destinam aos sistemas definitivos de exploração dos campos de Tupi e Lula, os primeiros do pré-sal. Eles substituem outros, afretados no exterior, que fizeram os testes de longa duração, mas que não têm capacidade de suportar o megavolume – 100 mil barris/dia – que os poços terão na sua operação comercial.  Foi, portanto, uma opção de velocidade na entrada de operação do pré-sal.
Opção que, de forma alguma, substitui ou reduz o empenho da Petrobras em desenvolver a indústria naval e petrolífera nacionais. Tanto que os FPSO apontados como tendo “parte nacional, parte estrangeira” são, na sua maioria, cascos comprados e reformados estruturalmente no exterior – eles têm previsão de ficarem ancorados no poço por 20 anos, não podem vir á terra para pequenos reparos – e convertidos aqui em navios-plataforma. O P-58 está no Estaleiro Estaleiro Rio Grande – que vai fazer oito outros FPSO, chamados “replicantes” – e o P-52 no Estaleiro Atlântico Sul, em Pernambuco. Lá, também, será sendo feito o “Cidade de São Paulo”, que tem apenas o casco importado da China.
Aliás, uma das características comuns a muitos navios-plataforma do tipo FPSO é serem construídos, por opção econômica, a partir de cascos de antigos navios petroleiros de grande capacidade – os chamados VLCC, Very Large Crude Carriers – que não são mais competitivos como navios de longo curso mas que se prestam perfeitamente – por sua enorme capacidade de tanques -  à operação quase estacionária de um navio-plataforma. Daí a necessidade de reforma do casco, em geral em dique seco, para reforçar suas características estruturais. O complexo não é o casco, mas a construção de uma plataforma de petróleo sobre ele.
E a TLP-61? É simples, é uma plataforma de um tipo diferente, pioneira no Brasil. E não está sendo feita no exterior, não.  Está sendo feita no Estaleiro Brasfels, em Angra dos Reis.
Mas, como é uma plataforma de outro tipo, diferente de todas já utilizadas pela Petrobras, a execução do projeto implicará a utilização de uma balsa especial para a etapa de mating (acoplamento do casco ao convés). A balsa existente no Brasfels, utilizada na construção de P-52, P-51 e P-56, não se encaixa à P-61, por que a  distância entre  suas colunas é menor do que em plataformas semissubmersíveis, como as que usa a Petrobras.  Assim, a nova balsa será construída no estaleiro da Keppel Fels em Singapura, junto com uma parte do convés e dos topsides da plataforma, que chegam ao estaleiro brasileiro no fim deste ano.
Agora, se a Folha se preocupa tanto com a questão da nossa capacidade de construir aqui plataformas para a exploração de petróleo, ao ponto de dedicar uma capa do caderno de economia à nossa “incapacidade” de fazê-las, porque dedicou, no dia da inauguração da P-52, no início deste mês, a plataforma com maior índice de nacionalização já alcançado (73%), apenas dois parágrafos de uma pequena matéria, como voc~e pode ver na reprodução publicada aí ao lado?
Seria isso o que o neoacadêmico Merval Pereira disse outro dia, desqualificando os blogs, a “capacidade de hierarquizar a notícia” da grande mídia?

quinta-feira, 16 de junho de 2011

MERCADOS: DIAS DE FÚRIA, NOITES DE ASSOMBRAÇÃO

Não é apenas o calote  da Grécia que assombra os mercados mundiais. A incerteza sopra também na esquina do mundo que deveria ser o ponto de encontro entre capitais ariscos e a segurança, em última instância, para a desordem financeira por eles engendrada : ou seja, a economia norte-americana. Se as ruas da Grécia e da Espanha ardem em protestos pelo custo de uma convalescência que, ao final e ao cabo, materializa-se na supressão de direitos e deslocamento de riquezas das nações para os credores, a verdade é que o bunker norte-americano não inspira mais a confiança absoluta que dele se espera. Os investidores que se deslocavam ontem em busca de um porto seguro para assistir de longe ao incêndio grego, colidiram com o tráfego em sentido contrário de más notícias vindas dos EUA. O que as buzinas anunciavam era o fantasma da estagflação: a inflação americana foi além do que se previa; a economia ficou aquém do que precisava crescer para acalmar os espíritos da incerteza e da obsessão mórbida pela liquidez, como diria Keynes. A variação dos preços na meca capitalista atingiu 3,6% nos últimos 12 meses. É o maior nível desde outubro de 2008. O problema se agrava no contraste com a curva do crescimento, que desliza para baixo. O indicador da produção industrial da região de Nova York, em junho, está negativo em 7,79. Sugere uma ruptura na já lenta, frágil, recuperação esboçada desde o final de 2010. Esses são os fundamentos da notícia comemorada ontem no Brasil, de que o risco-país, pela primeira vez na história, ficou abaixo daquele atribuído à principal cidadela capitalista do planeta. Por fim, cresce a percepção de que corda política da crise esticou ao máximo. De agora em diante será cada vez mais difícil descarregar o ônus da convalescência nas costas de povos e nações endividados. O cenário é de um corner, com janelas que se fecham e pontos de fuga que se estreitam. Um dado resume todos os demais: o PIB mundial é da ordem de US$ 60 tri; o volume de capitais em busca de refúgio --capitais fictícios em grande parte (leia textos inéditos de Luiz Gonzaga Belluzzo nesta pág), ultrapassa US$ 900 tri. Essa espuma busca desesperadamente uma contrapartida (inexistente) na riqueza real que se estreita por conta da recessão e dos calotes em marcha . É a partir dessa dança das cadeiras que o Brasil deve analisar o passo seguinte do seu crescimento e a estratégia diante da invasão de fluxos especulativos na economia. Em artigo recente nesta pág , 'Nuvens Negras no Horizonte'  (leia o especial "Desordem Financeira"), o economista da FGV, Amir Khair advertia: 'O melhor para o Brasil é apostar as fichas da saúde econômica e financeira naquilo em que somos bons: alto potencial de mercado interno inexplorado. É bom repensar as políticas do pé no freio, que podem fragilizar o País aos trancos de fora'

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Santayana celebra derrota de Berlusconi


O Conversa Afiada publica artigo de Mauro Santayana, extraído do JB online:


A Itália disse não a Berlusconi



Mauro Santayana

A derrota de Berlusconi, na consulta plebiscitária desta semana, apesar da crescente impopularidade do primeiro ministro, trouxe duas surpresas. A primeira delas foi o comparecimento que, superando o patamar constitucional de 50%, validou a consulta, e a segunda, a derrota das decisões do governo pela inédita maioria de 95% em média, nas quatro questões propostas. Como se sabe, há 16 anos não se obtinha o quorum mínimo para anular uma lei ou decisão governamental.


Ainda que, do ponto de vista da atualidade política, a massacrante vitória da oposição seja a da não imunidade (melhor, não impunidade) de Berlusconi e de seus ministros, os outros pontos da consulta golpeiam fundo os postulados do neoliberalismo, sobre os quais Berlusconi estabeleceu o seu poder. O povo disse não à apressada privatização da água, manifestando-se contra a exploração dos recursos hídricos pelas sociedades capitalistas, algumas delas provavelmente estrangeiras, da mesma forma que se manifestou contra a energia nuclear.


Embora tenha perdido, por duas vezes, a chefia do governo para a esquerda, é inegável que a vida política italiana se desenvolveu em torno de Berlusconi, desde 1994, quando o poderoso e suspeitíssimo empresário ganhou sua primeira eleição: não se discutiam os projetos de governo, nem os fundamentos ideológicos da democracia.  E Berlusconi conciliava os interesses mafiosos do Sul com os altos interesses empresariais do Norte, reunidos em torno da Lega Lombarda, de inspiração separatista e neofascista.


O fascismo de Mussolini foi um desses movimentos de direita, mais grave pelas condições históricas que favoreciam a ascensão do totalitarismo e também pela formação intelectual e ideológica do duce, filho de um trabalhador socialista e de algumas letras, que lhe deu o nome de Benito em homenagem a Juarez, o revolucionário mexicano. Benito Juarez morrera onze anos antes do nascimento do líder italiano e levou o pai a homenageá-lo com o nome do heróico mestiço. É imensa a distância entre Mussolini e Berlusconi, o que dá razão a Marx: as coisas ocorrem primeiro como tragédia e, mais tarde, como farsa. Ainda que para Croce, Mussolini não tenha passado de um “palhaço”, a quem o rei da Itália entregara o poder, o duce era discreto em seu comportamento pessoal, protegido pelo sistema totalitário que, com a censura à imprensa e o terror policial, preservava a sua privacidade.  


A derrota de Berlusconi é uma oportunidade para que os democratas de esquerda encontrem um projeto comum de poder. Eles devem partir da dura realidade de que não foi o comportamento debochado de Berlusconi que promoveu a sua queda de popularidade, nem, provavelmente, o expila do governo daqui a uma semana. O seu desprestígio é resultante da terrível situação econômica do país, que, por sua vez, se deve ao neoliberalismo, hoje em dramática decadência nos paises que o inventaram e nos quais os governos o sustentaram, a partir dos Estados Unidos e da Inglaterra, passando pela França de Sarkozy, a Espanha de Aznar e Zapatero, a Itália do trêfego Berlusconi. A Itália e os seus vizinhos só terão estabilidade política se adotarem medidas de bom senso restaurador,  algumas delas sinalizadas pelo referendum recentíssimo. A esmagadora maioria dos italianos optou por mais estado e menos mercado, por mais empregos e menos lucros das empresas privadas.


Ainda Battisti


Apenas por curiosidade, transcrevo, aqui, dois artigos da Constituição Italiana de 1947.


O artigo 10, linha 4, determina:


“Nom è ammessa l’estradizione dello straniero per reati polici”.


O artigo 26, confirma:


“L’estradizione del cittadino puó essere consentita soltanto ove sia espressamente prevista dalle convenzioni internazionale. Non puó in alcun caso essere ammessa per reati politici”.


Sem comentário

FHC foi o único aliado

O Farol de Alexandria condecora o encarcerado


O Conversa Afiada reproduz discurso de Jilmar Tato, vice-líder do PT na Câmara:

FHC, Fujimori e as extravagâncias da atuação tucana


Jilmar Tatto (*)

Dia 8 de junho último tivemos mais uma demonstração de como é difícil para os tucanos conviverem com os sucessos dos governos Lula/Dilma na esfera internacional. Desta vez, foi o líder do PSDB que comandou  mais uma ação extravagante no plenário da Câmara dos Deputados ao pedir para ser apreciado um requerimento solicitando a aprovação de um “voto de repúdio à presidenta Dilma Rousseff por não receber a Senhora Shirin Ebadi, Prêmio Nobel da Paz, advogada iraniana de Direitos Humanos”.


Diante deste impetuoso requerimento, alguns pensaram que ele estava apresentando sua candidatura ao cargo de “agendeiro” da presidenta Dilma, mas outros lembraram ao deputado que a ordem natural das coisas é outra: primeiro é preciso ganhar as eleições para presidente da República para em seguida construir-se a agenda diplomática do país.


Curiosamente, aqui no Brasil, uma oposição reiteradamente derrotada se arvora em responsável pela agenda diplomática do país e quer enfiá-la a ferro e fogo na garganta presidencial. Talvez até sem consultar a senhora Shirin Ebadi, cujos respeitáveis interesses certamente não passam por arrombar a porta do gabinete da presidenta, nem pelo atropelo de sua agenda. Isso se depreende de repetidas declarações de Shirin Ebadi de respeito e consideração por Dilma Rousseff e por suas tomadas de posição em matéria de direitos humanos.


Mas não bastasse o requerimento descabelado, para exibir seus profundos conhecimentos sobre diplomacia contemporânea, o líder do PSDB precisava despejar seu balaio de impropérios contra o ex-presidente Lula e suas supostas preferências por ditadores.


Depois dessa sessão de impropérios a palavra me foi concedida para falar, em nome do Partido dos Trabalhadores, contra a proposição estapafúrdia. Além de defender o ex-presidente Lula e de mostrar a impertinência da iniciativa do líder do PSDB, fiz um breve relato sobre as relações íntimas entre FHC e o ditador nipoperuano Alberto Fujimori, já que repentinamente o líder tucano estava dando mostras de inusitado zelo pelos direitos humanos.


Aproveitei o espaço para informar ao líder do PSDB que FHC foi o único presidente de toda a América do Sul que apoiou a tri-reeleição de Alberto Fujimori, antigo candidato a ditador perpétuo do Peru. E mais, que ele condecorou aquela figura sinistra com a Ordem do Cruzeiro Sul, comenda máxima concedida pelo Estado brasileiro a personalidades estrangeiras.


Felizmente o Senado brasileiro já aprovou um Projeto de Decreto Legislativo (PDL), de autoria de Roberto Requião, anulando a concessão da Ordem do Cruzeiro do Sul ao ex-ditador peruano. Na Câmara, este PDL já foi aprovado na Comissão de Relações Exteriores, faltando apenas passar pela Comissão de Constituição e Justiça para ir ao plenário.


Este é um bom momento para concluir a tramitação do projeto,  até como forma de congratulação com o povo peruano que, elegendo Ollanta Humala, como presidente da República, no dia 5 de junho último, impôs uma derrota importante ao chamado fujimorato, que através da candidata Keiko Fujimori, filha do ditador, tentava reintroduzir a máfia comandada por seu pai no governo do Peru.


Como se isso não fosse suficiente, vale acrescentar que no ano 2000, quando ficou claro que o povo do Peru, nas ruas, derrubaria o ditador sanguinário e sua quadrilha, a diplomacia brasileira, sob a direção de FHC, colaborou na tarefa constrangedora de, enquanto Fujimori fugia para o Japão, arrumar um refúgio para o tenebroso Vladimiro Montesinos.


FHC ajudou a pressionar Mireya Moscoso, então presidenta do Panamá, para solicitar que aquela nação centro-americana concedesse asilo a Vladimiro Montesinos, íntimo companheiro de jornada de Alberto Fujimori, chefe de seu serviço de inteligência e coordenador do narcotráfico peruano.


Por último, me coube informar ao Líder do PSDB que o ex-ditador Alberto Fujimori, juntamente com Vladimiro Montesinos, hoje cumprem severas penas numa base naval de Callao e a hipótese de anistia, com a qual sonharam, evaporou-se no domingo, 5 de junho último, quando o povo peruano elegeu Ollanta Humala presidente de República. Aliás, Humala nos honrou escolhendo o Brasil como primeiro pais a ser visitado depois do triunfo popular. Foi recebido pela presidente Dilma Rousseff em Brasília e pelo ex-presidente Lula em São Paulo.


Diga-se a favor do líder do PSDB que, quando tomou conhecimento das informações acima citadas, tartamudeou alguma explicação incompreensível sobre sua percepção a respeito de Fujimori. Chegou até a perguntar ao presidente da sessão se era possível trocar o “repúdio” por algum termo legislativo mais brando. Informado de que isso não era possível, viu sua proposição esdrúxula receber minguados 60 votos.


Mas as extravagâncias da oposição comandada pelo PSDB não se limitam à pauta internacional. No dia da votação do Código Florestal o plenário e as galerias da Câmara puderam testemunhar, estarrecidos, o comportamento condenável de vários deputados da oposição que vaiaram o anúncio do assassinato dos extrativistas Júlio Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo, no Pará. Não escapou a ninguém que aquelas vaias equivaliam a um aplauso ao crime. Muito seguramente, não é com a apologia do crime que se consolida uma democracia.


Tudo isto mostra até onde pode chegar uma oposição isenta de base popular, carente de bandeiras, desprovida de um projeto nacional e, por último, mas não o menos importante, ideologicamente derrotada, sobretudo depois do colapso dos dogmas do consenso de Washington.


Esta orfandade múltipla explica um comportamento da oposição cada vez mais chegado ao do “modelito” Simão Bacamarte, criado por mestre Machado de Assis. Atualmente, só lhe resta se guiar por uma pauta impregnada por um moralismo tão suspeito, como falso e seletivo, de uma imprensa monopolista e cada vez mais irrelevante. À falta do lenitivo pseudomoralista da imprensa, só lhe restaria o caminho do manicômio do alienista.


(*) Deputado federal (PT-SP), vice-líder da Bancada do PT na Câmara

Brasil festeja risco menor que EUA mas entrada de dólar deve subir


'Mercado' acha pela primeira vez na história que é mais provável um calote norte-americano do que um brasileiro no pagamento de dívidas financeiras. Presidenta Dilma Rousseff e ministro Guido Mantega (Fazenda) comemoram sinal de 'solidez', mas queda do risco-país pode atrair ainda mais dólares que buscam lucrar com juro do Banco Central. Controle de capitais 'tímido' mantém moeda norte-americana barata e produz desindustrialização. Comissão do Senado aprova fim do superávit primário.

BRASÍLIA – Pela primeira vez na história, o “mercado” acha que há mais chance de os Estados Unidos darem calote no pagamento de dívidas financeiras do que o Brasil. A informação foi dada à imprensa nesta quarta-feira (15/06) pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, que contou que a nota do “mercado” para a dívida brasileira negociada no exterior, o chamado risco-país, é menor do que a aos débitos norte-americanos.

A notícia foi comemorada por Guido e, segundo ele, pela presidenta Dilma Rousseff, como um sinal que refletiria “a solidez da economia brasileira e a confiança que temos do mercado". Este fato pode ajudar, por exemplo, na queda do juro do Banco Central (BC) no futuro, já que o risco-país é um elemento que entra na calibragem da taxa. Mas também pode acentuar um problema que o Brasil já enfrenta no curto prazo, a entrada maciça de dólares, que produz real caro e desindustrialização.

Para o coordenador do Grupo de Análise e Previsões do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Roberto Messemberg, quanto maior a percepção do “mercado” de que o país tem “solidez fiscal”, menor será o risco-país e, portanto, maior será a atração de dólares.

Messemberg acredita, por exemplo, que o corte de R$ 50 bilhões do orçamento, que o governo fez no início do ano para – segundo o governo – conter a inflação, já tinha alimentado a percepção de solidez pelo “mercado”. E, ao fazê-lo, tinha atrapalhado o próprio esforço de combater a inflação com medidas alternativas ao aumento de juro do BC. “O ajuste fiscal de certa forma sabota as medidas macroprudenciais”, afirmou.

O elevado ajuste fiscal deste ano tentava tirar dinheiro da economia brasileira, para esfriá-la e reduzir o espaço para reajuste de preços. Para Messemberg, contudo, a entrada de capital estrangeiro atua no sentido oposto, ao injetar dinheiro na praça.

A queda do risco-país pode reforçar a entrada de dólares sobretudo porque o juro do Banco Central continua “extremamente atraente”, na avaliação do economista Fernando Cardim de Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Para ele, a tentativa do Ministério da Fazenda de conter a entrada de dólares com mais tributação está sendo infrutífera, pois o nível escolhido para o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) ainda não compensa o lucro gerado pelos juros do BC.

A enxurrada de dólares tem contribuído para que o dólar custe pouco e o real, muito, com impacto positivo nas importações (ajudam a conter a inflação) e negativo nas exportações (vendas, produção e geração de empregos menores).

Em 2001, segundo estudo recente do Ipea, a exportação de produtos agropecuários, pela primeira vez em muito tempo, já representa mais da metade das vendas brasileiras ao exterior. "Vivemos uma reprimarização brutal da pauta", afirma o economista Samuel Pessoa, da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Fim do superávit primário
No último dia 8 de junho, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado barrou a proposta do governo de pagar R$ 140 bilhões em juros da dívida no ano que vem. A proposta constava do texto original de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) enviada pela equipe econômica ao Congresso em abril.

A proposta de acabar com o superávit primário foi apresentada pelo senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) e recebeu parecer favorárel do relator, senador Valdir Raupp (PMDB-RO), que é presidente nacional do PMDB.

A ideia tem poucas chances de prosperar até a votação definitiva da LDO por deputados e senadores no plenário do Congresso, mas mostra no mínimo que pode ser usada pelos parlamentares para tentar arrancar alguma concessão do governo em troca do restabelecimento do superávit primário na lei.

De janeiro a abril deste ano, a quantia de recursos que o governo federal arrecada com impostos de depois usa para pagar juros da dívida ao sistema financeiro foi de mais de R$ 40 bilhões, metade de tudo o que se autoimpôs como meta para o ano inteiro.

Em audiência pública na Comissão Mista de Orçamento do Congresso nesta quarta-feira (15/06), o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, também comemorou a “solidez”. "O cumprimento de meta acima do previsto é muito positivo", disse.


Serra requenta discurso usado contra o Bolsa Família

Após perder as eleições presidenciais e a disputa interna no PSDB, o ex-governador de São Paulo, José Serra, luta para se manter sob os holofotes disparando críticas quase diárias ao governo de Dilma Rousseff. Um dos alvos do tucano tem sido o programa Brasil sem Miséria, lançado recentemente pelo governo federal. Para Serra, um “factoide destinado a ganhar um passageiro espaço gratuito nos jornais e na televisão”, ou então, “a nova versão do Fome Zero do Lula, que ficou só no nome”. Ao fazer isso, o ex-candidato requenta discurso já utilizado, sem sucesso, contra o programa Bolsa Família.

Após acumular duas pesadas derrotas, na eleição presidencial de 2010, e na disputa pelo comando de seu partido, agora em 2011, o ex-candidato José Serra ganhou como uma espécie de prêmio de consolação a presidência do recém criado Conselho Político do PSDB. A partir deste cargo, Serra vem procurando se manter sob os holofotes disparando críticas quase diárias ao governo de Dilma Rousseff. Um dos alvos do tucano tem sido o programa Brasil sem Miséria, lançado recentemente pelo governo federal. Para Serra, um “factoide destinado a ganhar um passageiro espaço gratuito nos jornais e na televisão”, ou então, “a nova versão do Fome Zero do Lula, que ficou só no nome”.

Não é essa a opinião do chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Marcelo Néri, que qualificou o lançamento do Plano Brasil sem Miséria como um “momento histórico” para o país. Na avaliação do economista, o Brasil deverá colher uma “safra muito boa” de indicadores sociais na próxima década. Um dos principais avanços do plano, disse Marcelo Néri à Agência Brasil, é que ele dá ao combate à miséria um peso institucional inédito. Além disso, enfatizou, o programa sinaliza continuidade em relação aos resultados sociais obtidos nos últimos anos, em especial a queda de 67% da pobreza extrema desde o Plano Real. “A desigualdade está no mínimo histórico. E, nesse momento, você resolve abrir outra frente para plantar e colher outros resultados, mas já usando a própria colheita como semente”.

O economista da FGV também chamou atenção para o que chamou de “federalismo social” do programa. Os municípios, observou, tiveram uma atuação muito importante no combate à pobreza, mas com pouca participação relativa dos estados. Néri também elogiou a decisão de elevar o número de filhos, de três para cinco, que passarão a contar com os benefícios do programa Bolsa Família. Segundo ele, no próximo mês a miséria já vai ser menor com a incorporação de 1,3 milhão de pessoas, basicamente, crianças. Néri também contestou também a crítica de alguns economistas sobe o impacto fiscal do programa, observando que “é barato combater a pobreza”.

A economista Maria da Conceição Tavares também saiu em defesa do programa e criticou as declarações de Serra: “O ex governador José Serra escreveu, recentemente, um artigo desaforado sobre o Plano Brasil sem Miseria, no estilo que usou na sua campanha eleitoral. Aproveitou, além disso, no seu estilo agressivo, para atacar o governo da Presidenta Dilma em todas as frentes, da política econômica à social. Serra, como de costume, não tem razão. Seria bom os cidadãos, de modo geral, se informarem a respeito do Plano Brasil sem Miséria”.

Em artigo publicado nesta quarta-feira, no jornal O Globo, a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, reafirmou o compromisso de retirar 16 milhões de brasileiros da situação de extrema pobreza. “Vamos aperfeiçoar o Bolsa Família em dois pontos: com a busca ativa dos que têm perfil de receber transferência de renda e ainda não recebem, incluiremos mais 800 mil famílias; e com a ampliação de três para cinco filhos por família que recebem a parcela variável, serão beneficiadas 1,3 milhão de crianças e adolescentes”, destacou a ministra.

Tereza Campello enfatizou ainda que esses 16 milhões de pobres extremos “têm nome, endereço e direitos”. “Desses, 40% têm até 14 anos, 71% são negros e 47% vivem no campo. Estão espalhados por esta imensa nação, refletindo sua diversidade nas diferentes caras da miséria”. E lembrou a disposição já demonstrada de governadores e prefeitos em participar do programa: “O plano conta com o conhecimento adquirido em experiências positivas de inclusão em todos os níveis, com a disposição já demonstrada de governadores e prefeitos, independentemente de suas opções partidárias”.

As críticas de Serra ao programa requentam, na verdade, uma estratégia já adotada pela oposição no início do governo Lula, por ocasião do lançamento do Bolsa Família. No início, o programa foi atacado como uma política assistencialista, insuficiente e como uma ameaça para a estabilidade fiscal. Quando os resultados começaram a aparecer, as críticas deram lugar à uma disputa pela paternidade do programa que foi reivindicada, entre outros, pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo falecido senador Antônio Carlos Magalhães.

Houve ainda, naquela época, teses mais exóticas, como a defendida pelo jornalista Gilberto Dimenstein. Em um artigo publicado na Folha de S. Paulo, em 2 de abril de 2006, o jornalista defendeu que o então presidente Lula representava uma “ameaça” ao Bolsa Família. “Para sobreviver, o programa teria de ser visto como um patrimônio nacional, e não como marca pessoal de Lula”. O “risco Lula”, segundo Dimenstein, seria a exploração eleitoral do programa.

Nenhuma das previsões e advertências de Dimenstein acabou se confirmando. Pelo contrário. De 2006 para cá, o Bolsa Família consolidou-se como um programa reconhecido internacionalmente. Lula encerrou um ciclo de oito anos de governo firmando-se como uma liderança mundial. Não só pelo Bolsa Família, obviamente, mas também por ele. E o programa vem sendo tema obrigatório em todas as eleições de lá para cá, sem prejuízo para a sua execução. Passadas as eleições, a disputa pela paternidade do programa cessa e retornam as críticas originárias. Em um período onde luta para não submergir na cena política, Serra, que na campanha eleitoral prometeu aumentar o valor do Bolsa Família, requenta esses discursos, tentando dar-lhes uma roupagem nova.

CALOTE GREGO ASSOMBRA MERCADOS.


"Sem-vergonhas! Vocês não nos representam!" Com esses gritos de milhares de manifestantes entrincheirados em barricadas diante do Parlamento catalão, em Barcelona, nesta quarta-feira, tentaram impedir a votação do novo orçamento regional com cortes de 10%  nos gastos públicos.  Simultaneamente, em Atenas,  25 mil pessoas cercavam o Parlamento grego e o ministério das Finanças aos gritos: "Desistam, Desistam...ladrões! Traidores". Foram os mais violentos confrontos dos últimos meses entre a polícia e manifestantes, deixando um saldo de dezenas de feridos. O governo Papandreou esfarela e busca uma nova coalizão para subsistir. Pressões dos credores por um up grade no arrocho fiscal deflagraram cisões dentro do próprio partido socialista. O espectro do calote iminente assombra os mercados.  Sobretudo, porém, avulta a consciência de que a corda esticou até o limite. O ajuste ortodoxo serviu para arrebentar as derradeiras resistências do organismo doente e facilitar o seu escalpo. Não era para resolver. Mas para dilapidar. A percepção  de que essa lógica bateu no teto deflagrou a fuga preventiva de capitais de bancos credores da Grécia, bem como de outras nações  fragilizadas, Espanha e Portugal  à frente.  A lógica do Estado mínimo para a população, com atendimento máximo dos rentistas, foi captada pelo senso popular. Ela alimenta o rastilho das revoltas contra instituições e partidos que agem como  aplicativos do FMI.  Parece 1789, mas é a Europa do século 21.

(Carta Maior; 5º feira,16/06/ 2011)

segunda-feira, 13 de junho de 2011

ORTODOXIA TREME : OBAMA QUER

 
Diante de uma crise que não cede, mesmo depois de o governo despejar US$ 1,3 trilhão no metabolismo dos mercados, retidos, em boa parte, nos cofres da banca privada --que prefere investir em títulos públicos ou especular nas bolsas de commodities a financiar a demanda e o  investimento-- o presidente Barack Obama cogita agora criar um banco de desenvolvimento estatal, semelhante ao BNDES brasileiro. A intenção é ter uma ferramenta contracíclica , induzindo investimentos em infraesterutura para injetar algum oxigênio à atividade econômica. A crise e sua longa convalescência evidenciaram o custo elevado do desmonte do aparato público promovido por três décadas de neoliberalismo nos EUA, iniciado com Reagan, em 1981, passando por Clinton nos anos 90 até o seu esfarelamento completo com Bush. Em 2007/2008, quando os mercados entraram em parafuso com a crise das sub-primes, o governo não dispunha de mecanismos para se contrapor à lógica pró-cíclica, sobretudo das finanças, que agem como manada, exacerbando períodos de alta e agravando as dinâmicas recessivas. A reação de Obama , algo tardia, mas sobretudo amesquinhada pela resistência republicana que deseja impor limite acanhados à instituição - no ano passado, por exemplo,  o BNDES concedeu US$ 96,32 bilhões em empréstimos, 3 vezes mais que o BID  controlado pelos EUA, com US$ 28,8 bi-- traz importantes lições ao Brasil. Um dos maiores acertos do governo Lula foi ter preservado e expandido o fôlego do sistema financeiro público que permitiu ao país resistir e reverter a espiral recessiva  e voltar a crescer. Entre 2008 e 2010, quando a banca privada deixou o país na mão criando uma crise de crédito, o BNDES  aumentou sua fatia no financiamento produtivo  de 9,4% para 22,5%  O dispositivo midiático demotucano fez fogo e criticou as tendências estatizantes do empréstimo público subsidiado ( a taxa de juro do BNDES é de 6% contra Selic de 12,25%). A intenção de Obama agora  reafirma a relevancia desse ferramental num mundo onde nações se tornam reféns da incerteza financeira, que imobiliza governos e partidos desprovidos de instrumentos para enfrentá-la.  Os textos inéditos de Luiz Gonzaga Belluzzo publicados nesta pág. explicam a natureza centralizadora do sistema financeiro no capitalismo. Seu poder estrutural de 'coordenar' a economia não pode ficar subordinado à lógica privada.

(Carta Maior; 2º feira,13/06/ 2011)

A METRÓPOLE ENTREGUE À MEDIOCRIDADE

Às vésperas de um ano eleitoral, o caixa da prefeitura demotucana de São Paulo está recheado. Cerca de R$ 7 bi não investidos nas urgências da população foram reservados pelo alcaide Gilberto Kassab para maquiar a nulidade de uma gestão, que manteve assim  a sintonia com a de seu patrono, José Serra. A arquiteta Raquel Rolnik, em seu blog, dá a medida dos valores estocados. O superávit municipal equivale ao orçamento anual de uma cidade como Belo Horizonte (R$7,5 bi). Aproxima-se do investimento total previsto para São Paulo em 2011 (R$ 8,5 bi). Ou seja, Kassab tem dois anos de inversões nas mãos, em parte, graças a aumentos de até 60% do IPTU e ao reajuste superlativo das passagens de ônibus , que saltaram de R$ 2,30 em janeiro de 2010 para R$ 3,00 --30% mais para uma inflação inferior a 10%. Se os cofres estão firmes, a cidade aderna. Não é preciso ser oposicionista, basta ser transeunte para constata-lo. Com a cobertura complacente da mídia sem a qual Kassab jamais teria sido eleito, São Paulo vive um ciclo de decadência irretocável. Ruas sujas, abrigos de ônibus caindo aos pedaços, inundações sem planos equivalentes à gravidade do problema, flacidez administrativa, saúde sem investimento, o trânsito deixado à própria sorte e o sentimento mais ou menos disseminado de que a cidade virou uma cápsula de concreto, fumaça e mediocridade onde o interesse público foi asfixiado. De novo, é Raquel Rolnik quem resume  o colapso reafirmado diariamente nas artérias necrosadas da metrópole: "a cada mês, o paulistano passa dois dias e seis horas no carro ou no transporte público. Os paulistanos perdem, em média, 27 dias por ano no congestionamento". Só a aposta numa cumplicidade  orgânica da mídia explica a desenvoltura do prefeito --agora convertido ao 'verde'-- que regurgita  acenos publicitários prometendo fazer nos próximos 12 meses tudo o que ele e seu padrinho não cogitaram em seis anos: hospitais, parques, escolas, rede de trólebus, mais ônibus, ciclovias etc. São Paulo é a quarta maior mancha urbana do planeta. Conecta 19 milhões de pessoas (quase um Portugal e uma Suíças juntos) e 39 municípios. O político em cujas mãos o PSDB depositou o destino desse emaranhado tem a seguinte opinião sobre planejamento: "Poderíamos não atender [as metas], porque meta é meta. Meta não é compromisso"(Folha 10-06). A esquerda de São Paulo não pode ter o escárnio como referência se quiser construir uma opção relevante em 2012. Restaurar o planejamento e  a mobilização, claro. Mas, sobretudo, é preciso inovar. E fazer da campanha a prefiguração da cidade que se quer restituir aos cidadãos. Depois do Orçamento Participativo criado pelo PT em Porto Alegre, em 1988, qual foi o novo grande avanço trazido pela esquerda à gestão municipal?
(Carta Maior; 2º feira,13/06/ 2011)